As competições esportivas são eventos que expõem os atletas a diversas situações estressoras que podem interferir de forma positiva ou negativa no desempenho (Christensen & Smith, 2018; Nascimento Junior et al., 2014; Rossi et al., 2016). Tais emoções podem afetar o nível de atenção e concentração do atleta, agindo de forma positiva ou negativa no alcance de suas metas (Arruda et al., 2017; Paludo et al., 2017).
De acordo com Fernandes et al. (2014), a ansiedade é um constructo multidimensional que se refere à vontade de responder a uma situação estressora e uma tendência de perceber esse tipo de situação. Dessa forma, a ansiedade pode afetar ou otimizar o desempenho, dependendo das características psicológicas do indivíduo (Paludo et al., 2017; Silva et al., 2019).
A Teoria Multidimensional da Ansiedade (Martens et al., 1990) engloba três principais componentes da ansiedade pré-competitiva. O primeiro componente é o cognitivo, que envolve pensamentos e dúvidas sobre o seu próprio desempenho e sobre a ocasião competitiva, bem como um julgamento de si mesmo. O segundo componente consiste em uma perturbação somática, que é caracterizada por sensações fisiológicas de excitação, como aumento da sudorese, batimentos cardíacos e tensão muscular, alteração na respiração e frio no estômago. E o terceiro componente é designado como autoconfiança, que é a crença por parte do indivíduo nas suas capacidades para obter um desempenho positivo (Martens et al., 1990).
Por se tratar de uma reação ao estresse crônico, a manifestação de ansiedade pré-competitiva pode desencadear outros tipos de estresse no contexto esportivo como a síndrome de burnout (Pires et al., 2016; Pires et al., 2019). Essa síndrome no esporte é conceitualizada como uma síndrome cognitiva/afetiva caracterizada pela ausência de motivação, falta de prazer, esgotamento emocional e físico, diminuição do sentido de realização e desvalorização do esporte (Gustafsson et al., 2016; Pires et al., 2016).
No contexto esportivo, a descrição da síndrome se baseia na teoria multidimensional do burnout em três dimensões (Gustafsson et al., 2016): exaustão física e emocional, relacionada com a alta demanda de treinamento e competições; reduzido senso de realização esportiva, que corresponde à insatisfação do atleta relacionada ao seu nível de desempenho e realização no ambiente esportivo; e, por fim, desvalorização esportiva, que é a falta de interesse e preocupação com a carreira esportiva.
Estudos têm apontado que a síndrome de burnout pode interferir negativamente na saúde física e mental e, consequentemente, no desempenho do atleta (Pires et al., 2016; Pires et al., 2019). Um agregado de autores sugere a necessidade de se avaliar a síndrome de burnout juntamente com outras variáveis psicológicas em ambientes esportivos competitivos, devido a esse estresse nos atletas prejudicar o desempenho tanto físico quanto cognitivo, assim como a saúde mental (Gouttebarge et al., 2015; Moen et al., 2014; Olivares Tenza et al., 2016). Appleton e Hill (2012) afirmam que atletas que desenvolvem a síndrome de burnout apresentam desmotivação, elevados níveis de estresse e ansiedade. A ansiedade pré-competitiva pode influenciar no desempenho esportivo; em especial, em situações críticas e momentos de tomada de decisão (Arruda et al., 2017; Fortes et al., 2017; Silva et al., 2019).
Gustafsson et al. (2017) avaliaram que o medo do fracasso e as experiências vividas por atletas adolescentes podem ter implicações significativas para o controle do estresse, ansiedade e emoções ao longo da carreira. Sagar et al. (2009) identificaram que jovens atletas demonstram que o medo do fracasso aumentou suas preocupações negativas (ansiedade, estresse, tensão e desmotivação). Um agregado de autores associa a síndrome de burnout a fatores negativos da prática esportiva, como falta de prazer, ansiedade, desmotivação e estresse (DeFreese & Smith, 2014; Goodger et al., 2007; Gouttebarge et al., 2015; Gustafsson et al., 2008; Gustafsson et al., 2016; Gustafsson et al., 2017). Caso esse processo se prolongue, isso pode ocasionar o abandono do esporte pelo atleta (Isoard-Gautheur et al., 2016).
Desta forma, ainda há uma lacuna no entendimento das relações entre a ansiedade pré-competitiva e síndrome de burnout, em atletas de futsal que participam de competições de curta duração. Os resultados deste estudo podem contribuir para a preparação para a competição, uma vez que técnicos, psicólogos esportivos e outros envolvidos no esporte podem utilizar dessas informações para analisar o grupo no processo competitivo. Com isso, este estudo objetivou investigar a ansiedade pré-competitiva e os indicativos de burnout de atletas de uma equipe de futsal ao longo de uma competição de curta duração.
Método
Trata-se de uma pesquisa analítica, observacional e transversal, integrada a um projeto institucional aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o Parecer n. 3.576.390.
Participantes
A amostra foi escolhida de forma intencional e por conveniência, e composta de 12 adolescentes da equipe de futsal do município de Floresta, Paraná, sendo cinco titulares e sete reservas. Foram incluídos todos os 12 atletas da equipe, atuantes em diversas posições do futsal, com idade entre 12 e 16 anos, do sexo masculino.
Instrumentos
A idade, faixa etária, tempo de prática de futsal, tempo semanal de prática de futsal e posição em quadra foi avaliada por um questionário elaborado pelos próprios autores.
Os atletas responderam a uma versão traduzida e adaptada para o Português do Brasil para atletas a partir de 16 anos (Coelho et al., 2010) do Inventário de Ansiedade Competitiva no Esporte (CSAI-2) (Martens et al., 1990). Esse instrumento é constituído por 27 itens, agrupados em três fatores, da seguinte forma: os itens 1, 4, 7, 10, 13, 16, 19, 22 e 25 pertencem ao fator ansiedade cognitiva; 2, 5, 8, 11, 14 (itens com pontuação invertida), 17, 20, 23 e 26 à ansiedade somática; e, 3, 6, 9, 12, 15, 18, 21, 24 e 27 à autoconfiança. As afirmações foram respondidas de acordo com uma escala do tipo Likert de quatro pontos (1 = nada a 4 = muito). É possível calcular um escore para cada dimensão, através da soma das respostas dos itens daquele fator, podendo os valores variar entre 9 e 36. O alfa de cronbach das dimensões do instrumento para o presente estudo variou de α = 0,70 a α = 0,76, indicando forte consistência interna.
O Questionário de Bournout para atletas (QBA) foi utilizado para avaliar a síndrome de Bournout nos adolescentes. O QBA foi desenvolvido por Raedeke e Smith (2001) e validado para o contexto brasileiro em uma amostra de jovens atletas por Guedes e Souza (2016). Tal instrumento avalia a frequência de sentimentos relativos ao burnout, sendo constituída por 15 itens distribuídos por três dimensões: exaustão física e emocional (EFE) (e.g., eu estou exausto pelas demandas física e emocional do esporte); reduzido senso de realização esportiva (RSR) (e.g., não importa o que eu faça, eu não executo como devo) e desvalorização esportiva (DES) (e.g., eu tenho sentimentos negativos em relação ao esporte). O instrumento é respondido por meio de uma escala Likert de “quase nunca” (1) a “quase sempre” (5) em relação a quantas vezes o atleta tem tido esse sentimento ou pensamento durante a temporada. As pontuações dos itens 1 e 14 devem e foram invertidas. O alfa de cronbach das dimensões do instrumento para o presente estudo variou de α = 0,72 a α = 0,78, indicando forte consistência interna.
Procedimentos
Primeiramente, 15 dias antes da competição, foi solicitada a autorização dos pais ou responsáveis para que os adolescentes fizessem parte da pesquisa por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Além disso, foi solicitada a autorização para coleta de dados com o técnico da equipe de futsal, que era o responsável pelos adolescentes na competição, no momento da coleta de dados. Os adolescentes também assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).
A coleta de dados foi feita durante os jogos paranaenses, que ocorreram em diversas cidades do estado do Paraná. Uma hora antes do primeiro jogo, os atletas responderam aos questionários. Nos demais jogos, no mesmo tempo antes (uma hora), os atletas responderam apenas aos questionários de ansiedade e Bournout. Após o último jogo, os atletas também responderam esses dois últimos questionários.
Análise de dados
A análise dos dados foi realizada por meio do Software SPSS 22.0, mediante uma abordagem de estatística descritiva e inferencial. Inicialmente, foi verificada a normalidade dos dados por meio do teste Shapiro-Wilk e a esfericidade dos dados por meio do teste de Mauchly. Como os dados apresentaram distribuição normal, foram utilizadas a Média (x) e o Desvio-padrão (dp) para a caracterização dos resultados. A comparação da ansiedade pré-competitiva e dos indicativos de burnout dos atletas no pré-jogo ao longo da competição foi efetuada por meio da Anova de Medidas Repetidas seguida do Post Hoc de Bonferroni. A correlação entre a ansiedade pré-competitiva e os indicativos de burnout foi verificada por meio do coeficiente de Pearson. Foi adotada a significância de p < 0,05.
Resultados
Os atletas apresentaram média de idade de 16,5 ± 0,80 anos e praticavam a modalidade em sua maioria há mais de dois anos (83,3%). Ao comparar a ansiedade pré-competitiva dos jovens atletas de futsal ao longo dos três jogos da competição (Quadro 1), foi encontrada diferença significativa apenas na ansiedade cognitiva (p = 0,048) do jogo 1 (x = 23,17) para o jogo 3 (x = 26,25), indicando que o nível de ansiedade cognitiva dos atletas aumentou ao longo da competição.
Na comparação dos indicativos de burnout dos jovens atletas de futsal do início para o final da competição (Quadro 2), foi encontrada diferença significativa apenas na exaustão física e emocional (p = 0,013) do pré-jogo 3 (x = 1,45) para o pós-competição (x = 2,03), indicando que o escore de exaustão física e emocional aumentou do momento pré-jogo 3 para o momento após o final da competição.
Dimensões de ansiedade | Jogo 1 | Jogo 2 | Jogo 3 | p-valor |
---|---|---|---|---|
x ± dp | x ± dp | x ± dp | ||
Ansiedade Cognitiva | 23,17 ± 4,15 | 24,17 ± 4,69 | 26,25 ± 5,54a | 0,048* |
Ansiedade Somática | 15,92 ± 2,68 | 18,17 ± 4,24 | 18,17 ± 4,82 | 0,141 |
Autoconfiança | 18,91 ± 3,17 | 20,58 ± 4,14 | 20,00 ± 3,62 | 0,221 |
Nota. *Diferença significativa - p < 0,05 - (Anova de Medidas Repetidas) entre: a) Jogo 1 e Jogo 3.
Ao analisar a correlação entre a ansiedade pré-competitiva e os indicativos de burnout dos jovens atletas de futsal ao longo da competição (Quadro 3), verificou-se correlação significativa (p < 0,05) positiva e moderada entre a ansiedade cognitiva e a exaustão física e emocional nos jogos 2 (r = 0,48) e 3 (r = 0,56), e correlação negativa e moderada entre a autoconfiança e o reduzido senso de realização esportiva no jogo 3 (r = -0,47). Tais resultados indicam que a ansiedade cognitiva se associou de forma diretamente proporcional aos sintomas de exaustão física e emocional nos dois últimos jogos da equipe. Ainda, a autoconfiança se associou de forma inversamente proporcional com o reduzido senso de realização esportiva no último jogo da competição.
Dimensões de burnout | Jogo 1 | Jogo 2 | Jogo 3 | Pós-competição | p-valor |
---|---|---|---|---|---|
x ± dp | x ± dp | x ± dp | x ± dp | ||
EFE | 1,50 ± 0,45 | 1,58 ± 0,64 | 1,45 ± 0,54 | 2,03 ± 0,48a | 0,013* |
RSR | 2,61 ± 0,51 | 2,50 ± 0,73 | 2,48 ± 0,67 | 2,31 ± 0,60 | 0,485 |
DME | 2,58 ± 1,16 | 2,21 ± 0,86 | 2,71 ± 1,05 | 2,29 ± 0,50 | 0,530 |
Nota. *Diferença significativa - p < 0,05 - (Anova de Medidas Repetidas) entre: a) Jogo 3 e Pós-competição. EFE = Exaustão física e emocional; RSR = Reduzido senso de realização esportiva; DME = Desvalorização da modalidade esportiva.
Burnout | Ansiedade pré-competitiva | ||
---|---|---|---|
Ansiedade Cognitiva | Ansiedade Somática | Autoconfiança | |
Jogo 1 | |||
EFE | 0,33 | 0,39 | 0,26 |
RSR | -0,07 | 0,08 | -0,38 |
DME | -0,20 | -0,09 | -0,23 |
Jogo 2 | |||
EFE | 0,48* | 0,35 | 0,05 |
RSR | 0,01 | -0,15 | -0,38 |
DME | 0,23 | -0,25 | 0,12 |
Jogo 3 | |||
EFE | 0,56* | 0,29 | -0,16 |
RSR | 0,38 | 0,05 | -0,47* |
DME | 0,15 | 0,08 | -0,25 |
Nota. *Correlação significativa (p < 0,05) - Correlação de Pearson. Nota: EFE = Exaustão física e emocional; RSR = Reduzido senso de realização esportiva; DME = Desvalorização da modalidade esportiva.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo avaliar a ansiedade pré-competitiva e os indicativos de burnout de atletas de uma equipe de futsal durante uma competição de curta duração. Os principais achados foram que os atletas se sentem mais ansiosos (ansiedade cognitiva) e sentem mais os sintomas de burnout (exaustão física e emocional) conforme a competição avança para momentos decisivos.
Pode-se perceber que a ansiedade cognitiva se associou de forma diretamente proporcional aos sintomas de exaustão física e emocional nos dois últimos jogos da equipe (Quadro 3). Pode-se inferir que quanto maior a demanda psicofisiológica, maior é a expectativa negativa do atleta sobre o seu desempenho competitivo. Desta maneira, pode-se levantar a hipótese de que a alta demanda de jogos pode levar à má adaptação às demandas físicas e psicológicas da competição, bem como o desequilíbrio entre o estresse e a recuperação (Giacomoni & Fonseca, 2014). Ainda, a autoconfiança se associou de forma inversamente proporcional com o reduzido senso de realização esportiva no último jogo da competição. Esse achado pode ser explicado devido ao baixo desempenho da equipe na competição, que não se classificou para a segunda fase, sendo eliminada na primeira fase.
Ao analisar a ansiedade pré-competitiva ao longo da competição (Quadro 1), percebeu-se que os pensamentos negativos, a apreensão e o medo são intensificados conforme a competição vai avançando para momentos decisivos, indicando que a pressão para a obtenção de uma classificação ou um jogo de playoff pode interferir diretamente na ansiedade cognitiva. De acordo com a Teoria Multidimensional da Ansiedade Competitiva (Martens et al., 1990), a ansiedade cognitiva diz respeito às expectativas negativas, por parte do atleta, acerca de seu desempenho. Portanto, é de se esperar que esta dimensão da ansiedade se eleve quando os jogadores estão enfrentando jogos mais difíceis (Arruda et al., 2017). Com isso, esse estresse adicional pode aumentar a ansiedade cognitiva (preocupações pessoais, dúvidas sobre a capacidade do jogador, consequência do resultado do jogo) devido aos jogos aumentarem o nível de dificuldade ao longo da competição.
No que concerne a relação de burnout entre os jogos da competição (Quadro 2), pode-se observar que a exaustão física e emocional aumentou do momento pré-jogo 3 para o momento após o final da competição. Uma provável explicação pode ser o fato de se tratar de atletas jovens que, quanto maior o tempo de prática, menores são os níveis dos sintomas relacionados ao burnout nesta população (Teixeira et al, 2016; Vieira et al., 2013). Goodger et al. (2007) observara em uma revisão sistemática que a experiência esportiva não parece ser uma variável associada ao burnout em atletas, diferente de outras variáveis que sofrem influência da experiência esportiva (ansiedade, motivação). A alta demanda de jogos pode acarretar cansaço físico e mental em atletas em razão da falta de controle da recuperação, o que, a priori, pode explicar a relação estatisticamente significante encontrada entre a subescala citada.
Apesar dos achados apresentados neste estudo, é de suma importância destacar algumas limitações. Primeiro, os dados obtidos permitem correlações entre variáveis, mas não inferências de causalidade, o que é uma das limitações da pesquisa. Segundo, a quantidade de participantes não permitiu algumas comparações, como, por exemplo, níveis da ansiedade pré-competitiva e os indicativos de burnout entre titulares e reservas e entre as posições. Ainda, o estudo apresentou design transversal, avaliando os atletas em apenas um momento da temporada, impossibilitando análises das relações de causa e efeito entre as variáveis. Por último, destaca-se a utilização do CSAI-2, que tem recebido algumas críticas por pesquisadores da área da Psicologia do Esporte e que não possui validação específica para atletas com menos de 15 anos de idade. Por fim, sugere-se que futuras pesquisas sejam realizadas também com atletas de modalidades individuais, a fim de comparar os grupos, como também o envolvimento de outras variáveis e com design longitudinal para verificar as possíveis alterações ansiedade pré-competitiva e os indicativos de burnout ao longo de uma temporada no futsal.
Concluiu-se que a alta demanda de jogos e a idade dos atletas podem ser consideradas fatores intervenientes na ansiedade cognitiva e indicativos de burnout dos jovens atletas de futsal. Do ponto de vista prático, destaca-se a importância da experiência na modalidade, bem como controle do estresse e recuperação durante competições de curta duração e o estabelecimento de metas para o alcance do sucesso esportivo como formas de controlar os sintomas da ansiedade cognitiva e indicativos de burnout em momentos prévios à competição.
Contribuição dos autores
Jonas Berwald: Concetualização; Investigação; Metodologia.
Yara Lucy Fidelix: Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
José Roberto do Nascimento Júnior: Curadoria dos dados; Análise formal.
Renato Mariotto: Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Daniel de Oliveira: Administração do projeto; Supervisão.