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Relações Internacionais (R:I)
versão impressa ISSN 1645-9199
Relações Internacionais n.23 Lisboa set. 2009
A Grande Muralha e o legado de Tiananmen
Raquel Vaz-Pinto *
Este ensaio tem como objectivo reflectir sobre o debate levado a cabo na China sobre a questão dos direitos humanos e democracia liberal, vinte anos passados do massacre de 4 de Junho na Praça Tiananmen. Iremos analisar o legado de Tiananmen e a vitalidade da discussão interna sobre as opções políticas e também económicas de Pequim e, em especial, a "Carta 08", um documento que resultou do esforço concertado de um grupo diverso de cidadãos chineses. Um tema tornado ainda mais premente pelas múltiplas análises que apontam para um século XXI verdadeiramente multipolar.
Palavras-chave: China, Tiananmen, direitos humanos, democracia
The Great Hall and Tiananmen Legacy
This essay has the goal of reflecting upon the debate that has taken place in China on the issues of human rights and liberal democracy, twenty years since the 4th of June massacre in Tiananmen Square. We will analyse the legacy of Tiananmen and the liveliness of the internal discussion concerning the political as well as economical options of Beijing and, in particular, "Charter 08", a document that was the outcome of a concerted effort by a varied group of Chinese citizens. A theme that is even more pressing by the multiple analyses that point towards a truly multipolar 21st Century.
Keywords: China, Tiananmen, Human rights, democracy
Mais cedo ou mais tarde, a questão da reavaliação do 4 de Junho terá que ser resolvida. Mesmo que seja adiada durante muito tempo, as pessoas não a vão esquecer. É melhor resolvê-la mais cedo do que mais tarde, de forma proactiva em vez de passiva e em tempos estáveis ao invés de conturbados.
Zhao Ziyang1
Todos nos lembramos da fotografia que correu mundo há vinte anos: um homem solitário frente aos tanques do poderoso Exército chinês na Praça de Tiananmen.
Nunca foi possível saber a sua identidade. E, ainda hoje, não sabemos quantas pessoas foram massacradas em prol da manutenção da ordem, pois números fidedignos, sobretudo em matéria de violações de direitos do homem, não são o ponto forte das ditaduras.
Sem dúvida que, na história recente da China, tiveram lugar outros massacres e bem mais devastadores - basta pensarmos na loucura da Revolução Cultural -, mas estes não foram transmitidos em directo na televisão. Esta tornou quase impossível a tradicional memória selectiva das ditaduras e a manutenção da reacção inicial de Pequim de negação da matança. Vinte anos depois, a China continua uma ditadura de pedra e cal e, de acordo com o último relatório da Freedom House, um dos países menos livres do mundo2.
A história de como Pequim se adaptou ao "factor Tiananmen" está muito bem documentada e trabalhada3. Desde então, o Governo chinês tem desenvolvido uma política externa centrada em seis pilares interligados em que é possível reconhecer elementos acomodatícios, afirmativos e agressivos: o reforço dos direitos humanos como uma questão interna de um Estado soberano; a "aceitação" da validade da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a ratificação, em 2001, do Pacto Internacional Direitos Económicos, Sociais e Culturais, embora com reservas (e.g., liberdade de formar e escolher sindicatos) e a assinatura do Pacto Internacional Direitos Civis e Políticos em 1998; a primazia dada aos direitos económicos, sociais e culturais; a defesa de uma abordagem baseada num relativismo cultural (os "Valores Asiáticos") sobretudo nos anos de 1990; a afirmação da política de "dois pesos e duas medidas" dos seus críticos; e a inserção da questão dos direitos humanos no debate Norte/Sul4. Para tornar mais eficaz a sua mensagem, Pequim passou a divulgar na internet e em inglês os White Papers on Human Rights5.
Em nosso entender, a adaptação chinesa das famosas palavras de Abraham Lincoln proferidas em Gettysburg - "desenvolvimento é para o povo, pelo povo e com o povo" -, que consta do 1.º Plano Nacional de Acção Direitos Humanos para 2009-2010, exprime de forma clara aquela que é a prioridade máxima de Pequim: a supremacia do direito ao desenvolvimento6. Esta também é facilmente constatada pelo facto de cerca de um terço ser dedicado aos direitos económicos, sociais e culturais7. Este documento, divulgado a 13 de Abril, reitera a abordagem defendida no relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos em Novembro de 20088.
Talvez nunca saberemos o que realmente se passou em Tiananmen em 1989, mas sabemos que, apesar da repressão levada a cabo pelo Governo chinês, há sinais claros de um debate interno sobre as opções não só políticas, mas também económicas de Pequim. Um exemplo claro deste legado de Tiananmen é a Carta 08, uma iniciativa concertada de 303 pessoas que a 10 de Dezembro, dia mundial dos direitos humanos e 60.º aniversário da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, foi divulgada online9. Este documento surpreendeu Pequim e foi capaz de escapar ao forte controlo da circulação de informação sensível e à censura activa e sistemática da internet pelas autoridades chinesas10.
O objectivo deste ensaio é reflectir sobre o debate interno à volta dos direitos humanos e democracia liberal na China nos últimos vinte anos. Esta reflexão torna-se ainda mais premente se tivermos em conta as muitas análises sobre a evolução do século XXI que apontam para uma sociedade internacional multipolar, sendo a China uma das grandes potências11. Nesse mundo multipolar (embora não saibamos o poder dos vários pólos e as preferências entre si), a ascendência da China poderá consagrar a possibilidade de um blueprint não democrático economicamente próspero, uma "Singapura à escala de 1,3 mil milhões"12. O futuro de um quinto da população mundial e as suas "opções" em matéria de direitos do homem e democracia liberal terão, como em muitas outras áreas, consequências globais.
A 5.ª MODERNIZAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS: TRÊS ETAPAS
Para compreendermos o legado de Tiananmen temos que recuar um pouco no tempo e, sobretudo, a Wei Jingsheng. Em 1978, este electricista do Jardim Zoológico de Pequim cometeu a ousadia de pedir a democracia como a modernização que faltava ao plano de abertura gradual de Deng Xiaoping. Foi preso e sentenciado, em 1979, a quinze anos de prisão e, em 1993, foi libertado nas vésperas da decisão do Comité Olímpico Internacional (COI) sobre a localização dos Jogos Olímpicos. Voltou a ser preso e, em 1997, exilado para os Estados Unidos da América. Prémio Sakharov em 1996, Wei simboliza o primeiro momento de visibilidade das questões de direitos humanos na China numa época em que estas não eram de todo discutidas internacionalmente. A China era, nas palavras de Roberta Cohen, a "excepção dos direitos humanos"13. Wei, através dos seus esforços individuais, foi o precursor do debate.
A segunda etapa tem o seu início nas manifestações estudantis de Maio e Junho de 1989 que culminaram num banho de sangue. Um movimento estudantil com vários líderes e cujos protestos se iniciaram com a morte e as cerimónias fúnebres de Hu Yaobang, um reformista convicto que tinha sido afastado pela linha dura do regime em 1987. O que começou por ser uma manifestação de estudantes foi-se alargando a outros sectores da sociedade chinesa, pois o que estava verdadeiramente em causa era o caminho a seguir em matéria das reformas económicas e políticas. Neste sentido, Zhao Ziyang, que preconizava a abordagem reformista, perdeu a luta pelo leme da China, pois recusou-se a ser o secretário-geral que tinha enviado o Exército para esmagar os estudantes14.
Dos vários intervenientes gostaríamos de destacar Wang Dan e Liu Xiaobo. Ambos foram presos mas tiveram sortes diferentes. Wang, tal como Wei Jingsheng, foi transformado numa útil moeda de troca da política externa de Pequim nas suas relações difíceis com o COI e Washington. Foi libertado em 1993, novamente preso e, em 1998, pouco tempo antes da primeira visita pós-Tiananmen de um Presidente norte-americano, exilado para os Estados Unidos. O intelectual que se juntou aos protestos em Tiananmen, Liu Xiaobo, apesar das detenções e contínuo assédio policial, continuou na China. Manteve a sua abordagem crítica e foi o principal organizador da Carta 08. Esta segunda etapa, a "geração Tiananmen", começou de modo pouco organizado, mas foi crescendo em termos de reivindicações e de concertação de abordagens. O 4 de Junho foi um momento incontornável nas relações da China com o mundo e fundamental para tornar visível a tensão entre aqueles que defendem a concepção dos direitos do homem como direitos do cidadão e, como tal, concedidos pelo Estado, e os que consideram os direitos do homem como intrínsecos à natureza do ser humano.
Ao longo destes vinte anos também temos vindo a assistir a manifestações cada vez mais organizadas em várias dimensões da vida pública chinesa: desde as questões ambientais, religiosas, étnicas e laborais à resistência organizada aos despejos forçados em nome dos Jogos Olímpicos ou do progresso em geral. Os esforços de advogados como Gao Zhisheng, Ye Guozhu ou Ni Yulan, dois activistas que lutam pelos direitos daqueles que foram forçados a abandonar suas casas em Pequim devido aos Jogos Olímpicos, são apenas três exemplos entre muitos.
Também em matéria de liberdade de expressão encontramos cada vez mais cidadãos chineses dispostos a correr riscos e, talvez mais importante, sendo a sua luta conhecida além-fronteiras. O mais famoso é Hu Jia, acusado de "subversão" depois de ter participado numa videoconferência organizada pelo Parlamento Europeu sobre direitos do homem na China. Foi preso em Novembro de 2007 e sentenciado a três anos e meio de prisão em Abril de 2008, tendo recebido in absentia o Prémio Sakharov 2008. Também ficou célebre o caso de Shi Tao, um jornalista acusado de revelar segredos de Estado - uma acusação que impossibilita que os julgamentos sejam públicos - e cuja detenção foi possível com a ajuda da Yahoo! O seu crime foi o de ter divulgado um e-mail do Departamento de Propaganda com as directrizes partidárias para a cobertura noticiosa do aniversário do massacre de Tiananmen. Foi galardoado com a Pena de Ouro da Associação Mundial de Jornais em 2007 e, em 2008, este prémio foi atribuído a outro cidadão chinês, desta feita Li Changqing, ex-director adjunto do diário Fuzhau. O seu crime foi o de ter divulgado um surto de febre de dengue sem consultar previamente as autoridades.
Os desafios internos são muitos e complexos mas pensamos que talvez o mais explosivo será a tensão entre o crescimento/desenvolvimento económico, crucial para a China de hoje e para o próprio Partido Comunista Chinês (PCC), e a crescente consciência do preço ambiental a pagar pela sociedade chinesa. Questões como a erosão dos solos, água potável, consumo energético e poluição têm-se tornado motivos de enorme conflito social e, literalmente, questões de vida ou de morte15.
LIU XIAOBO: "A INTERNET É O PRESENTE DE DEUS À CHINA"16
Foram estas as palavras de Liu Xiaobo publicadas pelo The Times a 28 de Abril, no dia em que lhe foi atribuído, pela sua defesa da liberdade de expressão, o Prémio PEN/Barbara Goldsmith Freedom to Write 2009. Para Liu, a internet é um meio que permitiu a uma nova geração de intelectuais emergir e, sobretudo, disseminar as suas ideias. Isto é evidente na divulgação da Carta 08, um documento que preconiza uma terceira etapa na evolução da questão dos direitos humanos na China. Um texto simples, curto e dividido em três partes: prólogo, princípios e propostas. Esta Carta, tal como a Carta 77 assinada por dissidentes checoslovacos, é um documento absolutamente surpreendente a três níveis: coordenação, diversidade de apoiantes e natureza das suas propostas.
Primeiro, porque foi assinada por cidadãos residentes na China que tinham consciência de que ao tornarem público o seu envolvimento seriam alvo de repressão policial.
Liu Xiaobo não foi excepção tendo sido detido em Dezembro e levado para um lugar não revelado pelas autoridades. A 25 de Junho de 2009 foi formalmente acusado de incitamento à subversão, uma acusação clássica do regime chinês em casos de dissidência, e que também deve ser entendida à luz de dois aniversários importantes em 2009. O primeiro, o aniversário incómodo para Pequim dos vinte anos do 4 de Junho de Tiananmen e, o segundo, os sessenta anos da fundação da República Popular da China a 1 de Outubro, cujas comemorações, tal como os Jogos Olímpicos, têm de reflectir e reafirmar a liderança do PCC como a única possível e capaz.
"O GOVERNO EXISTE PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS SEUS CIDADÃOS"
Em segundo, os signatários deste documento formam um grupo muito diverso: incluem desde Bao Tong, antigo assessor de Zhao Ziyang e que cumpriu dez anos de pena de prisão, a Ding Zilin, uma professora reformada que, após a morte do filho em 1989, ajudou a fundar o grupo "As Mães de Tiananmen". Em terceiro, porque as suas reivindicações não são meros paliativos ou reformas do regime actual, antes constituem um repto por uma China democrática ao estilo de Lincoln: "do povo, pelo povo e para o povo"17.
Há um apelo para que direitos já existentes na Constituição sejam de facto aplicados e uma constatação de que "a China tem muitas leis, mas não um Estado de Direito; uma Constituição, mas não um governo constitucional"18. Um exemplo claro foi o aditamento constitucional de 2004 ao artigo 33.º em que, pela primeira vez, se afirma que "o Estado respeita e protege os direitos humanos". Na prática, a supremacia dos interesses do Estado, sociedade ou colectivo, como consta do artigo 51.º, mantém-se. À dicotomia entre direitos do homem e direitos do cidadão, os signatários da Carta respondem de forma explícita: "Os direitos humanos não são concedidos pelos estados. Todos nascem com direitos inerentes à sua dignidade e liberdade.
O governo existe para a protecção dos direitos humanos dos seus cidadãos. O exercício do poder estatal tem que ser autorizado pelo povo."19 Com este propósito é avançada a criação de um Comité de Direitos Humanos de modo a impedir abusos de poder sendo dada especial atenção à abolição do sistema de "reeducação através do trabalho"20.
Mas igualmente interessante é o diagnóstico efectuado dos problemas da sociedade chinesa: a corrupção endémica dos membros do PCC e dos burocratas; o declínio de uma ética pública; um capitalismo selvagem e oligárquico; o crescente fosso entre os ricos e os pobres e, mais importante, entre os membros do partido e os cidadãos comuns21. Estas são queixas cada vez mais frequentes dos cidadãos chineses e se há lição que o PCC pode retirar da longa história da China é a de que a corrupção é mortal para a legitimidade governativa.
"UM NOVO CAPÍTULO DA CIVILIZAÇÃO CHINESA"
Há nesta Carta muitos elementos interessantes e que versam sobre diversas áreas da sociedade - desde a protecção do meio ambiente ao alargamento de um sistema de segurança social a todos os chineses -, mas gostaríamos de destacar duas ideias.
A primeira prende-se com a importância de conciliar os valores da ordem e da justiça, não deixando cair no esquecimento da história e dos números as vítimas do comunismo. É sempre um dilema harmonizar a necessidade de manter a estabilidade e a ordem de um país e, simultaneamente, fazer justiça às vítimas de violações de direitos humanos. Para além da preocupação com a reabilitação das vítimas e suas famílias às quais o Estado deve pagar indemnizações, os signatários propõem a criação de uma Comissão de Investigação da Verdade com a tarefa de procurar a reconciliação social22.
A segunda ideia está relacionada não só com a memória do próprio comunismo, mas também dos últimos cem anos. Na opinião dos autores da Carta, o processo de modernização política tem sido um processo adiado e, nesse sentido, é feito um apelo:
"Juntos podemos trabalhar para alcançar grandes mudanças na sociedade chinesa e o rápido estabelecimento de um país livre, democrático e constitucional. Somos capazes de tornar realidade os objectivos e ideais que o nosso povo procura incessantemente há mais de cem anos e acrescentar um novo e brilhan-te capítulo à civilização chinesa."23
Desde logo, constatamos o reconhecimento do falhanço da República chinesa saída dos escombros do Império do Meio e dos sonhos daquela que foi a primeira manifestação do nacionalismo chinês, o 4 de Maio de 1919. Este foi consequência da desilusão face às negociações de Versalhes e, em especial, à decisão de entregar a possessão alemã de Xandong ao Japão ao invés do regresso à soberania chinesa24. Para além da crítica a estes anos conturbados da República chinesa - agravados pela invasão japonesa e a guerra civil entre o PCC e o Guomindang - há uma clara rejeição da herança comunista, sobretudo tendo em consideração o enorme preço que teve de ser suportado pelo povo chinês (desde o Grande Salto em Frente à Revolução Cultural).
Em segundo lugar, gostaríamos de destacar as palavras finais desta Carta: "civilização chinesa". Há aqui claramente uma vontade de, ao contrário da "folha em branco" avançada pelo comunismo, assumir a história da China e continuá-la com um "capítulo" democrático. É relevante lembrarmo-nos que o Império do Meio, apesar de decadente, enfrentou o desafio da extraterritorialidade e do chamado "padrão de civilização" de modo oposto ao Japão25. O Império Chinês procurou sempre através de uma diplomacia assertiva combater as concessões estrangeiras e os tratados desiguais com base na sua injustiça e não reconhecendo os critérios do padrão de civilização como um teste.
O Japão, pelo contrário, fez todos os esforços para cumprir esses critérios internos e externos e, em 1919, chegou a Versalhes como uma grande potência. Tinha vencido a China e imposto o Tratado de Shimonoseki em 1895, efectuado uma aliança com a Grã-Bretanha em 1902 e, sobretudo, derrotado a Rússia na guerra de 1904-1905.
No entanto, em Versalhes a delegação japonesa compreendeu que, apesar de cumprir o padrão de civilização, não estava em igualdade de circunstâncias com as outras grandes potências. E foi esta percepção que explica a proposta japonesa de uma cláusula de igualdade racial. Uma proposta que lançou as sementes para o movimento de contestação ao status quo que caracterizou, em especial, a segunda metade do século XX26.
A escolha da palavra "civilização" e não Estado ou país relembra-nos a observação de Lucien Pye de que a "China é uma civilização a fingir que é um estado-nação"27.
No fundo, há um regresso à esperança de uma nova República que, ao contrário da primeira, seja verdadeiramente democrática e que mantenha a grandeza de uma civilização milenar. Também esta questão é importante para tentarmos descortinar como será a ascensão da China a grande potência: um processo pacífico - uma versão moderna da virtude civilizacional do Império do Meio - ou uma abordagem de maior confronto apoiada no hardpower.
CONCLUSÃO
Se, por um lado, constatamos que passados vinte anos desde o 4 de Junho a China continua uma ditadura, por outro verificamos a existência de um debate na sociedade chinesa sobre os caminhos a seguir neste século XXI. Há muitas questões de hardpower que moldarão o futuro da Grande Muralha enquanto jogadora de peso da sociedade internacional, mas pensamos ser fundamental manter no horizonte a evolução do legado de Tiananmen. Pois se há uma lição a retirar do fim do século XX é a de que a vontade de se ser livre leva os homens a uma coragem e determinação capazes de derrubar Muros.
NOTAS
1 ZHAO, Ziyang, in BAO, Pu, CHIANG, Renee, e IGNATIUS, Adi (eds.) - Prisoner of the State, the Secret Journal of Zhao Ziyang. Nova York: Simon & Schuster, 2009, p. 80. No original: "Sooner or later, the issue of reevaluating June Fourth must be resolved. Even if it's delayed for a long time, people will not forget. It is better to resolve it earlier rather than later, proactively rather than passively, and in stable rather than troubled times."
2 Numa escala de 1 (mais livre) a 7 (menos livre) foi atribuída à China 6 em matéria de direitos civis e 7 no que diz respeito aos direitos políticos. Cf. FREEDOM HOUSE - Freedom in the World 2008: Subscores. [Consultado em: 7 de Julho 2009]. Disponível em http://www.freedomhouse.org/template.cfm?page=414&year=2008.
3 Cf. CHEN, Jianfu - Chinese Law, Towards an Understanding of Chinese Law, Its Nature and Development. Haia: Kluwer Law International, 1999; COPPER, John F. - "Peking's post-Tiananmen foreign policy: the human rights factor". In Issues and Studies, A Journal of Chinese Studies and International Affairs. Vol. 30, N.º 10, Outubro de 1994, pp. 49-73; HARDING, Harry - "Breaking the impasse over human rights". In VOGEL, Ezra F. (ed.) - Living with China, United States-China Relations in the Twenty First Century. Nova York e Londres: W. W. Norton & Co, 1997, pp. 165-184; KENT, Ann - Between Freedom and Subsistence, China and Human Rights. Hong Kong, Oxford e Nova York: Oxford University Press, 1995; NATHAN, Andrew - "Human rights in Chinese foreign policy". In The China Quarterly. Vol. 139, Setembro de 1994, pp. 622-643; POTTER, Pitman B. - The Chinese Legal System, Globalization and Local Legal Culture. Londres e Nova York: Routledge, 2002; SEYMOUR, James D. - "Human rights in Chinese foreign relations". In KIM, Samuel S. (ed.) - China and the World: Chinese Foreign Policy Faces the New Millennium. Boulder, Colorado: Westview Press, 1998, pp. 217-238; e WAN, Ming - Human Rights in Chinese Foreign Relations, Defining and Defending National Interests. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 2001.
4 VAZ-PINTO, Raquel - "A política externa chinesa e os direitos humanos". In Daxiyangguo - Revista Portuguesa de Estudos Asiáticos. N.º 12, 2007, pp. 11-22. [ Links ]
5 Todos os White Papers estão no site de informação oficial da República Popular da China em http://www.china.org.cn/e-white/index.htm [Consultado em: 7 de Julho de 2009].
6 INFORMATION OFFICE OF THE STATE COUNCIL OF THE PEOPLE'S REPUBLIC OF CHINA - National Human Rights Action Plan of China (2009-2010), 13 de Abril de 2009. [Consultado em: 7 de Julho de 2009]. Disponível em http://www.china.org.cn/archive/2009-04/13/content_17595407.htm. Daqui em diante, citado apenas como Plano Nacional Direitos Humanos.
7 Este documento está dividido em cinco partes: garantia de direitos económicos, sociais e culturais; garantia de direitos civis e políticos; garantia de direitos e interesses das minorias étnicas, mulheres, crianças, idosos e deficientes ou com mobilidade reduzida; a educação direitos humanos; e as relações internacionais a nível de direitos humanos (e.g., relatórios dos tratados ratificados pela China ou participações no Conselho de Direitos Humanos).
8 DOCUMENTO ONU A/HRC7WG.6/4/CHN/1.
9 "China's Charter 08", traduzida por Perry Link. In The New York Review of Books. Vol. 56, N.º 1, 15 de Janeiro de 2009. [Consultado em: 7 de Julho 2009]. Disponível em http://www.nybooks.com/articles/22210. Daqui em diante citada apenas como Carta 08.
10 GOLDSMITH, Jack, e WU, Tim - Who Controls the Internet? Illusions of a Borderless World. Oxford: Oxford University Press, 2006, pp. 87-104.
11 E.g. HASSNER, Pierre - "The fate of a century". In The American Interest. Julho-Agosto de 2007, pp. 36-47.
12 Para uma análise crítica sobre esta possibilidade tendo em conta a questão uigur, cf. MONJARDINO, Miguel - "A nova fronteira chinesa". In Expresso, 11 de Julho de 2009, p. 29.
13 Cf. COHEN, Roberta - "People's Republic of China: the human rights exception". In The Human Rights Quarterly. Vol. 9, 1987, pp. 447-549.
14 ZHAO, Ziyang, in BAO, Pu, CHIANG, Renee, e IGNATIUS, Adi (eds.) - Prisoner of the State, the Secret Journal of Zhao Ziyang., p. 57.
15 Por exemplo, em 2005, foram relatados na imprensa chinesa cerca de 50 mil protestos ambientais, cf. ECONOMY, Elizabeth, e LIEBERTHAL, Kenneth - "Scorched earth, will environmental risks in China overwhelm its opportunities?". In Harvard Business Review, Junho de 2007, pp. 88-96. Cf. também BRESLIN, Shaun - "China's environmental crisis in a global context". In Global Society. Vol. 10, N.º 2, 1996, pp. 125-144.
16 LIU, Xiaobo - "The internet is God's present to China". In The Times, 28 de Abril de 2009. [Consultado em: 7 de Julho de 2009]. Disponível em http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/columnists/guest_contributors/article6181699.ece.
17 Carta 08, parte II, parágrafo 5. No original: "In short, democracy is a modern means for achieving government truly "of the people, by the people, and for the people"."
18 Carta 08, parte I, parágrafo 7. No original: "Unfortunately most of this political progress has extended no further than the paper on which it is written. The political reality, which is plain for anyone to see, is that China has many laws but no rule of law; it has a constitution but no constitutional government."
19 Carta 08, parte II, parágrafo 2. No original: "Human Rights are not bestowed by a state. Every person is born with inherent rights to dignity and freedom. The government exists for the protection of the human rights of its citizens. The exercise of state power must be authorized by the people."
20 Carta 08, parte III, parágrafo 6.
21 Carta 08, parte I, parágrafo 8. No original: "The stultifying results are endemic official corruption, an undermining of the rule of law, weak human rights, decay in public ethics, crony capitalism, growing inequality between the wealthy and the poor, pillage of the natural environment as well as of the human and historical environments, and the exacerbation of a long list of social conflicts, especially, in recent times, a sharpening animosity between officials and ordinary people."
22 Carta 08, parte III, parágrafo 19. No original: "We should restore the reputations of all people, including their family members, who suffered political stigma in the political campaigns of the past or who have been labeled as criminals because of their thought, speech, or faith. The state should pay reparations to these people. All political prisoners and prisoners of conscience must be released. There should be a Truth Investigation Commission charged with finding the facts about past injustices and atrocities, determining responsibility for them, upholding justice, and, on these bases, seeking social reconciliation."
23 Carta 08, parte III, parágrafo 21. No original: "Together we can work for major changes in Chinese society and for the rapid establishment of a free, democratic, and constitutional country. We can bring to reality the goals and ideals that our people have incessantly been seeking for more than a hundred years, and can bring a brilliant new chapter to Chinese civilization."
24 ZHANG, Yongjin - China in the International System, 1918-1920, The Middle Kingdom at the Periphery. Oxford e Londres: Macmillan/St. Antony's College, 1991; e Idem - "China's entry into international society: beyond the standard of civilisation". In Review of International Studies. Vol. 17, 1991, pp. 3-16.
25 Cf. GONG, Gerrit W. - The Standard of "Civilization" in International Society. Oxford: Clarendon Press, 1984.
26 NAOKO, Shimazu - Japan, Race and Equality, the Racial Equality Proposal of 1919. Londres: Routledge, 1998.
27 PYE, Lucien W. - "China: erratic state, frustrated society". In Foreign Affairs. Vol. 69, N.º 4, Outono de 1990, p. 58 (pp. 56-74). Cf. também WANG, Gungwu - The Chineseness of China, Selected Essays. Oxford: Oxford University Press, 1991.
* Professora e investigadora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Membro da Direcção da Associação Portuguesa de Ciência Política desde 2006. Doutorada pela Universidade de Londres com uma tese intitulada «International Society, Standard of Civilisation, and the Abolition of the Death Penalty: the United Nations and China» (2005).