INTRODUÇÃO
Os distúrbios do assoalho pélvico podem se apresentar como incontinência urinária (esforço, urgência ou mista), retenção urinária, incontinência fecal e de flatos, constipação intestinal, prolapso de órgãos pélvicos, alterações neurológicas, síndromes dolorosas e disfunções sexuais (Alves et al, 2017). Os fatores etiológicos das referidas disfunções podem ser variados, como por exemplo: idade, alterações hormonais, sedentarismo, traumatismos na região, obesidade, constipação intestinal, doenças crônicas (como a diabetes e doenças neurológicas), antecedentes familiares, uso de drogas que atuam no trato urinário, consumo de cafeína, tabagismo, cirurgias pélvicas, doenças que afetam o colágeno, hereditariedade, além de exercícios físicos rigorosos e/ou de impacto (Thomaz et al., 2018).
Condições biomecânicas ou hormonais particulares do ciclo gravídico-puerperal, também podem afetar as estruturas (fáscias, ligamentos e músculos) que sustentam os órgãos pélvicos. As razões de risco podem variar desde a etnia da paciente, alto índice de massa corporal (IMC) e elevado ganho de peso na gestação. Os partos vaginais cirúrgicos também oferecem risco e têm sido relatados quando ocorre tempo avançado do segundo estágio do parto (período expulsivo) e/ou recém-nascido de peso elevado, visto que acarretam maior incidência de episiotomia e lacerações espontâneas nesta região (Dasikan et al., 2020). Diversos estudos já apontaram que a episiotomia não pode ser considerada uma medida protetiva para o assoalho pélvico, pois atribuem a ela alguns danos e prejuízos à funcionalidade (Pires & Onofre, 2018).
Além destes fatores, as alterações da biomecânica articular lombopélvica, aderências fasciais e desequilíbrios musculares (hipotonia de alguns músculos e hipertonia em outros) são potencialmente geradoras de desequilíbrios funcionais dos elementos viscerais, dadas as conexões anatômicas e relações articulares. O prejuízo à mobilidade e motilidade visceral acaba repercutindo negativamente em tecidos circunvizinhos por comprometer os efeitos fisiológicos de variação pressórica, o que restringe o livre fluxo dos fluidos (artério-venoso, linfático e intersticial) (Araújo et al., 2017).
Hebgen (2011), Lopez (2017), Guillaud et al. (2018) citam que as disfunções da mobilidade osteo-articular podem provocar alterações da função vesical, pois a bexiga urinária e a sínfise púbica se conectam pelo ligamento pubovesical e pela fáscia endopélvica. Ademais, tensões miofasciais na região do diafragma urogenital podem comprometer a funcionalidade do trato geniturinário por afetar as capacidades miocontráteis, além de gerar dores, distonias e propiciar infecções e inflamações.
O diagnóstico destas disfunções biomecânicas é realizado por meio de exames palpatórios, identificação de assimetrias (ausência de simetria de posição ou cinética), alteração da textura (edema, flacidez), restrição de mobilidade (uma resistência ou incapacidade cinética) e testes de provocação de dor na articulação sacroilíaca (Basile et al., 2017; Consorti et al., 2018; Laslett, 2008; Robinson et al, 2007; Soleimanifar et al., 2017;).
Entretanto, estudos relatam que a confiabilidade destas medições é baixa para os testes de palpação e de ruim a excelente para testes de provocação (Basile et al., 2017), mas que uma combinação de 3 ou mais testes provocativos na articulação sacroilíaca têm sensibilidade e especificidade razoáveis no diagnóstico de lesão nessa articulação (Laslett, 2008; Lima et al, 2019).
Um teste diagnóstico deve ser reproduzido no mesmo indivíduo por 2 ou mais avaliadores ou, pelo menos, pelo mesmo avaliador em 2 ocasiões separadas. Para uma avaliação ser considerada clinicamente significativa, os dois avaliadores independentes devem concordar entre si. Se um teste diagnóstico não satisfaz este requisito básico, é considerado não confiável. Na última década, a confiabilidade entre avaliadores ganhou atenção na literatura por causa da necessidade percebida de um terreno metodológico mais forte para pesquisa e prática clínica (Consorti et al., 2018; Lucas et al., 2010).
Segundo Robinson et al (2007) a confiabilidade pode ser influenciada por três fatores: os participantes, os terapeutas e os testes clínicos. Lucas e Bogduk (2011) citam que a interpretação do teste pelos avaliadores pode ter desacordos e influenciar nos resultados, ou seja, os examinadores podem concordar que exista uma presença da condição, mas a rotulem distintamente nos seus relatórios, gerando considerável viés e variabilidade inter-avaliador.
Estudos anteriores também avaliaram a confiabilidade inter-avaliadores experientes e não experientes de testes para avaliação da funcionalidade da articulação sacro-ilíaca em indivíduos com dor lombar inespecífica, espondilite anquilosante, dor pélvica e em assintomáticos (Castro et al., 2018; Cohen et al., 2013; Cooperstein et al., 2015; Dryfuss et al., 1994; Lima et al, 2019; Meijne et al., 1999; Robinson et al, 2007; Soleimanifar et al., 2017; Vincent-Smith & Gibbons, 1999). Não foram encontrados estudos sobre a confiabilidade dos testes em mulheres com incontinência urinária de esforço.
Portanto, o objetivo deste estudo foi testar a confiabilidade inter-avaliador de um conjunto de testes musculoesqueléticos e viscerais para avaliar a região pélvica em mulheres com incontinência urinária de esforço. Considera-se que avaliadores experientes apresentem moderada a boa confiabilidade destes testes.
MÉTODO
Um estudo metodológico com delineamento transversal para avaliar confiabilidade foi conduzido entre os meses de maio a setembro 2019 numa clínica particular especializada em Fisioterapia em Fortaleza, Ceará, Brasil.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar - ISGH (n° do parecer 3.315.046). Todos os participantes assinaram um termo de consentimento escrito e todos os procedimentos foram realizados de acordo com a Declaração de Helsinki.
Nosso protocolo de estudo seguiu o Guidelines for Reporting Reliability and Agreement Studies (GRASS) (Kottner et al., 2011).
Participantes
A seleção da amostra foi por conveniência de mulheres na faixa etária entre 30 e 60 anos com sintomas de perda de urina por esforço por, no mínimo, seis meses. Foram recrutadas em hospitais, consultórios médicos de uroginecologia, convites por redes sociais, academias, clubes e assessorias desportivas.
Foram excluídas as mulheres com incontinência urinária por urgência ou mista, bexiga hiperativa, distúrbios neurológicos, infecção urinária ou anal, atrofia urogenital, prolapso de órgão pélvico grau 3 ou 4, fratura de coluna e artrose quadril.
Instrumentos e Procedimentos
Todas as participantes foram avaliadas por dois fisioterapeutas diplomados em osteopatia com mais de 10 anos de experiência clínica e estes eram cegados em relação à avaliação do outro avaliador. Antes da coleta dos dados, houve sessões de treinamento para alinhar os testes entre os avaliadores e obter consenso na execução e interpretação das informações obtidas. Nove testes de verificação de palpação e de mobilidade da região pélvica foram realizados (teste de flexão de pé, teste de flexão sentada, teste de Gillet, teste de mobilidade ilíaca, sacral e da bexiga, teste de avaliação da atividade tônica do músculo psoas e avaliação do tipo de abdômen) e um teste de provocação de dor para a articulação sacro-ilíaca (Patrick Faber). Cada avaliador executava os testes apenas uma vez, alheio a qualquer informação clínica referente à mulher avaliada. Não houve intervalo de tempo entre as avaliações, que foram realizadas de forma independente. Entretanto, o intervalo da avaliação entre os examinadores foi em média de 5 minutos. A ordem de avaliação entre os avaliadores foi aleatória por sorteio. Um terceiro investigador foi atribuído para anotar todas as medições e assim foram registrados os resultados dos testes:
Teste de flexão em pé (TFP): Voluntária em pé, avaliador sentado logo atrás, com os polegares posicionados nas Espinhas Ilíacas Póstero-Superiores (EIPS). Solicitada a flexão do tronco, o avaliador observou a ascendência dos polegares, principalmente nos últimos graus de movimento. Em condições de equilíbrio funcional, os dois polegares devem se elevar simultânea e simetricamente. A diminuição do movimento ou uma falha posicional de uma articulação sacroilíaca, resulta na EIPS ipsilateral mover-se mais cefálica que a EIPS oposta, devido à alteração do ritmo lombo-pélvico (Egan et al., 1996). Portanto, no relatório, os avaliadores deveriam informar se o teste era positivo para uma alteração do lado direito, esquerdo ou negativo.
Teste de flexão sentada (TFS): Voluntária sentada, avaliador sentado logo atrás, com os polegares posicionados nas Espinhas Ilíacas Póstero-Superiores (EIPS). Solicitada a flexão do tronco, o avaliador observou a ascendência dos polegares, principalmente nos últimos graus de movimento. Em condições de equilíbrio funcional, os dois polegares devem se elevar simultânea e simetricamente. Se um dos polegares se movia a uma distância maior antero-superior, durante a flexão, isso indicaria que o sacro estava fixo ao ilío naquele lado (Egan et al., 1996). Da mesma forma que o TFP, no relatório, os avaliadores deveriam informar se o teste era positivo para uma alteração do lado direito, esquerdo ou negativo. De acordo com Mitchell et al. (1979), um resultado positivo no teste de flexão em pé é indicativo de disfunção ilíaca e, se o teste sentado é mais fortemente positivo, é indicativo de uma disfunção sacral.
Teste de Gillet: determina se as referências anatômicas (EIPS e base sacral) no sacro e ílio se movem durante flexão da fêmuro-acetabular na posição bípede. A voluntária posicionava-se em pé e o terapeuta com um polegar na EIPS e o outro sobre a base sacral ipsilateral, na mesma altura. Solicitava-se a flexão do quadril e joelho a 90°, ficando em pé sobre uma perna só. A resposta indicativa de disfunção é a mobilidade restrita do ílio, identificada pelo polegar posicionado na EIPS, que não se move em relação ao polegar localizado na base sacral. (Cooperstein et al., 2015; Magee, 2002). Neste teste, os avaliadores deveriam informar se o teste era positivo para uma alteração do lado direito, esquerdo ou negativo.
Patrick Fabere: Teste ortopédico de provocação de dor para articulação sacro-ilíaca e de avaliação da mobilidade das estruturas do complexo femuroacetabular. A voluntária em posição supina, o joelho do lado testado é flexionado a 90° e o pé é apoiado sobre o joelho da perna oposta. O avaliador sustenta a pelve firmemente contra a mesa de exame, o joelho testado é empurrado em direção à mesa, explorando a amplitude de movimento de abdução e rotação externa da femuro-acetabular ipsilateral. Se houver dor somente na articulação sacro-ilíaca, o teste é considerado positivo (Soleimanifar et al., 2017). No relatório, os avaliadores deveriam determinar se o teste era positivo para dor na sacro-ilíaca no lado esquerdo ou direito.
Teste de mobilidade dos ilíacos: Com o contato das duas mãos nas Espinhas Ilíacas Ântero-Superiores (EIAS), o terapeuta aplicava esforços de rotação posterior e anterior (alternadamente) em cada um dos ilíacos, qualificando a liberdade de movimento. A restrição de mobilidade rotacional anterior ou posterior era indicativa de disfunção: rotação anterior ou posterior do ilíaco direito ou esquerdo ou sem nenhuma restrição (Chila, 2012).
Teste de mobilidade sacral: A avaliação do sacro é importante devido à correlação entre a mobilidade sacral e a funcionalidade dos elementos neuronais (raízes S2, S3 e S4, nervo pudendo e gânglios autonômicos) responsáveis pelo equilíbrio autonômico e desempenho funcional do assoalho pélvico (Lopez, 2017). A avaliação da mobilidade sacral foi realizada com a paciente em decúbito ventral, terapeuta contactando o sacro com a mão espalmada, qualificando o ressalto (rebote) das hemibases e dos ângulos ínfero-laterais, tomando como referência os braços de mobilidade articular sacro-ilíaca e as possibilidades de movimento em nutação, contranutação (uni ou bilateral), torção anterior ou posterior. As possibilidades disfuncionais consideradas foram: torção anterior ou posterior direita/esquerda, nutação ou contranutação unilateral direita/ esquerda, nutação bilateral, contranutação bilateral ou sem restrição (DiGiovanna et al., 2005).
Teste do músculo psoas através da medição do comprimento dos membros superiores: por ser um músculo responsivo às disfunções sacroilíacas e da coluna vertebral, este foi avaliado mensurando subjetivamente o comprimento dos braços acima da cabeça e estendidos com o indivíduo em decúbito dorsal. O braço mais curto indica o lado do psoas hiperativo (Almeida, 2006).
Avaliação da mobilidade da bexiga: foi realizada uma palpação e indução do movimento da bexiga, explorando parâmetros de translação direita/esquerda, superior/inferior; oblíqua direita/esquerda, superior/ inferior; rotação direita/esquerda. A voluntária deveria estar com a bexiga vazia (Stone, 2007).
Tipo do abdômen: através da palpação, a musculatura abdominal foi subjetivamente classificada como hipertônica, hipotônica ou normotônica e a massa abdominal como hipertensa, hipotensa ou normotensa. Tais condições afetam o equilíbrio das pressões intra e extra cavitárias sobre o sistema uroginecológico. Considerando que, um abdômen hipotônico pode indicar hipotonia do músculo sinergista do assoalho pélvico, o transverso do abdome, enquanto um abdômen hipertenso, globoso, sugere aumento das pressões internas. Abrams et al. (2017) referem que mulheres com excesso de peso (índice de massa corporal de 25-30 kg/m²) e obesas (> 30 kg/m²) correm alto risco para desenvolver disfunção pélvica.
Análise estatística
As características das participantes foram analisadas com estatística descritiva (medidas de tendência central e dispersão). A confiabilidade inter-avaliador foi efetuada através do coeficiente Kappa com um intervalo de confiança de 95% em que era considerado: <0 (insignificante); >0<0,2 (fraca); >0,21<0,4 (razoável); >0,41<0,6 (moderada); >0,61<0,8 (forte); e >0,81<1 (quase perfeita) (Choen, 1998). Os dados foram analisados no SPSS, versão 25, e o nível de significância foi de α=0,05.
RESULTADOS
Um total de 20 mulheres foram avaliadas. A idade média destas foi de 41,20±9,27 e valor de IMC médio de 25,95±3,50. A maioria delas (65%) não relatou queixas de dores lombares ou outros sintomas musculoesqueléticos. Os valores da frequência e percentagem de concordância dos dois avaliadores nas diferentes variáveis analisadas são apresentados nas Tabelas 1.
Variável |
|
|
Kappa | p |
---|---|---|---|---|
TFP | 5 | 25 | -0,079 | 0,570 |
TFS | 6 | 30 | -0,014 | 0,891 |
Gillet test | 8 | 40 | -0,021 | 0,834 |
Patrick Fabere test | 19 | 95 | 0,649 | <0,0001* |
Disfunção ilíaca | 5 | 25 | 0,060 | 0,571 |
Disfunção sacral | 4 | 20 | -0,139 | 0,207 |
Teste psoas | 11 | 55 | -0,139 | 0,207 |
Disfunção bexiga (translação) | 9 | 45 | 0,214 | 0,098 |
Disfunção bexiga (oblíqua) | 9 | 45 | 0,200 | 0,131 |
Disfunção bexiga (rotação) | 12 | 60 | 0,269 | 0,169 |
Tipo de abdômen | 12 | 60 | 0,342 | 0,027* |
FC= frequência de concordância; PC= percentagem de concordância; TFP= teste de flexão em pé; TFS=teste de flexão sentada; *p<0,05.
Observa-se que existe uma confiabilidade significativa no teste de Patrick-Fabere e no tipo de Abdômen. Essa concordância foi forte para o Patrick-Fabere e razoável para o tipo de abdômen (p=0.649 e 0.342), respetivamente.
Os testes de mobilidade visceral (p>0.2<0.3), mobilidade sacral (0.207) e o de hipertonia do psoas através da medição do comprimento dos membros superiores (p=0.207) realizados pelos examinadores apresentaram confiabilidade estatística razoável.
Os testes de flexão em pé (p=0.570), flexão sentado (p=0.891), Gillet (p=0.834), testes para mobilidade ilíaca (p=0.571) tiveram níveis insignificantes a fracos de reprodutibilidade.
DISCUSSÃO
Este estudo teve o objetivo de avaliar a concordância de testes musculoesqueléticos e viscerais osteopáticos na região pélvica em mulheres com incontinência urinária. Embora alguns estudos tenham avaliado a concordância de alguns desses testes em indivíduos com alguma disfunção na coluna (Egan et al., 1996; Consorti, 2018; Lima et al, 2019; Meijine et al, 1999; Robinson et al., 2007;), o presente estudo é o primeiro a avaliar estes testes em mulheres com incontinência urinária e a concordância entre examinadores treinados. Entendemos que a prática e a repetição destes exames físicos podem ser úteis para um diagnóstico preciso, o que leva ao sucesso terapêutico.
O teste de provocação Patrick Fabere, que é provocativo das estruturas que compõem a articulação fêmuro-acetabular e sacro-ilíaca, foi o único entre os testes realizados neste estudo que teve um nível de concordância forte (p<0,0001). Por se tratar de um teste de mobilidade artrocinemática, em que a estrutura articular sofre um tensionamento provocado por esforços extrínsecos, é coerente esperar que seja positivo quando há qualquer afecção destas estruturas. As disfunções esfinctéricas capazes de provocar incontinência urinária não parecem ter forte relação com a condição estrutural dos tecidos articulares avaliados neste teste, o que corrobora com os dados estatísticos que mostram que 92,5% das mulheres tiveram o teste dito negativo, ou seja, sem sintomas ao estresse destas articulações.
Robinson et al. (2007) observaram que os avaliadores tiveram um maior nível de discordância no teste de Patrick Fabere comparado aos outros testes provocativos, como o teste de compressão e distração, thrust da coxa, teste de rotação interna bilateral e unilateral de quadril, drop test em pessoas com espondilite anquilosante, dor pós parto e assintomáticos. Entretanto, Castro et al. (2019) avaliaram o teste Patrick para diagnosticar inflamação da articulação sacro-ilíaca em pacientes com espondiloartrite comparando a outros testes para região pélvica (Gaenslen, thrust da coxa e compressão) observou que o teste de Patrick Fabere foi o que apresentou melhor desempenho entre os examinadores (sensibilidade 71%, especificidade 75%) e quando estes testes eram combinados, demonstraram o valor preditivo mais forte (sensibilidade 86%, especificidade 62%).
A avaliação do tipo de abdômen teve um maior nível de concordância, sendo avaliada pelo coeficiente Kappa como razoável (p=0,027), provavelmente devido ao biotipo das mulheres que tinham um IMC mais alto, o que promoveu um maior consenso entre os examinadores.
Os testes de mobilidade visceral (p>0.2<0.3), sacral (0.207) e o do músculo psoas através da medição do comprimento dos membros superiores (p=0.207) apresentaram confiabilidade estatística razoável.
A baixa reprodutibilidade destes testes pode ter interferência dos movimentos biomecânicos tridimensionais promovendo mais opções dos resultados, principalmente de qualificar a mobilidade da víscera (translação direita/esquerda, superior/inferior; oblíqua direita/esquerda, superior/ inferior; rotação direita/esquerda) ou do sacro (torção anterior ou posterior direita/esquerda; nutação ou contranutação unilateral direita/esquerda, nutação bilateral, contranutação bilateral ou sem restrição).
Em relação à avaliação do psoas por meio do comprimento dos membros superiores apresentar reprodutibilidade razoável, sugere-se ressaltar a importância de outras relações de tensão que interferem na mobilidade do membro superior e, consequentemente, na confiabilidade diagnóstica, como disfunções de mobilidade escápulo-umeral, costal, visceral, dentre outras. Isso endossa a ideia de baixa confiabilidade deste teste para detecção de desequilíbrios funcionais do psoas.
Guillaud et al. (2018) não encontraram nenhuma evidência para a confiabilidade das técnicas de diagnóstico utilizados em osteopatia visceral em sua revisão sistemática. Referem que a maioria dos estudos apresentam um elevado risco de polarização e não demonstram confiabilidade para os resultados avaliados.
Para Soleimanifar et al. (2017), a avaliação de mobilidade de qualquer região pode trazer viés, pelo fato que, o grau de folga, a sensação do deslizamento ou cisalhamento sentido pelo avaliador treinado, possa ser percebido como uma sutil mudança na qualidade do movimento, em vez de mudanças bruscas nas faixas de mobilidade e isso pode influenciar nos resultados.
Os testes de flexão em pé (p=0.570), flexão sentado (p=0.891), Gillet (p=0.834), testes para mobilidade ilíaca (p=0.571) tiveram níveis insignificantes a fracos de reprodutibilidade. Esses resultados estão de acordo com outros estudos.
Os resultados do estudo Egan et al. (1996) apoiam que os teste de flexão do tronco em pé ou sentado não são indicadores precisos de uma disfunção ou patologia sacroilíaca e que a ocorrência de outros fatores podem estar envolvidos em um resultado positivo, pois no ensaio clínico realizado por eles, quase um terço dos sujeitos tiveram resultados positivos mesmo sendo assintomáticos, levantando a hipótese que estes testes podem produzir resultados falsos positivos e a necessidade de investigar com mais cuidado a associação entre assimetria estrutural e funcional.
Vincent-Smith e Gibbons (1999) observaram que o teste de flexão em pé, quando realizado em indivíduos assintomáticos tem uma confiabilidade insignificante entre examinadores e moderada confiabilidade intra-avaliador, sugerindo que a confiabilidade deste teste como indicador de disfunção da articulação sacro-ilíaca ainda permanece questionável.
Laslett (2008) relatou que a sensibilidade e especificidade do teste de Gillet, teste de flexão em pé são observadas como fracas já há muito tempo e que estes testes podem ser influenciados por outras estruturas na coluna, quadril e outros tecidos ao redor da articulação sacro-ilíaca. Dreyfuss et al. (1994) encontraram a incidência de falsos positivos nos testes de Gillet, teste flexão em pé e sentado de 16%, 13% e 8%, respectivamente em indivíduos assintomáticos.
Klerx et al. (2019) revisaram na literatura a confiabilidade de oito testes de mobilidade da sacro-ilíaca, entre eles o TFP, TFS, Gillet para verificar se há recomendações quanto a usabilidade clínica destes testes. Recomendam que os testes que avaliam a mobilidade da articulação sacro-ilíaca não devem ser utilizados na prática clínica. Os valores de confiabilidade foram maiores para o cluster (consistindo em testes de mobilidade e provocativos da dor) do que para testes individuais, mas ainda permanece incerto com relação à precisão diagnóstica devido à qualidade metodológica dos estudos. Referem que o movimento da articulação é muito pequeno (0,2 graus rotação posterior; rotação de 0,6 graus em torno do eixo helicoidal e translação de 0,3 mm) e medir a mobilidade da sacro-ilíaca usando palpação manual pode, portanto, ser impossível.
Lucas e Bogduk (2011) levantam a hipótese que talvez no TFP e no TFS estejam medindo o movimento dos tecidos moles sobre a articulação e não necessariamente a articulação. Referem que se o teste não é capaz de identificar corretamente se a pessoa tem disfunção ou não, então esta imprecisão poderá comprometer resultados dos ensaios clínicos randomizados antes mesmo de começar. Isso não somente serve para estudos clínicos, mas na prática segura e eficaz nos consultórios de fisioterapia. A variabilidade nos resultados do teste reduz a confiança que o clínico pode depositar nas previsões feitas com base no teste e administrar uma melhor prescrição de tratamento, além do paciente ser rotulado com um diagnóstico incorreto e sofrer efeitos psicológicos adversos que pode contribuir para a sensação de indisposição.
Para Laslett (2008) o único padrão de referência aceitável desenvolvido para verificar a mobilidade da articulação sacro-ilíaca até agora é análise por radiografia durante flexão/extensão com marcadores de metal imbuído no sacro e no ilíaco.
Lima et al. (2019) referem que o padrão ouro para diagnosticar uma disfunção na articulação sacro-ilíaca é a técnica invasiva de infiltração com anestésicos sendo que, quando há uma diminuição dos sintomas após infiltração indica uma lesão. Mas, esta técnica requer procedimentos específicos e onerosos que não são comumente disponíveis na prática clínica. Além disso, a mobilidade da articulação sacro-ilíaca não é avaliada com este procedimento, portanto, pode não ser útil medir a função articular. Afirmam que é preciso uma ferramenta clinicamente útil e confiável para comunicação interdisciplinar clara na obtenção de resultados precisos e permitir que diferentes examinadores obtenham resultados semelhantes.
Soleimanifar et al. (2017) investigaram a correlação dos testes de verificação da mobilidade e provocação para a articulação sacro-ilíaca e os resultados mostraram que nem os testes únicos, nem agrupados têm correlação significativa entre si. Em outras palavras, resultados positivos ou negativos de testes únicos ou de cluster de cada grupo não se correlacionaram com o resultado positivo ou negativo de outros grupos. Portanto, conclui-se que estes testes não podem presumir uma disfunção da mobilidade desta região.
Na revisão sistemática realizada por Basile et al. (2017) constataram que a confiabilidade intra-avaliador é superior à inter-avaliador, sugerindo que se tenha maior consenso entre os avaliadores em relação aos graus de pressão e precisão palpatória, e que a experiência dos avaliadores também pode interferir na precisão do diagnóstico. Entretanto, neste estudo, mesmo tendo os avaliadores um bom nível de experiência, os resultados não foram favoráveis.
McIntyre et al. (2018) referem que a falta de confiabilidade nos julgamentos de avaliação osteopática deve-se à complexidade da percepção cognitiva e a relação do avaliador com seus conhecimentos e crenças. Sugerem que sejam incorporados raciocínios hipotético-dedutivos e percepção multissensorial durante o raciocínio clínico.
Este estudo reforça que o uso de certas medidas de avaliação ortopédica e funcional devem ser aplicadas com mais cuidado devido à difícil e subjetiva reprodutibilidade. É preciso uma avaliação crítica sobre o que esses resultados significam e como podem ser aplicados nos pacientes. Observa-se que, no ambiente clínico, a avaliação cinético-funcional tem evoluído para uma abordagem cada vez mais global, de maneira que os testes utilizados para quantificar e qualificar os parâmetros de mobilidade e a visão de relação linear de causa e efeito vêm perdendo a importância, pois foge do conceito primário das relações de tensegridade atualmente difundidas no meio da terapia manual. O que deve realmente importar é a presença ou ausência da restrição do movimento, pois, no desequilíbrio tônico, a estrutura musculoesquelética e visceral tem sua mobilidade restrita e, consequentemente, disfuncional. Talvez os testes citados neste estudo ainda sejam utilizados para uma abordagem pedagógica nas instituições de ensino, para ajudar na construção de um raciocínio clínico, mas percebe-se que são pouco infundadas na literatura científica.
Limitações do estudo
Pelo fato de não existir uma ferramenta não-invasiva padrão-ouro para avaliar disfunções musculoesqueléticas e viscerais da região pélvica, selecionamos neste estudo testes utilizados na prática clínica de consultórios de fisioterapia, mas com níveis de validade não tão aceitáveis, conforme relatado nas revisões de artigos relacionados. No entanto, o consenso dos pesquisadores, tomando por base a experiência dos profissionais avaliadores, foi de reunir um maior número de testes relacionados, o que poderia mudar esta afirmação e ajudar na escolha de técnicas manipulativas mais adequadas para mulheres com incontinência urinária de esforço. O fato de existir uma variedade de opções de escolha nos relatórios pode ter gerado uma menor reprodutibilidade dos resultados entre os examinadores.
CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo apoiam que o nível de concordância inter-avaliador de testes musculoesqueléticos e viscerais para a região pélvica em mulheres com incontinência urinária de esforço foi forte para o teste de Patrick Fabere e razoável na avaliação do tipo de abdômen.
A reprodutibilidade foi razoável para os testes de mobilidade visceral e sacral e o de distonia do psoas através da medição do comprimento dos membros superiores apresentaram e insignificante para os testes de TFP, TFS, Gillet e avaliação da mobilidade ilíaca.
A utilidade clínica destes testes usados isoladamente ou em conjunto não é apoiado pelo presente estudo. Desta forma, deve-se desenvolver testes que permitam uma maior concordância e/ou definir critérios com menor subjetividade e maior reprodutibilidade.
Relevância clínica
Teste de flexão do tronco em pé (TFP), teste de flexão do tronco sentado (TFS), teste de Gillet, teste do psoas através da medição do comprimento dos membros superiores, teste de mobilidade para ilíaco e sacro e avaliação da mobilidade vesical foram usados para avaliar a região pélvica em mulheres com incontinência urinária de esforço.
Este estudo constatou que a reprodutibilidade inter-avaliadores destes testes é insignificante.
Clínicos e pesquisadores deveriam ponderar o uso desses procedimentos em suas respectivas rotinas de trabalho.