INTRODUÇÃO
O hábito é definido como um comportamento repetido sem intenção. Logo, é realizado regularmente de forma natural e espontânea (Gardner, 2020). O hábito também pode ser definido como um conjunto de sequências aprendidas de atos que se tornaram automáticos para o contexto, sugerindo ser um comportamento aprendido dependente de cues (Verplanken & Aarts, 1999). Os cues são momentos-chave que despertam ou levam o indivíduo em agir em conformidade com o pretendido por esta. Por exemplo, lavar as mãos automaticamente (ação) após usar a casa de banho (cue contextual) ou colocar o cinto de segurança (ação) depois de entrar no carro (cue contextual). Hagger (2018) explicou que o desempenho repetido de um comportamento específico durante um período em particular pode levar ao desenvolvimento de um comportamento habitual, mesmo em atividades complexas como a prática de exercício físico. Esta conceptualização destaca a noção de que a repetição de um determinado comportamento (neste estudo, o exercício físico) pode aumentar a probabilidade de ele se tornar automático. No entanto, comportamentos realizados com frequência não se tornam necessariamente um hábito (Gardner, 2015). Conhecer apenas o comportamento e sua frequência pode levar a suposições de hábito, mas essas características não fornecem informações sobre por quanto tempo o comportamento foi realizado.
Transformar o exercício físico num hábito, embora desejável para a promoção da saúde, é um processo complexo. Segundo alguns autores, o exercício é uma atividade física estruturada e recorrente, que requer, na fase inicial, esforço e propósito para criar e aumentar o compromisso a longo prazo (Prochaska & DiClemente, 1982). Vários estudos empíricos testaram as associações entre determinantes motivacionais e cognitivos do exercício e adesão ao exercício (Gomes, Gonçalves, Maddux, & Carneiro, 2017; Rodrigues et al., 2018, 2020), evidenciando que a realização do comportamento pode estar relacionada com fatores contextuais (e.g., perceções de comportamentos interpessoais de instrutores de fitness) e a autoeficácia (e.g., ser capaz de dominar novos exercícios ou aumentar a aptidão física). No entanto, estes estudos assumiram que a adesão pode ser uma representação do hábito, sem usar uma medida validada que avalie concretamente o hábito. A ausência de uma medida de hábito pode levar a suposições errôneas de que o mero desempenho do comportamento durante um período específico pode permitir uma mudança do comportamento intencional para um comportamento habitual (Gardner, Corbridge, & McGowan, 2015).
Medição do hábito
A repetição do comportamento com maior frequência pode levar a um maior desenvolvimento do hábito. Ou seja, esta ideia destaca a noção de que a repetição da prática de atividade física, por exemplo, pudesse aumentar a probabilidade de ele se tornar automático. Esta afirmação é suportada por Gardner (2020), sustentando que a automaticidade da resposta aos cues está mais fortemente relacionada a comportamentos implícitos do que a performance intencional (Gardner, 2015). Conforme afirmado por Gardner et al. (2012), repetir o comportamento pode ser um proxy para o hábito, mas não é hábito por definição. Os comportamentos habituais serão realizados pela frequência de comportamentos e cues dos comportamentos (e.g., praticar exercício físico é resultado da preparação do saco desportivo).
Verplanken e Orbell (2003) criaram e validaram o Self-Report Habit Index (SRHI), uma escala composta por 12 itens que incorpora a avaliação de três fatores: automaticidade, frequência comportamental e consciência de autoidentidade. O SRHI apresentou alta fiabilidade teste-reteste e adequada consistência interna (coeficientes alfa> 0,90) quando foi aplicado para medir diferentes comportamentos habituais, como comer doces, ouvir música e assistir a uma série na TV. Gardner et al. (2011a) redefiniu a avaliação do hábito, argumentando que a identidade não é necessariamente uma componente do hábito. Ou seja, alguns comportamentos habituais podem não estar associados a uma sensação de identidade própria, mas podem ser comportamentos intencionais simples que não pretendem ser uma expressão da própria pessoa. Conforme afirmado por Gardner et al. (2012), a autoidentidade prevê intenções, mas não comportamentos. Em contraste, o hábito prevê o comportamento, mas não prevê as intenções. Em suma, o hábito pode moderar a associação intenção-comportamento. Gardner et al. (2012), após analisarem sistematicamente o SRHI e solicitar a colaboração de sete especialistas para classificarem até que ponto cada item do SRHI atendia às definições de hábito, concluíram que quatro itens do SRHI mediam de forma fiável este fator. Esses quatro itens foram então usados para criar o Self-Reported Behavior Automaticity Index (SRBAI) como uma medida válida para avaliar o hábito. No mesmo trabalho, Gardner et al. (2012) mostrou que o SRBAI apresentou uma consistência interna aceitável (coeficientes alfa acima de 0,80), exibindo que o desenvolvimento do hábito apresentou uma correlação positiva e significativa com vários comportamentos (i.e., deslocamento de carro e bicicleta). Estes autores concluíram que o SRBAI foi mais preciso conceitualmente e mais parcimonioso na avaliação do hábito do comportamento em relação ao SRHI.
Vários autores reforçam a importância da medição dos hábitos (Gardner et al., 2012, 2011b), nomeadamente no que se refere à precisão da medição do hábito. O desenvolvimento da teoria do hábito e sua aplicação é dependente de medidas adequadas do hábito. Isto porque, medidas inadequadas podem direcionar erroneamente o desenvolvimento da teoria e da prática (Gardner et al., 2020). Até o momento, não temos conhecimento de estudos que tenham validado o SRBAI em indivíduos que praticam atividade física regular, como a prática de exercício físico em operadores fitness. O uso de medidas não validadas pode levar a interpretações errôneas e enviesadas, como sugerido por Chen (2007). Assim, o SRBAI deve ser testado psicometricamente antes de ser utlizados em mais estudos de natureza empírica.
Presente estudo
O objetivo do presente estudo consistiu em validar o SRBAI numa população praticante de exercício físico. Considerou-se uma população praticante de exercício físico, em contexto fitness, dado ser uma amostra em que a avaliação do hábito parece ser mais acessível, pela regularidade da prática estruturada num contexto específico. O recrutamento de participantes em estudos de validação de instrumentos, numa população praticante de exercício físico neste contexto, tem sido recorrente em estudos anteriores (Rodrigues et al., 2018; Rodrigues et al., 2019). Foram recolhidos e utilizados dados de duas amostras independentes para avaliar a estrutura fatorial do SRBAI no intuito de fornecer evidências acerca da validade e fiabilidade do instrumento. Pretendeu-se que este possa ser aplicado em futuros trabalhos longitudinais ou experimentais. Além disso, este estudo pretende possibilitar a realização de pesquisas mais rigorosas com esta medida no domínio da atividade física. É especulado que a tradução e adaptação do SRBAI para o contexto em questão venha apresentar validade e fiabilidade, semelhante à escala original (Gardner et al., 2015).
Como segundo objetivo e tomando em consideração os pressupostos supramencionados (Gardner et al., 2011a; Gardner, 2020) será testado um modelo de mediação, considerando a frequência do comportamento como mediadora entre a experiência e o desenvolvimento do hábito. Neste sentido, especulou-se que uma maior experiência de exercício levaria a uma maior frequência, estando, portanto, positivamente associado ao desenvolvimento do hábito da prática de exercício físico (Gardner et al., 2012).
MÉTODO
Participantes e procedimentos
Este estudo teve um desenho transversal e os dados foram recolhidos a partir de duas amostras independentes por conveniência, perfazendo um total de 590 participantes de ambos os sexos (feminino= 311; masculino= 279). A primeira amostra (amostra de calibração) foi composta por 272 indivíduos (feminino= 157; masculino= 115) que praticavam exercício regularmente num operador fitness. Os participantes tinham idades compreendidas entre 18-64 anos (M= 28,52; DP= 9,86), com experiência média de exercício de 42,82 meses (DP= 29,81), e com uma frequência semanal entre 2-7 vezes (M= 3,35; DP= 1,09). A segunda amostra (amostra de validação) foi composta por 318 praticantes de ambos os sexos que frequentavam um operador fitness (feminino= 154; masculino= 164), com idades compreendidas entre 18-63 anos (M= 28,66; DP= 10,45) com experiência média de exercício de 39,80 meses (DP= 27,99) e frequência uma semanal de exercício variou entre 2-7 vezes (M= 3,48; DP= 1,06).
Os critérios de inclusão foram os seguintes: i) faixa etária de 18 a 64 anos; ii) ser praticante de exercício físico com mais de seis meses de prática regular num operador fitness. Este critério foi utilizado com base em pressupostos teóricos, nas quais um comportamento que vinha sendo realizado regularmente nos últimos seis meses passou da fase de ação para a fase de manutenção, de acordo com o modelo transteórico (Prochaska, & DiClemente, 1982).
Procedimentos
Todo o processo de recolha dos dados esteve de acordo com a Declaração de Helsínquia. O comité de ética da Universidade da Beira Interior analisou e aprovou o presente estudo sob o número CE-UBI-pJ-2018-044:ID683. Seguidamente, diversos gestores de operadores fitness (n= 9) foram contactados de forma intencional e por conveniência. Os objetivos do estudo foram explicados aos gestores e aprovação foi garantida, dando a autorização aos investigadores de abordarem os praticantes nos operadores de fitness para participarem voluntariamente no estudo. Na fase seguinte, potenciais participantes para este estudo foram abordados individualmente na área da receção, previamente ao treino destes. Foi explicado a todos os participantes os objetivos do estudo e foi-lhes providenciada a informação de anonimato. Todos os participantes que se disponibilizaram a participar voluntariamente neste estudo assinaram consentimento informado previamente ao preenchimento dos questionários.
Medidas
Um questionário foi aplicado a cada praticante, com perguntas que incluíam o sexo, idade, frequência de exercício físico semanal e experiência da prática. Foi especificamente solicitado aos participantes que indicassem suas perceções sobre a frequência semanal relativamente à semana anterior. A experiência da prática foi avaliada de acordo com os registos eletrónicos na ficha de utilizador em cada operador fitness.
Uma versão adaptada do SRBAI de quatro itens (Gardner et al., 2011a) foi usada para medir o hábito da prática de exercício físico. Uma versão em português foi desenvolvida com base nos pressupostos recomendados por Brislin (1980). A afirmação “Exercício físico é algo que…” precedeu os quatro itens: “Faço automaticamente”, “Faço sem ter de lembrar conscientemente”, “Faço sem pensar” e “Começo a fazer antes de perceber que estou fazendo”. Os praticantes avaliaram a veracidade de cada afirmação para eles numa escala de 7 pontos variando entre 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente).
Análise estatística
Os dados foram inicialmente exportados para o software IBM SPSS STATISTICS v.23 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA) para a realização de análises preliminares (i.e., estatísticas descritivas, outliers univariados e correlações). Foi calculada a média e desvio-padrão para idade, experiência de exercício, frequência semanal e hábito para cada amostra. Foi igualmente calculado a assimetria e o desvio-padrão, tendo como critério - 2 e + 2, bem como - 7 e + 7, respetivamente (Gravetter & Wallnau, 2014).
O modelo de medida foi testado no softwarere estatístico Mplus 7.3 (Múthen & Múthen, 2010) usando o estimador Robust Maximum Likelihood (MLR), uma vez que fornece testes de ajuste do modelo e erros padrão que são robustos contra a não normalidade dos dados. A avaliação do SRBAI foi realizada em duas fases. Na primeira fase, o modelo de medida de um fator de quatro itens foi testado na amostra total e na amostra de calibração e validação. Na segunda fase, para investigar a estrutura fatorial, a especificação do modelo de quatro itens foi examinada para pesos fatoriais e consistência interna.
O tamanho da amostra foi calculado tendo como base o número de parâmetros a serem estimados, cruzando com o número de participantes por cada parâmetro (Hair et al., 2019). É recomendado um rácio de 10:1, ou seja, dez sujeitos para cada parâmetro a ser estimado (Hair, Babin, Anderson, & Black, 2019). Tomando em consideração oito parâmetros a serem estimados no modelo (quatro regressões e quatros erros associados a cada item), multiplicando por dez, o total de amostra necessária será de 80 sujeitos. Neste estudo a amostra de calibração e de validação ultrapassam esse valor mínimo, indicando assim, estarem reunidas as condições para uma análise fatorial confirmatória.
A avaliação da qualidade de ajustamento do modelo de medida foi verificada através dos seguintes índices incrementais e absolutos: Comparative Fit Index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI), Standard Root Mean Residual (SRMR), and Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) e o respetivo intervalo de confiança a 90% (IC90%). Para estes índices, valores de CFI e TLI≥ 0,90 e valores de SRMR e RMSEA≤ 0,08 foram consideradas aceitáveis (Hair et al., 2019; Marsh, Hau, & Wen, 2004). O teste qui-quadrado e os graus de liberdade foram reportados para ilustração e para fins de transparência, mas não examinados, pois o teste do qui-quadrado é influenciado quer pela complexidade do modelo quer pelo tamanho da amostra (Hair et al., 2019). Para a avaliação dos pesos fatoriais estandardizados considerou-se um valor igual ou superior a 0,50, de forma que os itens explicassem pelo menos 25% da variância do fator latente (Hair et al., 2019). Para consistência interna, coeficientes de fiabilidade compósita (FC) acima de 0,70 foram considerados adequados (Raykov, Gabler, & Dimitrov, 2015).
No presente estudo foram realizados testes de invariância entre amostras (calibração vs amostra de validação). Para testar a invariância entre amostras, foram adotados os diversos tipos de invariância de acordo com Marsh et al. (2013). Especificamente, existem seis níveis de invariância e cada um desses níveis se baseia no anterior, introduzindo restrições de igualdade adicionais nos parâmetros do modelo para obter formas mais fortes de invariância. À medida que cada conjunto de novos parâmetros é testado, os parâmetros conhecidos como invariantes dos níveis anteriores são restringidos. Consequentemente, o processo de análise da invariância é essencialmente o teste de uma série de hipóteses cada vez mais restritivas. Esses níveis são os seguintes:
invariância configural (a estrutura dos fatores é a mesma entre os grupos);
invariância fraca (cargas fatoriais são iguais);
invariância forte (os limites dos itens são iguais);
invariância restrita (a unicidade do item é a mesma entre os grupos);
invariância de variância-covariância (igualdade de variâncias-covariâncias latentes entre grupos);
invariância da média latente (as médias latentes são iguais).
As comparações dos modelos de medida foram feitas de acordo com vários pressupostos, especificamente: a) o modelo de medida deve se ajustar a cada amostra (Hair et al., 2019); b) as diferenças em CFI e TLI devem ser ≤ 0,010 (Marsh et al., 2013) e as diferenças em RMSEA e SRMR devem ≤ 0,015 entre modelos (Cheung & Rensvold, 2002).
Depois de examinar a validade e fiabilidade do SRBAI, foi testado um modelo de mediação de acordo com as sugestões de Hayes (2018). Um modelo de mediação simples com um único mediador (modelo 4) foi usado para analisar os caminhos de mediação, considerando a frequência do exercício como mediador entre a experiência de exercício e o hábito. O processo de mediação permite a estimativa dos efeitos diretos (i.e., entre a variável independente e a variável dependente), indiretos (i.e., para a variável independente e mediador, como para o mediador e a variável independente) e os efeitos indiretos totais. Foi imputado um Bootstrap com 2000 amostras e considerado o IC a 95% proposto por diversos autores (William & McKinnon, 2008). A mediação seria alcançada se o efeito indireto total for significativo e maior do que o efeito direto (Hayes, 2018).
RESULTADOS
As estatísticas descritivas são apresentadas na Tabela 1. Os resultados não revelaram violações à distribuição univariada, uma vez que a assimetria e curtose estavam contidas entre - 2 e + 2 e - 7 e + 7, respetivamente. Relativamente à análise das correlações, a experiência apresentou uma correlação positiva e significativa com a frequência semanal (p< 0,01), mas não com o hábito. No entanto, a frequência semanal apresentou uma correlação positiva com o hábito (p< 0,01).
M | DP | A | C | Correlações | ||
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | |||||
1. Experiência | 42,28 | 29,04 | 1,01 | 0,38 | ||
2. Frequência | 3,51 | 1,08 | 0,41 | - 0,36 | 0,18* | |
3. Hábito | 4,37 | 1,22 | 0,10 | 0,09 | 0,06 | 0,17* |
M: média; DP: desvio padrão; A: assimetria; C: curtose; * p< 0,01.
Os índices de ajustamento estão apresentados na Tabela 2. O modelo de medida apresentou um ajustamento aceitável aos dados em cada uma das amostras. Especificamente, todos os critérios foram atendidos, uma vez que CFI e TLI foram superiores a 0,90, e SRMR e RMSEA abaixo de 0,08. Olhando para os pesos fatoriais exibidos na Tabela 3, todos apresentaram valores superiores a 0,50, explicando pelo menos 25% da variância do fator latente, bem como valores de fiabilidade compósitos adequados.
χ2 | gl | CFI | TLI | SRMR | RMSEA [IC90%] | |
---|---|---|---|---|---|---|
1. Amostra total | 5,015* | 2 | 0,972 | 0,917 | .028 | 0,050 [0,040; 0,157] |
2. Amostra de calibração | 5,230* | 2 | 0,963 | 0,948 | .030 | 0,039 [0,000; 0,213] |
3. Amostra de validação | 5,465* | 2 | 0,962 | 0,945 | .037 | 0,040 [0,025; 0,248] |
χ2: teste do qui-quadrado; gl: graus de liberdade; CFI: comparative fit index; TLI: tucker-lewis index; SRMR: standardized root mean square residual; RMSEA: root mean squared error of approximation; IC90%: intervalo de confiança a 90%; * p< 0,001.
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Item 1 | 0,65 | 0,66 | 0,66 |
Item 2 | 0,87 | 0,86 | 0,87 |
Item 3 | 0,81 | 0,94 | 0,93 |
Item 4 | 0,68 | 0,71 | 0,72 |
FC | 0,84 | 0,88 | 0,88 |
FC: fiabilidade compósita.
O modelo de medida foi usado para testar a invariância entre a amostra de calibração e validação, uma vez que o modelo apresentou um bom ajustamento aos dados. Os resultados evidenciaram que a hipótese foi confirmada, uma vez que o modelo apresentou critérios de invariância em cada conjunto de restrições. Especificamente, a análise de invariância entre as amostras alcançou todos os níveis de invariância para modelos configurais aninhados (∆CFI e ∆TLI< 0,010; ∆SRMR e ∆RMSEA< 0,015), tal como demonstrado na Tabela 4.
CFI | ∆CFI | TLI | ∆TLI | SRMR | ∆SRMR | RMSEA | ∆RMSEA | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Invariância configural | 0,961 | - | 0,950 | - | 0,063 | - | 0,067 | - |
Invariância fraca | 0,965 | 0,004 | 0,949 | 0,001 | 0,060 | 0,003 | 0,065 | 0,002 |
Invariância forte | 0,960 | 0,001 | 0,944 | 0,006 | 0,055 | 0,008 | 0,065 | 0,002 |
Invariância restrita | 0,958 | 0,003 | 0,941 | 0,009 | 0,055 | 0,008 | 0,060 | 0,007 |
Invariância de variância-covariância | 0,955 | 0,006 | 0,940 | 0,010 | 0,054 | 0,009 | 0,054 | 0,013 |
Invariância da média latente | 0,951 | 0,010 | 0,941 | 0,009 | 0,050 | 0,013 | 0,053 | 0,014 |
∆: diferenças entre modelos.
Após demonstrar a validade do SRBAI, foi realizado um modelo de mediação considerando a frequência semanal como mediadora entre a experiência de exercício físico e o hábito. Na Figura 1 são apresentados os resultados do modelo de mediação em análise. Neste sentido, é possível observar que o efeito direto foi positivo, mas não significativo (β= 0,03 [- 0,06; 0,12]). No entanto, os caminhos indiretos entre a experiência de exercício e frequência semanal, e frequência semanal e hábito foram positivos e significativos. Além disso, o efeito indireto total entre a experiência de exercício e o hábito foi positivo e significativo, fornecendo evidências do papel de mediação da frequência semanal nestas associações.
DISCUSSÃO
O objetivo do presente estudo foi analisar a validade e a fiabilidade do SRBAI em praticantes de exercício físico. Especificamente, pretendeu-se examinar a estrutura fatorial do SRBAI, uma medida que avalia aperceção que os indivíduos têm sobre o exercício como um comportamento habitual. As evidências deste estudo apoiam as hipóteses propostas: i) o modelo de medida do SRBAI apresentou um ajustamento aceitável aos dados; ii) invariância entre as amostras de calibração e validação; iii) a frequência semanal como mediador na relação entre a experiência ao exercício e o hábito.
A evidência atual sugere que o modelo de medida do SRBAI (quatro itens/ um fator) adaptado ao contexto do exercício se ajusta aos dados nas duas amostras. Estes resultados apoiam as evidências de Gardner et al. (2012) bem como estudos empíricos em comportamentos relacionados com a saúde (Gardner et al., 2011b). Todos os quatro itens do SRBAI saturam significativamente o fator predefinido. Além disso, foram encontrados coeficientes de fiabilidade compósita adequados em todas as amostras analisadas, de acordo com diversos autores (Hair et al., 2019; Raykov et al., 2015). Assim, os coeficientes de consistência interna foram semelhantes aos encontrados na revisão sistemática realizada por Gardner et al. (2012). Apesar de não ser nosso objetivo medir a variância média extraída, os valores ficaram acima do ponto de corte de 0,50 (Hair et al., 2019) em todas as amostras, reforçando a validade do SRBAI numa amostra de praticantes de exercícios físico. Assim, o fator apresenta validade convergente, reforçando a validade da escala neste contexto.
A análise de invariância revelou que o modelo de medida exibiu um ajuste aceitável para os dados em todas as amostras em análise. Especificamente os resultados revelaram que: a) a estrutura fatorial é a mesma entre os grupos; b) as cargas fatoriais são iguais entre os grupos; os limites dos itens também foram iguais; c) a igualdade dos itens; d) a igualdade de variâncias-covariâncias latentes entre grupos; e) as médias latentes também foram iguais entre a amostra de validação e calibração. Assim, todos os critérios de invariância foram respeitados de acordo com os pressupostos (Cheung & Rensvold, 2002; Marsh et al., 2013), evidenciado suporte à validade do SRBAI em grupos com características diferentes, contribuindo para a agenda de pesquisas futuras que examinem a invariância com recurso a este instrumento. O SRBAI parece ser uma medida confiável na avaliação do hábito tanto na amostra de calibração, como na amostra de validação.
O modelo de mediação evidenciou associações significativas entre a experiência da prática de exercício, frequência e hábito. Essas associações apoiam evidências prévias (Verplanken & Orbell, 2003) entre as variáveis analisadas. Especificamente, as evidências atuais suportam que a força do hábito poderá estar associada à frequência do comportamento (Gardner, 2020), neste caso relacionada à frequência com que um praticante vai ao operador de fitness. Não obstante, os resultados suportam a distinção entre o comportamento passado (ou seja, experiência de exercício físico) e o hábito, uma vez que o comportamento passado pode ou não incluir o desenvolvimento de um comportamento habitual (Gardner, 2015; Gardner et al., 2011a). No entanto, a realização do exercício físico depende de como um indivíduo repetiu o comportamento no passado (Rodrigues et al., 2020) e, portanto, as associações entre experiência e frequência encontradas neste estudo apoiam esse pressuposto. Em geral, o modelo de mediação fornece mais evidências da medição do hábito e da associação com a frequência comportamental e a experiência de exercício (Gardner, 2020).
Alguns pontos fortes e limitações do presente estudo devem ser reconhecidos ao interpretar os resultados deste estudo. Este foi o primeiro estudo a validar o SRBAI no contexto da atividade física, afastando-se do uso tradicional desta escala em comportamentos relacionados com a saúde (Judah, Gardner, & Aunger, 2013) e alimentação saudável (Gardner et al., 2012). Assim, mais estudos empíricos devem ser realizados para fornecer mais evidências do SRBAI no contexto da atividade física, bem como replicar a medida atual em outras culturas para avaliar sua generalização. Gardner et al. (2012) enfatizaram que a validação de construto é um processo contínuo, uma vez que o hábito não é estático sendo considerado um processo cognitivo e finito.
Embora a amostra seja expressiva, uma vez que foram recolhidos dados de duas amostras independentes, variáveis moderadoras sociodemográficos e contextuais podem ter influenciado nos resultados atuais. Por exemplo, o operador de fitness onde os participantes treinam (i.e., baixo custo vs premium), tipo de atividade de fitness (por exemplo, musculação ou aulas de grupo de fitness) pode ter o seu efeito na medição do hábito no contexto do exercício. No entanto, é importante mencionar que o SRBAI foi consistente entre amostras, conforme afirmado anteriormente.
Embora os resultados atuais exibam associações significativas entre o hábito, exercício e frequência semanal, o comportamento foi avaliado com recurso ao autorrelato. De acordo com nossos resultados, foi observada uma mediação total em que a frequência semanal apresentou um papel mediador na associação entre a experiência de exercício e o hábito. No entanto, este estudo apresenta um carácter exploratório, por isso são necessários mais estudos, utilizando dados observáveis, como a adesão e persistência ou até mesmo uma outra análise de possíveis determinantes do hábito. Importa ainda, considerar que, estudos anteriores reportaram que a baixa complexidade comportamental e previu mudanças na formação do hábito ao longo do tempo (Kaushal & Rhodes, 2015).
Finalmente, o hábito foi avaliado apenas num período, considerando os praticantes de exercício com pelo menos seis meses de experiência. Assim, a interpretação dos resultados é baseada apenas na estrutura fatorial da escala e não na avaliação do desenvolvimento do hábito. Estudos futuros devem considerar indivíduos com menos experiência e avaliar o hábito ao longo do tempo, de forma a observarem possíveis variações, pois estes indivíduos tendem a adquirir mais experiência. Desta forma é expectável que indivíduos com maior experiência em atividade física relatem menor intenção de adesão futura, visto que esses indivíduos apresentam níveis mais elevados de hábito, moderando desta forma estas associações (Gardner et al., 2020).
CONCLUSÃO
Os resultados apoiam a estrutura fatorial e a fiabilidade do SRBAI e sua adaptação ao contexto do exercício físico. O SRBAI apresentou-se como uma medida confiável para avaliar o hábito de se exercitar no contexto do fitness. Os dados deste estudo fornecem suporte para a utilização do SBRAI em praticantes de exercício físico, agregando evidências da estrutura fatorial dessa medida nos comportamentos relacionados com a saúde.
Como implicações práticas, é expectável que as evidências apresentadas promovam mais estudos sobre o desenvolvimento do hábito em comportamentos relacionados com a saúde, onde se inclui o exercício físico. Assim, analisar a estabilidade da estrutura do SRBAI na atividade física e momentos temporais diferentes parecem relevantes para estudos futuros. A validação do SRBAI em praticantes de exercício físico ajudará futuros investigadores a examinar a dimensionalidade do hábito e sua distinção na experiência de exercício e outras definições relacionadas com o desenvolvimento do hábito. Em termos práticos, os profissionais ligados ao setor do fitness são aconselhados a usar o instrumento atual para avaliar a perceção dos praticantes de exercício físico para a avaliação do hábito, como uma forma de entender qual o tipo de atividade física que se pode tornar mais habitual. Por fim, medir o hábito com antecedência pode dar aos profissionais do setor do fitness as ferramentas necessárias para informar os técnicos de exercício físico sobre como aumentar a frequência semanal dos praticantes de exercícios para desenvolver maiores níveis de hábito de prática de atividade física, contribuindo para redução da inatividade física.