INTRODUÇÃO
Já é consenso do papel fundamental do esporte no processo de desenvolvimento e ampliação de diversas capacidades motoras, além da relevância no tocante da construção de valores e atitudes, tais como a cidadania que vão além somente da prática esportiva (Maciel, Folle, Souza, Vaz, & Salles, 2017).
Neste cenário, a formação esportiva tem como principal objetivo a orientação dos processos a serem seguidos, consistindo em uma fase de motivação que se pode optar pelo direcionamento do indivíduo em idades jovens (Popkin, Bayomy, & Ahmad, 2019).
Porém, de forma independente do potencial dos indivíduos, esse processo deve se preocupar com uma iniciação básica geral que procure desenvolver todas as capacidades e habilidades motoras básicas, priorizando um trabalho multilateral e variado (Bompa, 2002).
Dessa forma, a iniciação esportiva é o momento no qual a criança começa a aprender, de forma específica, regular e orientada a prática de uma ou mais modalidades esportivas. O objetivo imediato é dar continuidade ao desenvolvimento da criança de forma integral, não implicando na participação em competições regulares (Marques, Lima, Moraes, Nunomora, & Simões, 2014).
Em um momento posterior, a fase de especialização esportiva enfatiza a modalidade escolhida, por meio do aperfeiçoamento técnico e tático, desenvolvendo comportamentos táticos de alto nível competitivo com aumento da participação em competições, tendo como finalidade adquirir gestos motores gradualmente mais consistentes e a busca por resultados (Capranica, & Millard-Stafford, 2011; Dahab, Potter, Provance, Albright, & Howell, 2019).
Entende-se como especialização esportiva precoce o processo pautado em um volume de treinamento elevado durante todo o ano em uma única modalidade e associado a uma idade precoce ou prematura, tendo a não há participação em outros esportes, levando à dedicação única, em tempo integral, com finalidade de melhorar o desempenho (Angel & Post, 2021).
O número de adolescentes praticantes de um único esporte, com características de alto volume e intensidade de treinamento, tendo início antes da conclusão do ensino fundamental, cresce cada vez mais (Jayanthi, Post, Laury, & Fabricant, 2019). De acordo com as diretrizes americanas de especialização precoce (AMSSM Collaborative Research Network Youth Early Sport Specialization Summit et al., 2022), pode-se ressaltar que ser competitivo em alto nível requer regimes de treinamento para as crianças que poderiam ser considerados extremos mesmo para os adultos.
Posicionamentos como os de Brenner et al. (2016) e Laprade et al. (2016) concluíram que a especialização precoce pode não significar uma ferramenta para a criança tornar-se um atleta de sucesso, além desencadear problemas de lesões, overtraining e síndrome de burnout. Essa tendência em relação à especialização esportiva e ao treinamento suscita preocupação, pois esses fatores podem aumentar os riscos a prejuízos físicos e mentais nos envolvidos.
Dos Santos e Menezes (2019), ao analisarem a iniciação desportiva dos jovens brasileiros, descreveu que a grande maioria das crianças iniciam sua formação em “escolinhas” desportivas com foco para uma modalidade, elas têm promovido uma formação especializada, logo nos anos iniciais de contato desportivo. Fazendo com que sejam minimizados os benefícios de atividades diversificadas. Desta forma, surge a seguinte problematização: os escolares praticantes de modalidades esportivas residentes na cidade de Aracaju estão expostos a atividades que levem a à especialização precoce?
No Brasil a estrutura esportiva tem peculiaridades que fazem com que em parte dele, o esporte tenha nos clubes sua base de formação esportiva. Em outros locais, a escola é quem tem o papel preponderante nessa formação.
Nesse sentido a região de abrangência desse estudo é caracterizada por uma participação ativa de escolares em competições esportivas. Como em toda região nordeste do Brasil, na cidade de Aracaju, estado de Sergipe, o desporto escolar é a principal manifestação atlética. Portanto, o objetivo do presente estudo foi de estimar a chance de especialização esportiva precoce em uma população escolar. Acredita-se que escolares sejam especializados precocemente.
MÉTODOS
Este trabalho caracteriza-se como estudo descritivo com abordagem quantitativa e transversal. O presente estudo respeitou as normas da Declaração de Helsinki de 1964 alterada em 2013 e as Diretrizes e Normas Regulamentadoras da Pesquisa em Seres Humanos (Resolução nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde — CNS/MS), e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de Sergipe-UFS com parecer nº 2.256.757.
Para caracterizar os indivíduos como adolescente o parâmetro utilizado foi da Organização Mundial da Saúde (WHO Expert Committee, 2010), que diz que a adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta, compreendido entre os 10 e os 19 anos de idade, em que ocorrem alterações somáticas, psicológicas e sociais, podendo acontecer em ritmos e proporções diferentes entre os indivíduos.
Participaram da pesquisa os escolares em que os responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), e que atenderam aos seguintes critérios: Ter entre 10 a 14 anos de idade, estar regularmente matriculado em uma instituição de ensino, ser praticante de alguma modalidade esportiva e estar em regime de treinamento dos esportes em nível de competição. Foram excluídos da pesquisa os indivíduos que não preencheram adequadamente algum item do questionário.
Para determinação do tamanho amostral (n) foi utilizada a Equação 1 (Santos, 2011):
N= população;
Z= variável normal padronizada associada ao nível de confiança;
p= verdadeira probabilidade do evento;
e= erro amostral.
Amostra
A população desse estudo foi composta por escolares praticantes de esportes (≅ 10.000). O n amostral calculado foi de 380 adolescentes, porém, a amostra selecionada abrangeu 830 praticantes de modalidades distintas (atletismo, basquete, badminton, futsal, ginástica rítmica, handebol, judô, natação, tênis de mesa e voleibol) com idade compreendida entre 10 a 14 anos. Com uma perda de 29 indivíduos, que deixaram de responder algum item do questionário. Os participantes foram recrutados de escolas públicas (15) e particulares (18), escolhidas com base no trabalho de diversificadas modalidades esportivas (por conveniência). A seleção foi realizada de forma aleatória simples entre os adolescentes que praticavam esportes de forma estruturada.
Instrumentos
Foi utilizado um questionário individualizado composto por informações demográficas (sexo, idade, escola e esporte praticado) e três perguntas fechadas que tinham como finalidade identificar o grau de especialização esportiva em adolescentes, baseado no sistema de pontos proposto por Jayanthi, LaBella, Fischer, Pasulka, e Dugas (2015), utilizado por Dahab et al. (2019) e baseado no método de autoclassificação utilizado por Hall, Barber Foss, Hewett e Meyer (2015). No questionário, a primeira pergunta era utilizada para a autoclassificação de um único esporte ou de vários esportes, seguido das perguntas para o sistema de pontos. Para a classificação no sistema de pontos, essas três questões baseiam-se na definição de especialização esportiva como “treinamento inten-sivo durante todo o ano, em um único esporte, excluindo outros esportes” (Jayanthi et al., 2019).
O sistema de classificação categórico foi utilizado para avaliar as questões de especialização esportiva (sim= 1, não= 0), com uma pontuação de três foi considerada alta especialização, uma pontuação de dois foi considerada especialização moderada e uma pontuação de zero ou um foi considerada baixa especialização.
Para ser considerada especialização precoce, foi adotado no presente estudo o que algumas instituições, como a American Orthopaedic Society for Sports Medicine (Laprade et al., 2016), propuseram em um posicionamento de consenso definindo que a participação em formação intensiva ou em esportes organizados e em um único esporte com exclu-ão de outros, maiores que oito meses por ano, envolvendo pré-púberes podem ser caracterizadas especializadas precocemente.
Para a classificação da especialização precoce foi utilizado o modelo de Bompa (2002), que estabelece uma adequação para o início da carreira atlética do indivíduo, onde diz que se o aluno for especializado antes dessa fase é possível que ele esteja sendo especializado precocemente (Quadro 1).
Modalidade | Idade para iniciar (anos) | Idade para especializar (anos) | Idade para alcançar o alto rendimento (anos) | |
---|---|---|---|---|
Atletismo | 10 a 12 | 14 a 16 | 22 a 26 | |
Badminton | 10 a 12 | 14 a 16 | 20 a 25 | |
Basquetebol | 10 a 12 | 15 a 16 | 22 a 28 | |
Ciclismo | 12 a 15 | 16 a 16 | 22 a 28 | |
Handebol | 10 a 12 | 14 a 16 | 22 a 26 | |
Judô | 8 a 10 | 15 a 16 | 22 a 26 | |
Natação | Feminino | 7 a 9 | 11 a 13 | 18 a 22 |
Masculino | 7 a 8 | 13 a 15 | 20 a 24 | |
Futebol | 10 a 12 | 14 a 16 | 22 a 26 | |
Voleibol | 10 a 12 | 15 a 16 | 22 a 26 |
Procedimentos
A pesquisa foi realizada na cidade de Aracaju-SE, Brasil, nas próprias instituições de ensino em que os adolescentes estavam matriculados regularmente. A coleta de dados ocorreu entre os meses de setembro a novembro do ano de 2017. Os avaliadores, compostos por professores e alunos de graduação e pós-graduação, foram previamente treinados para a aplicação dos instrumentos a fim de padronizar todos os procedimentos referentes à obtenção dos dados.
Inicialmente foi feito o contato com o Departamento de Educação Física do Estado de Sergipe (SEED/DEF), apresentando o projeto de pesquisa para que fosse liberada o acesso à relação de escolas e alunos que participaram dos Jogos Escolares no ano anterior.
A caracterização das escolas foi feita de forma arbitrária, de acordo com a quantidade de alunos, sendo caracterizada uma escola de pequeno porte a possuía até 1.000 alunos e de grande porte mais de 1.000 alunos.
Em seguida foi realizado o contato com as direções das instituições de ensino escolhidas para apresentação da proposta do estudo, incluindo seus riscos e benefícios: a participação seria foi voluntária, prezando pelo sigilo e respeitando a autonomia do indivíduo; antes de participar da pesquisa os voluntários receberiam as informações sobre os objetivos e procedimentos metodológicos, aceitando a participação, com seus responsáveis legais assinariam o TCLE; a identificação dos sujeitos, nos questionários, foi opcional para que não houvesse constrangimentos e/ou comprometimento na realização da pesquisa; os benefícios resultantes do estudo objetivaram gerar conhecimento acerca da especialização esportiva precoce de escolares, diminuição dos problemas relacionados ao Burnout e abandono esportivo (Figura 1).
Após a adesão das escolas à pesquisa, foi acertado/definido com os responsáveis pelas equipes os dias e horários em que poderia ser realizada a coleta dos dados.
Análise estatística
A análise estatística foi realizada em três partes: a. estatística descritiva através da qual calculamos as frequências relativas e absolutas da amostra; b. em seguida o teste de qui-quadrado, para realizar a associação das categorias de classificação da variável dependente (baixa, moderada e alta) e para a associação entre os métodos de sistema de três pontos e autoclassificação; c. por fim, análise de regressão logística multinomial, modelo único, para estimar a razão de chance entre sexo (masculino e feminino), idade (10 a 14), tamanho da escola (grande e pequena), tipo de escola (pública e particular), tipo de esporte (coletivo e individual). A variável de desfecho consistiu na especialização esportiva, na qual o valor de especialização baixa foi a referência. Todas as variáveis foram incluídas no modelo. Por fim, o tamanho do efeito (d de Cohen). Foi utilizado o software SPSS 22.0 (IBM, EUA) para todo tratamento estatístico, assim como foi considerado significativo o p≤0,05.
RESULTADOS
De um total de 830 adolescentes que receberam o questionário, 801 destas (96,5%) foram incluídas na população estudada (Tabela 1). As análises dos processos de seleção mostraram que a maior parte da população estudada é do sexo masculino 68,9% e apenas 31,1% do sexo feminino. As perdas foram de 3,5% (n= 29), relativas a alunos que não responderam ao questionário por completo.
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Sexo | Feminino | 249 | 31,1 |
Masculino | 552 | 68,9 | |
Classificação da Especialização | Baixa | 495 | 61,8 |
Moderada | 236 | 29,5 | |
Alta | 70 | 8,7 | |
Tipo de Escola | Pública | 376 | 46,9 |
Particular | 425 | 53,1 | |
Tipo de Esporte | Individual | 332 | 41,4 |
Coletivo | 469 | 58,6 | |
Tamanho da Escola | Pequena | 464 | 57,9 |
Grande | 337 | 42,1 | |
Idade | 10 | 32 | 4 |
11 | 62 | 7,7 | |
12 | 163 | 20,3 | |
13 | 272 | 34 | |
14 | 272 | 34 | |
Total | 801 | 100 |
*Valores apresentados: absolutos (n) e relativos (%).
Na Tabela 1 é apresentada a análise inicial das características gerais das variáveis de acordo com os valores absolutos e relativos. Com relação à idade encontramos valores médios de 12,9± 1,1 anos, sendo a maioria adolescentes, classificados como baixa especialização em sua maioria.
Podem ser observadas na Tabela 2, que quando utilizado o sistema de pontos nas três faixas, adolescentes do sexo masculino pontuaram mais (68,9%) que as do sexo feminino (31,1%).
Sexo | Baixa (%) | Moderada (%) | Alta (%) | Total (%) |
---|---|---|---|---|
Masculino | 324 (40,4) | 177 (22,1) | 51 (6,4) | 68,9 |
Feminino | 171 (21,3) | 59 (7,4) | 19 (2,5) | 31,1 |
Total | 495 (61,8) | 236 (29,5) | 70 (8,7) | 100 |
*Valores apresentados: absolutos (n) e relativos (%).
Já na Tabela 3, refere-se ao sistema de autoclassificação, adolescentes do sexo masculino tendem a escolher vários esportes (36,5%). Já quando observada as adolescentes do sexo feminino, um percentual maior tende a se auto classificar como praticante de um único esporte (18,1%).
Sexo | Único Esporte (%) | Vários Esportes (%) | Total (%) |
---|---|---|---|
Masculino | 260 (32,5) | 292 (36,5) | 69 |
Feminino | 145 (18,1) | 104 (13) | 31 |
Total | 405 (50,6) | 396 (49,4) | 100 |
*Valores apresentados: absolutos (n) e relativos (%).
A associação entre os métodos sistema de 3 pontos e autoclassificação, mostrou-se significativa estatisticamente (p≤ 0,001). Encontramos para essa análise um tamanho de efeito grande, sendo r= 0,553. Quando observamos a chance para os tipos de escola, a especialização esportiva foi significativa. Verificamos que os adolescentes da escola pública apresentaram duas vezes mais chances de especialização na categoria moderada (OR= 2,06; IC95% 1,46–2,74) e alta (OR= 1,96; IC95% 1,19–3,26) em comparação aos adolescentes da escola particular (Tabela 4). As outras variáveis idade, tamanho da escola e tipos de esporte não se mostraram significativas
Classificação | ß | OR | limite inferior/superior | Valor p |
---|---|---|---|---|
Moderada | -,845 | 0,421 | ||
Idade | 0,001 | 1,001 | 0,854–1,173 | 0,993 |
Sexo=Feminino | -,460 | 0,632 | 0,446–0,895 | 0,010 |
Sexo=Masculino | 1 | 1 | 1 | |
Tipo de escola= Pública | 0,696 | 2,006 | 1,465–2,747 | 0,000 |
Tipo de escola= Particular | 1 | 1 | 1 | |
Tamanho da Escola= Pequena | 0,116 | 1,122 | 0,807–1,561 | 0,493 |
Tamanho da Escola= Grande | 1 | 1 | 1 | |
Tipo de esporte= Individual | -0,039 | 0,962 | 0,702–1,319 | 0,962 |
Tipo de esporte= Coletivo | 1 | 1 | 1 | |
Alta | -2,891 | 0,089 | ||
Idade | 0,072 | 1,074 | 0,830–1,390 | 0,585 |
Sexo= Feminino | -0,348 | 0,706 | 0,404–1,234 | 0,222 |
Sexo= Masculino | 1 | 1 | 1 | |
Tipo de escola= Pública | 0,676 | 1,967 | 1,185–3,263 | 0,009 |
Tipo de escola= Particular | 1 | 1 | 1 | |
Tamanho da Escola= Pequena | -0,307 | 0,735 | 0,437–1,238 | 0,247 |
Tamanho da Escola= Grande | 1 | 1 | 1 | |
Tipo de esporte= Individual | 0,051 | 1,052 | 0,634–1,745 | 0,844 |
Tipo de esporte= Coletivo | 1 | 1 | 1 |
β: beta (efeitos da variável independente); OR: odds ratios; p≤ 0,05.
DISCUSSÃO
A pesquisa teve como finalidade estimar a chance de especialização esportiva precoce em escolares. O principal achado obtido nesse estudo foi que a especialização é baixa. Quando o sistema de autoclassificação foi utilizado, uma proporção maior de adolescentes se autoclassificaram como praticantes de um único esporte. Utilizando a escala de três pontos aplicada à mesma amostra, foi observada uma maior parcela de participantes sendo especializados de forma baixa, sendo, alguns resultados, influenciados pelas variáveis sexo e tipo de escola.
Estudos anteriormente realizados, utilizaram o método de autoclassificação (Fransen et al., 2012; Hall et al., 2015), contudo ainda não está claro que este método seja o ideal para classificar a especialização. Já o sistema de três pontos tem como objetivo classificar mais especificamente a especialização e vem sendo utili-zado em diversos estudos (Bell et al., 2016; Pasulka, Jayanthi, McCann, Dugas, & LaBella, 2017; Dahab et al., 2019). No presente estudo foram utilizados os dois tipos de métodos para dar mais consistência aos dados.
Considerando a ideia de observar a frequência da especialização, o estudo Wilhelm, Choi e Deitch (2017) demonstrou que 49% dos jogadores de beisebol dos Estados Unidos foram especializados precocemente, enquanto que no presente estudo os valores chegaram a 38%. Isto pode ter ocorrido em razão de ambos utilizarem a mesma definição para especialização precoce, apesar de terem questionários distintos e uma característica amostral diferente.
Ainda que alguns estudos (Güllich & Emrich, 2006; Güllich, 2014), relatem que os atletas de elite intensificam seus regimes de treinamento em uma idade mais avançada do que seus colegas de quase elite. No presente estudo em adolescentes foi demonstrado que a especialização parece não ser influenciada pela idade.
Da mesma forma a maioria (50,6%) dos participantes se classificaram como praticantes de um único esporte. Estudo congênere de Buckley et al. (2017), fornece uma base para a compreensão das tendências atuais em especialização em um único esporte em todos os níveis atléticos, além disso, atletas do ensino médio se especializaram em média 2 anos antes dos atletas universitários e profissionais pesquisados. Nesse sentido, tais dados confrontam a ideia de que o sucesso na elite exige que os atletas se especializem em um esporte, em uma idade prematura e muitas vezes sem poder lidar com as exigências do treinamento.
Ainda sobre a autoclassificação, no presente estudo as meninas relataram serem praticantes de um único esporte. Post et al. (2017), destacaram em seu estudo que existe uma teoria de risco aumentado entre atletas do sexo feminino. O crescente aumento de meninas participando em um único esporte e fazendo especialização esportiva intensa durante todo o ano. Desta forma o aumento da participação em único esporte propicia ao risco de especialização.
Por outro lado, os resultados encontrados do presente estudo mostram que uma parcela significativa (49,4%) de praticantes, são de vários esportes. Güllich (2014) destacou que atletas olímpicos relataram participar em mais de um esporte quando criança. Synder (2014) encontrou que esportistas profissionais acreditavam que ser um atleta eclético foi benéfico para se alcançar o alto nível. Já Güllich e Emrich (2006) que avaliaram atletas olímpicos alemães, concluíram que ter um ótimo volume de treinamento não é o principal fator associado a uma boa performance em esportes de alto desempenho.
Os achados do presente estudo mostram uma baixa especialização esportiva precoce (60,8%), com valores intermediários para especialização moderada (29,5%) e uma pouca prevalência de alta especialização (8,7%) em ambos os sexos. Os adolescentes do sexo masculino tiveram maior tendência a serem especializados precocemente de forma moderada (22,1%) e altamente especializados (6,4%), quando comparadas com as adolescentes do sexo feminino que apresentaram uma especialização moderada (7,4%) e altamente especializadas (2,5%). Essas informações levam a perceber que, de modo geral, a atividade esportiva desenvolvida nas escolas parece estar dentro dos limites adequados para as faixas etárias estudadas.
Bell et al. (2016) mostraram que o tamanho da escola pode desempenhar um papel decisivo na especialização em um esporte. Atletas em escolas maiores enfrentam muito mais competições esportivas do que aqueles de pequenas escolas e, portanto, podem ser forçados a escolher um esporte com a exclusão de outros. Entretanto, ainda que os autores supracitados tenham encontrado resultados que justifiquem a importância do tamanho da escola, no presente estudo não parece haver diferença quando comparadas as escolas de pequeno e grande porte. Essa afirmação encontra respaldo em Whatman, van den Berg, Palacios-Derflingher, e Emery (2021) que não verificaram diferença em relação ao tamanho da escola.
A chance quanto o tipo de escola aumenta a exposição de adolescentes em relação à especialização esportiva precoce foi verificada. Os adolescentes da escola pública apresentaram (OR= 2,06) duas vezes mais chances de especialização na categoria moderada e alta. Isso pode significar que, os adolescentes das escolas públicas apresentam mais chances de estarem sendo especializados precocemente quando comparados aos de escolas particulares.
Ainda que não tenhamos encontrado na literatura estudos de outros países que atentem à classificação das escolas entre pública e particular, no Brasil este dado é um fator relevante, principalmente em nosso estado que tem como principal manifestação esportiva o desporto escolar. Dessa forma, os dados mostram que o tipo da escola pode desempenhar um papel decisivo na especialização esportiva. Atletas vinculados a escolas particulares dispõem de um leque mais amplo de modalidades esportivas do que os ligados a escolas públicas e, portanto, podem diversificar sua prática. Por outro lado, a oferta de uma gama de opções de prática em escolas públicas é limitada, forçando o aluno a praticar apenas o que está disponível, levando-o a especializar-se precocemente.
A chance de a especialização esportiva precoce acontecer por conta do sexo, não apresentou diferença no grau de especialização alta. Já quando observado na especialização moderada, verificamos que as adolescentes têm menos chances de serem especializadas quando comparadas aos adolescentes do sexo masculino. Isso pode estar relacionado a nossa cultura onde a sociedade entende que a prática esportiva está mais relacionada ao sexo masculino. Contudo, Bell et al. (2016) e Post et al. (2017) em seus resultados também verificaram que atletas femininas eram mais propensas a se especializar do que os atletas do sexo masculino. Todavia isso pode ter ocorrido por conta de os estudos serem realizados com atletas do ensino médio.
Estas informações são confirmadas por Pasulka et al. (2017) que encontraram uma maior proporção de atletas com um baixo índice de especialização entre os praticantes de esportes coletivos, enquanto havia uma maior proporção de atletas altamente especializados entre aqueles praticantes de esportes individuais. Esta discrepância pode estar relacionada ao tipo da amostra visto que, no presente estudo, os sujeitos eram escolares praticantes de esportes e com um faixa etária reduzida.
O presente estudo apresenta algumas limitações, como por exemplo não foi comparada a chance de especialização em diferentes esportes. No entanto, a classificação em esportes coletivos e individuais é representativa em nossa área geográfica. Também não foram examinados outros fatores potenciais que influenciam a especialização neste estudo, como o interesse pessoal do atleta jovem e a influência dos pais ou treinadores. Pesquisas futuras devem examinar o efeito desses fatores sobre a especialização. Finalmente, enquanto os desenhos de estudos transversais podem revelar associações, estes estudos não podem provar a causalidade.
CONCLUSÕES
Conclui-se que a chance de um adolescente ser especializado precocemente no presente estudo é baixa. A variável sexo parece interferir na caracterização da especialização esportiva precoce, já a idade parece não influenciar. A especialização esportiva precoce parece ser influenciada pelo tipo de escola. Adolescentes de escolas públicas têm mais chances de serem especializados. Por outro lado, o tamanho da escola não foi determinante para influenciar na especialização dos mesmos, assim como o tipo de esporte. Os autores sugerem novas pesquisas que abordem analises longitudinais sobre o tema é que possam analisar a frequência semanal de treinamento destes adolescentes.