INTRODUÇÃO
Na última década mais da metade da população mundial passou a residir em cidades (Nações Unidas, 2014), no Brasil mais de 160 milhões de pessoas (84,72%) se concentram em áreas urbanas (IBGE, 2015). Nesse contexto, o ambiente doméstico desempenha um papel importante no desenvolvimento de habilidades pessoais-sociais, de resolução de problemas e de comunicação (Valadi, Gabbard, & Hooshyari, 2020) mas fora dele, em suas proximidades se encontram os verdadeiros prolongamentos e o acesso a infraestruturas e aos serviços como da saúde, transporte, saneamento, lazer, entre outros (Amanajás & Klug, 2018), que compõem as reais condições de moradia e ditam a qualidade da sua vizinhança no bairro que residem, evidenciando que, viver na cidade ultrapassa as condições da residência e os deixam à mercê de inúmeros fatores externos a seu domicílio.
Ao pensar em unificar e melhorar o planejamento das cidades no século XX, no Congresso Internacional de Arquitetura, o arquiteto urbanista Le Corbusier elaborou e divulgou instruções em relação à ocupação nas cidades, a “Carta de Atenas”, que agrupa em seu texto as quatro funções da cidade modernista: o habitar, o trabalhar, o circular e o lazer. Se no século passado, o lazer foi um dos tópicos que recebeu destaque no planejamento urbano, em contrapartida, em pleno século XXI, percebe-se que a criança está em segundo plano na distribuição e no planejamento dos espaços públicos, sendo que o ambiente espacial do bairro urbano pode afetar a duração da atividade física das crianças. No futuro planejamento de áreas residenciais urbanas, se faz necessário o equilíbrio razoável e a combinação das características do espaço do bairro e das características ambientais visando atender à auto exigência de atividade física das crianças urbanas (Bao, Gao, Luo & Zhou, 2021).
Crescentes evidências têm buscado compreender a influência da vizinhança enquanto ambiente no desenvolvimento infantil, utilizando, principalmente, dados secundários/ censitários relacionados com a educação e saúde pública (Frehlich et al., 2022), com a atividade física (Boclin, Faerstein, & Leon, 2014; Bao et al., 2021), com as comodidades do bairro e a redução do sedentarismo (Lotoski, Fuller, Stanley, Rainham & Muhajarine, 2021), com a habilidade cognitiva (Flouri, Mavroli, & Tzavidis, 2012), com políticas para promover urbanização de bairros visando contribuir a prevenção da obesidade infantil (Daniels et al., 2021) e o impacto na autopercepção das crianças vivendo em ambientes de pobreza (Nobre, Nobre, & Valentini, 2021) entretanto, o índice de pesquisas que investiguem a influência do ambiente da vizinhança no desenvolvimento motor em crianças ainda é limitado (Kohen, Leventhal, Dahinten, & McIntosh, 2008).
A lacuna de pesquisas na literatura direcionada ao ambiente da vizinhança reforça a necessidade de avaliar esse espaço relacionando-o ao desenvolvimento motor e analisando quais espaços físicos, estruturas e espaços livres que compõem o ambiente desses locais, visto que as condições dos espaços que estão disponíveis e a sua relação com a criança podem funcionar como fatores protetores que favoreceram a aquisição de habilidades necessárias ao desenvolvimento infantil (Araujo, Santos & Lima, 2020). Assim, dependendo da condição das oportunidades proporcionadas para a criança, e ainda como o seu significado é compreendido, o desempenho motor pode ser afetado pelo contexto, mas também pode atuar sobre sua relação com ele (Nobre, Coutinho, & Valentini, 2014).
A falta de oportunidades para a prática motora, devido à violência, à crença dos pais, à falta de estrutura e aos recursos materiais são fatores que estão associados aos atrasos motores na infância (Nobre et al., 2014). Estudos revelaram que uma quantidade significativa de crianças demonstra nível de habilidade motora aquém do esperado para sua idade, ou seja, as crianças vêm apresentando déficit no desempenho motor de atividades nas habilidades motoras grossa e fina (Spessato, Gabbard, Valentini, & Rudisill, 2013), portanto existe a necessidade de estudos com intervenção motora para auxiliar as crianças a se tornarem mais proficientes e seguras sobre suas competências motoras (Nobre et al., 2021).
Portanto, considerando que o desenvolvimento motor emerge em função das interações entre fatores do indivíduo e do ambiente (Perrotti & Manoel, 2001), uma lacuna na literatura de estudos, refere-se a pesquisas que investiguem a influência do ambiente da vizinhança no desenvolvimento motor de escolares. Diante ao exposto, este estudo pretende responder à seguinte hipótese-problema: “Existe a associação entre quais estruturas do ambiente da vizinhança e a proficiência motora de escolares de seis a dez anos de idade?”
MÉTODO
População e amostra
Este estudo de delineamento transversal definiu como popupação alvo os alunos regularmente matriculados na Secretaria de Educação de Maringá. A partir de um total de 16.335 crianças matriculadas nas escolas públicas de Ensino Fundamental foi utilizada a fórmula de Motta (2006) para se estabelecer uma amostra representativa. Realizado o cálculo o resultado final apontou que 378 crianças deveriam compor a amostra. Visando garantir uma amostra suficiente foram entregues 438 Termos de Consentimento Livre e Esclarecido aos pais/responsáveis pelas crianças, sendo que, 397 retornaram com a autorização para a participação das crianças na pesquisa. Dessa forma, a amostra final foi composta por 397 crianças, sendo 186 meninos e 211 meninas com média de idade de 8,5 anos.
Instrumentos de medida
Para avaliar o desempenho motor foi utilizado o Teste de Proficiência Motora de Bruininks-Oseretsky-BOT-2 (Bruininks & Bruininks, 2005). O BOT-2 avalia a proficiência motora em quatro áreas: Coordenação Manual Fina, Coordenação Manual, Coordenação/ Controle do Corpo e Força e Agilidade. O avaliado pode ser classificado em: “Bem acima da média”, “Acima da média”, “Média”, “Abaixo da média” ou “Bem abaixo da média”. Para este estudo, os grupos “Bem acima da média” e “Acima da média”, como “Abaixo da média” e “Bem abaixo da média” foram unidos, ficando portando as seguintes classificações: “Acima da média”, “Média”, “Abaixo da média”.
Para avaliação do ambiente da vizinhança, foi realizada uma entrevista estruturada com o cuidador principal da família, tendo como objetivo coletar informações do ambiente (construído, natural e serviços básicos) da vizinhança no qual a família reside. Para esse estudo, optou-se pela avaliação do ambiente de acordo com a percepção do indivíduo pelo fato de ser um método simples e de menor custo (Hino, Reis, & Florindo, 2010).
O questionário teve como primeira pergunta: “Quanto tempo a criança mora nesta vizinhança/bairro?” Seguida de questões mais específicas sobre a presença da criança no espaço da vizinhança. “A criança frequenta os espaços da vizinhança/bairro nos finais de semanas e tempos livres durante a semana?” E ainda sobre o ambiente construído e natural e alguns serviços que possui na vizinhança, se a criança utiliza e quais deles que ela sente falta ou que deveria ter mais no entorno de sua residência como: rua, parquinhos (playground), praça, calçadas, ATI (Academia da Terceira Idade) que não foi planejada para uso das crianças, mas observa-se que muitas crianças acabam a utilizando (optamos por mantê-la como uma das opções de resposta), quadra de esportes, policiamento e segurança, entre outros. Finalizando com a pergunta em relação à avaliação da qualidade do ambiente: “No geral, que avaliação você faz para a vizinhança/ bairro em relação às oportunidades de espaços para seu filho (a) utilizar e brincar?”.
No intuito de coletar informações sobre a existência e utilização do ambiente construído, natural e serviços disponível na vizinhança o questionário foi estruturado com perguntas em relação ao ambiente de forma dicotômica, ou seja, resposta simples: “sim” ou “não”. Vale ressaltar que, no questionário, optou-se por utilizar nas perguntas as palavras “vizinhança” seguidamente “bairro”, pois acreditamos que somente a palavra “vizinhança”, a qual é o ambiente de pesquisa, muitos dos cuidadores poderiam remeter a avaliação às relações com os vizinhos e não com o ambiente como espaço, que é nosso objetivo de estudo. Ainda em relação aos termos utilizados, no questionário não foi utilizada a palavra “ambiente construído e ou natural”, mas sim “espaço”, pois “ambiente construído e ou natural” é um termo mais formal e científico e dessa forma poderia causar confusão e constrangimento pelo desconhecimento do significado da palavra pelos avaliados. Esse questionário foi avaliado por especialistas em desenvolvimento motor e os resultados revelaram coeficientes de validade de conteúdo acima de 0,80 para clareza de linguagem e pertinência prática, já as dimensões avaliadas apresentaram concordância acima de 70% e um Kappa médio de 0,91, sugerindo excelente concordância entre os avaliadores (Landis & Koch, 1977).
Possuindo o endereço residencial da família e as informações sobre as características da vizinhança, foi demarcado no mapa da cidade de Maringá o local no qual cada criança reside, após identificação de suas residências, a vizinhança foi dividida em três áreas. A primeira é a área central (“centro”), composta pelas zonas originais da planta. A segunda é a área dos bairros (“bairro”), zonas e jardins que foram se formando ao entorno do centro. E a terceira é a das zonas e jardins (“periferia”) que estão localizados fora do contorno norte e sul da cidade.
Para classificação do nível socioeconômico da família das crianças foi utilizado o Critério de Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2015). O resultado da pontuação nos itens foi estratificado em seis estratos (um aos seis) que correspondem em classes sociais (A1, B1, B2, C1, C2, D – E). Nesse estudo, devido às classificações apontarem para a maioria das famílias pertencerem às classes B1, B2, C1 e C2, optou-se por categorizar a classe econômica em três categorias: A e B1(classe média alta), B2 e C1 (classe média) e C2 e D-E (classe média baixa).
Procedimento da coleta de dados
Primeiramente os pesquisadores entraram em contato com a Secretaria de Educação para solicitar a autorização para realizar a pesquisa, posteriormente com os diretores e professores das escolas públicas de Ensino Fundamental. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa, envolvendo Seres Humanos da Faculdade Assis Gurgacz, sob parecer n°. 1.207.141/2015. Para realização da entrevista estruturada com o questionário sobre o ambiente da vizinhança e o questionário socioeconômico, as visitas domiciliares foram agendadas de acordo com a disponibilidade do cuidador principal. Os testes e questionários foram aplicados por três mestrandas e uma doutoranda com treinamento e ampla experiência prática na área.
Análise dos dados
Para verificar a normalidade dos dados foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Para a comparação entre os grupos foi utilizado o Teste Kruskall-Wallis, quando encontrada uma diferença significativa o Teste U de Mann-Whitney foi utilizado para identificar as diferenças entre esses grupos. O tamanho do efeito foi estimado a partir do teste “d de Cohen”. O tamanho do efeito será interpretado em três magnitudes: pequeno (0,1 a 0,3), moderado (0,3 a 0,5) e grande efeito (> 0,5). Para associar os dados, foi utilizado o teste χ2. Os dados foram processados com nível de significância menor ou igual 5%.
RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta a comparação do resultado dos escolares nas tarefas de desempenho motor (global e suas dimensões) na comparação entre as áreas em que as mesmas residem.
BOT-2 | Áreas - Vizinhança | p | d-Cohen | ||
---|---|---|---|---|---|
Central | Bairros | Periferia | |||
Média ± DP | Média ± DP | Média ± DP | |||
Coordenação Motora Fina | 39,6 ± 6,1 | 39,3 ± 6,1 | 39,7 ± 6,4 | 0,72 | 0,33 |
Coordenação Manual | 50,2 ± 10,8a | 49,2 ± 9,0b | 46,5 ± 7,9a,b | 0,01* | 0,61 |
Controle do corpo | 51,4 ± 8,4 | 51,0 ± 8,5 | 49,2 ± 9,0 | 0,12 | 0,19 |
Força e Agilidade | 46,7 ± 7,4c | 50,0 ± 8,71b,c | 47,4 ± 8,1c | 0,01* | 0,56 |
Desempenho Motor Global | 45,7 ± 7,6 | 46,1 ± 7,6 | 44,4 ± 7,6 | 0,07 | 0,22 |
*Diferenças significativas; DP: desvio padrão;
adiferença entre central e periferia;
bdiferença entre bairro e periferia;
cdiferença entre central e bairro.
Foram encontradas diferenças significativas na dimensão da coordenação manual entre a área central e periferia (p= 0,01), e a área de bairros e periferia (p= 0,01). Em ambas, os resultados demonstram que a área da periferia apresenta resultados inferiores quando comparados com a área central ou a área dos bairros. Já na dimensão de força e agilidade que também apresentou diferença significativa, as diferenças foram verificadas entre a área central com a área de bairros (p= 0,01), e a área da periferia com a área de bairros (p= 0,01), sendo esta última (área de bairros) a que apresentou resultados superiores nas tarefas de força e agilidade quando comparadas com a área central e da periferia. Na Tabela 2, compararam-se os resultados do desempenho motor (global e dimensões) entre as classes socioeconômicas.
BOT-2 | Classe Socioeconômica | p | d-Cohen | ||
---|---|---|---|---|---|
Média alta (61 famílias) | Média (265 famílias) | Média baixa (71 famílias) | |||
Média ± DP | Média ± DP | Média ± DP | |||
Coordenação Motora Fina | 40,9 ± 6,5a | 39,6 ± 6,0 b | 37,5 ± 6,3 a,b | 0,01* | 0,64 |
Coordenação Manual | 50,4 ± 9,5 | 48,9 ± 9,2 | 46,2 ± 8,5 | 0,07 | 0,11 |
Controle do corpo | 51,6 ± 8,3a | 51,0 ± 8,6b | 48,3 ± 8,9a,b | 0,04* | 0,50 |
Força e Agilidade | 50,2 ± 8,4a | 48,8 ± 8,3 | 46,8 ± 8,5a | 0,04* | 0,53 |
Desempenho Motor Global | 47,2 ± 7,3a | 45,7 ± 7,6b | 42,6 ± 7,5a,b | 0,01* | 0,72 |
*Diferenças significativas; DP: desvio padrão;
adiferença entre média alta e média baixa;
bdiferença entre média e média baixa.
Observa-se (Tabela 2) que foi encontrada uma diferença significativa na coordenação motora fina, no controle do corpo e no desempenho motor global entre a classe média alta e média baixa (p= 0,01; p= 0,04; p= 0,01) e entre a classe média e média baixa (p= 0,01; p= 0,02; p= 0,00), já na força e agilidade somente entre a classe média alta e média baixa (p= 0,02). Em todas as diferenças significativas, a classe socioeconômica média baixa foi a que apresentou resultados inferiores tanto nas dimensões, bem como, no desempenho motor global. Na Tabela 3 são apresentadas as porcentagens dos itens (recursos materiais) que cada área da cidade possui e estão disponíveis para as crianças.
Ambiente da vizinhança | Possui | Área - Vizinhança | p | ||
---|---|---|---|---|---|
Central | Bairros | Periferia | |||
(%) | (%) | (%) | |||
Calçadas | Sim | 98,6 | 91,3 | 90,5 | 0,08 |
Não | 1,4 | 8,7 | 9,5 | ||
Ciclovia | Sim | 8,2 | 15,4 | 8,6 | 0,11 |
Não | 91,8 | 84,6 | 91,4 | ||
ATI | Sim | 71,2 | 67,3 | 62,9 | 0,48 |
Não | 28,8 | 32,7 | 37,1 | ||
Projetos Sociais | Sim | 23,3 | 21,2 | 17,2 | 0,56 |
Não | 76,7 | 78,8 | 82,8 | ||
Centro Esportivo | Sim | 35,6 | 30,3 | 26,7 | 0,43 |
Não | 64,4 | 69,7 | 73,3 | ||
Praças/parquinhos | Sim | 43,8 | 43,8 | 33,6 | 0,17 |
Não | 56,2 | 56,3 | 66,4 | ||
Clubes/escolinhas | Sim | 39,7 | 32,7 | 23,3 | 0,05* |
Não | 60,3 | 67,3 | 76,7 | ||
Vegetação | Sim | 93,2 | 78,8 | 80,2 | 0,02* |
Não | 6,8 | 21,2 | 19,8 | ||
Iluminação | Sim | 97,3 | 90,9 | 87,1 | 0,05* |
Não | 2,7 | 9,1 | 12,9 | ||
Sinalização | Sim | 84,9 | 73,1 | 70,7 | 0,07 |
Não | 15,1 | 26,9 | 29,3 | ||
Policiamento/segurança | Sim | 69,9 | 67,8 | 62,9 | 0,55 |
Não | 30,1 | 32,2 | 37,1 |
*Diferença significativa
Verificou-se que foi encontrada associação da área da vizinhança com os clubes/ escolinhas esportivas particulares (p= 0,04), onde se destaca o fato de 76,7% responderem que os mesmos não estão presentes na área da periferia, na vegetação (p= 0,01) presente em 93,2% das respostas para a área central, e por fim, na iluminação (p= 0,04) onde 12,9% dos avaliados entendem que também não está presente na área da periferia. Para os demais itens que possui no ambiente da vizinhança, observa-se que a área central apresenta os maiores resultados positivos comparada com a área de bairros e com a área da periferia. A Tabela 4 demonstra a distribuição da porcentagem do que possui e o que as crianças utilizam no ambiente da vizinhança de acordo com a percepção do cuidador principal em relação à classificação do desempenho motor global.
Ambiente da vizinhança | Desempenho motor global | p | |||
---|---|---|---|---|---|
Abaixo da média | Média | Acima da média | |||
Itens | POSSUI | (%) | (%) | (%) | |
Calçadas | Sim | 28,1 | 68,4 | 3,5 | 0,51 |
Não | 33,3 | 66,7 | 0 | ||
Ciclovia | Sim | 33,3 | 64,4 | 2,1 | 0,67 |
Não | 27,8 | 68,8 | 3,4 | ||
ATI | Sim | 26,4 | 70,2 | 3,4 | 0,44 |
Não | 32,6 | 64,4 | 3,0 | ||
Projetos Sociais | Sim | 24,7 | 70,4 | 4,9 | 0,49 |
Não | 29,4 | 67,7 | 2,8 | ||
Centro Esportivo | Sim | 21,7 | 76,7 | 1,7 | 0,05* |
Não | 31,4 | 64,6 | 4,0 | ||
Praças/parquinhos | Sim | 21,0 | 74,7 | 4,3 | 0,02* |
Não | 33,6 | 63,8 | 2,6 | ||
Clubes/escolinhas | Sim | 25,0 | 70,2 | 4,8 | 0,33 |
Não | 30,0 | 67,4 | 2,6 | ||
Vegetação | Sim | 27,7 | 68,6 | 3,7 | 0,51 |
Não | 31,9 | 66,7 | 1,4 | ||
Iluminação | Sim | 27,1 | 69,5 | 3,3 | 0,18 |
Não | 41,7 | 55,6 | 2,8 | ||
Sinalização | Sim | 26,4 | 70,3 | 3,4 | 0,28 |
Não | 34,7 | 62,4 | 3,0 | ||
Policiamento/segurança | Sim | 28,7 | 67,5 | 3,8 | 0,71 |
Não | 28,0 | 69,7 | 2,3 | ||
Itens | UTILIZA | ||||
Rua | Sim | 27,7 | 68,8 | 3,5 | 0,87 |
Não | 29,8 | 67,4 | 2,8 | ||
Calçadas | Sim | 27,8 | 68,6 | 3,6 | 0,75 |
Não | 30,7 | 67,0 | 2,3 | ||
Ciclovia | Sim | 28,2 | 68,4 | 3,5 | 0,59 |
Não | 33,3 | 66,7 | 0 | ||
ATI | Sim | 23,6 | 71,9 | 4,5 | 0,09 |
Não | 32,4 | 65,3 | 2,3 | ||
Projetos Sociais | Sim | 20,9 | 74,4 | 4,7 | 0,47 |
Não | 29,4 | 67,5 | 3,1 | ||
Centro Esportivo | Sim | 17,9 | 79,1 | 3,0 | 0,10 |
Não | 30,6 | 66,1 | 3,3 | ||
Praças/parquinhos | Sim | 20,9 | 74,6 | 4,5 | 0,04* |
Não | 32,3 | 65,0 | 2,7 | ||
Clubes/escolinhas | Sim | 10,6 | 78,7 | 10,6 | 0,00* |
Não | 30,9 | 66,9 | 2,3 |
*Diferença significativa.
Nos itens (Tabela 4) que possuem no ambiente da vizinhança, foi encontrada associação significativa com o desempenho motor global para com o centro esportivo/quadra de esportes (p= 0,04) e nas praças/parquinhos (p= 0,02). Nos itens assinalados, que são utilizados pelas crianças no ambiente da vizinhança, foi encontrada associação significativa com o desempenho motor global para com as praças/parquinhos (p= 0,04) e nos clubes/escolinhas particulares (p= 0,00).
DISCUSSÃO
O principal resultado deste estudo foi a associação entre a proficiência motora dos escolares e os ambientes construídos na vizinhança como os centros esportivos/quadras poliesportivas (p= 0,05) e praças/parquinhos (p= 0,02). Tal fato, pode ser explicado por ser em espaços externos no bairro, que as intervenções de atividade física facilitam ou restringem a atividade motora (Huang et al., 2020), portanto, estimulam os níveis de proficiência motora (Ré, 2011). Outro ambiente fundamental para o desenvolvimento da proficiência motora foi a participação em atividades extracurriculares em clubes/escolinhas de esportes (p= 0,00) que embora não estejam presentes no ambiente da vizinhança são ambientes nos quais a participação esportiva da criança desempenha um papel relevante no desenvolvimento da proficiência motora durante a idade escolar (Ferreira et al., 2019).
A constatação negativa é a falta de affordances no ambiente da vizinhança, o fato de ter sido encontrada a associação somente em algumas das categorias de classificação do desempenho motor global indicam que a relação da criança com os espaços externos em volta da sua casa está ficando empobrecida (Cotrim & Bichara, 2013; Freire, 2014), tal fato foi constatado por Lovison, Moreira, Silva, Scorzafave e Mello (2021) também em ambientes de creches nos quais quanto mais baixo o nível de affordances maior a probabilidade de que as crianças apresentem de atraso no desenvolvimento motor. Apesar da presença de ruas e calçadas o “brincar” nestes e demais espaços livres não se mostrou significativo para a melhora da proficiência motora das crianças. De fato, os resultados demonstraram que este espaço nem sempre é frequentado com assiduidade pela maioria (57,3%) das crianças. E, por mais que alguns estudos (Oliveira, 2004) relatem que as crianças de regiões mais afastadas do centro brincam mais nos espaços fora da sua casa quando associamos a frequência com que permanecem no ambiente da vizinhança com as áreas do estudo (central, bairros e periferia), não foi encontrada associação significativa com a proficiência motora. Apenas 31,7% das crianças frequentam o ambiente da vizinhança com regularidade este dado confirma que pais preferem que as crianças frequentem espaços fechados, como casas, condomínios, shoppings e a escola, pois assim possuem maior controle sobre as mesmas (Chaves & Melo, 2013). Por outro lado, os projetos arquitetônicos das cidades direcionam projetos esportivos e de lazer para a região central da cidade (Machado & Carvalho, 2013; Tschoke & Rechia, 2012) e ocorre uma ausência de estruturas adequadas para o público infantil, fato que tem sido relatado pelas próprias crianças (Müller & Arruda, 2015).
Outro resultado relevante refere-se ao nível socioeconômico familiar que é um indicativo importante para o desenvolvimento infantil e em especial do desenvolvimento motor (Kaur & Kaur, 2022; Nobre et al., 2012) pois afeta a capacidade da família de proporcionar affordances para as crianças, (Ferreira, Godinez, Gabbard, Vieira, & Caçola, 2018; Nascimento Junior et al., 2014). Os achados deste estudo verificaram uma associação significativa entre o desempenho motor (dimensões e global) com o nível socioeconômico das famílias. A classe social média baixa apresentou resultados na proficiência motora inferiores às demais classes sociais, fato também encontrado nos estudos de Morley, Till, Ogilvie e Turner (2015) e Souza, Santos, Borges e Borba-Pinheiro (2015) nos quais as crianças de nível socioeconômico mais baixo apresentaram nível de proficiência motora inferior quando comparado com o de nível socioeconômico mais alto.
Quando avaliadas pelas áreas do ambiente da vizinhança em que residem (central, bairro, periferia) com as categorias de classificação do desempenho motor (dimensões e global), observou-se na distribuição das porcentagens que na dimensão coordenação motora fina foi encontrado o maior número de crianças abaixo da média igualmente distribuídas nas três áreas (central: 56,2%; bairro: 63,0%; periferia: 60,5%). Já para as demais dimensões: coordenação manual, controle do corpo, força e agilidade e no desempenho motor global, a maioria das crianças foram classificadas com o desempenho motor na média para as três áreas da cidade, neste contexto para Zeng, Johnson, Boles e Bellows (2019) as habilidades motoras fundamentais está associada a sua socioecologia sendo o resultado multidimensional que difere de acordo com a categoria de habilidade da criança, da família e do ambiente.
Os resultados da proficiência motora dos escolares de seis a dez anos de idade revelaram que a maioria das crianças (68,3%) foram classificadas na categoria na média no desempenho motor global que são semelhantes aos encontrados na pesquisa de Gaul & Issartel (2016) e Jholický, Kokštejn e Musálek (2015) em outros países. No Brasil, Caçola, Ibana, Ricard e Gabbard (2016) e Ferreira et al. (2018) apontaram que crianças brasileiras estão abaixo dos níveis médios esperados. Comparando o desempenho motor entre as três áreas com base no quociente motor geral das crianças, observou-se que, somente na coordenação motora fina, as crianças apresentaram quociente equivalente a classificação abaixo da média para todas as áreas, e nas demais dimensões e no desempenho motor global, as crianças apresentaram quociente equivalente à classificação na média para o desempenho motor para sua idade, resultado semelhante foi encontrado por Bardid, Utesch e Lenoir (2019). Na literatura, os estudos de Arruda e Müller (2010) e Oliveira (2004) relataram diferenças entre as características de brincadeiras e outras atividades infantis realizadas em distintas áreas numa mesma cidade, os resultados desse trabalho não permite afirmar qual é a área que melhor promove a proficiência motora, no entanto, ao observar o resultado final do desempenho motor global verificamos que há indícios que a área de periferia é a área na qual estão as crianças com os resultados mais baixos na proficiência motora na cidade e que a área de bairros é a que apresenta os melhores resultados.
Como limitações desse estudo, tem-se o desenho transversal da pesquisa não permitindo inferências de causalidade, a não mensuração minuciosa das atividades extracurriculares das crianças fora do contexto escolar. Outra limitação foi a opção pela avaliação do ambiente de acordo com a percepção do indivíduo pelo fato de ser um método simples e de menor custo (Hino et al., 2010). Sendo assim, para novos estudos, sugere-se que as crianças sejam avaliadas em desenho longitudinal, com diferentes metodologias (quantitativa e qualitativa) em relação à utilização dos espaços no ambiente da vizinhança, seja pela observação com diário de campo ou registro fotográfico, e que as próprias crianças revelem aspectos importantes sobre o potencial dos espaços públicos.
Este estudo apresenta implicações práticas relevantes para os pais, professores de Educação Física e gestores públicos das cidades, visto que os achados sugerem que se as crianças deveriam possuir maior quantidade de oportunidades de espaços e atividades direcionadas para o público infantil, principalmente, em se tratando da coordenação motora fina, pois as crianças independente da área de domicílio ou da classe socioeconômica apresentaram resultados pouco satisfatórios na proficiência motora.
CONCLUSÃO
Em geral, verificou-se que a maioria dos escolares avaliados com idade de seis a dez foram classificados com o desempenho motor global na média sendo que em relação às dimensões que compõem o BOT-2, na coordenação motora fina, a maioria apresentaram resultados abaixo da média. O nível socioeconômico das famílias foi a variável que apresentou associação com o melhor nível de proficiência motora, concluímos assim, que o ambiente da vizinhança em que a criança reside não está associado com a melhoria do desempenho na proficiência motora, mas o nível socioeconômico sim, tanto que pertencer à classe socioeconômica mais baixa foi prejudicial ao desempenho na proficiência motora das crianças.
Para o desempenho motor global, verificou-se que possuir centros esportivos/quadras de esportes e praças/parquinhos, como utilizar ATI, praça/parquinho e clubes/escolinhas esportivas particulares são os ambientes construídos favoráveis a uma melhor proficiência motora das crianças. Ao contrário, apesar de “a rua e a calçada” serem muito utilizadas pelas crianças, as atividades que vêm sendo realizadas nesses ambientes não estão apresentando relação com a sua proficiência motora, ou seja, só a oportunidade de realizar atividades livres, em um espaço que não foi planejado com tal fim, não resultará em melhores níveis de proficiência motora.