INTRODUÇÃO
O presente estudo visa avaliar a mobilidade funcional, força de preensão palmar, dados vitais e capacidade aeróbica dos usuários da Atenção Primária de Saúde (APS) que foram acometidos pelo vírus SARS-CoV-2, conhecido como COVID-19 para identificar possíveis sequelas após a infecção.
A pandemia do COVID-19 trouxe impacto significativo na saúde das pessoas infectadas. O vírus apresenta transmissão através de gotículas infectadas e desencadeia sintomas e gravidade variável de indivíduo para indivíduo (Anfinrud, Bax, Standnytskyi, & Bax, 2020; Franco, Preto, Souza Lemos, & Colpo, 2021).
No período de mais de um mês após a infecção por COVID-19, os estudiosos vêm relatando a existência da Síndrome Pós-COVID-19 (SPC) ou Covid Longa (CL), a qual pode apresentar sinais e sintomas mais graves dos que os relatados pelo período da doença em questão (Castro, Nascimento, Palladini, Pelloso, & Barbosa, 2021; Salci & Facchini, 2021). As sequelas mais evidenciadas nesta fase afetam, muitas vezes, os sistemas respiratório, cardiovascular e nervoso (Rebêlo et al., 2022). A SPC, então, pode causar sintomas como dores crônicas, dispneia, perda de memória, fraqueza muscular, fadiga, transtornos psicológicos, alterações neurológicas e limitação física, por exemplo (Rodrigues et al., 2022).
Além das sequelas sistêmicas evidenciadas na SPC, a força muscular de preensão palmar também deve ser considerada e avaliada pois poderá predizer como está a força muscular do indivíduo e demonstrar se ele tem condições de desempenhar as mesmas funções manuais após a infecção pelo vírus. A força de preensão palmar envolve a ação dos músculos que realizam a flexão dos dedos da mão que auxilia nas funções diárias dos indivíduos (Zanin, Jorge, Knob, Wibelinger, & Libero, 2018).
A síndrome Pós-COVID-19 ocasiona alterações clínicas importantes nos indivíduos infectados, sendo as alterações funcionais, motoras e de capacidade aeróbica importantes para a execução das Atividades de Vida Diária (AVD) dos indivíduos. Assim, torna-se importante avaliar a mobilidade funcional, a força de preensão palmar e a capacidade aeróbica dos usuários da APS, no município de São João del-Rei, Minas Gerais, após COVID-19.
MÉTODOS
O estudo é original com delineamento transversal realizado no município de São João del-Rei, Minas Gerais, entre os meses de agosto de 2021 a maio de 2022 nas UBS´s da APS. No município das avaliações existem 18 Equipes de Saúde da Família (ESF´s). A pesquisa foi realizada por conveniência, através de convite aos usuários atendidos neste período. As avaliações aconteceram em oito UBS´s, distribuídas em territórios que abrangem mais de uma ESF. Para o cálculo amostral foi utilizado o software G*Power (Faul & Erdfelder, 1992), considerado uma margem de erro de 5% e nível de confiança de 95%. Foram convidados para avaliação 50 indivíduos e compareceu nas avaliações uma amostra de 35 participantes.
Participantes
Foram realizadas avaliações dos 35 usuários da APS que foram infectados pelo COVID-19 entre os meses da pesquisa ou até mesmo antes. Incluiu-se indivíduos maiores de 18 anos e menores de 90 anos de ambos os sexos, sendo 16 homens (mínimo 39 e máximo 87 anos) e 19 mulheres (mínimo 19 e máximo 82 anos). As avaliações foram realizadas nos usuários de acordo com o diagrama de fluxo (Schulz, Altman, Moher, & the CONSORT Group, 2010), como demonstrado na Figura 1.
Instrumentos
Os usuários foram entrevistados através de um questionário elaborado pelos pesquisadores contendo 11 perguntas relacionadas aos sinais e sintomas da doença em questão. O questionário contém perguntas relacionadas ao período da doença COVID-19 e o pós-doença.
A Pressão Arterial (PA) dos usuários foi avaliada utilizando um esfigmomanômetro (Bic) e um estetoscópio (Littman). A temperatura corporal foi avaliada utilizando um termômetro digital infravermelho sem contato (Multilaser) e a Frequência Cardíaca (FC) e Saturação de Oxigênio (SatO2) foram avaliadas utilizando um oxímetro de dedo (Multilaser). A Frequência Respiratória (FR) também foi avaliada contando as incursões respiratórias em um minuto.
Para avaliação da força muscular de preensão da mão direita foi utilizado um dinamômetro manual (Saehan), onde foi solicitado que o usuário realizasse três preensões para o cálculo da média da força de preensão (Reis & Arantes, 2011). Os sinais vitais e a força de preensão foram avaliados com o usuário sentado de forma confortável em uma cadeira.
O teste de marcha estacionária de dois (2) minutos (TME’2) permite a avaliação da capacidade aeróbica e funcional do usuário onde ele realiza elevações do joelho em flexão juntamente com a flexão do quadril até a linha da crista ilíaca. O usuário em pé é solicitado que realize os movimentos sem sair do local. Toma-se um joelho de referência para contagem das elevações em 2 minutos (Guedes et al., 2015; Pedrosa & Holanda, 2009; Rikli & Jones, 1999).
Os usuários foram avaliados através do teste Time Up And Go (TUG) que avalia a mobilidade funcional, onde foi solicitado que os usuários andassem 3 metros até uma marcação (cone) e retornassem para a cadeira de onde saíram. O usuário é orientado a realizar o mais rápido possível esse movimento de levantar-se da cadeira e andar rapidamente até o cone e retornar para a cadeira (Bischoff et al., 2003; Rikli & Jones, 1999).
Procedimentos
A sequência de avaliação foi a seguinte: entrevista com aplicação do questionário, seguido da avaliação dos sinais vitais, avaliação de preensão palmar, TME’2 e TUG.
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves (UNIPTAN)/Afya, número de registro de CAAE 48772621.6.0000.9667.
RESULTADOS
Os resultados demonstraram que 35 usuários das UBS's responderam ao questionário e realizaram os testes clínicos. As médias de idades entre os avaliados foi de 60 anos para o sexo masculino e 51 anos para o feminino. Entre os avaliados, 45,7% (n= 16) dos usuários relataram que se sentem recuperados após o acometimento com o COVID-19 e 54,3% (n= 19) não se sentem recuperados.
Os dados da PA variaram entre 100/60 e 150/90 mmHg (média 130/70 mmHg). A FC variou entre 59 e 105 bpm (média 77 bpm). A FR variou entre 12 e 54 irpm (média 18 irpm). A SatO2 variou entre 83 e 99 com média de 94% de O2. A temperatura corporal variou entre 35º-37º (média de 36,6°C). Os dados vitais avaliados apresentaram dentro da normalidade, sendo que a FC variou abaixo do normal, que é 90 bpm.
A média de força muscular no teste de preensão palmar na primeira tentativa foi de 42,26 kgf± 27,83; na segunda tentativa foi de 45,92 kgf± 27,99; na terceira tentativa foi de 45,39 kgf± 29,75, com média geral igual a 41,39± 1,07 (Tabela 1). Ao comparar os dados avaliados com os dados de referência descritos por Reis e Arantes (2011) é possível observar que a média geral de força dos usuários foi maior.
Teste | Média Referência | Média Avaliada |
---|---|---|
Força de Preensão Palmar | 41,39 kgf | 44,52± 27,99 kgf |
TME’2 | > 72,8 | 80± 3,72 |
TUG | ≤ 12 s | 25± 6,76 s |
*p< 0,05; Teste χ2.
No teste TME’2 o número de elevações variou de 0-142 (média de 80± 3,72). Ao comparar os valores médios de elevações dos usuários com os valores de referência de Rikli e Jones (1999) foram evidenciadas maiores médias de elevações dos joelhos entre os usuários.
No TUG foi observada uma média de 25± 6,76 segundos para dar uma volta, com tempo mínimo de 0 e máximo 115 (Tabela 1). Neste teste foi possível observar que os usuários gastaram mais tempo para realizar o teste quando comparado aos valores de referência de Bischoff et al. (2003).
Na Tabela 1 é possível comparar os valores de referência da literatura com os valores encontrados entre os usuários da APS após a infecção por COVID-19.
DISCUSSÃO
O estudo demonstrou que existem sequelas funcionais entre os usuários na SPC, já os dados vitais, a preensão palmar e a capacidade aeróbica dos usuários apresentaram dentro da normalidade. Desta forma fica evidente que são necessárias intervenções terapêuticas para melhora da mobilidade funcional dos indivíduos pós-COVID-19.
No presente estudo foram avaliados 35 usuários da APS que tiveram COVID-19, com média de idade de 51 anos, no sexo feminino e 60 anos, no sexo masculino. Já no estudo de Cárdenas et al. (2022) foi evidenciada síndrome pós-COVID-19 entre os pacientes com média de idade de 66,9 anos.
Ao avaliar os dados vitais entre os usuários foi possível identificar que os dados de PA, FR, temperatura corporal e saturação de oxigênio, se apresentam normais, mesmo com a maioria dos avaliados relatando que não se sentem recuperados após o COVID-19. Esta observação também é relatada no estudo de Silva e Branco (2021).
Sobre os dados da força muscular de preensão palmar e TME’2 foram observadas médias acima dos valores de referência, demonstrando que os usuários não tiveram sequelas nesses parâmetros. Esses dados corroboram com o estudo de Pereira (2021), onde foram evidenciados resultados similares sobre a força muscular de membros superiores em usuários na SPC.
Quanto à avaliação da mobilidade funcional foi observada que a velocidade para realização do teste foi muito acima dos dados de referência, evidenciando comprometimento na mobilidade funcional entre os usuários. Esses dados corroboram com os relatos dos usuários, onde 54,3% ainda não se sentem recuperados do COVID-19. No trabalho de Imamura et al. (2021) também foi evidenciado que os indivíduos infectados por COVID-19 apresentaram grande limitação da mobilidade ocasionada pela perda de equilíbrio.
Com isso, fica evidente que ainda existem sequelas funcionais entre os usuários na SPC que demandam atenção e intervenções específicas para melhora da qualidade de vida e funcionalidades desses indivíduos.
O presente estudo apresenta como limitação a impossibilidade de considerar todos os usuários infectados por COVID-19 entre esse período, já que poucos procuraram as UBS´s para assistência clínica.
CONCLUSÕES
Conclui-se que os usuários da APS que foram infectados por COVID-19 apresentaram sequelas na mobilidade funcional na Síndrome Pós-COVID-19 e que essas alterações podem desencadear a sensação de prejuízo funcional que foi percebida pelos indivíduos avaliados. Os dados vitais, a força muscular de preensão palmar e a capacidade aeróbica não apresentaram resultados anormais.
O estudo possibilitou identificar que a mobilidade funcional é um parâmetro que precisa ser reabilitado na SPC já que apresenta limitação significativa e ocasiona percepção de sequelas entre os usuários.
São necessários mais estudos sobre as complicações clínicas e funcionais entre os usuários que tiveram COVID-19 com o intuito de promover intervenções e campanhas para diminuição das sequelas.