INTRODUÇÃO
O processo do envelhecimento provoca mudanças físicas, fisiológicas e psicológicas que interferem na qualidade de vida da pessoa idosa. Um parâmetro muito importante que implica diretamente nas condições de saúde e bem-estar da pessoa idosa é a capacidade funcional em realizar as atividades de vida diária (De Moraes, Corrêa, & Coelho, 2018).
O conceito de autonomia funcional engloba a habilidade que a pessoa idosa possui em realizar atividades do cotidiano com autonomia, independência, possibilidade de gestão financeira e participação nas decisões sobre a própria saúde (Costa, D. J. et al., 2020; Costa, L. F. G. R. et al., 2020).
A diminuição da autonomia funcional é uma das principais consequências do envelhecimento e pode levar à fragilidade das pessoas idosas. A fragilidade acontece como resultado de vários processos fisiológicos regressivos associados ao envelhecimento expõe a pessoa idosa a uma condição vulnerável de capacidade funcional e qualidade de vida (Marcos-Pardo et al., 2020).
A incapacidade funcional frequentemente é caracterizada pelo aumento da fragilidade, falta de resistência, diminuição da força muscular e da massa musculoesquelética, com maior risco de quedas, imobilidade e, por consequência, diminuição do seu nível de independência na realização das atividades de vida diárias (AVD) (Oliveira, Nossa, & Mota-Pinto, 2019).
A atividade física é uma ferramenta importante na melhoria da saúde e da qualidade de vida das pessoas idosas. A prática de atividade física melhora as habilidades funcionais e as atividades de vida diária. Além disso, o treinamento combinado de força e aeróbico causa melhorias na capacidade funcional e na qualidade de vida de idosos (Parra-Rizo & Sanchis-Soler, 2020).
Diante do exposto, é de fundamental importância avaliar a capacidade funcional nas idosas, utilizando como parâmetros a realização de exercício físico em contraste com o sedentarismo, com a hipótese de que as idosas fisicamente ativas possuem maior autonomia funcional que as sedentárias. Para tal objetivo, o protocolo desenvolvido pelo Grupo de Desenvolvimento Latino-Americano (GDLAM) tornou-se um instrumento amplamente utilizado formado por testes motores que avaliam os membros superiores, o equilíbrio dinâmico e restaurado, a caminhada por 10 metros e a força muscular (Araújo-Gomes et al., 2020).
MÉTODOS
O presente estudo se caracteriza como transversal e comparativo com pessoas idosas. De acordo com Fachin (2006), esse método se baseia em analisar coisas ou fatos e explicá-los de acordo com suas semelhanças e diferenças de elementos constantes, abstratos e gerais, propiciando investigações de caráter indireto.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pesquisa (CEP) da Universidade Tiradentes (UNIT), sob CAAE n° 26524719.4.000.5371, conforme parecer n° 3.936.886, de 26 de março de 2020.
Participantes
O grupo amostral foi formado através de uma base de dados colhida na cidade de São Cristóvão (SE), disponibilizada pelo Laboratório de Biociências da Motricidade Humana da Universidade Tiradentes (LABIMH-UNIT).
Os critérios de elegibilidade foram: sexo feminino, ter 60 anos ou mais, que fossem aptas a realizar as avaliações diagnósticas e que possuíssem independência para a realização das atividades diárias. Os critérios de exclusão foram possuir doenças que limitassem o movimento e que não apresentassem independência física.
Ao fim da seleção, participaram do estudo 56 idosas. As participantes foram divididas de forma intencional em dois grupos, conforme a definição de atividade física regular estabelecida pela OMS:
Instrumentos
Foram utilizados como instrumentos para a base de dados: a anamnese, a medição dos dados antropométricos (altura, peso e cálculo do IMC) e a realização do protocolo GDLAM.
A anamnese continha dados socioeconômicos como idade, sexo, profissão, nível educacional, renda e estado civil, além de dados sobre a saúde como a presença de comorbidades, medicamentos de uso contínuo, tabagismo e etilismo.
Para obtenção dos dados antropométricos, foi obtido os dados de altura e o peso para o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC). O IMC é útil para classificar o peso corporal através de seus pontos de corte. O seu cálculo é feito a partir do valor do peso dividido pela altura elevado ao quadrado. Os valores de IMC usados como referência são baixo peso (IMC≤ 23kg/m²), eutrofia (IMC> 23 kg/m² e < 28 kg/m²), sobrepeso (IMC≥ 28 kg/m² e < 30 kg/m²) e obesidade (IMC≥ 30 kg/m²) (Vilar, 2020).
Procedimentos
Avaliação da autonomia funcional
Os dois grupos (GFA e GS) foram submetidos ao protocolo do Grupo de Desenvolvimento Latino-Americano para Maturidade (GDLAM) que simula atividades de vida diária de forma padronizada para avaliação da autonomia funcional (Andrade, 2015).
O protocolo desenvolvido pelo Grupo de Desenvolvimento Latino-Americano é um instrumento amplamente utilizado para avaliar a autonomia funcional, composto por cinco testes motores que avaliam membros superiores, equilíbrio dinâmico e restaurado, caminhada por 10 metros e força muscular (Araujo et al., 2020).
A bateria de teste foi composta por 5 atividades: Teste de Caminhar 10 metros (C10m), Teste de Levantar-se Da Posição de Decúbito Ventral (LPDV), Teste de "Levantar-se da Cadeira e Locomover-se pela Casa" (LCLC), O teste de "Levantar-se da Posição Sentada" (LPS), teste de "Vestir e Tirar uma Camiseta" (VTC).
O Teste de Caminhar 10 metros (C10m), tem como objetivo avaliar o deslocamento com padrão cíclico. O indivíduo é instruído a percorrer a distância pré-determinada no menor tempo possível até ultrapassar o local demarcado, enquanto é cronometrado (Sipilã, Multanen, Kallinen, Era, & Suominen, 1996).
O Teste de Levantar-se Da Posição de Decúbito Ventral (LPDV), avalia o tempo que o participante necessita para levantar-se do solo, com a posição inicial em decúbito ventral sobre um colchonete com os braços estendidos e as mãos com a face virada para cima ao lado do corpo. O avaliado é orientado a se levantar o mais rápido possível e ficar em posição em pé após a emissão sonora do examinador (Guralnik et al., 2000).
O teste de "Levantar-se da Cadeira e Locomover-se pela Casa" (LCLC), que visa avaliar as capacidades de agilidade e equilíbrio. O avaliado inicia o teste sentado na cadeira (que possui entre 43 e 50 cm de altura). Após instrução do avaliador para iniciar o teste e realizá-lo no menor tempo possível, o indivíduo se posiciona com os pés elevados do chão, se levanta da cadeira, contorna o cone do lado direito, retorna à cadeira, senta-se, eleva os pés novamente, levanta-se e contorna o cone do lado esquerdo, retorna à cadeira novamente, senta-se e eleva as pernas, conforme Alexander, Ulbrich, Raheja e Channer (1997).
O teste de "Levantar-se da Posição Sentada" (LPS) baseia-se em avaliar a capacidade funcional dos membros inferiores. Após orientação do examinador de realizar o teste no menor tempo possível, o indivíduo inicia o teste na posição sentada em uma cadeira (que possui entre 43 e 50 cm de altura), levanta-se e retorna à posição inicial cinco vezes, de acordo com Andreotti e Okuma (1999).
E, para finalizar, o teste de "Vestir e Tirar uma Camiseta" (VTC), com a finalidade de avaliar a velocidade, autonomia funcional e coordenação motora dos membros superiores. O indivíduo inicia o teste em pé, com os braços estendidos ao longo do corpo, em uma das mãos de seu lado dominante uma camiseta padrão "G". Após receber o sinal do examinador, o indivíduo deve vestir a camiseta e, rapidamente, retirá-la, voltando à posição inicial. O movimento de vestir e tirar deve ser cronometrado a partir de seu início (Vale et al., 2006).
É importante ressaltar que são realizadas duas tentativas em todos os testes, com intervalo de cinco minutos entre elas, sendo registrado o melhor tempo alcançado dentre as duas chances. Após obtenção dos dados, os valores são aplicados na fórmula do Índice GDLAM de autonomia funcional, com os valores expressos em escores (Figueiredo, 2021) (Equação 1).
Onde:
C10m, LPS, LPDV, VTC e LCLC são aferidos em segundos;
IG: Índice GDLAM em escores.
Análise estatística
Os dados foram analisados quanto à distribuição de normalidade por meio da realização do teste de normalidade de Shapiro-Wilk e, para os dados não paramétricos (LPDV e LCLC) foi realizado o teste U de Mann-Whitney.
A análise descritiva (média e desvio padrão) e os valores de frequência relativa foram utilizados para caracterizar a amostra. Para realizar a comparação dos resultados dos testes entre os grupos de idosas sedentárias e idosas fisicamente ativas, foi feito o teste t student para amostras independentes. Considerou-se para todas as análises, o nível de significância de p< 0,05. Para isso, foi utilizado o software Sigma Plot 15.0.
RESULTADOS
Foi observado que o grupo das idosas sedentárias (GS) possuiu média de idade de 67,64± 7,73 anos, sendo observada uma idade mínima de 60 e máxima de 82 anos. Já o grupo das idosas fisicamente ativas (GFA) teve média de idade de 68,64± 8,40, com idade mínima de 60 e máxima de 85.
Na anamnese, foi observado que a amostra é constituída de 60% de etnia parda, com maior predomínio de aposentadas ou donas de casa se comparado com as demais atividades, com presença de comorbidades e/ou que fazem uso de remédios controlados diariamente (88%). Com relação ao estado civil, cerca de 48% da amostra afirmou ser solteira e 36% casada.
Nota-se, ainda, que a maioria cursou até o ensino fundamental incompleto (56%) e possui a renda de até 2 salários-mínimos (84%). Ademais, fatores de risco como o consumo de álcool e tabaco foram pouco presentes nas respostas, sendo o autocontrole um tópico interrogado com a finalidade de indagar sobre tais vícios (que mostrou-se regular em 44%).
A base de dados teve a obtenção da medida do IMC dos dois grupos (GS e GFA), no qual a média do IMC das idosas sedentárias foi de 28,78± 3,14 kg/m² e das idosas fisicamente ativas foi de 28,20± 3,79 kg/m². As características físicas da amostra do estudo estão demonstradas na Tabela 1.
Variáveis | Média± Desvio padrão | Máximo | Mínimo |
---|---|---|---|
Peso | 67,91± 7,03 | 81,3 | 59,8 |
Altura | 1,57 | 1,69 | 1,41 |
IMC | 28,78± 3,14 | 31,61 | 21,97 |
Para melhor representação, os resultados dos testes de autonomia funcional através do protocolo GDLAM foram divididos em tabelas separadas e correlacionados com ambos os grupos (GS e GFA), sendo representados nas Figuras 1–6.
Durante análise dos resultados, ocorreu a comparação de idosas sedentárias e idosas fisicamente ativas, com a finalidade de denotar de forma estatística se existem diferenças significativas entre eles, a despeito dos testes pertencentes ao protocolo GDLAM.
Enfim, notou-se que houve diferença significativa entre os grupos de idosas sedentárias e fisicamente ativas, para os testes de C10m (p= 0,001), LPS (p= 0,004), LPDV (p= 0,04) e IG (p= 0,01), como podem ser vistos nas Figuras 1, 2, 3 e 6. Porém, os testes LCLC e VTC não apresentaram valor de p estatisticamente significativo, sendo respetivamente, 0,105 e 0,3, constatados nas Figuras 4 e 5.
DISCUSSÃO
O presente estudo avaliou e classificou idosas por meio do protocolo GDLAM, analisando se havia diferença significativa entre os grupos de idosas sedentárias e idosas fisicamente ativas.
Para a adequada interpretação dos valores obtidos em cada teste, é necessário ressaltar, conforme dito anteriormente, que a obtenção dos valores de IG é calculada a partir de uma fórmula que compõe os testes pertencentes ao protocolo.
Após a obtenção individual do valor final de IG, pode ser realizada a classificação de cada participante da amostra em cinco grupos diferentes, chamados de G1 a G5, os quais também são divididos através da faixa etária com intervalo de 5 anos, de acordo com Dantas, Figueira, Emygdio e Vale (2011), Dantas e Vale (2004).
Diante disso, torna-se mais ilustrativa a importância da prática de atividade física, visto que nos valores do grupo das idosas fisicamente ativas (GFA), percebeu-se que houve maior predomínio das classificações "regular" e "bom", corroborado pelos valores de p< 0,05 para todos os testes, exceto LCLC e VTC.
Porém, tal achado foi discordante do estudo de Santos et al. (2017), que realizou comparação entre dois grupos de idosas (fisicamente ativas e insuficientemente ativas) e evidenciou diferença significativa apenas para a variável do teste VTC, o oposto do que foi visto no presente estudo.
Por outro lado, no presente estudo, em todas as faixas etárias, houve predominância do resultado "fraco" no grupo de idosas sedentárias (GS), distribuído em quase todos os testes, com exceção do teste de VTC, que teve mais resultados "regular" e "bom".
Semelhante ao apresentado, o estudo de Oliveira, Cunha, Freire, Nascimento Júnior e Bertolini (2019) realizado com 40 idosas não praticantes de exercício físico (G1) e com 40 idosas fisicamente ativas (G2), evidenciou que no teste LCLC, o grupo G2 obteve melhores escores que o G1. Esse achado sugere que a prática da atividade física eleva a capacidade funcional em levantar-se de uma cadeira e mover-se por uma distância.
Na pesquisa de Matos et al. (2017), houve uma melhora nos valores medidos do teste de C10m no grupo de idosas ativas após 20 sessões de treinamento de força, concordando com o menor tempo que o GFA no presente estudo levou para conclui-lo, se comparado com o GS.
De modo semelhante, o estudo de Carrasco-Poyatos, Rubio-Arias, Ballesta-García e Ramos-Campo (2018) demonstrou que o grupo fisicamente ativo que realizou cerca de 18 semanas de Pilates e de programas de exercício musculares aumentaram a autonomia funcional nas idosas, com melhora significativa em todos os testes do GDLAM, em comparação com os grupos controle.
De modo geral, os estudos mais recentes sobre autonomia funcional tem demonstrado que idosos que praticam atividades neuromusculares, aeróbicas e que estimulam o equilíbrio, como o treinamento funcional, são mais efetivos em reduzir o tempo de realização dos testes do protocolo GDLAM (Matos et al., 2016).
CONCLUSÕES
Ao comparar os dois grupos de pessoas idosas sedentárias e fisicamente ativas, evidenciou-se a presença de maior capacidade funcional nas participantes ativas, o que mostra a importância da prática de atividade física na melhoria da qualidade de vida das pessoas idosas.
É recomendado que novos estudos sejam realizados com a abordagem da análise da autonomia funcional nos idosos. Além disso, é necessário o desenvolvimento de estudos que envolvam novos métodos em programas de exercício físico e que estimulem a prática regular de atividade visando a melhora da saúde das pessoas idosas.