Com grande alegria apresentamos este novo número da revista Laboreal. Uma edição que nos proporciona reflexões acerca da potencialidade do trabalhar, assim como em relação a diferentes perspectivas de intervenção e de transformação nas mais diversas situações de trabalho.
Um conjunto de textos inspirados na temática do Encontro Internacional sobre o Trabalho - EITA (2022) - que ocorreu em 2022 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) na cidade de João Pessoa, Brasil -, compõe a parte central desta publicação, na forma de um Dossier Temático. Através da chamada de publicação “Por que trabalhamos? Olhares sobre a atividade”, intencionamos reverberar a riqueza dos debates suscitados nesse evento. No horizonte, provocar novas reflexões nos.as autores.as e leitores.as, uma aposta no confronto de ideias e questões e, assim, produzir muitas outras no árduo movimento de codificar a atividade de trabalho em suas múltiplas e imbricadas dimensões. Os artigos das outras seções (Resumo de Tese e O Trabalho e suas Histórias) abordam questões teóricas e metodológicas, com diferentes contribuições dos.as autores.as que, em alguns casos, ampliam o diálogo com outros textos desse número.
Se a pergunta “Por que trabalhamos?” pudesse gerar dúvidas quanto à sua fecundidade, elas se dissiparam. Primeiro, ao mirarmos o próprio processo de confecção do dossier: tecido por muitas mãos, instigando mais ainda nossa atenção (curiosidade?) sobre a atividade coletiva. A começar, pela necessária sinergia do grupo diretamente implicado: composto por diferentes mulheres professoras e pesquisadoras, em diferentes momentos da vida e filiações institucionais, engajadas com um cuidado recíproco na produção de um comum, enfrentando as controvérsias e costurando entendimentos compartilhados. E assim, do Encontro Internacional surgiram novos encontros para a composição desses olhares sobre a atividade.
Para montagem do dossier contamos com a colaboração de parte do grupo responsável pela organização do EITA: Manuella Pessoa, Tatiana Torres e Thaís Máximo, que nos brindam com a apresentação dos temas e as contribuições específicas dos.as autores.as, a partir da visão privilegiada do que este evento significou. O resultado deste processo coletivo configura-se em um rico material, que reúne textos de quatro conferencistas e quatro artigos desenvolvidos no âmbito da preparação desse dossier, com base em experiências empíricas apresentadas no evento.
Os textos elaborados pelas conferencistas, na rubrica Atas, apresentam muitos elementos para reflexão. Dominique Lulhier com uma discussão teórica que envolve a temática da construção do sentido do trabalho na atualidade e Marianne Lacomblez com uma análise crítica a respeito do uso da noção de subjetividade em estudos relacionados à atividade de trabalho. Andrea Pujol e Leny Sato (em artigo elaborado com Cris Andrada, Egeu Esteves e Juliana Nóbrega), tendo como referência o debate existente na América Latina em torno da precariedade, salientam, a partir de abordagens específicas, a força da dimensão coletiva na configuração e transformação do trabalho precário.
Os artigos do dossier relativos à seção Pesquisas Empíricas abordam temas diversos: uma análise da atividade de formação pelo trabalho no âmbito do Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde), de Cristiane Lisbôa da Conceição e Cláudia Osório; uma discussão do caráter atualizador da atividade de trabalho nos setores agrícolas e de pesca mediante o cruzamento de decisões históricas e pressões recentes, de Fabienne Goutille, Julie Lassalle, Tabatha Thiebaud-Rizzoni, Alain Garrigou, Laurent Guillet, Christine Chauvin e Leïla Boudra; um olhar sobre situações de trabalho à margem de regulamentações trabalhistas no Brasil, de Juliana Lopes da Silva e Leonardo Araújo Lima; e, por fim, uma abordagem do trabalho doméstico e de cuidado de mulheres mães de crianças com microcefalia, de Jéssika S. V. Barbosa-de-Melo, Fábio de Oliveira e Eduardo B. N. Bezerra.
Na rubrica Resumo de Tese, Christine Martin nos convoca para refletir sobre o conceito de emancipação. Em sua tese, intitulada “Os mal-entendidos da emancipação. Uma investigação ergológica”, a autora destaca a polissemia desse conceito e, a partir da perspectiva de que a atividade envolve sempre renormatizações, se distancia da ideia de um trabalho totalmente alienado e alienante. Portanto, defende que a emancipação no trabalho é possível e até mesmo uma questão ligada à saúde. Seu projeto de pesquisa-ação se desenvolveu a partir de uma demanda a respeito de riscos psicossociais em portos petroleiros do sul da França, com o objetivo de acompanhar a operacionalização de uma política de prevenção desses riscos e, ao mesmo tempo, analisar as condições de uma emancipação no trabalho para construir novos conhecimentos a partir do diálogo entre saberes. A autora indica três resultados alcançados por sua tese, no campo metodológico, filosófico e político. No que tange ao resultado no campo político, reafirma que a emancipação no trabalho é possível, considerando a análise do trabalho como um instrumento de transformação.
Na seção “O trabalho e suas histórias”, contamos com outras importantes contribuições. A primeira, revisita o Texto Histórico “Imagem operatória e problemas de coordenação interindividual na atividade coletiva” (1979), escrito por Alain Savoyant, para o Seminário sobre a Imagem Operacional de Ochanine (1981). Nele, o autor examina conceitos da teoria das imagens operatórias com foco na análise da atividade coletiva. Sua argumentação demarca o caráter específico dessa atividade: se por um lado é definida em função da coordenação interindividual; por outro ela tem implicações nas atividades individuais. O texto, associado aos preciosos comentários de Janine Rogalski, fomenta nossa acuidade na apreensão das situações de atividade coletiva, dimensão reconhecida como fonte de desenvolvimento para os humanos.
Em seguida, na rubrica Datário, o texto “1987: Publicação de ‘A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho’, de Christophe Dejours, no Brasil”, Paulo Zambroni-de-Souza, Anísio Araújo e Vanessa Barros refletem acerca da boa recepção que o lançamento do livro produziu em parcela considerável de pesquisadores brasileiros sobre as relações entre saúde mental e trabalho. Resgatam que tal lançamento se deu em período fértil de redemocratização do país, após longo período da ditadura militar, e de grande mobilização do movimento sindical, impactado fortemente pelo avanço das novas tecnologias nos processos produtivos. É nesse contexto que o campo da Saúde do Trabalhador no Brasil vai se constituindo e que a ‘clínica do trabalho’, conduzida pela nova Psicopatologia do trabalho (posteriormente denominada de Psicodinâmica do trabalho) vai produzir um grande impacto em estudiosos brasileiros, ao afirmar que a organização do trabalho não é nunca neutra em relação à saúde. Destacam ainda a contribuição da obra de C. Dejours que, ao não adotar um modelo causalista voltado para identificar doenças mentais características, desloca o seu foco investigativo para o sofrimento e as estratégias coletivas de defesa, de proteção à saúde, por parte dos trabalhadores frente à frequente violência das exigências e pressões organizacionais. Dessa forma, os autores afirmam que as reflexões apontadas no livro são, ainda hoje, pistas norteadoras e instigantes para estudos em torno das relações entre o trabalho e a saúde mental.
Os.as leitores.as terão, portanto, a oportunidade de encontrar, reunidos neste dossier, textos que apresentam análises e críticas instigantes sobre usos de alguns conceitos relevantes e problematizados no campo do trabalho, assim como visões bem distintas sobre formas de intervenção e de transformação das condições de vida e do trabalho. Assim, se o trabalho sempre se transforma, em seu curso, como indicam alguns dos artigos, para outros.as autores.as a transformação pode ocorrer a partir dos possíveis que emergem das situações reais. Pode ainda se referir às dinâmicas que se estabelecem nos coletivos ou à construção do sentido do trabalho. E mesmo a iniciativas e ações geradas pela mobilização de diferentes atores sociais, visando um agir coletivo.
Agradecemos a todos e todas que colaboraram neste número, considerando os.as autores.as já referidos.as; os.as tradutores.as, Fernanda Romero, Flora Vezza, Gabriela Cuenca, Raquel Araújo e Samuel Jiménez; e todos.as os.as peritos.as que avaliaram as propostas dos artigos que recebemos para este dossier, Anísio Araújo, Bernard Prot, Cássio Aquino, Christine Castejon, Edil Ferreira da Silva, Egeu Gomez, Fátima Rangel, Hélder Muniz, Jean-Luc Tomás, Kaliani Rocha, Leda Gonçalves, Leny Sato, Lucia Rotenberg, Muriel Prévot-Carpentier, Paulo César Zambroni-de-Souza, Roberta Belizário Alves, Thiago Drummond, Vanessa Andrade de Barros, Valérie Zara-Meylan e Wladimir Souza.
Desejamos uma ótima e proveitosa leitura!
Em nome do Comité Editorial da Laboreal, Ana Cláudia Silva-Roosli, Jussara Brito e Mary Yale Neves