Introdução
O primeiro nascimento humano relatado a partir de ovócitos criopreservados ocorreu em 1986 e, desde então, a investigação e evolução das técnicas de criopreservação de ovócitos aumentaram exponencialmente1-2. Estas implicam uma estimulação ovárica controlada que induz o desenvolvimento e amadurecimento de múltiplos folículos ováricos. Posteriormente, ocorre uma aspiração do conteúdo folicular com extração dos ovócitos, por um procedimento cirúrgico minor, guiado por ecografia transvaginal3-4. Alguns estudos recomendam a preservação de aproximadamente 20 ovócitos para aumentar a probabilidade de um nado-vivo futuro, não havendo no entanto um consenso relativamente a esse valor5-6. A fase final, denominada vitrificação dos ovócitos, é o método mais utilizado para a criopreservação de ovócitos em todo o mundo5-6. O principal risco para a mulher deste procedimento é o síndrome da hiperestimulação ovárica, podendo surgir outras complicações, como hemorragia, dor ou infeção3-4. Com os protocolos atuais de estimulação ovárica este risco é minimizado7.
Em Portugal, e de acordo com a lei em vigor, é possível, através deste procedimento, preservar a autonomia reprodutiva da mulher por um prazo de cinco anos. Em situações devidamente justificadas, é possível alargar o prazo de criopreservação de ovócitos por um novo período de cinco anos, sucessivamente renovável por igual período3,8-9.
A idade da mulher aquando da criopreservação é o principal preditor de sucesso deste procedimento8,10. O número máximo de ovócitos na vida de uma mulher é atingido na vida fetal pelas 20 semanas de gestação e corresponde a aproximadamente 6 a 7 milhões. Ao nascimento, este número diminui para aproximadamente 1 a 2 milhões, reduzindo-se até 300.000-500.000 na puberdade, 25.000 aos 37 anos e 1.000 aos 51 anos de idade3,11-15. Deste modo, o número de ovócitos decresce ao longo do tempo, bem como a sua qualidade, com consequente aumento da probabilidade de anomalias cromossómicas e fetais e abortamentos1,3,16-17.
É necessário que se estabeleça um equilíbrio entre os benefícios e o custo-efetividade para que a criopreservação eletiva de ovócitos ocorra na idade ideal3,8,18. Mulheres com idades compreendidas entre os 30 e 37 anos são, geralmente, consideradas as candidatas ideais, porque ainda possuem ovócitos de boa qualidade para criopreservação, aliado ao facto de terem uma maior probabilidade de uso futuro dos mesmos. As taxas de sobrevivência ovocitária após a descongelação também diminuem com a idade. Assim, a probabilidade de obtenção de um nado vivo após criopreservação é maior em mulheres com idade ≤ 35 anos3,11,19-20.
Atualmente, histórias de gravidezes bem-sucedidas em idades avançadas são cada vez mais noticiadas pelos media, o que poderá induzir uma falsa sensação de segurança em mulheres que pretendam adiar a maternidade. Daí que seja fundamental realçar que o recurso a técnicas de reprodução medicamente assistida não é uma garantia de gravidez ou de nados-vivos5,21.
As mulheres com níveis de escolaridade superiores são as que geralmente ponderam o adiamento da maternidade, o que evidencia a crescente priorização das carreiras profissionais22-24. Em Portugal, a idade média materna ao nascimento do primeiro filho foi de 30,4 anos em 2021, ligeiramente superior à média europeia de 29,7 anos25. Já a taxa de fecundidade europeia inverteu a tendência dos últimos anos e subiu, em 2021, para 1,53. No entanto, Portugal está em contraciclo, apresentando uma taxa de fecundidade de 1,35 filhos por mulher26.
Apesar de a criopreservação de ovócitos estar a ser mais noticiada nos meios de comunicação e nas redes sociais, muitas mulheres ainda não estão adequadamente informadas sobre o declínio da fertilidade associado à idade. Este desconhecimento leva a que muitas delas despertem para a temática tarde demais1,24. Uma vez que a maternidade em idade tardia é hoje uma realidade, a criopreservação eletiva concede a possibilidade de diminuir o risco de uma infertilidade futura1.
O objetivo deste estudo foi analisar o conhecimento e atitudes em relação à maternidade, fertilidade e à criopreservação eletiva de ovócitos das jovens universitárias em Portugal, nomeadamente das estudantes da Universidade do Minho, e analisar de que forma o empoderamento feminino pode influenciar as suas decisões.
Métodos
Os autores elaboraram um inquérito constituído por 20 perguntas para responder aos objetivos propostos. Foram incluídas questões para caracterização demográfica da população em estudo (idade, nacionalidade, escola e religião) e posteriormente foram questionados os objetivos de vida a 10 anos, intenções de maternidade e fertilidade futuras, bem como opinião e conhecimento sobre a criopreservação eletiva de ovócitos. Para a construção deste inquérito adotaram-se ferramentas já utilizadas em avaliações semelhantes noutros estudos científicos27-29. Previamente à aplicação do questionário foi realizado um pré-teste piloto, aplicando-se o mesmo a um pequeno grupo de participantes para validação das perguntas com posterior ajuste das mesmas. O inquérito foi divulgado online (formato Google Forms®) recorrendo ao e-mail institucional, a todos os estudantes da Universidade do Minho, entre agosto e setembro de 2023. Foram usados como critérios de inclusão: estudantes inscritas na Universidade do Minho, do sexo feminino e idade compreendida entre os 17-49 anos. Foram excluídos do estudo onze estudantes por serem do sexo masculino.
A análise estatística foi realizada com recurso ao programa IBM Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS) versão 29.0. As variáveis quantitativas com distribuição normal foram reportadas através da media e desvio-padrão e comparadas com recurso ao teste paramétrico t de Student. As variáveis categóricas foram reportadas através da sua frequência absoluta e percentagem e comparadas utilizando o teste de Qui-quadrado. Quando a percentagem de células com contagem esperada inferior a 5 foi superior a 20%, optou-se pelo Teste Exato de Fisher. Nos testes de hipóteses a significância foi estabelecida para um valor de p<0,05, com um grau de confiança de 95%.
Tratou-se de um inquérito anónimo e voluntário. Todos os dados obtidos foram utilizados apenas para o presente estudo pelas investigadoras principais e restritos aos objetivos em estudo, cumprindo-se todos os princípios de ética e confidencialidade. Este estudo teve o parecer da Comissão de Ética para a Investigação em Ciências da Vida e da Saúde da Universidade do Minho (CEICVS 058/2023).
Resultados
Foram incluídas no estudo 266 estudantes com idades compreendidas entre os 17 e os 44 anos. A média de idades da amostra foi de 22,46 (± 4,2) anos. A maioria das participantes (96,2%, n=256) eram portuguesas. Obtiveram-se respostas de onze escolas da Universidade do Minho. A Escola de Medicina registou o maior número de respostas (34,4%, n=88), seguida da Escola de Engenharia (14,7%, n=39) e da Escola de Economia e Gestão (13,9%, n=37). Relativamente à religião, destaca-se que 54,9% (n=146) das inquiridas afirmam-se católicas e 42,5% (n=113) não religiosas. As características sociodemográficas encontram-se sumariadas no Quadro I.
A fertilidade era uma preocupação de 69,2% (n=184) das participantes, não havendo diferenças significativas entre a média de idades dos dois grupos (p=0.998) A maioria respondeu não ter filhos (97,7%, n=260), porém a maternidade era considerada por 89,8% (n=239) no futuro. Apenas uma participante foi submetida a tratamentos de fertilidade. Cerca de metade das estudantes (51,5%, n=137) encontrava-se, de momento, numa relação estável. Verificou-se uma relação estatisticamente significativa entre estar numa relação atualmente e o desejo de ter filhos (p<0.001). Quando questionadas acerca da idade com que gostariam de ter o primeiro filho, 47,8% (n=114) respondeu o intervalo 30-34 anos, 44,8% (n=107) o intervalo dos 25-29 anos e 5,8% (n=14) o intervalo ≥ 35 anos Quadro II.
As jovens que negavam ou questionavam a maternidade futura apontaram como fatores influenciadores dessa decisão: priorização da carreira ou profissão (68,8%, n=64), medo do parto (45,2%, n=42) e da maternidade (43%, n=40), questões socioeconómicas associadas (43%, n=40) e impacto na vida social (33,3%, n=31). Não estar numa relação (18,3%, n=17) e o impacto na vida sexual (12,9%, n=12) foram os fatores menos citados como influenciadores na decisão de não ter filhos. Esta informação encontra-se detalhada na Figura 1.
A maioria das inquiridas estava familiarizada com a existência de métodos de preservação de fertilidade (82,7%, n=220) e conhecia o conceito de “reserva ovárica” (72,9%, n=194). A faixa etária em que a reserva ovárica diminui exponencialmente foi identificada corretamente como sendo entre os 35 e 39 anos por 38,3% (n=102) das estudantes, com as Escolas de Medicina, Enfermagem, Ciências, Psicologia e Engenharia a apresentarem níveis de conhecimento superiores (p<0.001). Metade das participantes (50,8%, n=135) selecionou a opção correta “a taxa de nados-vivos resultantes da criopreservação de ovócitos em mulheres com idade ≤ 35 anos varia entre 60 e 90%.” Quanto à taxa de nados-vivos em mulheres com idade > 35 anos, 23,7% (n=63) assinalou devidamente a probabilidade inferior a 30%. Os dados relativos ao conhecimento das participantes quanto à criopreservação de ovócitos como meio de assegurar a fertilidade futura estão sumariados no Quadro III.
As jovens tomaram conhecimento da existência de métodos de preservação de fertilidade através da Escola/Universidade (50%, n=133), dos media (37,2%, n=99), das redes sociais (30,1%, n=80), amigos ou familiares (19,9%, n=53) e, em menor proporção, pelos profissionais de saúde (21,8%, n=58).
A carreira (97,4%, n=259) foi apontada como a principal prioridade das estudantes da Universidade do Minho, nos próximos 10 anos, enquanto a criação de família é considerada por 53,4% (n=142). Outras prioridades apontadas estão descritas na Figura 2.
Quanto à possibilidade futura de recorrer à criopreservação eletiva de ovócitos como forma de preservar a fertilidade, 22,6% (n=60) das jovens consideravam-se potenciais utilizadoras desta técnica, e 28,2% (n=75) apenas se disponível no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já 35% (n=93) não tinham opinião formada e 14,3% (n=38) afirmavam não ser uma opção.
A maioria das jovens manifestou interesse em estar mais informada sobre métodos de preservação de fertilidade (87,2%, n=232) e gostaria de ver este tema discutido pelo seu Médico Ginecologista/Obstetra ou Médico de Família (87,6%, n=233). Verificou-se, por fim, uma taxa de insatisfação elevada (63,5%, n=169) quanto à educação sexual recebida ao longo do percurso académico destas jovens (Quadro IV).
Discussão
A maternidade pode estar potencialmente limitada em mulheres com níveis de escolaridade superiores, uma vez que há uma coincidência temporal entre o pico da idade fértil e o início da carreira profissional. Apesar do aumento da consciencialização sobre a fertilidade, técnicas como a criopreservação eletiva de ovócitos são ainda pouco utilizadas. Dada esta controvérsia, este estudo identifica o conhecimento e intenções das estudantes portuguesas relativamente à preservação da sua fertilidade, nomeadamente através da criopreservação eletiva de ovócitos.
De acordo com os resultados obtidos, verificou-se que 17,3% (n=46) das estudantes não conhecia a existência de métodos de preservação de fertilidade. Este dado indica que mesmo jovens que frequentam o ensino superior em Portugal têm ainda lacunas de conhecimento acerca desta temática. É de salientar que 21,8% (n=58) das inquiridas tinha recebido esse conhecimento através de um profissional de saúde e que 87,6% (n=233) gostava de ver este tema discutido pelo seu Médico de Família ou Ginecologista/Obstetra. Fontes como amigos, familiares, meios de comunicação e redes sociais também são relevantes, porém as informações fornecidas devem ser questionadas dada a possibilidade de poderem ser imprecisas, parciais ou influenciadas por crenças populares no lugar de terem uma base científica. Assim, verificou-se a necessidade de melhorar a informação prestada pelos clínicos de modo a aumentar os níveis de educação quanto à fertilidade e preservação da mesma.
Nesta amostra, apesar do limitado número de respostas, constatou-se que o conhecimento de meios de preservação de fertilidade na nossa população foi superior ao registado em estudantes de Medicina de Singapura (36,4%) e da Universidade de Padova, em Itália (34,3%)27-28. Por outro lado, 99% dos estudantes de Medicina inquiridos da Universidade de Northwertern, nos Estados Unidos da América, tinham conhecimento da existência de criopreservação de ovócitos, o que favorece a nossa associação entre maiores níveis de conhecimento e escolas da Universidade do Minho da área da Saúde/Ciências29.
A reserva ovárica diminui exponencialmente entre os 35 e os 39 anos11. Este conhecimento foi testado nas estudantes portuguesas e apenas 38,3% (n=102) respondeu corretamente. Já em estudos realizados na Universidade de Padova e na Universidade de Northwertern, 23,9% e 72% dos inquiridos, respetivamente, identificaram adequadamente a faixa etária28-29.
O sucesso da criopreservação varia com a idade da mulher aquando do procedimento. Apesar deste estudo não avaliar o conhecimento das jovens quanto à idade em que a criopreservação deve idealmente ser realizada, verificamos uma sobrestimação da sua eficácia o que poderá influenciar erradamente a decisão de iniciar a maternidade.
A percentagem daquelas que optaria pela criopreservação, aumenta de 22,6% (n=60) para 28,2% (n=75) se os custos fossem cobertos pelo Sistema Nacional de Saúde (SNS). Desconhecemos se as 93 jovens (35%) que responderam “talvez” poderiam também ponderar o recurso a esta técnica dependendo do seu financiamento. Este é um fator importante para as mulheres que pretendam utilizar esta técnica e a sua relevância também deve ser considerada pela sociedade e potenciais financiadores30. A criopreservação de ovócitos está disponível nas unidades públicas de saúde em caso de doença grave e não é coberta pelos seguros de saúde em unidades privadas. Ainda assim, tem-se assistido a um aumento significativo da procura de métodos de preservação do potencial reprodutivo na ausência de doença31.
Os dados que obtivemos mostram que a maioria das estudantes da Universidade do Minho dão prioridade à sua carreira profissional e demonstram preocupação com a fertilidade, independentemente da idade. Como limitações deste estudo destacamos o pequeno tamanho amostral e o potencial viés de recrutamento, dado que o inquérito foi aplicado exclusivamente na Universidade do Minho e maioritariamente a estudantes de Medicina. Por último poderá existir viés de participação ou resposta. Deste modo, serão necessárias investigações suplementares para validar estes resultados e generalizar as suas conclusões. Esforços adicionais de pesquisa poderiam envolver outras universidades portuguesas e, deste modo, comparar o conhecimento e as atitudes em relação a esta temática em diferentes instituições de ensino.
Este estudo destaca assim a importância da educação para a fertilidade e para a existência de técnicas de preservação da mesma, numa população que não prevê abdicar de outros objetivos pessoais em prol da maternidade.