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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.22 Porto dez. 2019

https://doi.org/10.19131/rpesm.0261 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Práticas de redução de danos e consumo de crack

 

Reduction damage practives and consumption of the crack

 

Prácticas de reducción de daños y consumo de crack

 

Paola de Oliveira Camargo*, Michele Mandagará de Oliveira**, Diogo Henrique Tavares***, Karine Langmantel Silveira****, & Camila Irigonhé Ramos*****

*Mestre em Ciências; Pedagoga na Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, Rua Gomes Carneiro nº 1, 96010-610 Pelotas (RS), Brasil. E-mail: paolacamargo01@gmail.com

**Doutora em Enfermagem em Saúde Pública; Enfermeira na Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, 96010-610 Pelotas (RS), Brasil. E-mail: mandagara@hotmail.com

***Mestre em Ciências; Enfermeiro na Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, 96010-610 Pelotas (RS), Brasil. E-mail: enf.diogotavares@gmail.com

****Mestre em Ciências; Enfermeira na Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, 96010-610 Pelotas (RS), Brasil. E-mail: kaa_langmantel@hotmail.com

*****Mestre em Nutrição e Alimentos; Nutricionista na Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, 96010-610 Pelotas (RS), Brasil. E-mail: mila85@gmail.com

 

RESUMO

CONTEXTO: A abordagem nos atendimentos aos usuários de drogas é pontual e no difícil acesso aos serviços de saúde, os profissionais não abordam o uso abusivo destas substâncias, já a Redução de Danos visa a prevenção de ocorrências, que possam estar associados a este uso abusivo, em pessoas que não querem ou não conseguem parar de utilizar drogas.

OBJETIVO: Analisar a produção científica internacional dos últimos cinco anos sobre o consumo de crack e estratégias de redução de danos.

MÉTODO: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, realizada em agosto de 2017 nas bases de dados LILACS e PUBMED. Como filtro da pesquisa utilizou-se artigos de 2012 a 2017 realizados fora do Brasil. Após a discussão dos dados apresentou-se os resultados evidenciados na análise dos artigos incluídos nessa revisão.

RESULTADOS: Selecionaram-se nove trabalhos, destes, sete estudos quantitativos e dois qualitativos, a maioria publicados entre os anos de 2014 e 2015, sete realizados no Canadá e dois nos Estados Unidos. Todos os nove artigos estão relacionados com as “salas ou locais de uso controlado ou supervisionado” (SSR) e defendem que esta estratégia é uma forte potência para a redução de danos.

CONCLUSÕES: As estratégias de redução de danos em outros países baseiam-se em oportunizar aos usuários locais de uso seguro, visando a prevenção de doenças e a redução dos comportamentos de risco. Este estudo contribuirá para o conhecimento das estratégias de redução de danos aplicadas em contexto mundial, servindo de base de reflexão para ações no território nacional.

Palavras-Chave: Redução do dano; Cocaína crack; Prevenção de doenças; Serviços de saúde

 

ABSTRACT

BACKGROUND: The approach to care for drug users is punctual and difficult to access to health services, professionals do not address the abusive use of these substances, and Harm Reduction aims to prevent occurrences that may be associated with this abusive use in people who do not want or they cannot stop using drugs.

AIM: To analyze the international scientific production of the last five years on the consumption of crack and damage reduction strategies.

METHOD: This is an integrative review of the literature, carried out in August 2017 in the LILACS and PUBMED databases. As a research filter we used articles from 2012 to 2017 carried out outside Brazil. After the discussion of the data, the results evidenced in the analysis of the articles included in this review were presented.

RESULTS: Nine papers were selected, seven of them quantitative and two qualitative studies, most published between 2014 and 2015, seven in Canada and two in the United States. All nine articles are related to so "controlled use or supervised use" (SSR) rooms and advocates that this strategy is a strong power for harm reduction.

CONCLUSION: Harm reduction strategies in other countries are based on providing local users with a safe use, with a view to preventing disease and reducing risky behavior. This study will contribute to the knowledge of harm reduction strategies applied in the world context, serving as a basis to reflection for actions in the national territory.

Keywords: Harm reduction; Crack cocaine; Disease prevention; Health services

 

RESUMEN

CONTEXTO: El abordaje en las atenciones a los usuarios de drogas es puntual y en el difícil acceso a los servicios de salud, los profesionales no abordan el uso abusivo de estas sustancias, ya la Reducción de Daños busca la prevención de ocurrencias, que puedan estar asociadas a este uso abusivo, en las personas que no quieren o no pueden dejar de usar drogas.

OBJETIVO: Analizar la producción científica internacional de los últimos cinco años sobre el consumo de crack y estrategias de reducción de daños.

MÉTODO: Se trata de una revisión integrativa de la literatura, realizada en agosto de 2017 en las bases de datos LILACS y PUBMED. Como filtro de la investigación se utilizaron artículos de 2012 a 2017 realizados fuera de Brasil. Después de la discusión de los datos se presentaron los resultados evidenciados en el análisis de los artículos incluidos en esa revisión.

RESULTADOS: Han sido seleccionados nueve trabajos, de éstos, siete estudios cuantitativos y dos cualitativos, la mayoría publicados entre los años 2014 y 2015, siete realizados en Canadá y dos en los Estados Unidos. Todos los nueve artículos están relacionados con las "salas o lugares de uso controlado o supervisado" (SSR) y que defienden que esta estrategia es una fuerte potencia para la reducción de daños.

CONCLUSIÓN: Las estrategias de reducción de daños en otros países se basan en oportunizar a los usuarios locales de uso seguro, visando la prevención de enfermedades y la reducción de los comportamientos de riesgo. Este estudio contribuirá al conocimiento de las estrategias de reducción de daños aplicadas en el contexto mundial, sirviendo de base de reflexión para acciones en el territorio nacional.

Palabras Clave: Reducción del daño; Cocaéna crack; Prevención de enfermedade; Servicios de salud

 

Introdução

O acesso aos serviços de saúde por pessoas que utilizam substâncias psicoativas é normalmente precário, devido ao uso abusivo de drogas não ser compreendido e tão pouco aceito pela sociedade, e muitas vezes pelo próprio usuário. Quando este acesso ocorre, a maioria dos atendimentos são por questões pontuais, não se trabalhando a questão do uso abusivo (Cremonese, Serrano, Lemos, Ferracioli & Rotava, 2016).

Refletir e construir políticas que visem a integralidade no âmbito da humanização, podem propiciar abordagens mais inovadoras e coerentes ao paradigma dos Direitos Humanos. Estas abordagens são fundamentais à atuação profissional no contexto de uso abusivo de substâncias psicoativas. Contrapondo assim questões de extrema necessidade, como: ao invés da criminalização, o acolhimento, ao contrário da punição, a educação, oposto ao preconceito e a discriminação, a cidadania (Formigoni, 2017).

Visando a diminuição das dificuldades de acesso e um acompanhamento de forma integral às necessidades das pessoas que utilizam drogas, a Redução de Danos incorporou-se à política de atenção aos usuários de substâncias psicoativas.

A Redução de Danos é definida internacionalmente como políticas, programas e/ou práticas que apresentam como objetivo a prevenção de danos, que possam estar associados ao uso abusivo de substâncias, em pessoas que não querem ou não conseguem parar de utilizá-la. O seu início foi devido ao aumento da prevalência de infecções sexualmente transmissíveis em usuários de drogas, contudo, atualmente a atuação vai muito além desta questão específica, já que o foco principal é fornecer às pessoas que usam drogas, opções que possam ajudar a minimizar os riscos a si mesmo ou a outras pessoas (Stone & Sander, 2016).

As suas práticas são baseadas nos princípios da imprescindibilidade e compreensão da diversidade, com finalidade da preservação da vida. A oferta de prestação de cuidados, abrange ações que incluem todos os usuários que usem drogas, inclusive aqueles que não querem ou não conseguem interromper o uso da substância. As estratégias de Redução de Danos caracterizam-se por ações sem julgamentos morais e pela proximidade com as pessoas que utilizam substâncias, visto que atuam, muitas vezes, em cenas de uso (Formigoni, 2017).

O objetivo do estudo é analisar a produção científica internacional dos últimos cinco anos sobre o consumo de crack e estratégias de redução de danos.

 

Métodos

Este estudo caracteriza-se por uma revisão integrativa de literatura. A revisão integrativa é uma oportunidade de realizar uma análise ampla da literatura, podendo assim obter um maior conhecimento e entendimento do que se pretende investigar, através do que já foi pesquisado por outros autores (Mendes, Silveira & Galvão, 2008).

Para a realização do presente estudo seguiu-se os seis passos da revisão integrativa: a identificação do tema e questão norteadora; o estabelecimento de critérios para a inclusão e exclusão de estudos; a definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados; a avaliação dos estudos que foram incluídos na revisão; a interpretação dos resultados e a apresentação da revisão.

Para desenvolver a pesquisa utilizou-se a seguinte questão norteadora: “O que existe na literatura científica internacional sobre Redução de Danos e uso de crack”? As bases de dados pesquisadas foram LILACS e PUBMED. Na primeira utilizou-se os seguintes DeCs: Redução de anos (descritor exato) e Cocaína Crack (descritor exato); na segunda os Meshs: Harm Reduction (controlado) e crack cocaine (controlado). Em ambos o operador boleano escolhido foi AND. Realizou-se a busca no mês de agosto de 2017.

Realizou-se uma leitura mais detalhada dos principais achados de cada estudo, analisando quais respondiam à questão norteadora. Nesta fase os estudos foram incluídos ou excluídos, caso o foco do artigo respondesse ou não à pergunta inicial.

Após a discussão dos dados que foram mais relevantes na pesquisa, apresentaram-se os resultados evidenciados na análise dos artigos incluídos nessa revisão.

Como filtros da pesquisa utilizaram-se artigos de 2012 a 2017, realizados fora do Brasil e que não estivessem restritos. Na base de dados LILACS encontrou-se 39 artigos, com a aplicação dos filtros restaram 12. Ao ler os títulos e resumos excluiram-se 7 estudos que não responderam à questão norteadora da pesquisa e ao filtrar os textos completos disponíveis, restaram ao final 3 artigos que foram utilizados nessa revisão.

Na base de dados PUBMED encontraram-se 85 artigos. Ao aplicar os filtros encerrou-se com 18 artigos. Após leitura dos títulos dos artigos, excluiram-se 2 por não contemplarem a questão norteadora, em seguida realizou-se na íntegra a leitura dos 16 artigos restantes. Desses, excluiram-se 8, por não responderem à temática proposta e outros 2 por já estarem presentes na busca da Base de dados LILACS, restando 6 artigos.

No final da seleção totalizou-se 9 artigos entre as bases de dados consultadas, que responderam à questão norteadora da revisão, como mostra a figura 1 apresentada a seguir.

 

Resultados

Entre os 9 artigos selecionados, 7 eram estudos quantitativos, (Cheng et al., 2015; Kuo, Shamsian, Tzemis & Buxton, 2014) a maioria originários de um estudo de coorte maior e 2 eram estudos qualitativos (Inglez-Dias, Ribeiro, Bastos & Page, 2018; McNeil, Kerr, Lampkin & Small, 2015). Do total, 7 eram estudos canadenses, (Cheng et al., 2015; Jozaghi, 2014; Kuo et al., 2014; McNeil et al., 2015; Shaw et al., 2015; Strik, Rotondi, Watson, Kolla & Bayoumi, 2016; Ti et al., 2012) 3 deles realizados na cidade de Vancouver (Cheng et al., 2015; Jozaghi, 2014; McNeil et al., 2015) e outros 2 eram estudos americanos, realizados na Califórnia (Carrico et al., 2014; Inglez-Dias et al., 2014).

Os anos de publicação variaram entre 2012 e 2016, sendo 1 artigo de 2012 (Ti et al., 2012), 4 artigos de 2014, (Carrico et al., 2014; Inglez-Dias et al., 2014; Jozaghi, 2014; Kuo et al., 2014) 3 de 2015, (Cheng et al., 2015; McNeil et al., 2015; Shaw et al., 2015) 1 artigo de 2016 (Strik et al., 2016) e nenhum relativo aos anos de 2013 e 2017. Os artigos foram publicados nos seguintes periódicos: Harm Reduct J. (3), Drug Alcohol Ver (2), Int. J. Drug Policy (1), Subst Abuse Treat Prev Policy (1), Cien Saude Colet (1) e J. Urban Health (1). Quanto ao número de autores por artigo, variou entre dois e nove autores, totalizando uma média de 50 autores, sendo que quatro destes estavam presentes em dois artigos.

Todos os 9 artigos estavam relacionados com as “salas ou locais de uso controlado ou supervisionado” (SSR) e defendiam que esta estratégia era uma forte potência para a redução de danos. Destes 9 estudos, todos relatam a partilha de piteiras (8 estudos) (Carrico et al., 2014; Cheng et al., 2015; Jozaghi, 2014; Kuo et al., 2014; McNeil et al., 2015; Shaw et al., 2015; Strik et al., 2016; Ti et al., 2012) ou de seringas e agulhas (2 estudos), (Inglez-Dias et al., 2014; Shaw et al., 2015), um dos estudos aborda as duas questões, 7 estão diretamente associados ao aumento de DST’s e outros danos relacionados com a saúde do usuário. Justamente esse tipo de comportamento mostra-se um fator de risco para a saúde da pessoa que usa drogas e esses locais de uso potencializam os benefícios da RD, visto que oferecem ao usuário um local limpo, seguro e com disponibilidade de materiais individuais para o consumo.

Todos os estudos tinham como objetivo geral o trabalho realizado pelos locais de uso supervisionados (SSR) e todos mostraram resultados positivos no trabalho de estratégias de redução de danos realizados nestes serviços. Dos 9 estudos, 7 referenciam diretamente a diminuição dos riscos de DST/AIDS, overdose e outras doenças pelas pessoas que frequentam as SSR (Inglez-Dias et al., 2014; Jozaghi, 2014; Kuo et al., 2014; McNeil et al., 2015; Shaw et al., 2015; Strik et al., 2016; Ti et al., 2012) e 4 relataram que estes serviços colaboram de alguma forma para a diminuição da violência e estigma sofrido pela população usuária de drogas (Cheng et al., 2015; McNeil et al., 2015; Shaw et al., 2015; Ti et al., 2012).

Entre os 9 artigos, 7 abordam o impacto da proibição e falta de apoio destes serviços pelo governo. Devido à repressão e forças conservadoras os locais de uso são pouco valorizados pelos governantes e pela sociedade e isso acaba prejudicando diretamente o trabalho realizado e consequentemente, aumentando o número de locais não oficiais, mantidos por ONGs e por lideranças dos atuais usuários e ex usuários de drogas (Cheng et al., 2015; Inglez-Dias et al., 2014; Jozaghi, 2014; McNeil et al., 2015; Shaw et al., 2015; Strik et al., 2016; Ti et al., 2012).

Relacionado com a falta de apoio, 4 estudos relataram que a pouca disponibilidade dos materiais (piteiras, seringas, agulhas) dificultavam o acesso ao uso seguro e individual pela pessoa que usa drogas, aumentando assim as chances de contaminação por doenças e outros agravos a saúde (Cheng et al., 2015; Inglez-Dias et al., 2014; McNeil et al., 2015; Ti et al., 2012). Um dos estudos descreve que manter um local de uso supervisionado (SSR) custaria menos aos cofres públicos do que os gastos associados às consequências advindas de um uso sem controle e desprotegido (Jozaghi, 2014).

Dois estudos estavam relacionados diretamente aos usuários de drogas injetáveis e às salas de injeção supervisionadas, (Inglez-Dias et al., 2014; Shaw et al., 2015) enquanto 8 referem também o serviço das salas de uso de crack controladas, (Carrico et al., 2014; Cheng et al., 2015; Jozaghi, 2014; Kuo et al., 2014; McNeil et al., 2015; Shaw et al., 2015; Strik et al., 2016; Ti et al., 2012) destes, 2 enfatizam o uso do crack associado a diversas doenças mais do que o consumo de outras substâncias (Jozaghi, 2014; McNeil et al., 2015). Visto que o foco desta revisão estava voltado para as pessoas que usavam crack, realizou-se a pesquisa de forma a contemplar diretamente as estratégias de redução de danos para essa substância.

 

Discussão

Os estudos analisados nesta revisão integrativa procuraram discutir a importância dos serviços que supervisionam as pessoas que usam crack e/ou drogas injetáveis, os custos e benefícios para o Estado e os usuários. Além disso, levantar o conhecimento sobre esses dispositivos de saúde pelos usuários das substâncias e a eficácia da estratégia de Redução de Danos. Neste sentido, a discussão deste estudo, será apresentada em duas categorias temáticas: serviços de saúde para uso supervisionado como estratégia de Redução de Danos e Dificuldades de consolidação das Estratégias de Redução de Danos para o uso de Crack e suas implicações no cuidado aos usuários de drogas.

 

Serviços de Saúde para Uso Supervisionado como Estratégia de Redução de Danos

Os serviços de saúde para o uso supervisionado de crack e substâncias injetáveis no Canadá, são espaços que trabalham sob a linha de cuidado da Redução de Danos. Estes, buscam promover a segurança em relação à violência urbana; prevenção de novos casos de transmissão de doenças infectocontagiosas; prevenção e segurança na ocorrência de superdosagem das substâncias administradas, contando com o suporte de profissionais de saúde especializados para atender a demanda emergente, como em casos de overdose (Jozaghi, 2014).

Estes serviços surgiram como uma saída para diminuir a violência, já que muitos usuários realizam o consumo em espaços públicos e também há um grande número de pessoas em situação de rua e que se encontram em locais de extrema vulnerabilidade social. Houve a necessidade de minimizar os conflitos sociais em que as pessoas que usam crack estão sujeitas. Assim, buscou-se diminuir consideravelmente dois tipos de violências: a quotidiana, que acontece nas cenas de uso e a estrutural, advinda das leis antidrogas e proibicionistas, que não possibilitam o uso seguro em locais privativos e expõe a pessoa a conflitos com a lei vigente do país (por exemplo, pessoas que utilizam o cigarro nos seus domicílios não são submetidas a violência estrutural, pois estão asseguradas pelas leis) e a simbólica, acometidas pelo estigma a essas pessoas (McNeil et al., 2015).

Devido à desigualdade social, as pessoas usuárias de crack não tem acesso a materiais adequados para realizar o consumo da substância e, consequentemente, podem disseminar doenças infectocontagiosas. Neste sentido, esses serviços surgiram com o intuito de reduzir os possíveis danos à saúde dos indivíduos. Como a prática de uso, geralmente ocorre de modo compartilhado por grupos de usuários, há um intenso risco de transmissão de HIV, HCV, como por exemplo, no caso do uso de Crack por partilha de cachimbos improvisados. Assim, muitos dos serviços apresentados nos artigos, utilizavam como estratégias, além de oferecer segurança, dispunham de um arcabouço de materiais limpos, para que, cada pessoa obtivesse o seu material, sem precisar de compartilhar. Esses materiais, além de fabricados para diminuir os riscos de transmissão de doenças infectocontagiosas, também foram pensados de forma a diminuir os riscos de saúde pulmonar dos usuários (Carrico et al., 2014; Jozaghi, 2014; McNeil et al., 2015; Shaw et al., 2015).

Os autores ainda revelam que esses dispositivos são relevantes para manter o usuário vinculado a um serviço de saúde, no qual os profissionais podem trabalhar questões que envolvem estilos de vida mais saudáveis, mesmo quando se está usando o Crack ou outros tipos de substâncias psicoativas. Um exemplo é a grande oferta de tratamentos de saúde, quando estes estão motivados a realizá-los. De acordo com os autores essas, não foram apenas as grandes mudanças ocorridas após iniciar este modelo de cuidado, o maior impacto estaria relacionado com a segurança das pessoas usuárias e o impacto na minimização da violência social. Outro aspeto foi pensar em locais onde o usuário pudesse realizar o consumo sem sofrer pelo estigma social e a violência imposta pelas leis proibicionistas, um dos maiores e reais benefícios para  estas pessoas. Estes locais de uso supervisionado, procuram encarar as questões relacionadas com a saúde pública e as discrepâncias sociais para consolidar a minimização dos danos (McNeil et al., 2015).

 

Dificuldades de Consolidação das Estratégias de Redução de Danos para o Uso de Crack e as suas Implicações no Cuidado aos Usuários de Drogas

Como consequência do preconceito instaurado na sociedade canadense e fortalecido pelos governantes, um serviço de uso supervisionado em Vancouver, encerrou as atividades. Calcula-se que o impacto dos problemas de saúde advindos da transmissão de Hepatite C, foi significativamente alarmante. Pois, dentre as demandas destes serviços de saúde estava o controle desta doença. Além disso, o estudo revelou que os impactos negativos das atitudes resultaram da falta de conhecimento, geraram custos exorbitantes, devido à alta taxa de internação, e em alguns casos também de óbito, por agravo das doenças infectocontagiosas. Neste sentido, a lógica de cuidado deveria ser inversa, ao invés do encerramento desses serviços, deveria haver a abertura de outros.

A literatura revela que o serviço, em termos de economia pública e cuidado ao usuário de drogas é eficiente, pois, além de ajudar no combate à disseminação de doenças, também contribui na educação para o uso mais saudável e na redução de danos para comportamentos de risco, oferecendo desintoxicação, sendo uma potencial ferramenta para disponibilizar tratamentos para as pessoas que decidiram parar de usar determinada substância. Além disto, esses serviços também têm como característica importante, não expor essas pessoas socialmente, já que anterior à abertura do serviço, muitos usuários realizam o uso nas ruas, sendo constantemente estigmatizados (Strik et al, 2016; Ti et al., 2012).

Não ofertar cachimbos e/ou ponteiras para o uso de crack, aumenta significativamente a possibilidade de infecção e transmissão de doenças infectocontagiosas, além de causar prejuízos à saúde individual do usuário, como lesões em mucosas da boca, sangramento e exposição do corpo a microorganismos patogênicos. Sem a oferta de material adequado para o uso de Crack, as pessoas apelam para a improvisação dos cachimbos com lata, de extrema periculosidade para a saúde. Além disso, quando não há a oferta dos materiais, diminui-se também os atrativos que mantêm as pessoas vinculadas nos serviços de saúde, impondo-se uma barreira e, consequentemente, prejudicando as ações em saúde (Cheng et al., 2015; Kuo et al., 2014; Strik et al., 2016; Ti et al., 2012).

Outra implicação ao cuidado pautado na redução de danos é quando os órgãos de segurança pública, como a polícia, estão visualmente ao redor dos espaços em que se oferecem os materiais para o uso, intimidando os usuários e dificultando as ações dos profissionais. Além da imprudência das ações policiais, ao abordar os usuários, os agentes da segurança pública, muitas vezes, destroem e/ou descartam os kits de uso adequado fornecidos pelas instituições, acometendo as tentativas de redução dos riscos à saúde advindos do uso (Ti et al., 2012). Sendo então necessário para não prejudicar as ações desses serviços, a polícia realizar as rondas de modo discreto e não de forma a dificultar ainda mais as estratégias de redução de danos desenvolvidas pelos serviços de saúde citados durante esta revisão.

Sendo assim, as estratégias de redução de danos em outros países, baseiam-se em oportunizar aos usuários locais de uso seguro, visando a prevenção de doenças e a redução dos comportamentos de risco. Diferente das estratégias dos programas brasileiros, que ainda não permitem o uso supervisionado, mas, em contrapartida, tem o foco na pessoa que usa drogas e na prevenção de IST’s. Entre os 9 artigos, apenas um trouxe a RD como uma filosofia que visa estratégias de autocuidado, práticas de educação e reconhecimento do consumo pelo próprio usuário (Carrico et al., 2014).

 

Conclusões

A partir da revisão realizada, o Canadá foi o país que mais pesquisas e trabalhos apresentou sobre as estratégias de Redução de Danos através da implementação das SSR, seguido pelos EUA, ambos focados na redução de doenças e não na partilha de materiais de consumo de drogas. Embora no Brasil a distribuição de materiais seguros também seja uma das práticas do PRD, também há um trabalho mais subjetivo, de atenção e cuidado integral ao usuário, visando não apenas as questões de saúde, mas também sociais e de educação.

As estratégias de redução de danos consistem num novo paradigma, permeado por um diferente olhar sobre a questão do uso de drogas, no qual está disposto a escutar o usuário e o que ele tem a dizer sobre o uso que faz da substância e assim, pensar junto a ele maneiras de reduzir os eventuais riscos a sua saúde ou a sociedade, colocando desta forma as pessoas que usam drogas no lugar de protagonista do cuidado de si.

O foco da estratégia de redução de danos é, portanto, alterar os comportamentos de risco sem que haja a necessidade de abstinência, pensando num consumo mais consciente e responsável.

É necessário conhecer as estratégias de redução de danos ao uso do crack em outros países. Embora se tenha encontrado estudos relacionados apenas com o Canadá e Estados Unidos, todos trouxeram um panorama da RD a nível internacional. O PRD mostra-se eficiente para a melhoria da qualidade de vida e saúde das pessoas que usam drogas, não apenas no território nacional. Mesmo que para o governo a RD ainda seja marginalizada e pouco apoiada, há inúmeras forças positivas que levam os cuidados a oferecem locais seguros para as pessoas que usam drogas.

 

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Recebido em 31 de março de 2019

Aceite para publicação em 27 de julho de 2019

 

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