Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental
versão impressa ISSN 1647-2160
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental no.24 Porto dez. 2020
https://doi.org/10.19131/rpesm.0277
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Prevalência de sintomas depressivos entre adolescentes escolares em município do Norte de Minas Gerais, Brasil
Prevalence of depressive symptoms among adolescent students in a municipality in the North of Minas Gerais, Brazil
Prevalencia de síntomas depresivos entre adolescentes escolares en el municipio de Norte de Minas Gerais, Brasil
Maria Fernanda Santos Figueiredo Brito*, Cássio de Almeida Lima**, Romerson Brito Messias***, Alexandre Botelho Brito****, Lucinéia de Pinho*****, & Marise Fagundes Silveira******
*Enfermeira; Doutora em Ciências da Saúde; Professora na Universidade Estadual de Montes Claros, Departamento de Saúde Mental e Saúde Coletiva, 39401-089 Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: nanda_sanfig@yahoo.com.br
**Enfermeiro; Doutorando em Ciências da Saúde na Universidade Estadual de Montes Claros, Avenida Cula Mangabeira, 562, Bairro Santo Expedito, 39401-001 Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: cassioenf2014@gmail.com
***Médico; Mestre em Cuidado Primário em Saúde; Professor na Universidade Estadual de Montes Claros, Departamento de Saúde Mental e Saúde Coletiva, 39401-089 Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: romersonbrito@yahoo.com.br
****Matemático; Doutor em Ciências da Saúde; Professor no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, 39400-149 Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: alexandre.brito@ifnmg.edu.br
*****Nutricionista; Doutora em Ciências da Saúde; Professora na Universidade Estadual de Montes Claros, Departamento de Saúde Mental e Saúde Coletiva, 39401-089 Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: lucineiapinho@hotmail.com
******Matemática; Doutora em Saúde Coletiva; Professora na Universidade Estadual de Montes Claros, Departamento de Ciências Exatas, 39401-089 Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: ciaestatistica@yahoo.com.br
RESUMO
CONTEXTO: Os sintomas depressivos podem se manifestar em diferentes faixas etárias. Todavia, entre os adolescentes estudantes, a frequência é elevada e tal problema pode acarretar em diversas repercussões o adolescente.
OBJETIVO: Esta pesquisa teve por objetivo determinar a prevalência de sintomas depressivos entre adolescentes escolares de um município do Norte de Minas Gerais (MG) Brasil.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo epidemiológico de base escolar, com delineamento transversal, analítico e de abordagem quantitativa. A população foi composta por adolescentes do ensino médio de escolas públicas estaduais. Foram aplicados questionário estruturado e Inventário de Depressão de Beck. As variáveis foram descritas por meio de frequência absoluta e percentual. Foram aferidas associação entre as variáveis e os sintomas depressivos, utilizando-se o Teste do qui-quadrado (nível de significância p≤0,05).
RESULTADOS: Entre os 819 participantes, 166 (20,2%) foram classificados como portadores de sintomas depressivos. Constataram-se associações desses sintomas com sexo feminino (p=0,001), faixa etária de 18 ou mais anos (p=0,023) e estudar em turno noturno (p=0,034).
CONCLUSÃO: Houve considerável prevalência de sintomas depressivos entre adolescentes, com situação preocupante entre aqueles do sexo feminino, que estudam à noite e possuem 18 ou mais anos. São imperiosas providências para identificação precoce desses sintomas, estratégias preventivas e de promoção da saúde.
Palavras-Chave: Adolescente; Saúde do adolescente; Saúde mental; Depressão
ABSTRACT
BACKGROUND: Depressive symptoms can manifest in different age groups. However, among adolescent students, the frequency is high and this problem can result in several repercussions on the adolescent.
AIM: This study aimed to determine the prevalence of depressive symptoms among school adolescents in a municipality in the North of Minas Gerais (MG) - Brazil.
METHODS: This is a school-based epidemiological study, with a cross-sectional, analytical and quantitative approach. The population was composed of high school adolescents from state public schools. Structured questionnaire and Beck Depression Inventory were applied. The variables were described by means of absolute frequency and percentage. The association between variables and depressive symptoms was assessed using the chi-square test (significance level p≤0.05).
RESULTS: Among the 819 participants, 166 (20.2%) were classified as suffering from depressive symptoms. Associations of these symptoms were observed in females (p=0.001), age group of 18 years or older (p=0.023) and night shift study (p=0.034).
CONCLUSION: There was a considerable prevalence of depressive symptoms among adolescents, with a worrying situation among those women, who study at night and are 18 years or older. Provisions for the early identification of these symptoms, preventive strategies and health promotion are imperative.
Keywords: Adolescent; Adolescent health; Mental health; Depression
RESUMEN
CONTEXTO: Los síntomas depresivos pueden manifestarseen diferentes grupos de edad. Sin embargo, entre losestudiantes adolescentes, la frecuencia es alta y esteproblema puede dar lugar a varias repercusiones en el adolescente.
OBJETIVO: Esta investigación pretendía determinar laprevalencia de síntomas depresivos entre los estudiantesadolescentes en un municipio del norte de Minas Gerais (MG) - Brasil.
METODOLOGÍA: Se trata de un estudio epidemiológico basado enla escuela con un enfoque transversal, analítico ycuantitativo. La población consistió en adolescentes de laescuela secundaria de las escuelas públicas del estado. Seaplicó un cuestionario estructurado y un inventario de ladepresión de Beck. Las variables se describieron por mediode la frecuencia absoluta y el porcentaje. Se verificó unaasociación entre las variables y los síntomas depresivos utilizando la prueba de Chi-cuadrada (nivel de significancia p≤0,05).
RESULTADOS: Entre los 819 participantes, 166 (20,2%) fueronclasificados como sufriendo de síntomas depresivos. Seencontraron asociaciones de estos síntomas con hembras (p=0,001), grupo de edad de 18 años o más (p= 0023) y estudio en el turno nocturno (p=0034).
CONCLUSIÓN: Hubo una considerable prevalencia desíntomas depresivos entre los adolescentes, con unasituación preocupante entre las hembras, que estudian porla noche y tienen 18 años o más. Las medidas para laidentificación precoz de estos síntomas, las estratégias preventivas y la promoción de la salud son imprescindibles.
Palavras Clave: Adolescente; Salud del adolescente; Salud mental; Depresión
Introdução
Os quadros depressivos atingem mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, contribui para a carga global de doenças e para o desenvolvimento de incapacidade nos indivíduos. A evolução pode tender para uma forma extremamente grave, o que depende da intensidade e duração, apresentando repercussões para o indivíduo, a família, o sistema de saúde e para a sociedade. E, na pior das hipóteses, tais quadros podem levar ao suicídio (World Health Organization, 2017).
Os sintomas depressivos podem se manifestar em diferentes faixas etárias. No entanto, entre os adolescentes e jovens estudantes, a frequência é maior do que na população geral. Os adolescentes, por estarem em um período de transição para a fase adulta, se deparam com novas responsabilidades, com a necessidade de tomada de decisões que terão repercussões no futuro e com demandas econômicas, sociais e estudantis. Isso pode produzir reflexos negativos no âmbito psicológico e desencadear os sintomas depressivos (Thiengo, Cavalcante e Lovisi, 2014; Machado et al., 2018; Rosa, Loureiro e Sequeira, 2019).
A ocorrência dos referidos sintomas durante a fase escolar produz implicações na forma os indivíduos acometidos pensam, sentem e agem, provocando efeitos negativos marcantes na vida estudantil. Estudos referem que um em cada sete estudantes podem experimentar esse transtorno (Sajjadi et al., 2013; Thiengo et al., 2014). Dessa maneira, os sintomas depressivos nesse público têm sido frequentemente relatados no cenário nacional (Argimon, Terroso, Barbosa e Lopes, 2013; Avanci, Assis e Oliveira, 2008; Salle, Rocha, Rocha, Nunes e Chaves, 2012; Teixeira, Guimarães e Echer, 2017; Thiengo et al., 2014) e internacional (Barroilhet et al., 2012; Sajjadi et al., 2013; Earnshaw et al., 2017; Rosa et al., 2019).
Embora o impacto dos eventos estressantes na vida do estudante esteja relacionado a características pessoais, eles têm uma relação causal importante com os sintomas depressivos, afetando a capacidade de aprendizagem, concentração, produtividade, desempenho acadêmico e de relacionamento interpessoal (Thiengo et al., 2014; Machado et al., 2018; Rosa et al., 2019). Além do prejuízo no rendimento acadêmico, os transtornos depressivos podem ter impactos extremamente limitantes, causando impacto negativo na vida dos indivíduos e de suas famílias. Também podem levar o indivíduo a tornar se incapaz de realizar atividades de vida diária e causar sofrimento a pessoas saudáveis próximas à pessoa acometida (Molina et al., 2012; Rosa et al., 2019).
Por se tratar de uma fase crucial ao desenvolvimento humano, permeada por muitas mudanças em curto período de tempo, o desenvolvimento de sintomas depressivos e transtornos mentais em geral pode acarretar diversos danos psicossociais para o adolescente. O problema, inclusive, ultrapassa o âmbito individual: o aumento de sintomas depressivos entre adolescentes pode trazer danos à sociedade como um todo, que terá muitos jovens problemáticos no início de sua entrada no mercado de trabalho, elevados gastos com a saúde destes e com o sistema de previdência (Argimon et al., 2013; Machado et al., 2018).
Todavia, verifica-se uma carência na atenção à saúde mental infanto-juvenil, não só em países em desenvolvimento, mas também em países desenvolvidos (Argimon et al., 2013; Thiengo et al., 2014). E o entendimento de que sujeitos, antes da fase adulta, também poderiam ser afetados por sintomas de depressão, constitui-se em um campo recente de estudos, uma vez que até a algumas décadas esse quadro clínico em crianças e adolescentes não era explorado (Melo, Siebra e Moreira, 2017).
Como esses sintomas têm ocorrido com frequência entre adolescentes e requerem constante monitoramento, é necessário detectá-los precocemente, bem como realizar investigações para a caracterização desse problema, a fim de ampliar o conhecimento nessa área e potencializar medidas de identificação e prevenção (Melo et al., 2017). Contudo, há poucas pesquisas epidemiológicas de base populacional sobre a temática, sendo que essas pesquisas são relevantes (Argimon et al., 2013; Thiengo et al., 2014) e úteis para a implantação de programas preventivos e de promoção da saúde (Campos, Del Prette e Del Prette, 2014), colaborando com a melhora na atenção à saúde mental desse grupo (Argimon et al., 2013; Thiengo et al., 2014).
O presente estudo teve por objetivo determinar a prevalência de sintomas depressivos entre adolescentes escolares de um município do Norte de Minas Gerais (MG) Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico de base escolar, com delineamento transversal, analítico e de abordagem quantitativa. A população foi composta por adolescentes do ensino médio de escolas públicas estaduais da cidade de Montes Claros, situada na região Norte do estado de MG Brasil.
Foram adotados como critérios de inclusão: ser estudante regularmente matriculado na instituição e sala selecionada; assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (no caso de maiores de idade); responsáveis assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o discente assinar o Termo de Assentimento (no caso de estudantes menores de idade). Como critério de exclusão, considerou-se o fato de o escolar não estar presente no dia agendado para a coleta de dados.
O tamanho amostral foi definido considerando-se os seguintes parâmetros: prevalência estimada do evento de 50%, nível de confiança de 95% e margem de erro de 5%. Fez-se correção para o efeito do desenho, adotando-se deff igual a 2,0, e estabeleceu-se também um acréscimo de 20% para compensar as possíveis não respostas e perdas. Estimou-se a participação de no mínimo 748 adolescentes.
A seleção da amostra foi do tipo probabilística por conglomerados em dois estágios. No primeiro estágio, por probabilidade proporcional ao tamanho, foi feito o sorteio das escolas. No segundo estágio foi realizado o sorteio das turmas por amostragem aleatória simples. Os critérios de elegibilidade para a seleção foram ser estudante regularmente matriculado na instituição e estar presente no dia da coleta de dados.
A coleta de dados foi realizada no segundo semestre de 2016 e primeiro semestre de 2017, por pesquisadores e acadêmicos previamente capacitados. Foi utilizado um questionário que contemplava as variáveis sociodemográficas (sexo e idade), escolares (série e turno de estudo) e sintomas depressivos.
Para avaliação dos sintomas depressivos, foi utilizado o Inventário de Depressão de Beck (BDI) (Beck, Ward, Mendelson, Mock & Erbaugh, 1961), validado no Brasil (Gorestein e Andrade, 1998). O instrumento é composto por 21 itens em uma escala de likert de cinco pontos, que englobam aspectos comportamentais específicos dos quadros depressivos: tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação, sensação de culpa, sensação de punição, autodepreciação, autoacusações, ideias suicidas, crises de choro, irritabilidade, retração social, indecisão, distorção da imagem corporal, inibição para o trabalho, distúrbio do sono, fadiga, perda de apetite, perda de peso, preocupação somática e diminuição de libido (Gorestein e Andrade, 1998). A classificação dos sintomas depressivos se dá nos níveis: mínimo (0-13 pontos), leve (14-19 pontos), moderado (20-28 pontos) ou grave (29-63 pontos). Entre adolescentes, foi estabelecido o ponto de corte para identificação de sintomas depressivos clinicamente significativos para aqueles que tiveram pontuação a partir do quadro leve (Barroilhet et al., 2012). Em estudo sobre o processo de validação entre adolescentes brasileiros, o instrumento apresentou adequadas propriedades psicométricas, com um padrão de resposta semelhante ao obtido com a versão original, bem como ao retratado em outros idiomas. Registrou-se uma alta consistência interna da versão em português, de 0,79 pelo coeficiente alfa de Cronbach (Gorestein e Andrade, 1998).
Os dados foram organizados e analisados utilizando-se o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows, versão 20.0. As variáveis investigadas foram descritas por meio de sua distribuição de frequência absoluta e percentual. Foram calculadas as prevalências e intervalos de confiança de 95% (IC95%) dos sintomas depressivos por sexo, faixa etária, série e turno de aula entre os estudantes. Aferiu-se associação entre essas variáveis e os sintomas depressivos, através do Teste do qui-quadrado, considerando o nível de significância p≤0,05.
O estudo seguiu todas as diretrizes éticas de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto de pesquisa que deu origem ao atual trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), sob Parecer Consubstanciado nº 1.520.173/2016, CAAE: 54414416.3.0000.5146. Os participantes maiores de idade forneceram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Aqueles com menos de 18 anos apresentaram o Termo de Assentimento, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por seus responsáveis legais.
Resultados
Um total de 819 adolescentes escolares participou desta pesquisa. Como demonstrado na Tabela 1, em sua maioria, os participantes foram do sexo feminino, 442 (54,0%); da faixa etária de 15 a 17 anos, 618 (75,5%); estavam matriculados no 1º ano do ensino médio, 329 (40,2%); e estudavam no turno diurno, 765 (93,4%).
O BDI obteve uma adequada consistência interna quando aplicado na amostra do atual trabalho: 0,879 (coeficiente alfa de Cronbach).
No que se refere aos sintomas depressivos, predominou a classificação de nível mínimo, entre 653 (79,7%) dos estudantes pesquisados. Porém, 166 (20,2%) adolescentes foram classificados como portadores de sintomas depressivos, considerando o ponto de corte a partir do quadro leve (Tabela 2).
Quanto à associação entre as variáveis investigadas e os sintomas depressivos, averiguaram-se associações estatisticamente significantes com o sexo feminino (p=0,001), a faixa etária de 18 ou mais anos (p=0,023) e o fato de estudar no turno noturno (p=0,034) (Tabela 3).
Discussão
O presente estudo evidenciou uma importante prevalência de sintomas depressivos entre adolescentes escolares, similarmente ao constatado em pesquisas realizadas em escolas da cidade de Porto Alegre estado do Rio Grande do Sul (Argimon et al., 2013; Salle et al., 2012), na região metropolitana dessa cidade (Teixeira et al., 2017) e no Chile (Barroilhet et al., 2012). Uma revisão sistemática evidenciou prevalência superior: 43,55% (Sajjadi et al., 2013). Informa-se que em tais trabalhos também foi aplicado o BDI.
É consensual que os sintomas depressivos possuem caráter multicausal e complexo, isto é, nem sempre existe um fator específico e predeterminante para desencadear, desenvolver ou manter o quadro depressivo, o que exige cautela na análise desse problema. Contudo, sabe-se que a adolescência é uma fase essencial do desenvolvimento humano, marcada por uma série de alterações e desafios em um breve período de tempo (Argimon et al., 2013). As dificuldades vivenciadas pelo adolescente na construção da sua identidade podem ser marcadas por tensões, estresse e angústias, tornando-o propenso a um quadro depressivo (Teixeira et al., 2017).
Ainda, as respostas e interpretações pessoais do adolescente aos eventos estressantes e as suas relações no mundo são adquiridas durante todo o seu desenvolvimento. Aqueles que possuem apego inseguro, pouca regulação afetiva e capacidade negativa de resolução de problemas estão vulneráveis à baixa autoestima, à insatisfação com a vida e à sintomatologia depressiva (Avanci et al., 2008).
O resultado constatado no atual estudo é preocupante. Na literatura, autores ressaltam que os sintomas depressivos impactam negativamente no desempenho escolar, comprometem as relações sociais, prejudicam a autoestima, causam quadros de instabilidade emocional e irritabilidade (Argimon et al., 2013; Melo et al., 2017; Teixeira et al., 2017). Adicionalmente, os adolescentes acometidos por tais sintomas apresentam diminuição significativa do seu bem-estar físico e psicológico, menos suporte familiar afetivo, mais sentimentos de solidão, angústia, desesperança e tristeza, comprometendo a sua qualidade de vida (Melo et al., 2017; Teixeira et al., 2017).
Trata-se de uma condição requer atenção especial nessa etapa do ciclo de vida, pois também está associada à ideação e tentativas de suicídio; ao abuso de substâncias como álcool, tabaco e drogas ilícitas; e à recorrência do quadro ao longo da vida (Argimon et al., 2013; Barroilhet et al., 2012; Melo et al., 2017; Teixeira et al., 2017). Sendo assim, é válido salientar que, a partir de uma depressão leve, o indivíduo possui a probabilidade de 1/12 de desenvolver ideação suicida. Então, trata-se de uma temática delicada que não deve ser negligenciada, tendo em vista que o suicídio constitui uma das principais causas de morte no período da adolescência (Argimon et al., 2013; Melo et al., 2017).
Situação ainda mais preocupante foi observada entre os adolescentes do sexo feminino, os quais apresentaram prevalência de sintomas depressivos, estatisticamente significante, superior. A vulnerabilidade feminina para tal quadro é bem documentada na literatura nacional (Braga e DellAglio, 2013; Campos et al., 2014; Lopes et al., 2016; Salle et al., 2012; Thiengo et al., 2014) e internacional (Barroilhet et al., 2012; Sajjadi et al., 2013). Ressalta-se que, nesse público, o sexo feminino tem mais que o dobro de chance de apresentar esses sintomas do que o sexo masculino (Avanci et al., 2008).
A diferença entre a manifestação depressiva de adolescentes do sexo feminino e masculino sinaliza que as meninas tendem a apresentar sintomas mais subjetivos, como desânimo, raiva, solidão e angústia; mais preocupação com a popularidade; menos satisfação com o corpo e baixa autoestima. Por outro lado, os meninos são responsáveis por mais problemas de conduta, abuso de substâncias, sentimentos de repulsa e desconsideração (Braga e DellAglio, 2013; Earnshaw et al., 2017; Melo et al., 2017).
Outra hipótese é que a adolescência é marcada por estresses ocasionados pelas mudanças endócrinas e psicológicas, no auge do processo de individuação-separação na formação da identidade. Nesse sentido, a confirmação da maior propensão feminina aos sintomas de depressão nessa fase é determinada por aspectos biopsicossociais e culturais: fatores endócrinos; o timing precoce na puberdade, culminando na prematuridade para a vida social; conflito entre a conectividade familiar e a autonomia individual; alta reatividade ao estresse; reação social ao relato de sintomas dessa natureza; comportamento mais passivo (Avanci et al., 2008).
Este estudo demonstrou associação estatisticamente significante entre idade e sintomas de depressão, registrando-se escore mais elevado entre os estudantes da faixa etária igual ou superior a 18 anos. Verificou-se achado semelhante em escolares de uma cidade do interior do estado de São Paulo (Campos et al., 2014) e em Santiago Chile (Barroilhet et al., 2012).
A idade é um fator fundamental no estudo e desenvolvimento de sintomas depressivos (Melo et al., 2017). Os adolescentes mais novos apresentam menor probabilidade de desenvolver esses sintomas, logo, menor idade é um fator de proteção. Por outro lado, geralmente, a prevalência dos referidos sintomas aumenta com a idade, uma variável que pode demarcar mudanças na vida do adolescente. Essas mudanças, por sua vez, podem ser um fator de estresse, pois equivalem à exigência de novas respostas adaptativas e cobranças que se tornam proporcionalmente mais intensas com o aumento da idade (Campos et al., 2014).
O turno de estudo também esteve associado à ocorrência de sintomas depressivos entre os escolares desta pesquisa, com resultados adversos para aqueles que estudam à noite. Possivelmente, os adolescentes que estudam à noite procuram conciliar trabalho e estudos, e até mesmo família. Dessa maneira, podem vivenciar dificuldades, como tempo reduzido com a família, obstáculos contrários ao exercício do estudo extraclasse, problemas de aprendizado, elevada carga horária de trabalho, sono reduzido, cansaço e alto nível de estresse (Moreira, Lima e Silva, 2011). Uma pesquisa realizada no município de Uruguaiana - estado do Rio Grande do Sul mostrou predominância de consumo de bebidas alcoólicas e de pouca atividade física nos grupos de adolescentes que estudam no período noturno (Coutinho, Santos, Folmer e Puntel, 2013). Assim, tais adolescentes se encontram em um contexto que favorece o desenvolvimento de sintomas depressivos.
Os resultados encontrados no atual trabalho e na literatura revelam a necessidade de os profissionais de saúde e da educação compreenderem o problema em pauta, e então buscarem a construção de vínculo e apoio, bem como estratégias de educação e promoção da saúde nas escolas (Avanci et al., 2008; Earnshaw et al., 2017; Lopes et al., 2016; Teixeira et al., 2017).
Por fim, os achados desta pesquisa devem ser considerados à luz de certas limitações. O método de aferição da variável desfecho foi a informação autorreferida pelo discente. O delineamento transversal avaliou apenas associação entre variáveis, sem possibilidade de definir relação de causalidade. A amostra, embora representativa, foi restrita aos escolares de uma única cidade, o que dificulta a generalização dos resultados. A exclusão de discentes ausentes no dia da coleta pode ter repercussão dos resultados identificados.
Conclusão
Neste trabalho, foi observada importante prevalência de sintomas depressivos entre adolescentes, com situação preocupante entre aqueles do sexo feminino, que estudam à noite e possuem 18 ou mais anos.
Convém salientar que esta investigação foi conduzida com um seguimento importante da população, cujos aspectos relativos à saúde mental ainda requerem maior atenção do sistema de saúde e constituem uma temática relativamente recente de estudos. O trabalho apresenta caráter pioneiro, uma vez que a região até então não contava com inquéritos amplos de base escolar que contemplassem a saúde mental.
Implicações para a Prática Clínica
Fica evidente a necessidade de medidas para a identificação precoce de sintomas depressivos em adolescentes escolares, estratégias preventivas e de promoção da saúde, por meio de ações intersetoriais envolvendo os setores de saúde e educação com as famílias.
Face à realidade constatada nesta investigação, são imperiosas providências que almejem a prevenção de agravos e a promoção da saúde mental dos adolescentes escolares. Os sintomas depressivos e outros transtornos mentais destacam-se como desafios a serem enfrentados pelas escolas e pelos profissionais do sistema de saúde. Assim, a identificação de sintomas e de seus principais fatores de risco contribui na proposição de medidas de prevenção e controle mais específicos ao longo de todo o processo de desenvolvimento da adolescência (Earnshaw et al., 2017; Lopes et al., 2016). No Brasil e no cenário desta pesquisa, isso pode ser desempenhado no âmbito do Programa Saúde na Escola (PSE), que desenvolve ações de promoção e cuidado à saúde de escolares da rede pública de ensino.
Convém salientar que, embora a adolescência seja um período crítico para o início da depressão, os adolescentes constituem um dos grupos populacionais que menos faz uso dos serviços de saúde, mesmo em situações em que necessitam de assistência especializada. Sendo assim, o enfermeiro que atua na Atenção Primária à Saúde e no PSE constitui um profissional essencial: pode ser um articulador na abordagem inicial do adolescente e na interligação de uma rede de cuidados. Tal profissional representa um recurso de ajuda próximo e acessível, desempenhando papel fundamental na referenciação das situações para níveis mais especializados de cuidados. Logo, torna-se crucial aprimorar os recursos para procura e acesso à assistência profissional, através da promoção do conhecimento sobre o assunto nas escolas e da implementação de programas de cuidados iniciais em saúde mental, que empoderem os adolescentes para o cuidado de sua saúde, tendo, por sua vez, o enfermeiro especialista em saúde mental um papel determinante nesse processo (Rosa et al., 2019).
Financiamento
Processo APQ-02197-17 Edital 01/2017 - Demanda Universal, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Referências Bibliográficas
Argimon, I. I. L., Terroso, L. B., Barbosa, A. S., e Lopes, R. M. F. (2013). Intensidade de sintomas depressivos em adolescentes através da escala de depressão de Beck (BDI-II). Boletim da Academia Paulista de Psicologia, 33(85), 354-372. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2013000200010 [ Links ]
Avanci, J. Q., Assis, S. G., e Oliveira, R. V. C. (2008). Sintomas depressivos na adolescência: estudo sobre fatores psicossociais em amostra de escolares de um município do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 24, 2334-2346. Doi: 10.1590/S0102-311X2008001000014 [ Links ]
Barroilhet, S., Fritsch, R., Guajardo, V., Martínez, V., Vöhringer, P., Araya, R., & Rojas, G. (2012). Ideas autolíticas, violencia autoinfligida, y síntomas depresivos en escolares chilenos. Revista Médica do Chile, 140, 873-881. Doi: 10.4067/S0034-98872012000700007 [ Links ]
Beck, A. T., Ward, C. H., Mendelson, M, Mock, J., & Erbaugh, J. (1961). An inventory for measuring depression. Archives General Psychiatry, 4, 561-571. Doi: 10.1001/archpsyc.1961.01710120031004 [ Links ]
Braga, L. L. e DellAglio, D. D. (2013). Suicídio na adolescência: fatores de risco, depressão e gênero. Contextos Clínicos, 6, 2-14. Doi: 10.4013/ctc.2013.61.01 [ Links ]
Campos, J. R., Del Prette, A., e Del Prette, Z. A. P. (2014). Depressão na adolescência: habilidades sociais e variáveis sociodemográficas como fatores de risco/proteção. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 14, 408-428. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v14n2/v14n2a03.pdf [ Links ]
Coutinho, R. X., Santos, W. M,, Folmer, V., e Puntel, R. L. (2013). Prevalência de comportamentos de risco em adolescentes. Cadernos Saúde Coletiva, 21, 441-449. Doi: 10.1590/S1414-462X2013000400013 [ Links ]
Earnshaw, V. A., Elliott, M. N., Reisner, S. L., Mrug, S., Windle, M., Emery, S. T., Peskin, M. F., & Schuster, M. A. (2017). Peer Victimization, depressive symptoms, and substance use: a longitudinal analysis. Pediatrics, 139, 1-8. Doi: 10.1542/peds.2016-3426 [ Links ]
Gorestein, C., e Andrade, L. (1998). Inventário de depressão de Beck: propriedades psicométricas da versão em português. Revista de Psiquiatra Clínica, 25, 245-250. Disponível em: https://www.semanticscholar.org/paper/Invent%C3%A1rio-de-depress%C3%A3o-de-Beck%3A-propriedades-da-em-Gorenstein-Andrade/0ea5a27feca50ce7c856611d44ef6dfed53d9fde?p2df [ Links ]
Lopes, C. S., Abreu, G. A., Santos, D. F., Menezes, P. R., Carvalho, K. M. B., Cunha, C. F., Vasconcellos, M. T. L., Bloch, K. V., e Szklo, M. (2016). ERICA: prevalence of common mental disorders in Brazilian adolescents. Revista de Saúde Pública, 50, 1-14. Doi: 10.1590/s01518-8787.2016050006690 [ Links ]
Machado, I. C., Souza e Silva, N. S., Haikal, D. S. A., Silveira, M. F., Alves, M. L. T. S., e Silva, R. R. V. (2018). Prevalência de sintomas depressivos entre adolescentes da rede pública de ensino. Adolescência e Saúde, 1, 27-35. Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=743 [ Links ]
Melo, A. K., Siebra, A. J., e Moreira, V. (2017). Depressão em adolescentes: revisão da literatura e o lugar da pesquisa fenomenológica. Psicologia Ciência e Profissão, 37, 18-34. Doi: 10.1590/1982-37030001712014 [ Links ]
Molina, M. R. A. L., Wiener, C. D., Branco, J. C., Jansen, K., Souza, L. D. M., Tomasi, E., Silva, R. A., e Pinheiro, R. T. (2012). Prevalência de depressão em usuários de unidades de atenção primária. Revista de Psiquiatria Clínica, 39, 194-197. Doi: 10.1590/S0101-60832012000600003 [ Links ]
Moreira, C. A., Lima, F.M., e Silva, P. N. (2011). A difícil tarefa de acadêmicos de curso noturno em conciliar trabalho e estudo. Interdisciplinar: Revista Eletrônica Univar, 6, 51-56. Disponível em: https://docplayer.com.br/7212452-A-dificil-tarefa-de-academicos-de-curso-noturno-em-conciliar-trabalho-e-estudo.html [ Links ]
Rosa, A., Loureiro, L., e Sequeira, C. (2019). Literacia em saúde mental sobre depressão: um estudo com adolescentes portugueses. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, (21), 40-46. Doi: 10.19131/rpesm.0236 [ Links ]
Sajjadi, H., Mohagegi, K. S., Rafiey, H., Vameghi, M., Forouzan, A. S., & Rezael, M. (2013). A systematic review of the prevalence and risk factors of depression among Iranian adolescents. Global Journal Health Science, 5, 16-27. Doi: 10.5539/gjhs.v5n3p16 [ Links ]
Salle, E., Rocha, N. S., Rocha, T. S., Nunes, C., e Chaves, M. L. F. (2012). Depression rating scales as screening tools for depression in high school students. Revista de Psiquiatria Clínica, 39, 24-27. Doi: 10.1590/S0101-60832012000100005 [ Links ]
Teixeira, C. C., Guimarães, L. S. P., e Echer, I. C. (2017). Factors associated with smoking initiation among school-aged adolescents. Revista Gaúcha de Enfermagem, 38, 1-9. Doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.69077 [ Links ]
Thiengo, D. L., Cavalcante, M. T., e Lovisi, G. M. (2014). Prevalência de transtornos mentais entre crianças e adolescentes e fatores associados: uma revisão sistemática. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 63, 360-372. Doi: 10.1590/0047-2085000000046 [ Links ]
World Health Organization. (2017). Depression. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs369/en/index.html [ Links ]
Recebido em 31 de março de 2019
Aceite para publicação em 10 de janeiro de 2020