Introdução
A violência autoprovocada é um tipo de lesão que o indivíduo inflige a si mesmo, sendo subdividida em violência suicida e não suicida. Sendo que a lesão não suicida, envolve eventos de automutilação, incluindo as formas mais leves como arranhaduras, cortes e mordidas e as mais severas como amputação de membros (Bahia, Avanci, Pinto e Minayo, 2017). Assim, a violência representa qualquer comportamento intencional envolvendo agressão direta ao corpo sem intenção consciente de suicídio. Os comportamentos auto lesivos mais comuns são: cortes superficiais na pele, arranhões, mordidas, queimaduras, bater uma parte da estrutura física contra a parede e enfiar objetos pontiagudos no corpo (Cedaro e Nascimento, 2013). É importante ressaltar que a violência autoprovocada pode apresentar um comportamento suicida por ocorrer autoagressão, uma vez que o indivíduo busca se ferir por meio de objetos perfurocortantes ou com substâncias ingeridas. Porém, na tentativa de suicídio existe o objetivo de chegar ao ato final de se matar (Bahia, Avanci, Pinto e Minayo, 2017).
O impacto do comportamento de violência na vida do indivíduo traz consigo graves riscos, que podem ser: físicos, sociais e educacionais que estão diretamente associados. Com isso, a violência autoprovocada tem sido vista como um comportamento de autodestruição a partir de um desejo intenso de se punir, que pode ser inconsciente ou não verbalizado, cujos impulsos agressivos são redirecionados ao seu corpo como forma de compensar a dor e a insatisfação sentida (Vieira, Pires e Pires, 2016).
Por conseguinte, estudos apontam que a violência autoprovocada tem relação com a dificuldade do gerenciamento da angústia ou da regulação do afeto para obtenção de um alívio momentâneo, dessa forma, todas essas questões que afetam diretamente o psicológico do indivíduo são um risco para a repetição de automutilação intensa até alcançar o desfecho do suicídio (Edmondson, Brennan & House 2016). Em 2014, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) afirmou que o suicídio é a principal causa de morte que pode ser prevenida no continente, sendo que mais de 7 pessoas/hora realizam essa prática (Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS], 2014).
No Brasil, segundo o mapa de violência de Waiselfisz (2015), o número de casos de violências autoprovocadas aumentou de forma significativa no período de 1980 a 2013, demonstrando o crescimento dos casos nas décadas de 1980 (2,7%), 1990 (18,8%) e 2012 (33,3%). Vale ressaltar que além da violência acontecer por contato direto, também é vista em ambientes virtuais, no qual a internet possui um impacto bastante relevante para o desenvolvimento do comportamento autolesivo, seja ele suicida ou não, fazendo com que muitos sejam submetidos as situações de fácil acesso em grupos de automutilação nas redes sociais, causando uma permanência e repetições dos casos por anos ou até décadas (Silva e Botti, 2018).
Diante deste contexto, justifica-se a realização deste estudo devido à relevância da temática como problema de saúde pública. Sendo imprescindível conhecer como se apresenta as notificações dos casos sobre a violência autoprovocada, e refletir quais os seus impactos na saúde pública brasileira e sobre a devida urgência da divulgação de produção científica deste tema para o corpo social, a fim de que sejam formuladas e implementadas políticas públicas para fortalecer as ações de prevenção das violências autoprovocadas que podem acarretar transtornos mentais e suicídio.
Deste modo, este estudo objetivou analisar os casos de violências autoprovocadas nas regiões brasileiras, de 2009 a 2017, e refletir sobre este problema no âmbito da saúde pública.
Metodologia
Trata-se de um estudo epidemiológico transversal, descritivo de abordagem quantitativa com coleta de dados em fonte secundária a partir dos casos de violências autoprovocadas no Brasil, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), no período de 2009-2017 com as variáveis: região de residência, sexo, local de ocorrência, faixa etária, raça/cor, escolaridade, repetição de violência e meio de agressão.
Conforme a Portaria Nº 264/2020 do Ministério da Saúde, no Brasil, as violências autoprovocadas devem ser notificadas no Sinan. Sendo assim, os dados foram selecionados a partir da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), segundo os códigos do X60 ao X84 que parametriza estes tipos de violência. Visto isso, todos os dados foram analisados buscando enfatizar os casos de violências autoprovocadas não suicida, ou seja, os que não obtiveram o suicídio consumado. Por conseguinte, é importante enfatizar que os registros aqui trabalhados se referem apenas as violências autoprovocadas, uma vez que os dados do suicídio consumado só podem ser encontrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
Dessa forma, o estudo transversal, descritivo de abordagem quantitativa é importante para a tomada de decisão e influência nas ações em saúde, visto que o mesmo busca descrever e abordar de forma quantitativa a problemática das violências autoprovocadas.
Para tanto, foi realizado o cálculo de prevalência por regiões geográficas do Brasil, utilizando as estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Para a estratificação da prevalência por sexo nas regiões brasileiras foram utilizadas as estimativas populacionais municipais do IBGE e agrupados por regiões. Na análise estatística foram realizadas as seguintes análises: o cálculo da frequência absoluta (N) e relativa (%); a análise do Modelo de Regressão para a prevalência por regiões e federação, dos anos de 2009 a 2017; o teste de Mann-Whitney para verificar qual a taxa é maior entre os sexos masculino e feminino por regiões e federação; e o teste Qui-Quadrado de homogeneidade para verificar se o no de violência possui diferença entre as diversas categorias de variáveis estudadas. Para todos esses testes se adotou a significância estatística de 5% (p< 0,05). Para organização, processamento e análises dos dados foram utilizadas o Microsoft Office Excel 2016® e o software R versão 4.0.2. Com relação à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) o estudo não necessitou por utilizar dados de domínio público.
Resultados
No Brasil, 2009-2017, ocorreram 255.290 notificações de violências autoprovocadas observando-se a elevação dos casos notificados durante todo o período de estudo. Com relação a prevalência, foi possível perceber que a região Sul apresentou uma taxa de 25,32/100 mil habitantes, seguido da região Sudeste (17,03), Centro-Oeste (13,99), Norte (6,99) e Nordeste (6,63). Além disso, verificou-se a evolução das prevalências por região e nacionalmente, ano a ano, como demonstrado na Figura 1-A. Nota-se o crescimento dos casos em todas as regiões do país, sendo que a Região Sul se destacou por apresentar um crescimento mais vertical, quando comparada com as outras regiões. A região Sul é seguida, respectivamente pelas regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Ainda, é possível averiguar, pelo modelo de Regressão ajustado (Figura1-B), que todas as regiões possuem um crescimento estatisticamente significante (p-valor < 0,01), sendo tais modelos capazes de explicar ao menos 90% da variação dos dados, a depender da região. Consequentemente, tem-se uma prevalência em significante aumento no Brasil (p-valor < 0,01). Com isso, é importante destacar que as regiões com cidades de maior concentração populacional apresentam maiores taxas de prevalência, como as regiões Sul e Sudeste, onde existem cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, entre outras. Com a análise atual, não se pode avaliar a relação entre essa característica e a alta prevalência, mas é interessante pontuar tal situação, de maneira que futuras investigações possam tratar este como um ponto a analisar.
Uma outra análise de interesse é a prevalência de violências autoprovocadas nas diferentes regiões, no que se refere aos sexos masculino e feminino. A partir desta análise, é notável, em todas as regiões do país, que a taxa de prevalência média é maior em pessoas do sexo feminino, quando comparado com as do sexo masculino. No geral, nota-se uma prevalência de 18,47/100 mil hab. para pessoas do sexo feminino, seguido do sexo masculino com 9,72/100 mil hab., além de demonstrarem uma significância estatística (p valor <0,01), conforme a Figura 2. A análise desses dados ocorreu através do Teste de Mann-Whitney de maneira que os dados utilizados foram as taxas ano a ano, construindo-se uma taxa média de prevalência a ser analisada por regiões e federação, separadas por sexo.
Para averiguar se o número de casos se destaca em algumas das categorias de diversas variáveis, o Quadro 1 apresentou uma análise baseada no teste de Qui-Quadrado. Portanto, no que concerne ao ‘local de ocorrência’, em todas as regiões brasileiras a residência é o local com maiores notificações dos casos no Brasil (203.465, 79,69%), onde se destaca uma maior concentração na região Sul (86,68%) seguidos das regiões Sudeste (78,58%), Centro-Oeste (76,98%), Norte (76,74%) e Nordeste (72,77%), O p-valor<0,01 indica que, de fato, as concentrações são diferentes entre si, dentre todos os locais de ocorrência avaliados.
No tocante aos casos de ‘repetição de violência’, verificou-se que 43,64% desses não tiveram comportamento repetido no território brasileiro, sendo essa não repetição na maioria dos casos na região Norte (53,28%), Sul (47,14%), Centro-Oeste (43,02%), Sudeste (42,76%) e Nordeste (37,46%). Dos casos que tiveram repetição dessa violência no país (31,40%), a presença dos mesmos por região foi de 34,95% para a região Sul, 34,19% no Centro-Oeste, 31,49% no Norte, 30,70% no Sudeste e 25,50% no Nordeste. Assim, 24.95% foram notificados como ignorados ou não preenchidos, sendo que todas as análises possuíram significância estatística de p-valor<0,01, apontando mais uma vez uma diferença proporcional entre as categorias analisadas.
Na análise sobre o ‘meio de agressão’, a maioria dos casos foram por envenenamento (46,60%), sendo estes distribuídos pelas regiões da seguinte maneira: Nordeste (55,71%); Sudeste (46,19%); Norte (38,46%); Centro-Oeste (37,04%) e Sul (25,56%). No Brasil, é possível destacar outros meios de agressão que também obtiveram apontamentos de destaque: como meios de agressão em geral (30,34%); objeto perfurocortante (11,50%); enforcamento (7,01%); objeto contundente (1,58%); arma de fogo (1,55%); e objeto/substância quente (1,45%). Tal diferencial foi confirmado pelo p-valor < 0,01, como demonstrado no Quadro 1.
Com relação à ‘faixa etária’, entre 20-29 anos ocorreu um maior destaque de casos notificados no país (26,79%), cuja região Nordeste obteve o maior percentual de casos (29,11%), seguidos por 30,45% no Norte, 28,22% no Centro-Oeste, 26,69% no Sudeste e 24,80% no Sul. Além disso, os dados referentes a essa variável demonstraram uma significância estatística com p-valor <0,01 (Quadro 2).
No Brasil, 49,36% dos casos foram notificados por pessoas de ‘raça/cor’ branca, Por região, o Sul apresentou 80.72% dos casos relatados por pessoas de ‘raça/cor’ branca e o Sudeste também apresentou 48,73% por pessoas brancas. Já as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste tiveram maiores concentrações de casos por pessoas de ‘raça/cor’ parda (72,27%, 54,96% e 43,40%, respectivamente). Tanto de maneira nacional, como de maneira regional, o p-valor < 0,01 demonstrou a significância dos resultados obtidos (Quadro 2).
Para ‘escolaridade’, identificou-se que o maior percentual de casos no país se encontra na 5ª a 8ª série incompleta do ensino fundamental (14,46%) nas regiões Sul (18,65%), Norte (17,51%), Centro-Oeste (15,82%), Sudeste (12,58%) e Nordeste (11,77%). No cenário Nacional, destacou-se ainda os casos detectados para as categorias de ensino médio completo (12,86%), ensino médio incompleto (10,27%), ensino fundamental completo (6,73%), 1ª a 4ª série incompleta do ensino fundamental (5,56%), 4ª série completa do ensino fundamental (3,58%), superior incompleto (2,50%), superior completo (2,31%) e analfabeto (0,94%). Também, observou-se um quantitativo expressivo de preenchimento ignorado para esta variável (39,52%). Considerando os casos não ignorados, o teste aplicado detectou relevante significância estatística, tendo em vista o p-valor < 0,01 (Quadro 2). Na análise da variação percentual dos casos notificados por violências autoprovocadas no Brasil, observou-se que ocorreu um aumento de 1630,12% durante o período de estudo (2009-2017). Onde a região com a maior variação percentual foi a Sul (6.170,57%), seguida do Sudeste (1698,13%), Nordeste (941,79%), Norte (923,64%) e Centro-Oeste (553,06%), conforme descrito no Quadro 3.
Fonte: Sistema de Informações de Agravos de Notificação. *Elaborado pelos autores. Nota: EF (Ensino Fundamental).
Discussão
Observou-se no presente estudo um elevado aumento dos casos notificados por violências autoprovocadas no Brasil, cuja região Sul apresentou a maior taxa de prevalência para este agravo no país. Pinto et al. (2017) relacionou esse achado com as questões socioeconômicas que afetam a vida do trabalhador em sua saúde física e psicológica. Por conseguinte, a região Sudeste também apresentou prevalências bem significativas, além do aumento em todo o período de estudo, o que pode estar relacionado com o custo de vida elevado, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho que interferem significativamente na saúde psicológica dos indivíduos.
Com relação a variável sexo, o feminino obteve as maiores prevalências em todas as regiões geográficas e no Brasil, o que pode estar diretamente associada ao machismo ainda enraizado na sociedade que visa a inferiorização do sexo feminino em detrimento do masculino. Ressalta-se que, as mulheres desde cedo se apresentam com uma tendência maior para os casos de violências autoprovocadas por estarem inseridas em um contexto social com pressões e inseguranças que afetam a saúde mental (Jorge, Queirós e Saraiva, 2015).
Assim, as mulheres buscam a resolução dos seus problemas através das violências autoprovocadas, muitas vezes por causa da violência intrafamiliar, o que desencadeia o maior índice de depressão no feminino (5,1% nas mulheres e 3,6% em homens). Com relação ao gênero, autores revelam que as mulheres praticam mais tentativas, enquanto os homens realizam mais suicídio. Isso pode estar relacionado com a socialização de gênero, no qual o homem possui mais acesso aos meios mais violentos com maior potencial para letalidade em suas tentativas, como enforcamento e arma de fogo, e as mulheres meios menos violentos como a intoxicação por medicamentos e pesticidas. Além disso, outros autores associam que a maior ocorrência da violência no sexo feminino está relacionada com a maior frequência de mulheres com distúrbios alimentares, psicose pós-parto, baixos níveis de serotonina em casos de aborto, vulnerabilidade pós perda de filhos e até mesmo a violência doméstica (Dantas, 2018).
Um estudo realizado por Minayo, Figueiredo e Mangas (2017), identificou que 10% dos atendimentos nos serviços de urgência e emergência por violência decorrem de violências autoprovocadas, destacando-se os casos que envolvem mulheres e adultos. Assim, percebe-se este achado no presente estudo com maior acometimento no sexo feminino e na faixa etária entre 20-29 anos, população economicamente ativa. Nota-se que para as menores faixas etárias o assunto ainda é primário ao imaginário social, por conseguinte ainda não existe algo bem estruturado quanto a ideia da automutilação, bem como a ação requer uma maior responsabilidade para essa idealização do ato.
Nesta perspectiva, é perceptível a elevada frequência da violência entre as idades de 10 a 19 anos o que pode estar relacionado com o fato da adolescência ser um período crítico de vulnerabilidade do comportamento humano. Algumas particularidades dessa fase contribuem para o aumento dos riscos da prática de violência, dentre elas as transformações biopsicossociais, comportamentos impulsivos e depressivos, transtornos mentais, consumo de álcool e outras drogas, solidão, influências das redes sociais, convívio social e mídias (Hedeland et. al, 2016).
Ademais, a raça/cor mais acometida foi a branca com evidências frequentes para o não preenchimento desta variável. A portaria N° 344/2017 do Ministério da Saúde, tornou obrigatório o preenchimento deste quesito, respeitando sempre a autodeclaração do indivíduo, o que acarretou um aumento dos casos deixados em branco em 2017, podendo ter ocorrido uma dificuldade no preenchimento da notificação por parte dos profissionais de saúde. Dessa forma, o mal preenchimento das fichas de notificações impactam na realidade evidenciada, pois tais dados conferem um importante instrumento de análise epidemiológica e servem como subsídios para a tomada de decisão e ações em saúde (Oliveira, Silva, Ferreira e Barbosa, 2019).
Diante disso, em uma revisão sistemática realizada por Kabad, Bastos, Ventura (2012), os autores apontam as dificuldades encontradas nos sistemas de informações quanto ao preenchimento do quesito raça/cor. O estudo ressalta que a raça/cor parda possui diversas variações como, por exemplo, vir próximo a categoria preta, o que dificulta a análise desses resultados e impacta quando levado em consideração a notificação somando as duas raças/cores em apenas uma variável.
No que concerne a escolaridade, o maior percentual foi de 5ª a 8ª série incompleta do ensino fundamental, sendo um achado em um grupo de indivíduos que não finalizaram o ensino fundamental por uma determinada necessidade que pode estar relacionada com a gravidez precoce, a necessidade de complementação de renda e a desestruturação familiar (Pereira, 2019). Logo, o processo de volta à escola na fase adulta se torna mais difícil com as inúmeras responsabilidades adquiridas com o passar do tempo, trazendo ao indivíduo uma ideia muito frequente de baixa autoestima, acarretando a dificuldade em lutar pelos seus direitos, bem como a não confiança em si mesmo, o que provoca uma ideia de impossibilidade e uma busca por meio da violência auto infligida para diminuição da sua angústia e do seu sofrimento diário (Monteiro, Bahia, Paiva, Sá e Minayo, 2015).
Além disso, o alto percentual de casos sem informação é bem expressivo dentro da variável escolaridade nos casos de auto violência, o que se confirma no estudo de Guimarães e Cunha (2020), no qual os autores apontam a dificuldade e falhas no seu preenchimento, impossibilitando uma tomada de decisão e alocação dos recursos de forma efetiva no serviço de saúde.
Quanto ao local de ocorrência dos casos de violências autoprovocadas, a residência possuiu o maior registro, provavelmente, por ser onde circunda a maior parte dos problemas com a falta de informação da própria família, visto que algumas dessas ainda carregam consigo o tabu de falar sobre os problemas psicológicos dentro do seu núcleo familiar, não dialogando sobre os riscos que os comportamentos autodestrutivos acarretam para a vida do indivíduo. Assim, o comportamento se caracteriza por uma busca que visa encontrar um alívio imediato da dor, dessa forma, o ato de violência passa a ser praticado de forma privada cuja vítima deseja aliviar a dor momentânea, mas se isola ao sentir vergonha e medo das reações dos que a cercam (Rocha et al., 2015).
Assim, identificou-se neste estudo um maior percentual de agressão por envenenamento e um percentual expressivo de repetição da violência. Segundo um estudo Multicêntrico de Intervenção no Comportamento Suicida (SUPRE-MISS) da OMS (2002), a ocorrência do suicídio acontece após a repetição da automutilação até o desfecho fatal. Diante disso, é importante pontuar que o meio de agressão por envenenamento pode ser justificado pelo fácil acesso da substância, principalmente quando levado em consideração aqueles vendidos ilegalmente e de forma clandestina. Sendo assim, numa pesquisa realizada pela enfermagem identificou-se que por não apresentar o sabor da substância, o “chumbinho”, facilita a autointoxicação pelo produto (Silva; Coelho; Pinto, 2016).
Outrossim, é importante ressaltar que quando o paciente chega ao hospital em situações que ocorreram automutilação, faz-se necessário um plano de segurança que transmita ao indivíduo confiança e busca pelo conforto junto aos profissionais (médico, enfermeiro, agentes comunitários de saúde - ACS, psicólogos, sanitarista, outros) e serviços de saúde, sendo necessário o rastreamento por uma atenção à saúde de qualidade que atue na não recidiva do ato a fim de evitar um suicídio a posteriori. Para isso, necessita-se de uma rede integrada com a equipe de saúde da família, com o intuito de garantir o cuidado do indivíduo após a alta hospitalar, além de um acompanhamento efetivo do enfermeiro e os agentes comunitários de saúde como forma de fortalecer as ações em saúde e o matriciamento (Bahia et. al, 2017).
Por conseguinte, a própria prática do enfermeiro dentro da Estratégia de Saúde da Família e do ACS visa acolher de modo efetivo o indivíduo ao levar em consideração a sua integralidade, além do que as práticas desses profissionais não devem ser apenas baseadas em protocolos e normas institucionais, mas também na identificação, no acolhimento, no matriciamento e no monitoramento dessas famílias com maior vulnerabilidade (Corrêa; Acioli; Tinoco, 2018).
Por fim, a violência autoprovocada ainda se constitui como problema de relevante impacto na saúde pública brasileira. Nesse ínterim, a ação afeta não só a vítima que utilizou a autoagressão para silenciar uma dor, mas também aos familiares, aos amigos e os profissionais de saúde que acompanham este indivíduo e são impactados com a situação que acomete a saúde mental da vítima (Santos et al., 2019). Estudos epidemiológicos como este são de fundamental importância para compreender as situações relacionadas com a violência não suicida no Brasil e em cada região geográfica, a fim de subsidiar o planejamento de estratégias preventivas eficazes para o suicídio, podendo abranger desde a incorporação de ações legais como a restrição da comercialização de armas, a execução de campanhas de conscientização da população para identificar quais os fatores de risco que estão associados com o comportamento suicida e o não suicida e auxiliar os indivíduos em situação de risco.
É importante pontuar as limitações encontradas neste estudo como a subnotificação de algumas variáveis, principalmente, à raça/cor cujo o mal preenchimento acarreta uma falha de análise por não ser possível conhecer a realidade. Assim como, o próprio uso dos dados secundários não possibilita ao pesquisador um controle real da padronização efetiva dos registros notificados. Outro ponto que se destaca, são as limitações quanto ao preenchimento da ficha de notificação individual da violência autoprovocada que se apresenta com campo aberto, sem a padronização do preenchimento, o que dificulta a análise dos dados por causa da fragilidade na qualidade dos registros. Além disso, a própria intencionalidade ao corpo não é especificada dentro da ficha de notificação do Sinan o que, consequentemente, acarretam sub-registro e ausência de detalhes para os casos notificados.
Conclusão
O estudo identificou um cenário alarmante de crescimento dos casos de violências autoprovocadas no Brasil em nove anos, além das altas prevalências para o sexo feminino, trazendo consigo o silêncio e o medo da sociedade em falar sobre o assunto o que pode corroborar para desfechos negativos como o suicídio. Dessa forma, ressalta-se a importância da criação de políticas públicas preventivas que dialoguem de forma efetiva com a sociedade e os familiares. Criando condições para que esse público alvo procure atendimento nos serviços de saúde a fim de possuírem as suas necessidades atendidas. Para tanto, é imprescindível também capacitar os profissionais para evitar os desfechos negativos desta prática. Também se evidenciou a necessidade de capacitar os profissionais para o preenchimento adequado das fichas de notificação.
Por fim, esse estudo contribui para o conhecimento epidemiológico acerca dessa problemática, subsidiando a tomada de decisões dos gestores para implementação e efetivação de políticas públicas voltadas ao assunto. Com o intuito de fortalecer a rede de atenção à saúde para os indivíduos e serem ofertados serviços voltados ao cuidado destes de forma integral e equânime no âmbito do Sistema Único de Saúde.