Introdução
A adolescência é uma fase do desenvolvimento humano caraterizada por enormes transformações físicas, psicológicas e sociais (Sampaio, 2010).
A Organização Mundial de Saúde, indica um decréscimo da saúde mental e um aumento das doenças mentais, que afetam 11% da população europeia. Designadamente atingindo 10% a 20% dos jovens adultos, o que torna esta problemática um sério problema de Saúde Pública (Nogueira, 2017; Storrie, Ahern & Tuckett, 2010).
Segundo o modelo de Keyes (2002), o diagnóstico de saúde mental é descrito como flourishing e a ausência de saúde mental é descrito como languishing, tendo este autor concluído que o risco de ter um episódio depressivo é duas vezes superior nos indivíduos em languishing do que nos indivíduos com saúde mental moderada; e seis vezes maior entre indivíduos em languishing do que indivíduos em flourishing. Também este mesmo autor, refere que a saúde mental e a doença mental não são extremidades opostas de um conceito, sugerindo que a saúde mental deve ser vista como uma condição própria (Alves, 2018; Ferreira, 2015; Keyes, Dhingra. & Simões, 2010).
Ter uma "saúde mental moderada" não é o mesmo que estar "saudável" (World Health Organization, 2005; Ferreira, 2015). Contudo, a Saúde Mental Positiva tanto pode constituir um preditor de doença mental como um fator de risco (Alves, 2018; Ferreira, 2015; Keyes, 2002; Keyes, 2010).
Para Lluch (1999), a Saúde Mental Positiva (SM+) é um estado dinâmico, em que engloba comportamentos, pensamentos, sentimentos e emoções positivas e negativas. Ou seja, devemos promover e potenciar estados e pensamentos positivos e/ou de bem-estar (felicidade, alegria, satisfação) mas também tem de se dar espaço à nossa mente para que expresse a sua complexidade. Desta maneira, existem muitas ocasiões em que estar saudável é sentir-se triste, irritado, aborrecido e dececionado (Alves, 2018; Leite, 2016; Lluch, 2002).
Assim, tendo por base os estudos do Modelo Multifatorial de Teresa Lluch (1999), foi criado e validado um Programa Promotor de Saúde Mental Positiva para adolescentes e aplicado numa turma piloto. Foi realizada pesquisa bibliográfica, mas verificou-se a inexistência de um programa de enfermagem específico em Saúde Mental Positiva para adolescentes baseado no Modelo Multifatorial de Lluch com a utilização do Questionário SM+. O trabalho integra-se no Projeto de Saúde Mental Positiva do CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde / NursID- Innovation & Development in Nursing e da ESEP / Escola Superior de Enfermagem do Porto e tem como finalidade contribuir para a promoção da saúde mental dos adolescentes em meio escolar. O primeiro estudo realizado, foi misto, quase experimental e também observacional-descritivo, transversal, centrado num Focus Group. O programa promotor após ser validado pelo Focus Group, foi implementado numa turma piloto de 8.º ano de uma escola do distrito do Porto.
Após 3 meses do final do programa e no início de um novo ano letivo, procedeu-se ao follow-up na mesma turma, dando origem a novos dados e resposta a uma das conclusões do primeiro estudo (Alves, 2018), em que seria necessário dar tempo ao aluno de interiorizar o que apreendeu e assim, se poder avaliar as mudanças na saúde mental de jovens que lidam com as mudanças típicas da adolescência. Os objetivos deste segundo estudo, são avaliar o impacto do programa de SM+ em adolescentes 3 meses após o seu término, analisar a eficácia do programa de SM+ na promoção da saúde mental dos adolescentes em ambiente escolar e avaliar a vulnerabilidade psicológica dos adolescentes.
Métodos
No follow-up, trata-se de um estudo quantitativo, observacional-descritivo e longitudinal. A amostra foi constituída por 23 alunos com idades compreendidas entre os 14 e 16 anos, e como instrumento foi aplicado novamente a Escala de Vulnerabilidade Psicológica (EVP) e o Questionário de Saúde Mental Positiva (QSM+).
Este questionário tem como suporte o Modelo Multifatorial de SM+ (Lluch,1999) e procura avaliar a eficácia de programas de promoção de saúde mental com o sentido de potenciar os recursos da pessoa, podendo também ser utilizado como instrumento de screening (teste de rastreio) valorizando o nível de SM+ na população em geral (Alves, 2018;Lluch, 1999). Foi traduzido e validado para a população portuguesa (= 0,92) (Sequeira et al., 2009). Os itens que constituem o QSM+ trata-se de afirmações que dizem respeito à forma de pensar, sentir e agir que podem ser frequentes na pessoa e que estão relacionadas com os seis fatores que integram a SM+: satisfação pessoal, atitude pró-social, autocontrolo, autonomia, resolução de problemas e auto atualização e habilidades de relacionamento interpessoal (Alves, 2018; Garcia, 2016; Lluch, 1999, 2002; Sequeira et al., 2014).
É constituído por 39 itens, com quatro possibilidades de resposta, pontuações que variam entre o 1 e o 4 e em que alguns itens se encontram invertidos. Nos itens positivos o 4 corresponde ao raramente ou nunca e o 1 corresponde ao quase sempre ou sempre. Nos itens de cariz negativo a pontuação é no sentido inverso. Os itens enunciados positivamente são: 4, 5, 11, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 32, 35, 36, 37 (Lluch 1999, 2002; Sequeira et al., 2014)
Assim, a obtenção de valores baixos do QSM+ está relacionado com níveis superiores de SM+ (limite superior é 39) ou estado de flourishing, e valores elevados no QSM+ refere-se a níveis inferiores de SM+ (limite inferior é 156) ou estad de languishing. O mesmo acontece com a pontuação relativa a cada um dos fatores que constituem este constructo. Assim, interpretamos que a pontuação obtida no somatório do QSM+ é inversamente proporcional à SM+ (Alves, 2018; Garcia, 2016).
Foi também utilizada a Escala de Vulnerabilidade Psicológica (EVP) de SinClair & Wallston (1999), adaptada para a realidade portuguesa por Nogueira (2016), mantendo a mesma designação (EVP). Trata-se de uma medida válida, fiável e estável para medir vulnerabilidade psicológica ( = 0,73). Tem 6 itens de autopreenchimento cota numa escala de Likert com cinco possibilidades de resposta, que variam entre 1 «não me descreve nada» até 5 «descreve-me muito bem». O score total é o somatório de todos os itens. Quanto mais elevado o score maior a vulnerabilidade.
Este estudo pautou-se pelos princípios da Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial de 1964, com recolha de consentimentos por parte dos encarregados de educação, autorização dos agrupamentos escolares, Direção Geral de Educação e do parecer ético do Agrupamento de Centros de Saúde.
O Programa Promotor de SM+, O Brilho da Mente, consiste em 8 sessões.
Na primeira sessão, apresenta-se o programa de promoção da SM+ e prevenção da doença mental - conceitos. Na segunda sessão, é trabalhado autoconceito e estratégias para o desenvolvimento de um autoconceito positivo. Na sessão 3, autoestima e estratégias para favorecê-la. Na quarta sessão, trabalha-se a comunicação assertiva, escuta ativa e empatia. Na sessão 5, a resolução de conflitos e tomada de decisões. Na sessão 6, a tolerância e diversidade. Na sétima sessão, expressão de sentimentos e diminuição do stress.
E finaliza-se o programa na sessão 8, onde é avaliada novamente a vulnerabilidade psicológica (EVP) e a saúde mental+ (QSM+).
Os dados foram recolhidos na turma piloto no 8.º ano, ao longo do 1.º e 2.º período no ano letivo 2017-2018. O programa foi implementado ao longo desse ano letivo nas aulas de cidadania e de ciências, cujo interventor foi o enfermeiro especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiatria.
O follow-up decorreu no início do ano letivo 2018-2019 com a turma piloto no 9.º ano, tal como podemos observar na figura n.º1 , em que demonstra os diferentes momentos do estudo. O programa foi novamente implementado no 9.º ano, mas com atividades diferentes do ano anterior, nomeadamente a nível da comunicação, resolução de conflitos, tolerância e diversidade. Foram mantidas as atividades do autoconceito, autoestima e expressão de sentimentos pois permitia comparar estes conceitos com o que expressaram no ano anterior.
Resultados
Para análise estatística dos dados, foi feita exportação de uma base de Excel® dos mesmos para IBM SPSS 25.0.
Através da aplicação do questionário de SM+ em adolescentes no Momento 1, foi possível caraterizar a amostra (turma piloto) tal como evidenciado na tabela n.º 1. Trata-se de uma turma constituída por 23 alunos (Masculino-10; Feminino-13) com uma média de idades de 13,8 anos, com desvio padrão de 0,839.
No sentido de categorizar os resultados da SM+, isto é, de atribuir significado qualitativo aos valores obtidos, procedeu-se à criação de intervalos tendo em conta o conceito de saúde mental proposto por Keyes (2002). Este autor, tal como já foi referido no enquadramento teórico, defende a saúde mental como um continuum, isto é, um processo no qual a pessoa ao longo da sua vida oscila entre estados completos de saúde mental, flourishing, estados intermédios e estados incompletos ou de languishing. Assim, optou-se pela criação dos seguintes intervalos (Garcia, 2016):
- Valores compreendidos entre 39 e 78: flourishing;
- Valores compreendidos entre 79-117: intermédio;
- Valores compreendidos entre 118-156: languishing.
Na estatística descritiva, obtivemos os dados que estão descritos na tabela n.º 2:
Verificamos que os valores do QSM+ foram diminuindo ao longo do tempo com a implementação do programa. Antes da implementação do programa na turma piloto, tinha-se um aluno em flourishing com um valor de 75 no QSM+ e os restantes em nível intermédio, sendo o valor mais alto de 111, não tendo nenhum aluno evidenciado estar em languishing. A média do QSM + era de 94,35 (Alves, 2018).
No pós-programa, continuou-se a ter um aluno em flourishing, mas com um valor inferior (71), o que significa melhorias na SM+, 20 alunos no nível intermédio e 1 aluno em languishing com o valor de 122 no QSM+. A média do QSM+ após programa teve uma diminuição ligeira, e situava-se nos 92,61 (Alves, 2018).
Após 3 meses, continuou-se a ter um aluno em flourishing (72) e os restantes alunos em nível intermédio, tendo o QSM+ passado para 91,17.
Para a utilização dos testes denominados paramétricos devem ser cumpridas algumas premissas como a variável dependente ser intervalar, a amostra em estudo ter mais de trinta participantes (N>30) e a distribuição da variável dependente ser normal (Teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov (KS) com significância igual ou superior a 0,05 (p≥0,05) (Alves, 2018). Visto a amostra ter menos de 30 elementos, a distribuição tem de ser normal para se poder utilizar os testes paramétricos (Alves, 2018). Para tal procedeu-se à análise da distribuição, que se revelou normal (0,55).
Assim, por serem três momentos diferentes, mas com a mesma amostra utilizou-se o teste ANOVA, medidas repetidas, tal como demonstrado na tabela n.º 3.
Uma vez que o valor de Épsilon é >0,75 usou-se a correlação de Huynh-Feldt, obtendo-se o F (2,44)=0,628 com p>0,001, concluindo-se assim, que as diferenças observadas não têm qualquer significado estatístico.
Quanto aos 6 fatores de SM+ já descritos anteriormente, verificamos que houve alterações em alguns valores dos fatores, tal como se observa no tabela n.º 4. O fator n.º1 - satisfação pessoal manteve-se estável ao longo dos três momentos. O F2- atitude pró-social aumentou nos 3 momentos, o que revela uma diminuição nos níveis de Saúde Mental Positiva. O F5- resolução de problemas e realização pessoal (tomadas de decisão) foi o fator onde o limite mínimo desceu em 10 pontos evidenciando melhorias na SM+.
Na escala de vulnerabilidade psicológica podemos verificar que um aluno se situa no valor mínimo de 7 e um aluno no valor máximo de 28. A média da EVP era de 14,52 antes do programa, tendo diminuído após o programa com o valor de 14,26, mas não podemos afirmar estatisticamente que houve melhorias na vulnerabilidade psicológica com a implementação do programa. No follow-up verificou-se que houve um aumento na média (15,39).
Discussão
Verificou-se que embora ligeira, houve uma diminuição da média e mediana do QSM+, indicando que houve melhorias na SM+ da turma piloto.
Estes resultados são considerados positivos e contrários ao que inicialmente era esperado tendo em conta as mudanças físicas, psicológicas e sociais que são vivenciadas nesta etapa de crescimento. Estes vão ao encontro dos dados recolhidos em 2016, no distrito do Porto, em que a média da SM+ dos adolescentes era de 70,7 (94%) dos alunos estavam no nível intermédio e 6% em flourishing (Garcia, 2016). A SM+ teve um valor mais baixo, logo menor probabilidade de perturbações mentais, visto nesses agrupamentos terem projetos de saúde mental implementados em todos os ciclos de escolaridade. Algo que não se verifica neste agrupamento em estudo, em que só têm projetos de saúde mental no primeiro ciclo.
Relativamente aos fatores de SM+, verificamos que quase todos sofreram alterações nos seus valores, nomeadamente o F2- atitude pró-social que aumentou nos 3 momentos, mostrando uma diminuição da SM+ o que contradiz a expressão verbal dos alunos e o seu comportamento, sendo notório que eles começaram a andar mais juntos e apoiarem-se uns aos outros nomeadamente contra atos de racismo que uma colega era sujeita por parte de outras turmas. O F5- resolução de problemas e realização pessoal foi onde se destacaram, organizando um dia de saúde mental na escola.
Quanto à EVP, o único estudo realizado reporta-se a estudantes do ensino superior em que a média da EVP obtida situou-se em 15,08 (DP=4,46), indicando vulnerabilidade psicológica média (Nogueira, 2016). Não sendo possível comparar os valores obtidos nesta etapa da vida que é adolescência com outros estudos. Assim, presumimos que este valor mais alto, seja pelo crescimento, maturidade, por terem melhor SM+, uma maior perceção da sua vulnerabilidade e também por terem estado em casa de férias, mais sozinhos, isolados dos amigos, o que demonstra a extrema importância do acompanhamento e referenciação destes alunos mais vulneráveis, por parte do enfermeiro especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiatria.
Não podemos esquecer que se o jovem durante a adolescência tiver um desenvolvimento positivo e bem-sucedido, irá desenvolver uma autonomia psicológica (identidade e sentido de si mesmo, capacidade de tomar decisões e de assumir funções e responsabilidades) e independência física (capacidade de se distanciar da vida familiar e ser autossuficiente) no início da sua vida adulta (Alves, 2018; Garcia, 2016).
Conclusão
O Programa Promotor de SM+, foi novamente aplicado à turma a pedido dos alunos e da diretora de turma, visto este já se encontrar integrado na carteira de serviços da Unidade de Cuidados na Comunidade de um Agrupamento Centros de Saúde do Concelho do Porto.
Apesar das diferenças observadas não terem significado estatístico, que nos permita afirmar que o Programa de SM+ teve eficácia na saúde mental dos adolescentes, houve um crescendo dos níveis de saúde mental e observadas mudanças a nível comportamental, com uma maior interajuda entre eles; melhor comunicação entre a turma; mais ativos nas atividades escolares, tendo avançado com a criação da associação de estudantes na escola que frequentam; realizaram o dia da saúde mental onde partilharam com a comunidade escolar o que sentiram após o programa de SM+. Os resultados obtidos são promissores e apontam no sentido de ganhos de saúde atribuídos ao Programa de Saúde Mental Positiva, não obstante, importa rever as atividades dirigidas à atitude pró-social e sua necessidade de reformulação.
É um estudo com algumas limitações, visto a amostra ser muito pequena, o desenho do estudo não permitir avaliar a eficácia do mesmo. Seria pertinente perceber a estabilidade deste programa ao longo do tempo, distinguir atividades pelos diferentes anos letivos e compreender o aumento da vulnerabilidade psicológica, pelo que sugerimos um programa com intervenções nesta área tão especifica.
As dificuldades prenderam-se com a disponibilidade dos professores para as sessões, pois estão sujeitos a pressões para cumprirem os programas curriculares, o que deixa muito pouco tempo para promoção da saúde nas escolas, algo que tem de ser repensado pelos diferentes ministérios (saúde e educação).
O interventor é um profissional que trabalha no terreno e conhece bem a comunidade de cada agrupamento escolar, o que se torna um fator positivo para este estudo, mas também pode acarretar resultados negativos visto se tratar de interventor e investigador. Será de ponderar alguém externo ao estudo ser o interventor para uma análise mais sustentada.
É de extrema importância continuar a trabalhar a SM+ nos adolescentes, com amostras maiores e a implementação do programa em mais turmas e noutras regiões do país, pelo que se apela a mais estudos nesta área por parte dos enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde mental e psiquiatria (EEESMP) que trabalham no âmbito da saúde escolar.
Implicações para a prática clínica
O QSM+ é um instrumento de grande importância na prática clínica, pois permite avaliar o potencial das pessoas, mas também permite identificar as pessoas mais vulneráveis (Sequeira & Carvalho, 2009).
O investimento da saúde mental está muito direcionado para a doença, mas a promoção da saúde deveria de ser a primeira etapa a investir na comunidade. Os EEESMP que nela trabalham, principalmente na comunidade escolar, deveriam ter formação na área da SM+. Sugerimos o trabalho colaborativo entre os professores e os EEESMP na introdução de temáticas e atividades de promoção de SM+ incorporados nos conteúdos curriculares e na lecionação desses conteúdos, de modo a envolver de modo contínuo os professores, alunos e enfermeiros na promoção da SM+.
Lançamos o desafio às escolas de enfermagem para investirem mais na literacia em SM+ durante o Curso de Licenciatura, pois só assim conseguimos promover e aumentar a literacia em saúde mental numa comunidade, a nossa comunidade.
É de extrema importância, em futuros estudos, trabalhar os indicadores na área da SM+, tal como, os diagnósticos e intervenções nesta área. Só assim, será possível documentar e analisar as nossas intervenções nos sistemas de informação de enfermagem e conseguirmos evidenciar o trabalho, os ganhos em saúde que temos com as intervenções de enfermagem na área da saúde mental.