Introdução
A prevalência do consumo de álcool entre mulheres grávidas é alta, embora as porcentagens conhecidas ainda sejam subestimadas devido à frequente omissão de informações por parte das gestantes, visto que comumente há omissão de informações acerca do uso durante essa fase (Leruste et al., 2024a; Popova et al., 2023). No Brasil, embora os levantamentos nacionais não contemplem especificamente o uso de álcool entre gestantes, alguns estudos evidenciam um cenário alarmante (Silva Filho, Batista Neto, Graça, Oliveira, e Vargas, 2023).
Sabe-se que o consumo de álcool durante a gestação, mesmo em pequenas quantidades, pode causar problemas tanto para a mãe - como deslocamento prematuro da placenta, parto prematuro e falta de envolvimento cognitivo e emocional com o recém-nascido - quanto para o feto ou criança, incluindo malformações, transtornos mentais na infância e déficits de atenção e memória (Desmet et al., 2023; Leruste et al., 2024a; Rotheram-Borus et al., 2023; Stevens, Cooper, Cusack, Ali & Briley, 2024).
Não há uma quantidade segura de consumo dessa substância durante o período gestacional (Stevens et al., 2024). Um terço dos bebês de mães dependentes de álcool, que fizeram uso demasiado de bebidas alcoólicas durante o período gestacional, é afetado pela “síndrome alcoólica fetal”, que abrange sérios problemas no desenvolvimento, com reflexos posteriores para a saúde do bebê e da criança (Leruste et al., 2024a).
Visando controlar o uso de álcool, tanto durante a gestação quanto em outros momentos, estratégias com o objetivo de reduzir o consumo dessa substância têm sido difundidas, tanto no cenário nacional quanto no internacional (Leruste et al., 2024a; May et al., 2024). Para alcançar esse objetivo, alguns estudos demonstraram a efetividade de intervenções breves (Popova et al., 2023).
Os pressupostos teóricos das Intervenções Breves são: retroalimentação (feedback), que consiste na devolutiva dos resultados encontrados na aplicação de um instrumento de triagem; a responsabilização (responsibility), que enfatiza a responsabilidade do indivíduo no processo de mudança; o aconselhamento (advice), que corresponde às orientações e recomendações que o profissional deve oferecer ao usuário; o menu (menu), que pactua diversas opções para a mudança de comportamento e estabelece metas; a empatia (empathic), que se refere a uma postura compreensiva em relação ao usuário e a autoeficácia (self-efficacy), que almeja reforçar a autoconfiança do indivíduo em cumprir metas assumidas (DiCarlo & Whiffen, 2024; Popova et al., 2023).
Para alcançar melhores resultados, o monitoramento tem sido descrito como um importante fator reforçador de comportamentos desejáveis de redução do uso de substâncias psicoativas pelas intervenções breves (Patnode et al., 2021; Popova et al., 2023; Stevens et al., 2024). Entretanto, a literatura científica apresenta diferentes formas de condução desse monitoramento (por telefone, visitas domiciliares ou nas unidades de saúde), e a avaliação da efetividade dessas formas específicas ainda precisa de mais investigação (Popova et al., 2023).
O monitoramento telefônico das intervenções breves já foi utilizado, embora tais estudos não tenham focado na avaliação dessa abordagem como um fator adicional de sucesso para as intervenções breves e não tenham sido direcionados ao público-alvo de gestantes (Popova et al., 2023).
No contexto específico da área de enfermagem, o conhecimento sobre como melhorar a efetividade das intervenções breves entre gestantes seria útil como uma ferramenta de gestão. Isso colaboraria para a organização dos profissionais da equipe e para o estabelecimento de rotinas na unidade de saúde, racionalizando o uso de recursos materiais e humanos (Leruste et al., 2024b; Popova et al., 2023).
Frente ao exposto, formulou-se a seguinte questão de pesquisa: “o monitoramento por telefone acrescenta efeito à aplicação de Intervenções Breves para o uso de álcool entre gestantes”? A hipótese levantada no presente estudo é a de que o monitoramento por telefone acrescenta efeito à aplicação de Intervenções Breves para o uso de álcool entre gestantes, interferindo em seu consumo.
Nesse sentido, o objetivo do estudo é testar se o monitoramento por telefone acrescenta efeito à aplicação de Intervenções Breves para o uso de álcool entre gestantes.
Metodologia
Trata-se de um ensaio clínico randomizado, aberto e com dois braços. O estudo, que foi conduzido no interior de São Paulo - Brasil, no período de dezembro de 2017 a abril de 2018, seguiu as diretrizes propostas pela diretriz internacional do Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT).
Os campos selecionados para a realização da pesquisa foram: quatro unidades de Atenção Primária à Saúde de um município de médio porte e um Centro de Referência da Saúde da Mulher localizado em um município vizinho de pequeno porte. O critério de escolha dos locais levou em consideração o maior número de gestantes cadastradas nos referidos serviços.
Foram recrutadas para a pesquisa todas as gestantes em pré-natal cadastradas que buscaram os referidos serviços no período de coleta dos dados, com idade igual ou superior a 18 anos. Foi critério de exclusão ter idade gestacional acima de 30 semanas no momento do recrutamento. O processo de amostragem e seleção das participantes foi intencional.
Quanto aos aspectos éticos, este estudo obedeceu às diretrizes éticas internacionais e nacionais. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de instituição signatária, parecer número 2.323.617, conforme Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, Brasil. Todas as participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Contou, ainda, com a aprovação do Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos, sob o número RBR-4y4k7w. O protocolo de avaliação completo pode ser acessado através do link: http://www.ensaiosclinicos.gov.br/rg/RBR-4y4k7w/.
O estudo foi conduzido em três fases: (I) Etapa de rastreamento do uso de álcool- Pré-Teste; (II) Ensaio Clínico Randomizado; (III) Pós-Teste. Um fluxograma das etapas do estudo é mostrado na Figura 1.
Etapa I - Etapa de rastreamento - Pré-Teste:
Nesta etapa, rastreou-se, na unidade de saúde, o uso de álcool das gestantes, com o objetivo de identificar potenciais participantes para etapa de ensaio clínico randomizado, ou seja, usuárias de álcool. Àquelas rastreadas positivamente, foram solicitadas a fornecerem seus endereços residenciais e contato telefônico para a condução das fases subsequentes.
O questionário aplicado foi constituído por: (i) dados sociodemográficos e obstétricos; (ii) Tolerance, Annoyed, Cut down, Eye opener (T-ACE) - avalia o risco de consumo de álcool e possibilita a identificação de mulheres grávidas que fazem uso alcoólico de risco. É validado para o Brasil, com índices kappa para concordância e confiabilidade de 0,95 (Fabbri et al., 2007). Suas variáveis discorrem sobre tolerância (Tolerance- T); aborrecimento quanto às críticas por seu consumo de álcool na gestação (Annoyed - A); intenção de mudança no seu padrão de consumo (Cut Down - C) e desejo intenso do consumo de bebidas alcoólicas durante o período matutino (Eye-opener - E) (Fabbri, Furtado, e Laprega, 2007). Um resultado menor que dois no T-ACE é caracterizado como baixo risco e maior igual a dois pontos, é entendido como consumo de risco. O instrumento tem quatro questões e a aplicação é de rápida duração (Fabbri et al., 2007).
(iii) Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT-C): versão simplificada do AUDIT, composta apenas por seu primeiro domínio, que avalia quantidade e frequência de uso de álcool. Estudo brasileiro mostrou a eficácia da primeira pergunta do AUDIT-C, constatando uma concordância excepcional (κp= 0,82; IC95%: 0,73-0,91), enquanto as perguntas dois e três mostraram-se em concordância satisfatória (Mattara et al., 2010). Pontuações de três ou mais no AUDIT-C devem ser cuidadosamente avaliadas, visando realizar intervenções preventivas. Considerando a gestação, o ponto de corte para o AUDIT-C é zero, visto que nenhuma quantidade de álcool é segura (Popova et al., 2023).
Etapa II - Ensaio Clínico Randomizado:
Todas as gestantes identificadas como usuárias de álcool durante a gestação foram distribuídas aleatoriamente nos dois grupos de observação (grupo controle (CG) e grupo experimental (GE). Esse processo foi realizado pela pesquisadora principal, que inscreveu as participantes por meio de controle numérico de seus questionários no programa de randomização Research Randomizer Quick Tutorial. Após o sorteio realizado pelo programa, as participantes foram alocadas em cada grupo.
Em seguida, e em concordância com esses grupos, receberam ou não o monitoramento, da seguinte forma: GC (Grupo Controle) - receberam somente Intervenções Breves para o uso de álcool e foram avaliadas pós-teste após três semanas; GE (Grupo Experimental) - receberam as mesmas Intervenções Breves para o álcool mais e duas ligações, sendo uma por semana.
A intervenção foi feita no domicílio das gestantes e pautou-se num protocolo já validado de intervenções breves para o uso de álcool em gestantes (Aliane, 2012). Foi conduzida da mesma maneira e pela mesma pesquisadora, que é enfermeira.
Conforme o referido protocolo, é oferecido feedback para a gestante sobre seu uso de álcool, sua classificação no T-ACE e o significado da pontuação. Em seguida, duas cartilhas foram utilizadas para oferecer orientações a respeito do uso de álcool na gestação. A primeira destacava as consequências, tanto para a mãe, quanto para o feto. Continha, ainda, frases que incentivam a autoeficácia da mãe em manter-se abstinente. Na cartilha 2, o tema era mais voltado para a Síndrome Alcoólica Fetal, explicitando os sinais clínicos dessa síndrome.
Vale esclarecer que, no referido contexto, e em concomitância com os pressupostos teóricos das Intervenções Breves, a autonomia da participante foi sempre preservada durante todo o processo, e de acordo com essa premissa, foram estabelecidas metas para a cessação ou diminuição do consumo de álcool durante a gestação. A duração média da intervenção foi de sete minutos.
O grupo experimental recebeu uma sessão de intervenção e duas ligações telefônicas de monitoramento, que foram feitas pela mesma pesquisadora na 1ª e 2ª semana após a intervenção. Esses momentos foram escolhidos devido à gravidade das consequências, que são mais negativas para o desenvolvimento fetal nas fases mais iniciais do período gravídico. Somou-se a isso, a evidência de que uma abordagem específica para o uso do álcool por semana entre gestantes parece ser mais efetiva do que uma abordagem mensal (Alshaarawy, Breslau, & Anthony, 2016).
Na primeira chamada, a pesquisadora retomou aspectos da intervenção realizada há uma semana; checou o cumprimento de metas assumidas e suas dificuldades, assim como motivação. Nos casos necessários, pactuou-se outras metas.
Na segunda, revisou-se todo o conteúdo discutido até o momento. Ao final de cada ligação, a pesquisadora parabenizou pelo comportamento de diminuição ou cessação do uso de álcool, assim como motivou e encorajou as gestantes que não estavam conseguindo cumprir as metas. Posteriormente, foi agendado uma última visita para a realização do pós-teste e encerramento da pesquisa.
Etapa III - Pós-Teste:
Todos os instrumentos aplicados no pré-teste, foram reaplicados no pós-teste (no domicílio das participantes).
Análise dos dados
Para análise dos dados, utilizou-se o software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0. Foram calculadas medidas de tendência central, dispersão, frequências e porcentagens.
O teste de Shapiro-Wilk foi aplicado às variáveis numéricas para verificar a distribuição não-paramétrica dos dados. Para comparação de médias antes e após as intervenções nos grupos experimental e controle, utilizou-se o teste de Wilcoxon. Adotou-se intervalo de confiança de 95%.
Resultados
Participaram do estudo 112 gestantes com idade gestacional entre 4 e 30 semanas e média de idade de 27,4 anos (desvio padrão de 6,190). A faixa etária mais prevalente foi de 18 a 23 anos (33%) e as gestantes estavam em acompanhamento pré-natal. A maioria tinha concluído o ensino médio (59 gestantes, ou 52,6%), 64 (57,1%) possuía renda familiar mensal de um a dois salários mínimos, 95 (84,8%) praticavam alguma religião e 64 (57,1%) não exerciam trabalho remunerado (Tabela 1).
Variáveis | N (%) | ||
---|---|---|---|
Faixa etária Escolaridade | |||
18 a 23 | 37 (33,0) | ||
24 a 29 | 34 (30,3) | ||
30 a 35 | 25 (22,3) | ||
36 a 41 | 16 (14,2) | ||
Fundamental Incompleto | 19 (16,9%) | ||
Fundamental completo | 14 (12,5%) | ||
Médio Incompleto | 13 (11,6%) | ||
Médio Completo | 59 (52,6%) | ||
Superior incompleto | 4 (3,5%) | ||
Superior Completo | 3 (2,6%) | ||
Renda Familiar Mensal (SM)* | < 1 | 6 (5,3%) | |
1 - 2 | 64 (57,1%) | ||
3 | 26 (23,2%) | ||
> 3 | 11 (9,8%) | ||
Não sabe | 5 (4,4%) | ||
Religião | Sim | 95 (84,8%) | |
Não | 17 (15,18%) | ||
Trabalho remunerado | Sim | 48 (42,86%) | |
Não | 64 (57,14%) |
*SM: Salário Mínimo em 2018. Brasil: R$ 954; equivalente à $229,35. Fonte: os autores.
Quanto ao uso de substâncias, foi observado na primeira etapa da pesquisa que 31 (27,6%) participantes consumiram bebidas alcoólicas durante a gestação. Conforme apresentado no Figura 2, o principal consumo foi classificado como de baixo risco.
Das 31 gestantes que usaram álcool durante gestação, sete não concluíram o segundo tempo da pesquisa. Dessa forma, as intervenções breves foram realizadas com um grupo de 24 gestantes (14 do grupo controle e 10 do grupo experimental).
Após as etapas de intervenção breve e monitoramento, foram excluídas algumas gestantes da pesquisa por não concluírem o pós-teste. Nesse sentido, 21 participantes concluíram a última etapa da pesquisa (pós-teste).
Entre as 21 gestantes acompanhadas no pré- e pós-teste, a faixa etária variou de 18 a 39 anos, com média de 28,4 anos (desvio padrão de 6,894). A maioria (n=10; 47,6%) possuía ensino médio completo. Além disso, 10 delas (47,6%) tinham um salário familiar mensal de 2 a 3 salários mínimos (o que, na época, equivalia a 1.908 a 2.862 reais ou a 458,7 a 688 dólares). Treze (61,9%) residiam com o cônjuge, 16 (76,2%) praticavam alguma religião, e 17 (81%) já haviam tido gestações anteriores.
Quanto a distribuição do uso e frequência do consumo de álcool entre os grupos controle e experimental no pré e pós-intervenção, pôde-se observar redução no comportamento do uso de álcool das gestantes nos dois tempos de aplicação, evidenciando que após a realização das intervenções breves, o grupo experimental ficou abstinente de álcool (100%) (Tabela 2).
Variáveis | Controle (n=13) | Experimental (n=8) | ||
---|---|---|---|---|
Pré N(%) | Pós N(%) | Pré N(%) | Pós N(%) | |
Com que frequência você toma bebidas alcoólicas | ||||
Nunca | 0(0) | 12(92,3) | 0(0) | 8(100) |
Mensalmente ou menos | 5(38,5) | 0(0) | 6(75,0) | 0(0) |
De 2 a 4 vezes por mês | 3(23,1) | 1(7,7) | 0(0) | 0(0) |
De 2 a 3 vezes por semana | 5(38,5) | 0(0) | 1(12,5) | 0(0) |
De 4 ou mais vezes por semana | 0(0) | 0(0) | 1(12,5) | 0(0) |
Nas ocasiões em que bebe quantas doses você consome tipicamente ao beber | ||||
Não, eu não bebo | 0(0) | 12(92,3) | 0(0) | 8(100) |
1 ou 2 | 7(53,8) | 0(0) | 6(75,0) | 0(0) |
3 ou 4 | 1(7,7) | 0(0) | 0(0) | 0(0) |
5 ou 6 | 2(15,4) | 1(7,7) | 0(0) | 0(0) |
7,8 ou 9 | 0(0) | 0(0) | 1(12,5) | 0(0) |
10 ou mais | 3(23,1) | 0(0) | 1(12,5) | 0(0) |
Com que frequência você toma seis ou mais doses de uma vez | ||||
Nunca | 7(53,8) | 12(92,3) | 3(37,5) | 8(100) |
Menos do que uma vez ao mês | 2(15,4) | 0(0) | 4(50,0) | 0(0) |
Mensalmente | 1(7,7) | 0(0) | 0(0) | 0(0) |
Semanalmente | 3(23,1) | 1(7,7) | 1(12,5) | 0(0) |
Todos ou quase todos os dias | 0(0) | 0(0) | 0(0) | 0(0) |
Fonte: os autores.
Observa-se ainda, na Tabela 3, que há diferença significativa na média do escore do AUDIT-C no pré- e pós-intervenção nos grupos controle (p-valor=0,006) e experimental (p-valor=0,011). O mesmo comportamento foi verificado na comparação de média do escore do T-ACE nos grupos controle (p-valor=0,002) e experimental (p-valor=0,010).
Variáveis | Controle (n=13) | p-valor* | Experimental (n=8) | p-valor* | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Pré Média(DP) | Pós Média(DP) | Pré Média(DP) | Pós Média(DP) | |||
Escore AUDIT-C | 4,31(3,614) | 0,62(2,219) | 0,006 | 3,38(2,973) | 0,00(0,000) | 0,011 |
T-ACE | 1,85(1,144) | 0,23(0,832) | 0,002 | 1,63(0,744) | 0,00(0,000) | 0,010 |
Legenda: *p-valor - teste de Wilcoxon. Fonte: os autores.
Discussão
A literatura recente tem avaliado mulheres no período gestacional, com destaque para o uso de álcool (Popova et al., 2023; Silva Filho et al., 2023). Um estudo transversal, realizado no Paraná, Brasil, mostrou que 45,4% das gestantes consumiram álcool (porcentagem mais elevada do que no presente estudo) (Silva, Fernandes, Tamais, Costa, e Melo, 2021). Por outro lado, na França, um rastreamento identificou uma porcentagem menor aos achados na presente pesquisa, porém, de grande relevância na saúde materna e infantil, em que um total de 287 gestantes (8,0%) que relataram consumir bebidas alcoólicas no início da gravidez (Dumas, Toutain, & Simmat-Durand, 2017).
Pode-se observar que o uso de álcool na gestação está presente em diferentes contextos sociodemográficos e econômicos (Popova et al., 2023; Silva Filho et al., 2023). Isso representa um problema de saúde pública de dimensão mundial, exigindo medidas preventivas. A procura por cuidados pré-natais tem sido associada com variáveis sociodemográficas, como idade jovem, baixa situação socioeconômica e menor nível de escolaridade (Popova et al., 2023). No presente estudo, verificou-se cenário similar. Sabe-se que classe social, gênero e outros fatores relacionados à vulnerabilidade psicossocial a que as gestantes podem estar expostas, se relacionam a pouco acesso a informações e orientações, o que podem implicar em adoecimento nesse período (Rotheram-Borus et al., 2023).
Nesse sentido, é importante que profissionais de saúde invistam em orientações gerais e sobre o consumo de álcool no período gestacional, logo na primeira consulta, para aumentar o conhecimento quanto aos riscos no desenvolvimento fetal, promovendo assim desfechos positivos e uma gestação saudável (Leruste et al., 2024b; Popova et al., 2023). O presente estudo encontrou resultado que ratifica essa necessidade de intervenção precoce, visto que mesmo as participantes que participaram do grupo controle também apresentaram diferenças significativas de consumo de álcool no pós-teste.
No referido contexto, as Intervenções Breves aplicadas, portanto, puderam ser consideradas efetivas para os dois grupos investigados. Apesar disso, nem todas as gestantes alocadas no grupo controle se mantiveram abstinentes do consumo de álcool no pós-teste. Estudos prévios têm demonstrado que o risco de consumir bebidas alcoólicas em pequena ou média quantidade durante o período gestacional é ainda subestimado. Os desfechos desse uso podem afetar gravemente a vida das gestantes, seus bebês e sua família, repercutindo por toda a vida (Reese et al., 2023; Rotheram-Borus et al., 2023; Silva Filho et al., 2023).
Por outro lado, todas as gestantes alocadas no grupo experimental que receberam Intervenções Breves acrescidas de monitoramento por via telefônica, se mantiveram abstinentes, o que reforça a ideia da importância de se realizar esse acompanhamento visto que não há quantidade de álcool segura na gestação (Popova et al., 2023). Esse achado corrobora com estudos anteriores, demonstrando que o monitoramento de intervenções breves voltadas à mudança de comportamento de gestantes usuárias de álcool é uma ferramenta importante e necessária, visando oferecer suporte adicional (DiCarlo & Whiffen, 2024; Peles et al., 2014). Um estudo israelense mostrou que o monitoramento por telefone pode ser utilizado entre gestantes com o objetivo de reduzir o consumo de álcool e prevenir o desenvolvimento de Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal (Peles et al., 2014).
A atenção ao monitoramento como ferramenta para o cuidado de gestantes deve ser considerada, uma vez que algumas mulheres têm mais dificuldades ou se sentem incapazes de reduzir o consumo de álcool sem o apoio de profissionais (Leruste et al., 2024b; Reese et al., 2023).
Discussões correlatas que reforçam a importância do monitoramento são apresentadas em estudos científicos que comparam "sessão única" com "sessões múltiplas" de intervenção. Uma pesquisa realizada na Espanha com 168 gestantes, com o objetivo de testar a efetividade de uma intervenção motivacional de sessão única para interromper o uso de álcool durante a gravidez, demonstrou que uma única intervenção não foi capaz de cessar o consumo, enquanto múltiplas intervenções motivacionais poderiam ser mais eficazes (Joya et al., 2016).
Da mesma forma, um ensaio clínico randomizado realizado nos Estados Unidos com 184 gestantes, com um objetivo similar, também mostrou que apenas uma sessão de intervenção não alterou o uso de álcool durante a gestação (Osterman, Carle, Ammerman, & Gates, 2014). Além disso, outra pesquisa conduzida com gestantes na Virgínia também chegou a resultados semelhantes (Ingersoll, Ceperich, Hettema, Farrell-Carnahan, & Penberthy, 2013).
Em suma, a investigação sobre fatores que modificam ou não o comportamento da gestante e sua motivação para cessar o consumo de substâncias devem ser implementados e pensados pelos profissionais de saúde, utilizando tecnologias leves, mesmo que de forma não presencial, como a ligação telefônica, que foi considerada efetiva nesta pesquisa como suplemento da aplicação de Intervenções Breves (Reese et al., 2023).
Conclusão e implicações para a prática clínica
Este é o primeiro estudo brasileiro que testou o monitoramento por via telefônica como suplemento para a aplicação de Intervenções Breves entre gestantes usuárias de álcool no Brasil. O ponto forte observado foi a evidência da efetividade desse monitoramento, por meio de orientações e estratégias de entrevista motivacional, visando promover continuamente a adesão de metas assumidas durante a implementação das Intervenções Breves. O acompanhamento semanal por ligação telefónica foi associado a mudanças significativas no comportamento de consumir álcool durante a gestação.
A contribuição deste estudo para o campo em que se insere foca-se no êxito obtido do monitoramento contínuo após intervenções breves, voltados a melhora nas taxas de abstinência de álcool, importante e necessária durante a gravidez. Posteriores ensaios clínicos sobre essa temática com maiores amostras, na perspectiva de rastrear e realizar intervenções breves de uso de álcool com gestantes, necessitam ser realizados para apoiarem o resultado das intervenções que foram realizadas neste estudo. Além disso, outros estudos também poderiam testar a efetividade dessas intervenções acrescidas de monitoramento telefônico para outras substâncias, ampliando o escopo da pesquisa e suas implicações clínicas.
Apesar da robustez dos resultados encontrados, houve algumas limitações importantes, como o reduzido número da amostra randomizada e as perdas durante as etapas executadas.