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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.26 Porto dez. 2023  Epub 12-Mar-2024

https://doi.org/10.17127/got/2023.26.003 

Artigos Originais

Análise do Potencial de Uso Conservacionista nos municípios de Manoel Viana e São Francisco de Assis - RS e sua relação com o uso e cobertura da terra e a estrutura fundiária

Analysis of the Conservationist Use Potential in the municipalities of Manoel Viana and São Francisco de Assis - RS and its relationship with land use and cover and land structure

Dieison Morozoli da Silvai 
http://orcid.org/0000-0001-5281-8427

Sidnei Luís Bohn Gassii 
http://orcid.org/0000-0001-5197-7506

Dalvana Lopes Ribeiroiii 
http://orcid.org/0000-0002-9165-7045

iInstituto de Geociências; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Brasil

iiInstituto de Geociências; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Brasil

iiiPrograma de Pós-graduação em Modelagem Computacional; Centro de Ciências Computacionais; Universidade Federal do Rio Grande; Brasil


Resumo

Objetivo da Investigação:

Caracterização do Potencial de Uso Conservacionista dos municípios de Manoel Viana e São Francisco de Assis, RS, Brasil.

Metodologia:

Dados de pedologia, litologia e declividades foram ranqueados através da Análise Hierárquica de Processos. Posteriormente, seus valores foram ponderados através do cálculo do Potencial de Uso Conservacionista (PUC), o qual foi realizado no ambiente SIG QGIS. O mapa resultante foi comparado ao uso e cobertura da terra em 1985 e 2020 e também à estrutura fundiária da área de estudo.

Resultados:

O mapeamento resultante demonstrou que predominam na área de estudo os PUCs médio e alto, além da ocorrência em menor intensidade de locais com o índice muito baixo, baixo ou muito alto. A estrutura fundiária se mostrou distribuída principalmente em locais com PUC médio ou alto, além da ligeira detecção de minifúndios em PUC muito baixo e grandes propriedades em PUC muito alto. Com relação ao uso e cobertura da terra, se destacou o crescimento de formações florestais em PUCs baixo e médio, enquanto ocorrera o avanço do cultivo de soja e pastagens em todos PUC.

Originalidade/Valor:

O trabalho permite a representação e análise quantitativa do Potencial de Uso Conservacionista, através da utilização de dados gratuitos e acessíveis, com metodologia que pode ser aplicada em diferentes cenários, sendo possível incluside a inclusão de novas variáveis.

Palavras-chave: Preservação; soja; AHP; SIG.

Abstract

Research Purpose:

Characterization of the Conservation Use Potential of the municipalities of Manoel Viana and São Francisco de Assis, RS, Brazil.

Methodology:

Pedology, lithology and slope data were ranked using Hierarchical Process Analysis. Subsequently, their values were weighted through the calculation of the Conservation Use Potential (CUP), which was carried out in the GIS QGIS environment. The resulting map was compared to land use and coverage in 1985 and 2020 and also to the land structure of the study area.

Findings:

The resulting mapping demonstrated that medium and high CUPs predominate in the study area, in addition to the occurrence in lesser intensity of places with very low, low or very high index. The land structure was distributed mainly in places with medium or high CUP, in addition to the slight detection of smallholdings in very low CUP and large properties in very high CUP. In relation to land use and coverage, the growth of forest formations in low and medium CUPs stood out, while there was an increase in soybean cultivation and pastures in all CUPs.

Originality/Value:

The work allows the representation and quantitative analysis of the Potential for Conservationist Use, through the use of free and accessible data, with a methodology that can be applied in different scenarios, and it is even possible to include new variables.

Keywords: Preservation; soy; AHP; SIG.

Introdução

Em um país com forte participação do setor primário na economia, como o Brasil, o uso da terra é recurso essencial para a realização de diversas atividades econômicas. Entretanto, cada vez mais têm sido necessários cuidados para a utilização responsável dos recursos naturais, inclusive o solo. Posta a relevâncias dos solos para as atividades antrópicas e a necessidade de seu uso consciente, é pertinente a adoção de práticas responsáveis na sua utilização. Neste contexto, índices como o Potencial de Uso Conservacionista (PUC) tem emergido.

O PUC, já caracterizado em trabalhos como o de Costa et al. (2017), que se refere à suscetibilidade de um solo a oferecer condições favoráveis ao uso, se apresenta como uma possibilidade integradora de informações, capaz de orientar de forma consistente o planejamento e execução de atividades de produção.

O PUC pondera variáveis como o tipo de solo, a litologia e a declividade para estabelecer um índice de potencialidade de utilização que mantenha a conservação do solo. Ao considerar essas variáveis, também pode indicar a suscetibilidade dos solos para o aproveitamento agrícola.

O solo como objeto de estudo permite diversas interpretações. Conforme Jenny (1941) o solo é um corpo natural composto de horizontes (ou camadas), geralmente não são consolidados, variam conforme as suas propriedades físicas e químicas, além das características biológicas. Assumida a forte presença do solo em atividades antrópicas, tornou-se necessário a sua compreensão. Com base em sua distribuição de horizontes, profundidades, composição química e condições de coesão, podem ser classificados em diferentes tipos. A partir disso surgiram sistemas de classificação dos solos, dos quais é possível destacar o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos - SiBCS (Santos et al., 2018), que dentre outras características, fornece uma base para o planejamento e tomada de decisões, principalmente no âmbito agrário.

Os municípios de Manoel Viana e São Francisco de Assis, localizados no sudoeste rio-grandense, tem a sua economia fortemente relacionada com a produção agropecuária. Esse cenário torna relevante o conhecimento do PUC dos solos existentes dentro de seus territórios, seja para o conhecimento dos fatores que explicam a forma de organização das atividades agropecuárias praticadas quanto para o reconhecimento de locais que podem ser explorados (ou conservados) de forma otimizada.

Considerada a importância do Potencial de Uso Conservacionista para os processos de desenvolvimento regional, este trabalho objetivou a caracterização do PUC dos municípios de Manoel Viana e São Francisco de Assis.

Conceitos-chave

Para o presente trabalho foi considerado o primeiro nível taxonômico dos solos brasileiros, a “ordem” que, conforme Santos et al. (2018) são: espodossolo, organossolo, neossolo, gleissolo, plintossolo, planossolo, cambissolo, vertissolo, argissolo, chernossolo, luvissolo, latossolo e nitossolo.

Também foram consideradas as litologias, que, de acordo com Schirmer (2019), são agregados naturais multigranulares, formados por um ou mais minerais. Ademais, “dependendo do tipo de minerais disponíveis na rocha ela pode ser mais ou menos resistente ao intemperismo e assim formar solo. Além disso, as características da rocha podem dar origem a solos mais férteis ou menos férteis” (Schirmer, 2019, p. 81). Um estudo sobre a influência da litologia no Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, Brasil, identificou “uma influência da litologia sobre a distribuição das diferentes fitofisionomias e dos usos do solo” (Lamounier et al., 2010, p. 152).

Com relação às declividades, também presentes na determinação do PUC, essa é um elemento decisivo para o aproveitamento do solo, principalmente no que concerne a maquinário utilizado, identificação de áreas adequadas para cada tipo de plantio, bem como delimitação de áreas de proteção ambiental. Locais com altas declividades podem sofrer maiores impactos ao serem modificados pela ação humana, como o desmatamento, resultando em processos erosivos. De fato, Hadlich (2006) destaca que a declividade é condicionante para os processos erosivos.

As classes de relevo, agrupadas segundo os seus valores de declividade, são categorizações que consideram a inclinação do terreno. No enfoque do uso da terra, “as distinções são empregadas para prover informação sobre a praticabilidade de emprego de equipamentos agrícolas, principalmente os mecanizados, e facilitar inferências sobre suscetibilidade dos solos à erosão” (Santos et al., 2018, p. 294).

O PUC vem ganhando espaço na identificação das possibilidades de uso da terra. Costa et al. (2017) determinaram o índice para o estado de Minas Gerais. A metodologia também é aplicada ao contexto das bacias hidrográficas. Costa et al. (2019) determinaram o PUC da bacia hidrográfica do rio Gualaxo do Norte - Minas Gerais, Brasil. Nas obras ressaltadas, o PUC abarca a ponderação de variáveis, que são comparadas entre si. Os elementos são classificados em uma escala que vai de 1 a 5, com 1 para os valores de menor contribuição e 5 para os valores mais favoráveis. Em associação, os solos com condições mais adversas ao uso conservacionista recebem notas mais baixas, enquanto aqueles mais suscetíveis a bons resultados, têm a si atribuídos os maiores escores. Da mesma forma, é realizada a alocação de notas para as demais variáveis.

Uma vez concluída a atribuição de notas, é feito o cálculo do PUC. Nessa etapa também é necessário atribuir o peso que cada variável (solo, litologia, declividade) tem sobre os resultados obtidos. A atribuição de notas, bem como a identificação do peso de cada variável é predominantemente realizada através da utilização da Análise Hierárquica de Processos.

A discussão acerca da Análise Hierárquica de Processos (AHP) neste trabalho tomou como referência os pressupostos de Saaty (1977; 2016). A AHP se trata de uma análise multicritério que pode ser utilizada para a tomada de decisões. Saaty (2016) relata que a tomada de decisão é parte da vida cotidiana, de forma que as pessoas podem fazê-la com base em suas experiências individuais ou mesmo coletivas. Além disso, o autor também aponta que a mente humana é tida como um “instrumento de medição” não muito confiável devido à complexidade e subjetividade do pensamento, apesar da contrapartida de que as escalas numéricas utilizadas são de alguma forma subjetivas.

A AHP é uma comparação “par a par” composta por critérios e fatores. Os critérios consistem nas diferentes variáveis (ex: pedologia, litologia), enquanto os fatores se tratam das diferentes nuances ou classes de cada uma das variáveis (latossolo, argissolo). O papel central da AHP é comparar critérios e fatores entre si, de modo que a intensidade da prevalência de um elemento sobre outro, para a obtenção de um determinado resultado, é expressa através de uma nota, sendo obtido no final do processo um ranqueamento.

A atribuição de notas deve atribuir pontuações conforme a relação de prevalência de um elemento sobre o outro, sendo: 1 para contribuições iguais ao objetivo; 3 quando a experiência e julgamento favoreçam ligeiramente uma atividade sobre a outra; 5 quando a experiência e julgamento favorecem fortemente uma atividade sobre a outra; 7 para casos em que uma atividade é favorecida fortemente sobre a outra, sendo a sua predominância é demonstrada na prática; e 9 para quando a evidência a favor de uma atividade sobre a outra é da mais alta ordem possível de afirmação, de acordo com Saaty (2016).

As comparações devem ser estruturadas, conforme Saaty (2016), em uma matriz, na qual cada célula corresponde a uma comparação. A diagonal principal será composta pelo cruzamento de um elemento com ele mesmo, então deverão ter igual importância, tornando a diagonal principal composta unicamente pelo coeficiente. Além disso, um elemento Aij1 de valor x deve ter como recíproco que o elemento anm seja uma relação de 1/x. A matriz de comparação deve ser normalizada, a fim de se obter o seu autovetor. Uma vez obtido o autovetor, é feita a multiplicação da matriz pelo autovetor, o que fornece o vetor de prioridades. Por fim, é calculada a razão de consistência (RC). Se o valor de RC for menor ou igual a 0,1 a matriz de prioridades é consistente.

Posto que a determinação do PUC objetiva a determinação da distribuição espacial desse índice sobre uma determinada porção de solo, é válido empregar técnicas de geoprocessamento na execução de estudos dessa natureza. Conforme IBGE (2019), geoprocessamento se refere a todas as tecnologias que permitem a aquisição, armazenamento, manutenção, interpretação e análise de dados georreferenciados, integrando informações de diversas fontes, como GNSS, sensoriamento remoto, topografia, cartografia digital, entre outros.

Das diversas ferramentas de geoprocessamento disponíveis hodiernamente, merece destaque o QGIS (QGIS, 2021). Disponibilizado de forma gratuita, permite a visualização, edição, processamento e representação de fenômenos diversos que sejam georreferenciados. Além disso, conta com suporte a arquivos de formatos vetoriais e matriciais (raster) de diferentes extensões, permitindo a execução de praticamente todos os procedimentos de geoprocessamento.

Somada às vantagens do QGIS está a disponibilidade de dados gratuitos sobre os solos brasileiros (IBGE, 2021), dados de geodiversidade (Viero, 2010) e até mesmo dados acerca do relevo (Valeriano, 2005).

Também merecem destaque os dados de uso e cobertura da terra com abrangência histórica de 1985 até os dias atuais, disponibilizados pelo projeto MapBiomas (Mapbiomas, 2021). Com relação a estrutura fundiária, é possível a obtenção dos dados declarados no Cadastro Ambiental Rural (CAR, 2021).

Ao se integrar informações e procedimentos no ambiente do QGIS, se torna possível então a aplicação de equações, desde as mais simples até as mais complexas, através das calculadoras do software. Por conseguinte, também é possível executar a AHP, sendo obtidos resultados espacializados (ou não), conforme as demandas do usuário.

Procedimentos metodológicos

3.1. Área de estudo

Foi definida como área de estudo a extensão territorial dos municípios de Manoel Viana e São Francisco de Assis, localizados na região sudoeste rio-grandense, conforme demonstrado pela figura 1.

Fonte: diagramado pelos autores a partir de dados de IBGE (2021)

Figura 1: Localização da área de estudo. 

O município de Manoel Viana, teve a sua emancipação político-administrativa em 20 de março de 1992, conforme (IBGE, 2017a). Para Okido (2016), Manoel Viana possui relevo suavizado de planícies, coxilhas, além de fazer parte do bioma Pampa. As principais culturas cultivadas são a soja e o trigo, principalmente na forma de lavoura temporária.

São Francisco de Assis, alcançou o seu status de município em 1938, conforme dados de (IBGE, 2017b). Assim como Manoel Viana, São Francisco de Assis integra o bioma Pampa, além da presença de fragmentos de Mata Atlântica em seu território. Possui igualmente um relevo suavizado de planície e formações de coxilha. Tal como Manoel Viana, também possui considerável extensão territorial dedicada ao cultivo de soja e trigo. Além de soja e trigo, Okido (2016) também ressalta a produção de arroz e milho, na forma de lavoura temporária, presentes na dinâmica produtiva municipal desde meados de 1920.

Diante do exposto, é notória a conexão da economia local com a produção e, portanto, é importante considerar a sua relação com o setor primário de produção ao se ponderar as suas economias e o desenvolvimento.

3.2. Aquisição e organização de dados

Inicialmente se procedeu à aquisição de fontes de dados. Os dados vetoriais de solos foram obtidos através do portal de downloads do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021), sendo escolhido o recorte territorial do Rio Grande do Sul e a malha municipal de 2020 para o mesmo estado. Os dados de litologia foram extraídos do Mapa de Geodiversidade do Rio Grande do Sul (CPRM, 2020). Também foram obtidos os dados de declividade a partir do site Topodata (VALERIANO, 2005).

O processamento de dados foi realizado através do software de geoprocessamento QGIS (QGIS, 2021), em sua versão 3.10.3 (A Coruña). A partir da fonte de dados correspondente à malha municipal, foram individualizados os municípios da área de estudo, que foram exportados no formato shapefile para posterior utilização. Em posse dos limites da área de estudo, os dados de solos, litologia e declividades, foram recortados para os limites da área de interesse.

3.3. Organização dos dados

Após a extração dos dados de interesse, se procedeu à identificação dos valores detectados para cada atributo das feições obtidas. Para o arquivo vetorial de solos foram considerados os dados contidos na coluna de atributo ordem. Para o arquivo vetorial de litologia foram observados os valores existentes da coluna litotipo. Com relação ao arquivo raster de declividades, foi considerado o número digital dos pixels da imagem.

Posteriormente à identificação da ordem de solos, da litologia e das declividades encontrados na área de estudo, se deu início à preparação dos valores para o cálculo do PUC. Considerada a metodologia descrita por Costa et al (2017) e a ordem de atribuição de pesos recomendada por Saaty (2016), ficaram estabelecidos, conforme a ordem pedológica, os dados apresentados na tabela 1. Por sua vez, com relação à litologia, ficaram estabelecidos os valores da tabela 2. Já para os dados de declividades, que são do formato raster, foi definido que os digital numbers (DN) do pixel teriam os seus valores conforme descrito na tabela 3.

Tabela 1: Notas atribuídas às ordens de solo encontradas na área de estudo 

Ordem Nota atribuída
Dunas 1
Neossolo 1,5
Gleissolo 1,9
Plintossolo 2
Planossolo 3
Argissolo 4
Latossolo 4,5
Nitossolo 5

Fonte: Adaptado de Costa et al. (2017).

Tabela 2: Notas atribuídas à litologia na área de estudo 

Litologia Nota atribuída
Areia 1
Arenito 1,1
Arenito fino, quartzo arenito 1,1
Arenito, conglomerado 1,1
Basalto 3,1
Basalto, Latito 3,1
Riodacito, Quartzo, Latito 1

Fonte: Adaptado de Costa et al. (2017) e Gass et al. (2019).

Tabela 3: Notas atribuídas às declividades detectadas na área de estudo. 

Declividade DN Nota atribuída
0% a 3% 1 5
3% a 8% 2 4
8% a 20% 3 3
20% a 45% 4 2
> 45% 5 1

Fonte: Adaptado de Costa et al. (2017).

A atribuição dos pesos se deu através do QGIS. Para os dados vetoriais, foi utilizada a calculadora de campos da tabela de atributos. Conforme o valor disponível na coluna ordem, foi feita a atribuição de notas, através de uma expressão condicional. Da mesma forma, se procedeu com a associação de valores nas tabelas de atributos no arquivo de litologias. Os dados de declividades tiveram as suas notas atribuídas com o uso da calculadora raster do QGIS e foi obtido um novo arquivo raster, com valores associados conforme descrito na tabela 3.

3.4. Cálculo do Potencial de Uso Conservacionista

Em posse dos dados, foi feita a conversão dos dados vetoriais para o formato raster, com o intuito de transformar todas as entradas da equação do PUC em um tipo de dado em comum. Foi definido que todos os rasters possuiriam resolução espacial de 30 metros, ou seja, cada pixel correspondente a 30 metros no terreno. Tal procedimento foi adotado para tornar padrão o tamanho das células nos rasters, visto que os dados de declividade possuem a resolução espacial de 30 metros. Realizada a rasterização dos dados, esses tiveram o seu sistema de coordenadas definido para a projeção Universal Transversa de Mercator (UTM) associada ao fuso 21S, e ao sistema de referência SIRGAS2000, que pode ser identificado internacionalmente pelo código EPSG:31981.

A obtenção dos conjuntos de dados com notas atribuídas compõe parte da equação do PUC, porém é necessário definir a contribuição (peso) de cada variável. A atribuição de pesos contou com a observação dos valores identificados por Costa et al. (2017), bem como com a consideração da bibliografia consultada. Além disso, também foi entrevistado um professor de Ciência do Solo, da Unipampa Itaqui para a obtenção de recomendações acerca dos valores atribuídos à relevância de cada variável.

Em posse do peso de cada variável, foi calculada a matriz de prioridades das variáveis, tal como na metodologia descrita por Saaty (2016), executada em planilha eletrônica. Como recomendado por Saaty (2016), o índice de consistência resultante deve ser menor ou igual a 0,1. Uma vez que os valores atribuídos resultaram em um índice de consistência igual a 0,094, foram considerados válidos os valores atribuídos às variáveis. Após a obtenção de prioridades estatisticamente consistentes, tais valores foram definidos como prioridades compostas, a serem utilizadas no cálculo do PUC.

É importante reforçar que, para o cálculo do PUC, foram considerados a nota de cada elemento de uma variável e o peso da variável (prioridade), multiplicados entre si, ou seja, as notas dos diferentes tipos de solo multiplicadas pelo valor de prioridade da variável solo. De forma análoga, também foi feito esse procedimento para a litologia e as declividades.

Uma vez obtidos os dados e as devidas notas associadas, no sistema de coordenadas métricas, além da obtenção das prioridades compostas, foi calculado o PUC, mediante utilização da calculadora raster do QGIS, sendo adotada a equação proposta no trabalho Gass et al. (2019), detalhada na figura 2.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Figura 2: Fórmula do PUC 

Consideradas as diversas possibilidades de valores resultantes das combinações entre as variáveis, os dados do raster resultante foram reclassificados em intervalos numéricos, com distribuição calculada automaticamente pelo QGIS e condizentes com Gass et al. (2019), conforme tabela 4.

Tabela 4: Classes dos valores de PUC obtidos. 

Classe do PUC Intervalo
Muito baixo Até 1,80
Baixo de 1,80 a 2,60
Nédio de 2,61 a 3,40
Alto de 3,41 a 4,20
Muito alto acima de 4,20

Fonte: Adaptado de Gass et al. (2019).

3.5. Identificação do uso e cobertura da terra por classe de PUC

Para identificar o uso e cobertura da terra em cada classe PUC obtida anteriormente se procedeu com a poligonização do raster reclassificado. Assim, foram obtidos polígonos equivalentes aos cinco intervalos de PUC. Esses polígonos constituíram a máscara de recorte aplicada sobre os rasters de uso da terra para os anos de 1985 e 2020, oriundos da sexta coleção do MapBiomas (Mapbiomas, 2021). Em termos do QGIS, foi realizado um recorte de raster pelo método da camada máscara, sendo o raster recortado a imagem do uso e cobertura da terra e a o polígono dos PUC a máscara delimitadora.

Uma vez individualizados os usos da terra para cada intervalo PUC, deu-se início ao processo de cálculo de áreas. A cada camada raster foi aplicada o algoritmo “Reporta camada raster de valor único”, que reúne todos os valores semelhantes em uma imagem e calcula a área ocupada para cada um desses valores. Com isso, foi estruturada uma planilha contendo a área ocupada pelos diferentes usos da terra em cada faixa do potencial, objetivando-se tornar possível observar a distribuição quantitativa de cada elemento.

A tabulação dos dados de 1985 e 2020 também permitiu calcular a variação absoluta e relativa da área ocupada pelos diferentes usos e coberturas da terra em cada uma das faixas do PUC.

3.6. Comparação do PUC com a estrutura fundiária

A caracterização da estrutura fundiária dos municípios foi feita a partir da consulta ao portal de downloads do Cadastro Ambiental Rural - CAR (CAR, 2021). Em posse dos arquivos vetoriais de ambos os municípios, foi feito o cálculo de área para cada um dos polígonos representantes das propriedades rurais, a fim de classifica-las conforme as suas dimensões.

Para a definição do tamanho das propriedades foram utilizados os parâmetros da Lei N° 8629/1993 (Brasil, 1993), sendo estes: minifúndio (inferior a 1 módulo fiscal ), pequena propriedade (1 a 4 módulos fiscais), média propriedade (4 a 15 módulos fiscais) e grande propriedade (mais de 15 módulos fiscais). Conforme INCRA (2013), em documento informativo sobre o tamanho do módulo fiscal em cada município brasileiro, tanto Manoel Viana quanto São Francisco de Assis possuem um módulo fiscal correspondente a uma área de 35 hectares. Com base nos valores da área calculados e observada a classificação da lei, foi feita a atribuição do tipo de propriedade a cada polígono do arquivo vetorial da estrutura fundiária. O arquivo vetorial com módulos fiscais quantificados foi individualizado em quatro arquivos, cada um contendo um conjunto de propriedades de igual classificação - minifúndio, pequena, média e grande propriedade.

A seguir foi feito o recorte da imagem do PUC reclassificado, desta vez para cada conjunto de propriedades, agrupadas conforme a sua quantidade de módulos fiscais.

De forma semelhante ao realizado para o cálculo do uso e cobertura da terra por PUC, também foi feito o cálculo da área ocupada por cada faixa do potencial dentro das propriedades. Sobre cada arquivo raster resultante, correspondendo cada um ao recorte territorial referente à propriedades da mesma classificação segundo os seus módulos fiscais, foi feito e aplicado o algoritmo “Reporta camada de valores únicos”. Os valores obtidos foram tabulados, o que tornou possível visualizar de forma quantitativa a predominância de cada PUC conforme o tamanho da propriedade.

Resultados e discussão

Na área de estudo foram identificadas sete ordens de solo, conforme a figura 3, sendo estas: argissolo, gleissolo, latossolo, neossolo, nitossolo, planossolo e plintossolo. Notadamente, predomina a classe latossolo. Conforme Santos et al., (2018), os latossolos possuem boas profundidades, tem fertilidade facilmente corrigida, baixa ocorrência de pedras e contam com boa drenagem. Considerada isoladamente essa variável, já é possível esperar que parte considerável da área de estudo possua boa aptidão para a realização de atividades agropecuárias. Além de latossolos, também é possível observar a ocorrência moderada de nitossolos, que são solos profundos e bem drenados. Essas características podem propiciar um cultivo que necessite de menores intervenções para o bom aproveitamento da terra.

Merece ênfase a porção leste da área de estudo, na qual predomina a ocorrência de argissolo e neossolo. De acordo com Santos et al (2018), argissolos tem reduzida capacidade de retenção de nutrientes, ocorrem em terrenos declivosos e apresentam suscetibilidade à erosão. Já os neossolos ocorrem em áreas de maior declividade, com eventual presença de pedras.

Em tempo, se reforça a importância das demais variáveis, bem como o tratamento das características do solo através de processos físicos e químicos, conforme seja pertinente para cada caso.

Fonte: diagramado pelos autores a partir de dados de IBGE (2021)

Figura 3: Ocorrência das ordens de solo na área de estudo 

Conforme Costa et al. (2017, p. 120) a litologia se refere aos tipos de rochas presentes no solo, o seu potencial de fornecimento de nutrientes e a suscetibilidade a processos de intemperismo. Com relação à litologia, apresentada na figura 4, foi observada considerável predominância de arenito, arenito fino ou quartzo arenito. A ocorrência se dá de forma expressiva sobre a área de estudo. Devido a isso, é possível considerar que a litologia não causa grandes alterações no PUC, visto que a sua contribuição é praticamente a mesma. De fato, as litologias mencionadas tem nota igual a 1 ou 1,1.

Em alguns locais é possível observar a presença de basalto, ou basalto e latito. Essas litologias já recebem notas 3,1, com melhor contribuição mineralógica natural para as atividades agropecuárias a serem desenvolvidas. É relevante frisar que são mencionadas apenas as características naturais, sendo possível a ressalva da possibilidade de correções nas condições encontradas em cada solo. Além disso, também é necessário ponderar que o mapeamento utilizado se encontra na escala 1:250.000, podendo ocorrer generalizações com relação ao cenário real.

A declividade, representada na figura 5, que é a variável com maior prioridade relativa, se apresentou em nuances predominantemente menos intensas no oeste da área de estudo. As classes de declividade estão associadas às formas de relevo e também podem ser encontradas no trabalho de Costa et al (2017, p. 124). Nessa região, ocorre a presença pontual de declividades entre 0% e 3%, acompanhadas de abundantes áreas de declividades entre 3% e 8%. No centro da área estudada foram detectados pequenos aglomerados de declividades até 3%. Uma ligeira consulta visual à figura 5 permite identificar que essas dizem respeito à drenagem hídrica, ou seja, são cursos de água. Também estão presentes, de forma mais expressiva, declividades de 3% (suave ondulada) até 20% (ondulada). Pontualmente, ocorrem declividades até 45% (forte ondulada).

Fonte: diagramado pelos autores a partir de dados de IBGE (2021)

Figura 4: Ocorrência de litologias na área de estudo 

Mais a leste, ocorrem declividades que partem de 20%, chegando a valores maiores que 45%. Essas áreas, devido a intensidade de declividade, podem apresentar maior suscetibilidade a processos erosivos.

É válido observar as figuras 3 e 5 em conjunto, sendo claramente identificável que a ocorrência de nitossolos coincide com as áreas de maior declividade. A combinação de solos com condições menos favoráveis à utilização agrícola, bem como a presença de maiores declividades, pode se configurar em áreas que demandam maiores correções, bem como representar maior fragilidade, e portanto, possuem um PUC menor.

A combinação das três camadas de informação, através do cálculo do PUC, resultou no mapa que pode ser visualizado na figura 6. A leitura do mapa deve ser feita considerando-se que os valores estão agrupados em intervalos, ocorrendo em cada faixa valores diversos que sejam pertencentes a esse mesmo intervalo.

A configuração espacial do PUC, assim como é notório nas classes de solo e nas declividades, se manifesta com condições mais favoráveis na secção oeste da área de estudo. Considerando que a litologia possui a prioridade composta de menor intensidade, é coerente que declividades e classes do solo tenham maior influência sobre a conformação do PUC.

Na área central do mapa da figura 6 ganham espaço valores de PUC intermediários, visto que, apesar da homogeneidade dos latossolos, ocorrem declividades mais intensas que aquelas presentes no oeste. Acompanhando esse comportamento, é possível observar que algumas declividades de baixa intensidade elevam os valores PUC, que seguem seu traçado.

Fonte: diagramado pelos autores a partir de dados de IBGE (2021)

Figura 5: Ocorrência de declividades na área de estudo 

Ao leste ocorrem os valores de PUC com menor intensidade, com valores baixos ou muito baixos. Novamente, merece destaque a presença de neossolos, que oferecem um ambiente menos favorável ao uso conservacionista, devido à sua baixa espessura, eventual pedregosidade e incidência de declividades intensas.

Fonte: diagramado pelos autores a partir de dados de IBGE (2021)

Figura 6: Potencial de Uso Conservacionista em Manoel Viana e São Francisco de Assis 

Acerca da distribuição espacial dos valores do PUC, merecem destaques os aglomerados de valores, tanto aqueles com PUC muito alto, quanto aqueles com valores baixos ou muito baixos. Nos casos dos valores mais elevados, estes resultam de associação entre nitossolos e declividades de menor intensidade. No oeste e sudoeste é perceptível a semelhança entre o formato das áreas com nitossolo e as áreas com PUC muito alto. Ao mesmo tempo, ocorrem áreas extensas e de curta espessura, com declividades muito baixas, anteriormente associadas à drenagem hídrica ou a cursos de água. Novamente, ressalta-se a maior prioridade composta das variáveis classe do solo e declividade.

A influência de solo e declividade sobre os valores do PUC baixos ou muito baixos também acontece, reforçando a similaridade entre si, quanto com o resultado do potencial identificado. Ora, se por um lado é possível identificar um semicírculo também de nitossolo no oeste do mapa de solos (figura 3), esse mesmo semicírculo está presente no mapa de declividades. Essa similaridade entre ambos incorre em áreas com PUC baixo ou muito baixo. Enquanto isso, no norte da secção central, nas proximidades do município de Maçambará, é notável uma área com valores de PUC distintos dos predominantes na região. Ao se observar os demais mapas, é evidente que esse aglomerado distinto segue a conformação de nitossolos que ocorrem na mesma posição. No entanto, não há nessa localidade a presença de declividades distintas daquelas detectadas nas proximidades, o que leva a valores moderados do PUC. Assim, se por um lado a presença de nitossolos resultou em menores valores PUC, a presença de declividades maiores intensifica a tendência de valores baixos, enquanto a ausência de grandes declividades resulta em valores moderados para o potencial.

Diante do exposto, de fato a declividade pode ser apontada como o fator de maior contribuição para os valores PUC, seguida pela classe de solo e pela litologia.

Discorrer sobre a utilização da terra para fins agropecuários implica considerar os usos em todos os seus aspectos. Se por um lado é possível identificar o que e onde se produz, também é relevante que se considere qual é o contexto desse “onde”. Em outras palavras, aqui se tem o intuito de chamar a atenção não somente para o PUC em si, mas como as propriedades rurais se apresentam e como essa conformação o acompanha.

Antes de relacionar o PUC e a estrutura fundiária (figura 7) é importante que se considere o seu contexto de formação. Conforme Barroso (2009), o processo de ocupação do Rio Grande do Sul se deu embasado em uma expansão “para o oeste”, ao passo que também ocorreu a concessão de sesmarias, que ao contar com a pecuária, atividades econômicas de ocupação territorial e militarização, formaram uma fronteira viva em uma época de consolidação de territórios. A partir disso, embora seja válido considerar a relação das propriedades rurais com o seu potencial produtivo, de antemão se faz a ressalva de que há, por trás do cenário atual, um contexto de concessão de terras, que facilitou posteriores subdivisões, bem como a incorporação de novos limites.

Ao se estabelecer um comparativo entre as figuras 6 e 7 é detectada a presença de grandes e médias propriedades nas regiões de PUC alto ou muito alto, notória em praticamente toda a área de estudo, porém raramente aparecem nas áreas com menores intensidades do potencial. Em contrapartida, no semicírculo leste, marcado pelos menores valores PUC, é acentuada a concentração de pequenas propriedades e minifúndios, revelando um cenário que abre a possibilidade de discussões.

Apesar de a estrutura fundiária em si não ser de transformação simples, a detecção de menores propriedades em locais de baixo potencial permite que se alerte para realidades que merecem atenção, seja por parte dos seus proprietários, mas também dos gestores públicos, de forma que sejam direcionadas estratégias que deem suporte ao seu desenvolvimento.

Fonte: diagramado pelos autores a partir de dados de IBGE (2021) e CAR (2021)

Figura 7: Estrutura fundiária em Manoel Viana e São Francisco de Assis 

Apresentada a discussão inicial concernente à estrutura fundiária, na tabela 5 estão dispostas as quantificações das áreas ocupadas nas propriedades por cada intervalo de valores do PUC. É pertinente considerar que as quantificações da tabela se referem ao somatório de todas as áreas detectadas ao longo das propriedades. Com isso, é possível que haja propriedades com distribuições de PUC diversas ao longo de suas extensões.

No que concerne aos minifúndios, aí se notam as maiores porcentagens de áreas com PUC muito baixo, com a contrapartida de que tanto as áreas de potencial alto ou muito alto, apresentam os menores valores se comparados àqueles encontrados nas demais classes de propriedade. Considerados os mapas de solos, declividades e da estrutura fundiária, é possível identificar que isso se deve fortemente à localização da grande maioria dos minifúndios, nas proximidades do semicírculo marcado pela presença dos solos com condições mais desfavoráveis à utilização e com as maiores declividades.

De forma geral, as pequenas e médias propriedades apresentam valores semelhantes do PUC entre si, com discrepâncias levemente pronunciadas nas áreas de potencial muito baixo. Nas grandes propriedades foram identificadas as distribuições mais heterogêneas. Enquanto ocorrem pequenos percentuais de áreas com PUC que vai de muito baixo a médio, são ocorrem os maiores valores de áreas com alto ou muito alto potencial. Além disso, nas grandes propriedades também estão presentes as maiores porcentagens de área com PUC alto ou muito alto.

Tabela 5: Área percentual (%) do PUC por tamanho de propriedade. 

Tamanho da propriedade PUC
Muito baixo Baixo Médio Alto Muito alto
Minifúndios 11,76 21,03 31,71 32,71 2,79
Pequenas 4,28 12,56 34,50 43,23 5,43
Médias 1,00 7,51 38,00 45,14 8,35
Grandes 0,40 4,91 27,17 54,09 13,43

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

O PUC é calculado a fim de se estimar a afinidade dos solos com o uso conservacionista. Assim, a identificação desse potencial não apenas contribui para a determinação de áreas com maior ou menor fertilidade provável, mas também oferece informações sobre como utilizar os recursos disponíveis de forma proveitosa. Além disso, a espacialização dessas aptidões serve não apenas para uma análise preditiva, mas também para explicar os fenômenos ocorridos na estrutura fundiária.

O cruzamento das informações de uso e cobertura da terra com o mapa de PUC possibilitou um olhar sobre a realidade do aproveitamento do solo nos anos de 1985 e 2020. Essas informações estão detalhadas nas tabelas 6, 7, 8 e 9. A tabela 6 se refere à realidade mais recente a constar nos registros da coleção 6 do MapBiomas (Mapbiomas, 2021), expressando em valores absolutos as áreas ocupadas por cada uso da terra conforme a sua ocorrência nos PUC. A tabela 8 adota igual organização, porém, para o ano de 1985. É importante destacar que tanto na tabela 6 quanto na tabela 7 as áreas totais de cada PUC são idênticas, denotando a redistribuição de usos entre as datas. As tabelas 8 e 9 se referem ao cálculo da variação ocorrida, em valores absolutos e percentuais, respectivamente. As expressões “***” na tabela 9 resultam da ausência de um uso e cobertura da terra no ano de 1985 mas a sua presença em 2020. Dado que o valor de partida foi zero, não é possível estimar o seu crescimento percentual, ficando a análise por conta apenas do crescimento absoluto.

As tabelas a seguir detalham o uso e cobertura nos anos de 1985 e 2020, bem como a variação ocorrida entre os dois momentos históricos. Na tabela 6 é apresentado o uso e cobertura da terra para o ano de 2020, enquanto na tabela 7 a mesma informação é apresentada para o ano de 1985. A variação absoluta entre 1985 e 2000 é detalhada na tabela 8, enquanto que a variação relativa é abordada na tabela 9.

Com relação às formações florestais, em 2020 é evidente a maior expressividade das áreas nos PUC baixo e médio. Essa tendência também ocorrera em 1985 (tabela 7), porém com valores ligeiramente inferiores, principalmente nas áreas com maior potencial de uso. Dadas as condições favoráveis dos solos nas áreas de maior PUC, é plausível esse fenômeno, considerando também os instrumentos legais de proteção ambiental, como o Novo Código Florestal (BRASIL, 2012). Em tempo, cabe destacar que, enquanto áreas com PUC muito baixo ou baixo apresentaram alterações positivas ou negativas, porém muito próximas de zero pontos percentuais, localidades com PUC alto apresentaram as maiores alterações percentuais, conforme dados da tabela 9. Apesar da superioridade do PUC muito alto, é importante considerar que a área ocupada por esse potencial, conforme o mapa da figura 10, é visivelmente inferior, além de ser direcionada para outros cultivos.

Tabela 6: Área das classes de uso e cobertura da terra em cada PUC, para o ano de 2020. 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

Tabela 7: Área das classes de uso e cobertura da terra em cada PUC, para o ano de 1985. 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

Tabela 8: Variação absoluta da área, em hectares, das classes de uso e cobertura da terra existentes em cada PUC, entre os anos de 1985 e 2020. 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

Tabela 9: Variação relativa da área das classes de uso e cobertura da terra existentes em cada PUC, entre os anos de 1985 e 2020. 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

A silvicultura, ausente em 1985, foi detectada em 2020, com maior expressividade também em áreas de PUC alto.

Chama a atenção a redução generalizada das áreas de campo alagado, à exceção nos locais com PUC alto, nos quais um modesto crescimento de 2,29% se deu (tabela 9). Também é notável a redução das formações campestres em todas as áreas de PUC.

A soja, conforme Okido (2016), representa a principal cultura nos municípios de Manoel Viana e São Francisco de Assis. Não surpreendentemente, a área ocupada por esse cultivar apresentou crescimento em todas as classes do PUC, sendo esse incremento de uma ordem muito superior ao ocorrido nos demais usos da terra. Se por um lado tem-se a segunda maior variação positiva total correspondente a 150,03% para as pastagens, em áreas com soja essa variação é da ordem de 2588,14%. A consideração desse avanço expressivo, somado ao incremento de praticamente todos os usos da terra, com exceção das áreas de formação campestre, lavouras e de outras áreas não-vegetadas, fornece uma perspectiva inicial acerca de quais áreas foram suprimidas ou tiveram o seu uso substituído para possibilitar as suas expansões.

Outro aspecto que ilustra a conexão do PUC com as atividades produtivas praticadas, está sobre o cultivo predominante em cada um dos graus desse potencial. Se por um lado se tem as maiores porcentagens dos crescimentos nos mosaicos de agricultura e pastagens, ou somente pastagens, nas áreas de PUC de muito baixo até médio, por outro lado se tem o crescimento muito mais expressivo da soja nos PUC mais altos. Esse fato chama a atenção para, não somente o planejamento e direcionamento de esforços e incentivos às propriedades localizadas em cada PUC, como também evidencia a relação do PUC com o que se produz em cada propriedade.

O conhecimento do cenário em que está inserido o arranjo produtivo regional, que parte da consideração das características do solo e chega até à determinação do seu potencial, certamente se configura como um diagnóstico que explica, ao menos em parte, a organização da produção agropecuária e possibilita identificar áreas que merecem maior atenção. Mais do que isso, traz a lume, de forma espacializada e quantitativa, um retrato dos pontos a serem trabalhados em prol de aprimorar as estratégias para o desenvolvimento regional de forma conservacionista.

Conclusões

A utilização das técnicas de geoprocessamento logrou sucesso na caracterização do Potencial de Uso Conservacionista dos Municípios de Manoel Viana e São Francisco de Assis. A Análise Hierárquica de Processos foi fundamental, tornando dados qualitativos em quantitativos a partir de uma ordem lógica.

Foi identificada a predominância de grandes propriedades em áreas com os PUC mais elevados e, em contrapartida, um cinturão de minifúndios estabelecidos em áreas de PUC baixo ou muito baixo.

O cálculo e espacialização podem contribuir tanto para um diagnóstico da realidade, quanto atuar como ferramenta de apoio para o planejamento e gestão responsáveis dos recursos presentes em uma determinada área de interesse.

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1 A notação Aij representa cada um dos elementos de uma matriz, cuja posição é dada por i se referindo à linha em que o elemento (número) se encontra e j se referindo à coluna

Recebido: 28 de Setembro de 2022; Aceito: 18 de Dezembro de 2023

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