Introdução
Há uma representação generalizada na sociedade que os jovens demonstram desinteresse pela vida pública e política, que são pouco participativos e não exercem uma cidadania ativa, não se identificando como sendo parte importante e determinante das políticas que lhes dizem diretamente respeito (Crowley & Moxon, 2017). Esta situação tem suscitado uma maior preocupação política sobre o afastamento dos jovens dos processos democráticos convencionais e das estruturas tradicionais de ação política (Ferreira, Lobo, Rowland & Sanches, 2017).
Concomitante com esta representação negativa da participação jovem, nas últimas décadas, temos assistido a um maior reconhecimento do papel dos jovens a nível nacional e global, sendo considerados um pilar do desenvolvimento a nível internacional, pela sua capacidade de sonhar, criar e inovar (IPDJ, 2020) e pela emergência de uma diversidade de formas de participação baseadas nas novas necessidades, competências e motivações (Siurala, 2006). Sendo a juventude uma categoria social complexa, torna-se importante compreender como é que os jovens e a sua participação influenciam a vida das suas comunidades e a definição de políticas públicas, através do exercício da cidadania. Falar no papel dos jovens é falar em participação jovem - nos meios, no espaço, no direito, no apoio e oportunidades disponibilizados aos jovens (Conselho da Europa, 2003) para se fazerem ouvir e poderem contribuir para uma mudança positiva nas suas comunidades, neste caso concreto, uma mudança positiva no município.
Este artigo enquadra-se num estudo mais amplo, desenvolvido no âmbito do Mestrado em Educação Social e Intervenção Comunitária , que envolve jovens, associações juvenis, agentes de juventude, instituições de Ensino Básico, Secundário e Superior e decisores políticos do Município do Funchal. Estes atores e agentes constituem uma base de diagnóstico para a construção de uma estratégia municipal concertada para os jovens que vivem, estudam ou trabalham no município do Funchal - um Plano Municipal de Juventude (PMJ), contribuindo para o empoderamento e incentivo à participação jovem e constituindo uma base para decisões futuras por parte dos diversos agentes, decisores políticos e cidadãos no âmbito das políticas públicas do município. Neste artigo, privilegiamos a apresentação e a análise das representações dos jovens com vista à compreensão da forma como são envolvidos em processos de participação e decisão, em matéria de políticas de juventude para a cidade. Procura-se, assim, responder a um conjunto de questões: Os jovens do Funchal participam ativamente na vida do município? De que forma participam? Querem participar ativamente na vida da cidade? Será o Funchal uma cidade com políticas promotoras da participação e dirigidas aos seus jovens? Tendo sido previamente identificada a ausência de um plano municipal de juventude, orientador das Políticas e Estratégias de Juventude no município do Funchal, e partindo do pressuposto de que qualquer Política de Juventude deve envolver os jovens, definiu-se a problemática que orienta este artigo: uma estratégia de construção de uma política de juventude para a cidade, que implique ativamente os jovens nos processos de decisão, desafia ao conhecimento das representações que estes têm de si, e da forma como são envolvidos nos processos de participação à escala local.
Juventude(s), Participação e Políticas Públicas
Em termos sociológicos há, atualmente, consenso na consideração da juventude como uma categoria social complexa, sendo associadas a esta emergente e abrangente categoria social diversas representações normativas e ideológicas, gerando debates e estudos diversificados (Pappámikail, 2010).
Segundo Pais (1996) e Campos (2010), a visibilidade social crescente adquirida pela juventude, enquanto categoria social, está associada às mudanças económicas e sociais ocorridas na última metade do século XX, nomeadamente o aumento dos níveis de escolarização, o prolongamento da esperança média de vida, o ingresso cada vez mais tardio no mercado de trabalho e as alterações ao nível da estrutura familiar, entre outros.
Porque diferentes juventudes e diferentes maneiras de olhar essas juventudes correspondem necessariamente a diferentes perspetivas teóricas e ao aparecimento de diferentes correntes, Pais (1990) apresenta-nos as duas principais correntes de abordagem sociológica à juventude: a corrente geracional e a corrente classista, propondo a coexistência de dois eixos semânticos - a unidade e a diversidade. Se, por um lado, a corrente geracional olha a juventude como um conjunto social cujo principal atributo é o de ser constituído por indivíduos pertencentes a uma mesma fase da vida, prevalecendo a busca dos aspetos mais uniformes e homogéneos que caracterizaram essa mesma fase, por outro, a corrente classista aborda a juventude como um conjunto social necessariamente diversificado, traçando diversos perfis de culturas juvenis, em função das diferentes classes sociais, situação económica, parcelas de poder, interesses, oportunidades ocupacionais, entre outros. Atendendo às diferentes descontinuidades e ruturas que marcam a transição dos jovens para a vida adulta, e ao facto de que o olhar a juventude como uma entidade homogénea pode ter consequências conceptuais empobrecedoras, Pais (1990) refere que se torna emergente passar do campo semântico da juventude que a toma como unidade, para o campo semântico que a toma como diversidade, partindo do pressuposto metodológico de que a juventude não é, com efeito, socialmente homogénea.
A diversidade de representações leva a que, tal como refere Campos (2010), se verifique que não temos uma, mas muitas juventudes e que estas se dispersam pelo espaço geográfico e social, confrontam-se com problemas, condições e expectativas distintas e assumem configurações particulares. É, pois, segundo Pais (1990), um desafio que se coloca à sociologia - a desconstrução sociológica da construção social da juventude como uma entidade homogénea.
Contudo, no quadro político, na Assembleia Geral da ONU em 1985, fixou-se uma definição internacional e abrangente de juventude, considerando-a como o grupo etário das pessoas com idades entre os 15-24 anos, assumindo esta definição um carácter variável e mutável em todo mundo, como resposta às diferentes circunstâncias políticas, económicas e socioculturais (Conselho da Europa, 2003), sendo utilizado este intervalo de idades para fins estatísticos. Embora reforçando a inexistência de uma única definição para juventude, genérica e internacionalmente é utilizada a definição da UNESCO, que assume a juventude como a fase de transição da dependência da infância para a independência da idade adulta (IPDJ, 2020).
No entanto, a questão da independência é um fator variável e torna, por vezes, difícil a definição consensual de uma faixa etária única. Em termos de grupos etários e idades associadas à juventude, existe ainda uma pluralidade de tetos de idade, quando são considerados os jovens, por exemplo: entre os 13 e 14 anos até aos 30 anos, no caso do Cartão Jovem e do programa europeu Erasmus+; 15 aos 24 anos para estatísticas oficiais de (des)emprego de jovens; 35 anos no âmbito do programa de arrendamento Porta 65 Jovem; 40 anos na definição de jovem agricultor (PNJ, 2018), o que reforça esta variabilidade quanto à definição da idade.
Assim, poder-se-á afirmar que os jovens se constituem como um grupo diverso e heterogéneo, apresentando necessidades diferentes e vivências distintas, de acordo com os seus perfis e condições sociais em termos de sexo, classe social, níveis de escolaridade, entre muitas outras condições objetivas e subjetivas de existência, às quais se juntam os contextos sociais e económicos em que vivem o seu quotidiano, nomeadamente em termos territoriais (Vieira & Ferreira, 2018).
Alargando a discussão acerca do termo juventude, no presente artigo, considera-se o seu enquadramento no âmbito dos conceitos associados, nomeadamente a participação jovem nas políticas públicas, concretamente nas políticas municipais de juventude e no âmbito da cidadania, plano em que se concretiza a pesquisa apresentada neste artigo, esta última um dos objetivos centrais e atuais das políticas de juventude (Benedicto, 2011).
Sendo uma noção polissémica, a cidadania refere-se ao papel e à posição que os indivíduos têm na sociedade. Cidadania é mais do que um mero estatuto formal que se adquire com a idade ou com a integração socio-laboral (Benedicto, 2011), pois permite situar os indivíduos na sociedade, ajudando a descrever e entender estas relações. Implica, segundo Pais (2005), o reconhecimento do cidadão como uma identidade individual, com vontade própria e detentor de um poder de decisão, assumindo o exercício da cidadania por parte dos atores como uma componente imprescindível da mesma, dando ênfase à dupla vertente da condição de cidadania: ser um cidadão disfrutando de uma série de direitos e deveres cívicos, e agir como cidadão, completando o potencial estatuto através do exercício da ação (Lister, 2003).
Lawy e Biesta (2006) defendem a cidadania ativa como uma experiência social que incorpora todas as idades, que promove a reflexão através do feedback que nos dá, que é relacional, pois influencia transversalmente diversos fatores e condições e que a sua aprendizagem não se pode limitar ao espaço escolar. Pais (2005) refere, ainda, que a cidadania apenas se cumpre globalmente quando é exercida a nível local, o que, em certa medida, a torna um movimento de rejeição da cidade planificada a favor da cidade praticada, sendo possível daqui inferir a influência dos processos de cidadania no que se refere às políticas públicas locais.
Assim, é enfatizada a dimensão política da cidadania, pois compreende as relações entre os indivíduos e entre os indivíduos e a tomada de decisão no espaço público (Biesta, 2016). A cidadania ativa implica, pois, a promoção de uma formação que garanta o reconhecimento de oportunidades para que os jovens, desde cedo, possam efetivamente influenciar e transformar a sua realidade próxima e quotidiana, assim como o desenvolvimento de uma cultura política que vá além da representatividade institucional e estrutural (Novella et al., 2014). Este entendimento do conceito de cidadania pressupõe, assim, uma efetiva participação e filiação numa dada comunidade, mas também um reconhecimento comunitário dessa pertença (Pais, 2005), pois a cidadania apela para os direitos e deveres de existência, independentes do exercício e da competência do sujeito e invoca também à participação, implicando direcionamento, autonomia e ação, pois, sem estes, não é possível reivindicar a cidadania. No caso concreto dos jovens, falar de cidadania é, então, falar do seu papel e da sua posição na sociedade, tendo em conta os seus direitos e deveres, mas também a sua participação ativa.
Assumindo a participação um papel importante na efetivação dos processos de cidadania e sendo a mesma um direito fundamental da cidadania (Hart, 1992), esta assume-se como um processo dinâmico que está relacionado com ter a oportunidade, os meios, o espaço, o direito e o apoio para participar, influenciar decisões e envolver-se em ações e atividades de forma a contribuir para a construção de uma sociedade melhor (Conselho da Europa, 2003).
Dupouey (2018) refere que, para participarem e para poderem aceder a qualquer tipo de participação, têm de ser reunidos vários tipos de recursos, nomeadamente espaços físicos e/ou digitais, materiais, tempo, recursos financeiros, recursos humanos, vontade e apoio político por parte dos decisores políticos e competências e motivação por parte dos jovens. Os decisores políticos e os técnicos devem, assim, considerar as múltiplas formas de participação através da perspetiva dos recursos necessários para as ativar.
São considerados como fatores influenciadores da participação dos jovens, pela teoria ecológica dos sistemas de Bronfenbrenner (1992), as caraterísticas individuais dos jovens (ontossistema - idade e sexo), os agentes e espaços mais próximos da vida dos jovens (microssistema - família, escola e grupos de amigos) e os agentes ou espaços que compõem o ambiente cultural ou ideológico (macrossistema - meios de comunicação).
No caso concreto dos jovens, participar significa ter influência e responsabilidade em decisões e ações que afetam as suas próprias vidas ou que simplesmente sejam importantes para eles (Dínamo, 2015). A participação é, por si só, um direito que assiste a todas as pessoas jovens, como é afirmado na Declaração Lisboa+21 (ONU, 2019). Para participar, os jovens necessitam de estar informados e de dispor de competências, instrumentos e espaços para o fazer, criados e dinamizados em gestão partilhada (FNAJ, 2012). Torna-se, assim, fundamental motivar e apoiar os jovens para participarem na vida associativa da sua comunidade, promovendo-se níveis mais elevados de democraticidade na comunidade.
A Assembleia Geral das Nações Unidas distingue a participação juvenil em quatro áreas distintas: a participação económica, social, cultural e a participação política (Dínamo, 2015). Abrangendo estas diversas áreas e âmbitos distintos, a participação, segundo Hoskins e Mascherini (2009), é um elemento fundamental nas sociedades democráticas, pois permite reduzir a distância entre os cidadãos e as instituições políticas e promover, assim, a coesão social. Para tal, os processos de participação devem ser transparentes, dinâmicos e baseados numa verdadeira parceria entre os jovens e os adultos (Gozdik-Orwell, 2008). Neste sentido, a FNAJ (2019) considera que a participação se refere à capacidade de os jovens se envolverem nas decisões políticas de um país ou de uma região.
As Políticas Públicas são aqui entendidas, na senda de Vieira e Ferreira (2018), como respostas dos governos aos problemas sociais e desafios que enfrentam, sobretudo nas sociedades contemporâneas e democráticas, sendo crescentes os problemas, os desafios, e as áreas de intervenção dos governos. Políticas de Juventude são definidas pela FNAJ (2017) como sendo as medidas que respondem às necessidades, objetivos e interesses dos jovens de uma comunidade, promovendo uma imediata identificação da juventude para com as mesmas, resultando de uma auscultação direta dos jovens e das suas associações. A FNAJ (2012) refere, ainda, tratar-se de um processo contínuo de interação entre os responsáveis políticos, os jovens e as associações, não se podendo reduzir à oferta de atividades para ocupação do tempo livre, mas sim sendo promotoras de condições para o exercício de uma cidadania plena, ao alcance de todos os jovens, participando em todos os aspetos da vida social e política.
O Conselho da Europa (2018) sugere que a política de juventude deve ter como principal objetivo a criação de condições para a aprendizagem, oportunidade e experiência, que assegurem e permitam que os jovens desenvolvam conhecimento, aptidões e competências necessários para serem atores da democracia e para se integrarem em sociedade, permitindo que os mesmos desempenhem um papel ativo, tanto na sociedade civil, como no mercado de trabalho. A declaração Lisboa+ 21 (ONU, 2019) acrescenta, ainda, que estas políticas de juventude devem ser centradas na juventude, apartidárias, dotadas de recursos adequados, transparentes e devem ser lideradas por jovens. Devem ser implementadas de forma multissectorial e multilateral, contando, em todas as fases, com a participação ativa e a colaboração dos jovens, garantindo que perspetivas e contributos únicos das pessoas jovens são incorporados de forma efetiva (IPDJ, 2020).
Em termos da participação no âmbito das políticas públicas, Ferreira (2017) identifica uma viragem participativa em termos da formulação de políticas, desafiando a uma estimulação na relação e atuação institucional com os jovens. Fica, assim, para trás, a visão homogénea e passiva da juventude como um conjunto de indivíduos indiferenciados que, partilhando de uma dada faixa etária, são destinatários ou beneficiários de políticas públicas, assumindo-se o seu reconhecimento como parceiros e como coletivo diversificado e ativo de sujeitos políticos e sujeitos de intervenção pública.
Neste sentido, destaca-se a Agenda Europeia para a Juventude 2019-2027, lançada recentemente pela União Europeia, com o mote: Envolver, ligar e capacitar os Jovens Europeus (Jornal da União Europeia, 2018), que corresponde às três grandes áreas de ação da estratégia definida, vertidas nos 11 objetivos para a juventude europeia - os “Youth Goals”, objetivos estes que surgiram no decurso da auscultação realizada junto dos jovens da União Europeia durante o 6º ciclo do diálogo estruturado da EU “Juventude na Europa: o que se segue?”. É uma estratégia que, assente nos princípios da igualdade e não discriminação, inclusão, participação, dimensão global, europeia, nacional, regional e local e no papel fulcral que os jovens assumem na sociedade e nos diferentes desafios que as diversas juventudes da Europa enfrentam, visa dar precisamente resposta a estes desafios experienciados pelos jovens. Há a preocupação de efetivamente envolver os jovens, torná-los parte comprometida e ativa da solução e ligá-los em torno de um objetivo comum e concreto - a União Europeia e, através dela, a construção de uma estratégia comum da Europa para a juventude, partindo do pressuposto que os jovens têm um papel particular na sociedade e enfrentam desafios muito concretos e específicos.
As políticas públicas de juventude implicam, portanto, a participação dos jovens nas suas várias etapas - formulação, implementação e avaliação - e a articulação com as realidades concretas e diversas em que vivem pois, sem elas, correm o risco de ter um foco adultocêntrico, generalista, estereotipado e desenraizado das realidades sobre as quais procuram agir, com pouca adesão às realidades vividas e experienciadas pelos sujeitos que a elas aderem, podendo, alerta Ferreira (2002), vir a acarretar efeitos perversos e não previstos.
As intervenções políticas dirigidas à juventude, robustas do ponto de vista da conceção, mas ineficazes na operacionalização, comprometendo o cumprimento do seu papel, devem-se possivelmente ao facto de desvalorizarem, na sua definição, o contributo dos jovens e dos contextos reais da sua aplicação - “a terra que elas pisam” (Pais, 2005). Podendo ser políticas equivocadas, por não se ancorarem em estudos rigorosos sobre cada realidade, o autor evoca o conceito de “grounded policies” - políticas de intervenção que tenham sempre por referência os contextos de vida - objetivos, subjetivos e trajetivos - daqueles a quem se dirigem - neste caso, os jovens, pois bons prognósticos da ação política devem assentar em bons diagnósticos, tendo por base processos de investigação.
Os jovens devem, assim, participar ativamente como parceiros nas políticas de juventude (Lavchyan & Williamson, 2019), aconselhando e decidindo sobre a sua construção, contribuindo para a implementação, monitorização e avaliação do impacto dessas mesmas políticas, e não apenas como destinatários e beneficiários.
Os municípios, como órgãos de governação local e, consequentemente, de proximidade junto dos jovens, assumem um papel fundamental na implementação de efetivas políticas de juventude que sejam articuladoras de estratégias de emancipação e de luta contra as desigualdades, discriminação e outras formas de exclusão social, considerando as políticas públicas de juventude como um eixo central e transversal da governação local (FNAJ, 2012). Tal como preconizado nos “Youth Goals”, os jovens devem ser parte comprometida na construção e implementação de soluções que objetivam a valorização do lugar que ocupam na sociedade e a resposta aos desafios específicos que esta lhes coloca. A presente pesquisa, que se enquadra num trabalho mais alargado, teve como finalidade contribuir para a elaboração do PMJ do concelho do Funchal, na senda do que Burawoy (2005, 2006) refere como contributo da sociologia, que poderemos alargar para outras áreas de pesquisa social. Designadamente, no apoio à decisão política, neste caso, à escala municipal, contribuindo para a promoção dos processos de auscultação e participação dos jovens (entre outros, não considerados no presente texto) na definição e operacionalização das políticas públicas para a juventude, mais concretamente, a elaboração do diagnóstico do PMJ do concelho.
Procedimentos Metodológicos
O estudo desenvolvido, de natureza mista, combina técnicas de recolha e tratamento de informação qualitativas e quantitativas, para desenvolver um procedimento analítico que situe a pesquisa no atual quadro das políticas para a juventude e com vista a dar resposta a dois objetivos que emergem da problemática: (a) analisar e compreender as representações dos jovens do Funchal sobre a sua participação ativa e envolvimento nos processos de democracia participativa e (b) refletir sobre a forma como os jovens são envolvidos nos processos de participação e decisão.
Na recolha de informação junto dos jovens da cidade, que à data do estudo residiam, estudavam ou trabalhavam no Funchal, e considerando a priori como idade de referência para os jovens a faixa etária compreendida entre os 14 e os 30 anos inclusive, tendo em conta as referências consultadas, foram validados 1259 questionários, procurando garantir um cunho participativo ao processo de inquirição. Os questionários foram aplicados presencialmente de forma direta em estabelecimentos do ensino básico (9º ano), secundário, profissional e superior do município, em contextos associativos, e também na rua. Foram também aplicados na modalidade online, sendo disponibilizados aos jovens através da plataforma Google Forms. Ambas as modalidades foram disponibilizadas em português e inglês, uma vez que a amostra incluía estudantes Erasmus a residir no município, à data da realização do estudo, entre o dia 20 de dezembro de 2019 e o dia 18 de março de 2020. Dado o perfil dos respondentes, procurou-se garantir uma taxa de retorno elevada, optando por um questionário de resposta breve, com uma duração de preenchimento prevista de 10 minutos. Previamente, foi realizado um levantamento das entidades que desenvolvem uma ação regular com os jovens do município, nomeadamente os estabelecimentos de ensino, associações e espaços juvenis, recolhendo os respetivos contactos e procedendo à divulgação do estudo. Também as redes sociais da Câmara Municipal do Funchal foram mobilizadas para apelar à participação neste estudo.
Todos os participantes tiveram acesso e conhecimento prévio dos objetivos, natureza do estudo, métodos, tempos e resultados da investigação em curso e foram informados da não obrigatoriedade de participação. Foram solicitados o consentimento informado e a utilização dos dados recolhidos em ambas as modalidades de aplicação. Durante o processo de investigação, foram criadas as condições necessárias ao garante da privacidade, confidencialidade e anonimato dos inquiridos.
Para a análise e processamento da informação recolhida nos inquéritos por questionário, foi realizada a respetiva análise de conteúdo e a análise estatística, tendo em vista a resposta aos objetivos definidos. Neste artigo, apresentamos apenas os resultados da análise ao inquérito aos jovens do Funchal. Outras análises produzidas no âmbito da pesquisa realizada, sobre os resultados produzidos pelo uso de outras técnicas, nomeadamente entrevistas e análise documental, ocupam outras publicações.
Dos 1259 participantes, 741 (58,9%) eram residentes no município (amostra que representa cerca de 4,1% da população jovem residente no município), sendo 56,3% do sexo feminino.
Destaca-se maior participação dos jovens mais novos - 55% dos jovens tinham entre os 14 e os 19 anos, sendo que a participação no estudo foi diminuindo com o aumento da idade, correspondendo a uma maior participação da população jovem estudantil. Os jovens com 16 anos foram os que mais responderam ao questionário (135 inquiridos) comparativamente aos jovens com 26 e 29 anos (ambos com 34 inquiridos).
Tendo em conta a situação perante o trabalho, a amostra é constituída maioritariamente por jovens estudantes (968 jovens correspondendo a 76,9% da amostra total), destacando-se os estudantes do ensino secundário (52%) e os estudantes do ensino superior (30,4%). Estes têm como principais áreas de formação e estudo as Artes e Humanidades (29,4%), Saúde e Proteção Social (18,9%) e Ciências Naturais, Matemática e Estatística (13,6%). Verificámos que a maioria estuda num estabelecimento de ensino no Funchal (70%) e que apenas 102 jovens se encontram deslocados da Região para frequentar o ensino superior, sendo Lisboa a principal cidade de residência (45 referências - 4,9%).
Do total de inquiridos, 13,1% eram ativos com profissão, destacando-se entre a diversidade de funções e profissões desempenhadas: os enfermeiros (24), vendedores de loja (17) e médicos (10), na sua maioria (93%), trabalhadores por conta de outrem.
A Participação dos jovens do Funchal e as Políticas Municipais de Juventude - um desafio
O estudo desenvolvido visou dar resposta aos dois objetivos previamente definidos. Assim, relativamente ao 1.º objetivo - analisar e compreender as representações dos jovens do Funchal sobre si próprios e sobre a sua participação ativa e envolvimento nos processos de democracia participativa, os participantes do estudo elencam, num primeiro momento, os principais problemas e necessidades da juventude do Município.
Dos problemas vividos pelos jovens do Funchal, destacam-se sete categorias, a partir da análise de conteúdo das respostas. A Cidadania e Participação evidencia-se como uma área de maior fragilidade dos jovens, seguindo-se os problemas no Acesso ao Emprego e aqueles que se relacionam com os Consumos e Dependências. Relativamente à primeira categoria, as referências recaem sobre o Desinteresse dos jovens; na segunda categoria, as referências recaem sobre o Desemprego jovem e, na terceira, são as Dependências, Vícios, Drogas, Consumos as mais frequentemente referidas. As restantes categorias estão relacionadas, ainda, com dependências, mas das tecnologias, com problemas relacionados com a saúde mental e ainda com as condições de vida, como a falta de tempo e espaços de lazer e o acesso à habitação.
Das necessidades identificadas destacam-se, portanto, as relativas à Educação e Formação, ao Acesso ao Emprego e à Mobilidade e Acessibilidade. Relativamente à primeira, as referências incidem sobre a carência de mais Incentivos e apoios à educação e formação; em relação à segunda, a fragilidade identificada relaciona-se com a Oportunidade de emprego estável e bem remunerado; para a terceira, identifica-se a importância de Maior frequência/variedade e acessibilidade de transportes. As restantes categorias estão relacionadas com aspetos relativos ao acesso à habitação, à saúde, aos apoios socioeconómicos e à existência de mais eventos culturais e de lazer.
Em termos da participação ativa dos jovens na cidade, utilizou-se, numa primeira fase, o modelo da Escada da Participação de Roger Hart (1992), adaptado (adaptado de Dínamo, 2015), para analisar as representações dos jovens sobre o seu posicionamento na mesma, através dos degraus que a compõem, nomeadamente: Degrau 8 - Os jovens cogerenciam a execução dos planos, projetos e políticas;
Degrau 7 - Os jovens incluem as suas reivindicações nos planos, projetos e políticas;
Degrau 6 - Os jovens participam das discussões;
Degrau 5 - Os jovens reivindicam as suas ideias e ações concretas;
Degrau 4- Os jovens são aparentemente ouvidos nas questões que lhes dizem respeito;
Degrau 3 - Os jovens são informados apenas sobre os planos, projetos e políticas;
Degrau 2 - Os jovens são manipulados;
Degrau 1 - Os jovens são passivos, desorganizados, explorados.
Assim, em relação à participação na vida do município, 354 dos 1218 jovens inquiridos que responderam à questão (29%) consideram que apenas são informados sobre os planos, projetos e políticas e 275 (22,6%) consideram que os jovens são aparentemente ouvidos nas questões que lhes dizem respeito (degrau 3 e 4 respetivamente), como se verifica na figura 1.
Fonte. Inquérito por questionário aos jovens do Funchal
Apenas 30 inquiridos (2,5%) afirmam que os jovens cogerenciam a execução dos planos, projetos e políticas da cidade (degrau 8). Assim, cerca 52% dos jovens revê-se nos degraus da não-participação da escada de Hart relativamente à participação jovem na vida do Município.
No contexto da participação jovem, e tendo em conta que no ano de 2019 se realizaram três eleições - as eleições Europeias, eleições para a Assembleia Legislativa da RAM (ALRAM) e para a Assembleia da República (AR), foi feita auscultação aos jovens quanto à sua participação nestes atos eleitorais. A maioria dos inquiridos refere não ter votado em nenhum dos três atos eleitorais por não ter idade para votar, de acordo com o espectro de idades da amostra (que apresenta maior representação da faixa etária mais jovem onde se incluem os jovens menores de idade). Verifica-se uma diminuição significativa da participação dos jovens nas eleições para a AR comparativamente às eleições europeias e às eleições para a ALRAM (figura 2).
Fonte. Inquérito por questionário aos jovens do Funchal
Dos jovens que votaram nos atos eleitorais, a razão mais invocada para votar nas três eleições é o facto de considerarem o voto como um dever cívico. Também um número significativo de jovens refere ter votado porque quer ter uma palava a dizer e porque acredita que o seu voto faz a diferença. Dos jovens que referem não ter votado, a segunda razão mais escolhida para não votar (depois da idade) é o facto de não se sentirem suficientemente informados para tal - falta de informação. Destacam-se, ainda, como outros motivos para não votar, a ausência da região na data das eleições e as datas impraticáveis e barreiras burocráticas em relação aos estudantes do Ensino Superior que se encontram fora da região a estudar.
Analisando o interesse dos inquiridos jovens pela política, 36,3% revelam pouco interesse e 35,7% revelam algum interesse no universo de 1199 inquiridos que responderam à questão. Apenas 8,4% revelam muito interesse e 19,6% referem não ter interesse nenhum. Assim, 56% dos inquiridos consideram ter pouco ou nenhum interesse pela política.
Relativamente à participação em associações, organizações e clubes desportivos, mais de metade dos 1242 inquiridos que responderam à questão refere que não pertence a uma associação, organização ou clube desportivo (733 inquiridos - 59%). Quanto à tipologia das associações, organizações e clubes desportivos em que os jovens participam, dos 509 jovens que afirmaram participar, 43% refere pertencer a um Clube/Grupo Desportivo, 14,9% pertencem a uma associação juvenil, 13,3% a uma Associação Cívica/Voluntariado e 10,8% a organizações e grupos religiosos. Por outro lado, são os grupos informais e as juventudes partidárias que menos atraem os jovens, com 3,1% e 4,7% respetivamente (figura 3).
Ainda sobre a tipologia de associação em que os jovens participam, é possível aferir que, maioritariamente, os inquiridos fazem parte de apenas um tipo de organização.
Fonte. Inquérito por questionário aos jovens do Funchal
Quando questionados sobre a forma como participam nestas organizações/associações, 30,9% dos jovens referem que são atletas federados e 20,1% participam como associados. Há um equilíbrio entre aqueles que organizam atividades e aqueles que só participam (18,3% e 18,5% respetivamente). Apenas 11% assume a liderança das mesmas, pertencendo aos corpos sociais das associações/clubes desportivos. Também na sua maioria, os jovens apenas acumulam uma função/ forma de participação dentro destas organizações (360 inquiridos), sendo que 101 assumem duas funções.
Relativamente aos jovens que reportam não pertencer a nenhuma associação/organização ou clube desportivo, quando questionados sobre as razões da sua não participação, 358 (51,5%) identificam como principal motivo a falta de tempo para participar, 142 (20,4%) indicam desinteresse em pertencer e 123 (17,7%) manifestam interesse envolver-se, mas nenhuma associação/organização lhe interessa.
Em síntese, a Cidadania e Participação, o Acesso ao Emprego e os Consumos e Dependências destacam-se como áreas de maior fragilidade dos jovens, recaindo sobre a Educação e Formação, ao Acesso ao Emprego e à Mobilidade e Acessibilidade as principais necessidades dos jovens do Funchal. Em termos de participação ativa na vida do município, há uma representação geral que enuncia a fraca participação e a passividade, resultado da desmotivação, do desinteresse, e da falta de cultura de participação e de informação. Na sua maioria, os jovens inquiridos não participam nem pertencem a nenhuma associação/organização ou clube desportivo, e têm pouco ou nenhum interesse na política.
Relativamente ao 2.º objetivo - refletir sobre a forma como os jovens são envolvidos nos processos de participação e decisão, em termos de políticas locais de juventude, começámos por questionar os jovens acerca do seu conhecimento sobre os Programas e Projetos da Câmara Municipal do Funchal (CMF) direcionados à juventude. Dos 1245 inquiridos que responderam à questão, a maioria revela desconhecer os mesmos (43,7% dos inquiridos), alguns manifestam já ter ouvido falar (32,2%), 19% indicam conhecer razoavelmente e, apenas 4,6% afirma conhecer bem.
Destes programas da CMF, 608 inquiridos referem conhecer as Bolsas de Estudo dos Estudantes Universitários (30,8%) e 471 o Programa de atribuição de manuais escolares (23,9%), evidenciando ter um maior conhecimento sobre os programas de carácter social. Em termos dos programas de âmbito participativo, 239 (12,1%) jovens conhecem a Assembleia Municipal Jovem e 204 o Orçamento Participativo (10,3%). São ainda conhecidos o Programa Municipal de formação e ocupação em contexto de trabalho, apoio ao arrendamento habitacional e os apoios ao associativismo.
Sobre o número de programas e projetos juvenis da CMF reportados pelos jovens, entre as 710 respostas, 183 inquiridos identificam três destes programas/projetos, 178 dois programas e 160 apenas conhecem um dos programas. Comparando com os 701 jovens que afirmaram anteriormente "Já ouvi falar", "Conheço razoavelmente", "Conheço bem" e "Conheço muito bem”, verifica-se que nove jovens, apesar de afirmarem desconhecer os programas/projetos de Juventude da CMF, quando os mesmos são descritos, identificam-nos como programas/projetos da área.
Relativamente aos inquiridos que afirmam desconhecer os programas/projetos da CMF para a Juventude (715 respostas), 53,3% justificam este desconhecimento com a pouca divulgação, 30% indicam não ter interesse e 16% afirmam ter dificuldades em encontrar informação. Comparando com os 544 jovens que respondem desconhecer os projetos da CMF, verifica-se que 171 jovens, mesmo tendo algum conhecimento dos projetos, assumem “não ter interesse”, “dificuldade em encontrar informação” e “pouca divulgação”.
No sentido de compreender o grau de satisfação dos jovens quanto à oferta de atividades organizadas pela CMF, identificámos que relativamente às atividades de âmbito cultural, 623 inquiridos encontram-se satisfeitos (53%), 312 pouco satisfeitos e 134 insatisfeitos (perfazendo estes dois últimos 38% do total de 1171 inquiridos que responderam à questão). Quanto às atividades desportivas, 590 inquiridos (50%) mostram-se satisfeitos com a oferta, cerca de 299 encontram-se pouco satisfeitos e 127 insatisfeitos (36% de inquiridos pouco ou nada satisfeitos). Nas atividades de animação/lúdicas, 595 inquiridos encontram-se satisfeitos (51%), 312 pouco satisfeitos e 125 insatisfeitos (37% pouco ou nada satisfeitos). Já relativamente às atividades de âmbito formativo, 402 inquiridos mostram-se pouco satisfeitos e 149 insatisfeitos (47% pouco satisfeitos e insatisfeitos) com a oferta de atividades da CMF e 509 inquiridos encontram-se satisfeitos (43,6%). Assim, de uma forma genérica, os inquiridos apreciam a oferta de atividades organizadas pela CMF e revelam a sua satisfação com as mesmas. As atividades de formação são aquelas em que há maior o grau de insatisfação ou pouca satisfação.
Quando questionados sobre as potencialidades da cidade do Funchal na área da juventude, que consideram ser uma mais-valia para os jovens da cidade, num total de 404 referências, 53% os inquiridos destacam as áreas do Desporto (22,5% referências), do Entretenimento e Lazer (16,3% referências), e da Oferta Turística (14,4% referências). Ao nível do Desporto, são as atividades desportivas as mais valorizadas. No Entretenimento e Lazer, as referências recaem sobre a diversidade de atividades e espaços de lazer/lúdicos e, o Turismo reúne as referências da terceira categoria mais referida. As restantes potencialidades enunciadas distribuem-se pelas oportunidades e atividades existentes nas áreas de Educação/Formação, Cultura e Arte, Ambiente, Mobilidade, Voluntariado e Emprego.
Enquadrando-se este estudo no âmbito da participação jovem nas políticas municipais de juventude, procurou-se conhecer as representações dos jovens acerca da construção de um Plano Municipal de Juventude (PMJ). Em resposta à questão aberta “Sabes o que é um Plano Municipal de Juventude?”, verificou-se que há um desconhecimento geral sobre o conceito de Plano Municipal de Juventude (745 inquiridos - 59%) e, entre os inquiridos, apenas 10% (124 inquiridos) referiram ter conhecimento acerca do mesmo. Neste último grupo, verificou-se uma baixa taxa de resposta. A análise de conteúdo das respostas à definição do conceito de Plano Municipal de Juventude permitiu identificar apenas 28 referências, que foram agrupadas em duas categorias principais, nomeadamente os processos comuns de Estratégia e Resposta (18/28 referências) e de Participação e Compromisso (10/28 referências).
Assim, entre o pequeno grupo de respondentes (124), encontramos uma ideia de plano alicerçado num diagnóstico e que estrategicamente deve ser pensado e implementado num processo participado e de compromisso entre município e jovens, para um plano que se pretende de jovens para jovens e para a cidade.
Quando questionados sobre os objetivos que devem integrar um PMJ, as 83 referências identificadas revelam duas preocupações principais: uma, centrada nos Procedimentos metodológicos para a construção do plano (58/83 referências), priorizando a adequação dos objetivos e medidas aos jovens, às suas necessidades económicas e sociais; outra, focada nas Intencionalidades do plano (25/83 referências), em particular na definição de objetivos que promovam o envolvimento dos jovens na tomada de decisões, dando-lhes maior protagonismo e responsabilidades de cidadania e participação nas orientações de política do município.
Foi também solicitado aos inquiridos que, perante nove áreas apresentadas - Saúde e Bem-estar; Educação e Formação; Mobilidade; Cultura, Lazer, Desporto e Turismo; Empregabilidade, Empreendedorismo e Inovação; Acesso à Habitação; Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Associativismo, Voluntariado, Participação e Cidadania e Inclusão/Coesão Social, as classificassem tendo em conta a sua importância para a vida dos jovens do Funchal, no momento presente. Os inquiridos classificam as nove áreas maioritariamente com o nível 5 (grau máximo de importância). As áreas da Saúde e Bem-estar e Educação e Formação são, entre as nove áreas apresentadas, as consideradas mais importantes para a vida dos jovens do Funchal: 934 e 841 inquiridos classificam estas áreas com a nota máxima 5 (74% e 67% da amostra). As áreas da Empregabilidade, empreendedorismo e inovação e de Acesso à habitação são também destacadas com a nota mais elevada, atribuída por 646 inquiridos (51% da amostra), e a área do Ambiente e desenvolvimento sustentável também conta com a avaliação mais elevada por 601 inquiridos (48%).
Os jovens inquiridos deixaram diversas propostas a considerar na construção de um Plano de Juventude para o seu município, destacando-se 92 referências a propostas nas áreas das Infraestruturas, 71 referências a propostas nas áreas da Cultura e Artes, 69 referências a propostas na área da Educação e Formação e 62 referências a propostas na área da Cidadania e Participação, perfazendo estas áreas cerca de metade das referências a propostas nas diversas áreas (294 referências num total de 527 referências apresentadas).
Na categoria Infraestruturas, destacam-se as propostas de Mais espaços juvenis na cidade e a existência de um Balcão/Gabinete de Juventude. Na Cultura e Artes, evidencia-se a referência a Uma agenda cultural mais diversificada todo o ano e, na Educação e Formação, surgem as referências a Formações, palestras, ações formativas, masterclasses e workshops gratuitos. Já para a Cidadania e Participação, as propostas recaem sobre participação mais pró-ativa dos jovens nos assuntos municipais/desenvolvimento da cidade e uma maior e melhor divulgação dos projetos e atividades para os jovens.
Os jovens foram, ainda, questionados sobre o seu interesse em participar de forma mais ativa no desenvolvimento da cidade do Funchal. Mais de metade dos respondentes (707 inquiridos - 56,2%) afirma não ter interesse nesta participação. Os restantes 44% (552 inquiridos) revelam vontade em participar mais ativamente no desenvolvimento da cidade. Para estes últimos, o voluntariado é a forma de contribuição mais referenciada. É ainda de mencionar a disponibilidade manifestada para ajudar no que for necessário (17,5% das referências), assim como colaborar em ações de limpeza da cidade (14,9% das referências).
Considerando a importância da comunicação e da divulgação no contexto das Políticas Municipais de Juventude, foi solicitado aos inquiridos que identificassem os meios de comunicação preferenciais para receberem informação sobre as atividades realizadas na cidade: 723 inquiridos (57,4% do total de inquiridos) consideram o Instagram como meio preferencial de receção de informação e 626 indicam o Facebook (49,7%). O email pessoal é referido por 37,1% dos inquiridos. Destacam-se, ainda, as propostas sobre o website da CMF, dos jornais (papel e digital) e da comunicação direta através da família/amigos, entre os 24% e os 30%.
Em suma, refletindo sobre a forma como os jovens são envolvidos nos processos de participação e decisão, em termos de políticas locais, as representações acerca das políticas municipais de juventude dão conta de um desconhecimento generalizado por parte dos jovens acerca dos projetos e programas municipais que lhes são destinados, decorrente da pouca divulgação e interesse, sendo os programas de âmbito social os mais conhecidos. Contudo, de uma forma genérica, os inquiridos apreciam a oferta de atividades organizadas pela CMF e revelam a sua satisfação com as mesmas. As oportunidades desportivas, de entretenimento e lazer e a oferta turística são consideradas como as principais potencialidades da cidade do Funchal na área da juventude, apresentando-se como uma mais-valia para os jovens. Por outro lado, há um desconhecimento geral dos jovens sobre o conceito de Plano Municipal de Juventude, sendo o mesmo associado a processos de Estratégia e Resposta, Participação e Compromisso, com a priorização e adequação dos objetivos e medidas destinadas à juventude, às suas necessidades económicas e sociais e ao seu envolvimento na tomada de decisões os principais objetivos. As áreas da Saúde e Bem-estar, Educação e Formação Empregabilidade, empreendedorismo e inovação, Acesso à habitação e a área do Ambiente e desenvolvimento sustentável são percecionadas como as mais importantes neste contexto. Contudo, a maioria dos jovens demonstrou não ter interesse em participar de forma mais ativa no desenvolvimento da cidade e no acompanhamento das políticas municipais de juventude.
Considerações finais
Retomando a problemática definida, procuramos agora, a partir do conhecimento das representações que os jovens do Funchal têm de si e da sua participação enquanto cidadãos na vida do município, identificar as mais-valias decorrentes de uma estratégia de construção de uma política de juventude para a cidade com os jovens. A representações dos jovens do Funchal sobre a sua participação ativa e envolvimento nos processos de democracia participativa apresentadas reforçam, através da identificação dos seus principais problemas e necessidades, a heterogeneidade, a transitoriedade e o dinamismo que caraterizam a juventude enquanto categoria social, tal como referem Pais (1996) e Campos (2010), constituindo não uma, mas várias juventudes, cujos problemas e necessidades se assumem como as descontinuidades e ruturas que marcam esta categoria social, transversais à juventude do município Funchal - território onde se desenvolveu o estudo.
A análise destas representações confirma a urgência em apostar em diversas e desafiantes formas e espaços de participação política e cívica, consequência do percetível desinteresse dos jovens na participação cívica e pública, como referem Crowley e Moxon (2017) e Siurala (2006), face às oportunidades tradicionais de participação. Contudo, os jovens inquiridos valorizam os processos participativos, nomeadamente a sua participação ativa e envolvimento na construção da cidade e na formulação de políticas públicas, através dos processos de democracia participativa, nos quais os jovens devem ser o elemento central pois “Nada para os jovens, sem os jovens” (ONU 2019) - os jovens residentes, estudantes, trabalhadores e os que visitam a cidade e que assim fazem parte da sua construção.
Neste sentido, e refletindo sobre a forma como os jovens são envolvidos nos processos de participação e decisão, é necessário, tal como refere Hart (1992) e o Conselho da Europa (2003), criar oportunidades, quer físicas, quer económicas e sociais, disponibilizar meios e espaços de participação, gerando atitudes de compromisso dos jovens com a vida da sua comunidade e a construção de uma sociedade melhor.
No âmbito específico das políticas públicas de juventude, onde se enquadram instrumentos de apoio para a definição e operacionalização de políticas públicas, como um Plano Municipal para a Juventude - torna-se fundamental compreender as necessidades e aspirações dos jovens de forma a desenhar e implementar políticas que reflitam uma visão partilhada entre jovens, técnicos, decisores e parceiros locais - através de processos de cocriação e da participação e responsabilização dos indivíduos: os jovens devem assumir o papel central e ativo em todo o processo, participando ativamente no diagnóstico, definição, implementação e avaliação de políticas e estratégias, ouvindo e fazendo ouvir-se, sendo também responsáveis por apoiar e motivar outros jovens, assumindo uma responsabilidade criativa de dinamização da políticas que lhes dizem diretamente respeito.
É, pois, necessário, tal como referem as orientações do Conselho da Europa (2018) e os diversos autores mobilizados neste artigo, olhar as políticas municipais de juventude e os instrumentos e mecanismos através das quais as próprias são construídas e implementadas, como vias privilegiadas para a criação de condições e oportunidades de aprendizagem e experimentação por parte dos jovens, contribuindo para o seu desenvolvimento pessoal, para a sua emancipação e participação ativa na sociedade. É igualmente importante envolver todos aqueles que trabalham voluntária ou profissionalmente com os jovens, construindo redes de suporte e contributos às Políticas Locais de juventude. As questões da participação e da informação - nomeadamente a divulgação e comunicação, assim como a disponibilidade de espaços e oportunidades, são consideradas estruturais num processo participado com os jovens para a promoção de uma política de juventude sustentada, no município.
Os resultados demonstram, assim, as potencialidades dos processos participativos na definição e promoção de políticas inclusivas para os jovens a nível local e reforçam a necessidade de implicar os jovens em todo o processo, do diagnóstico à definição e implementação dessas mesmas políticas públicas. No caso específico da juventude, torna-se, assim, importante compreender as motivações para a participação ativa, efetiva e concreta na vida do município, de forma a potenciar a proximidade das políticas da cidade aos jovens.