Introdução
Apesar do reconhecimento do impacto positivo do Ensino Superior (ES) na qualidade de vida (e.g., Kelley & Westling, 2019), há um grupo vulnerável que continua sem acesso a este nível de ensino: pessoas com Dificuldades Intelectuais e/ou de Desenvolvimento (DID). Face aos obstáculos impostos a esta população e à carência de oportunidade educativas no ES, uma das soluções apontadas na literatura é a criação de programas universitários (e.g., Jones et al, 2015; O`Brien & Bonati, 2019).
Estes programas apresentam um longo historial nos Estados Unidos da América (EUA) e Canadá, contudo, é um tema relativamente recente em vários países da Europa, incluindo Portugal, o que se reflete na escassa literatura existente. Urge abrir as portas das IES a esta população, mas antes importa perceber como estruturar um programa universitário alinhado com os seus objetivos individuais e o sistema institucional.
Assim, o presente estudo visa compreender as componentes a considerar num programa universitário inclusivo, dirigido a pessoas com DID, a partir das perceções das próprias e suas famílias, bem como de elementos da comunidade académica, que vivenciaram/observaram a experiência da vida universitária das respetivas pessoas com DID, durante um semestre letivo.
Este artigo apresenta a contextualização teórica e a metodologia adotada e, em seguida, expõe a apresentação e interpretação dos dados e, por último, tecem-se as conclusões.
Ensino superior inclusivo para estudantes com dificuldades intelectuais e/ou de desenvolvimento
O ES é reconhecido pelo seu impacto positivo como a melhoria da qualidade de vida (e.g., Kelley & Westling, 2019) e por ser um dos poucos mecanismos de efetiva mobilidade social e económica, promovendo oportunidades e reduzindo desigualdades (Queiró, 2017). Neste âmbito, a promoção de sistemas e ambientes de ES inclusivos é uma prioridade fundamental para a Europa (Brussino, 2021; European Commission, 2017).
Segundo Jones et al. (2015), o ES inclusivo adota um compromisso compartilhado de valorizar todas as pessoas e oferece oportunidades para os indivíduos interagirem, colaborarem e aprenderem uns com os outros. Os mesmos autores referem que um campus inclusivo gera apoios naturais no seio da comunidade académica para envolver significativamente todos os estudantes na vida universitária, oferecendo aos estudantes com deficiência, incluindo com DID, as mesmas oportunidades e escolhas.
Vários países, incluindo Portugal, têm assumido compromissos no âmbito do direito à educação no ES como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - CDPD - (Nações Unidas, 2006), em que o acesso ao ES de pessoas com DID incorpora-se na Cláusula 5.ª do Artigo 24.º da CDPD. Mais recentemente, no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (United Nations, 2015), múltiplos países, abrangendo Portugal, comprometeram-se a garantir a equidade no acesso a todos os níveis de educação para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência (ODS4); a igualdade de oportunidades e a redução das desigualdades (ODS 10).
Apesar de o ES ser um facilitador do progresso em direção aos ODS, as pessoas com DID continuam a ter falta de oportunidades educativas neste nível de ensino. Por conseguinte, surge a necessidade de reflexão (e ação) sobre esta problemática, a fim de se encontrar soluções viáveis, incluindo adaptar o ES para ir ao encontro das necessidades de todos os estudantes (OECD, 2022). Não obstante, os obstáculos impostos a esta população face ao ES poderão ser mitigados através de: 1) políticas e práticas que promovam o acesso ao ES; 2) financiamento; e 3) criação de programas universitários inclusivos (e.g., Jones et al, 2015; O`Brien & Bonati, 2019).
Programas universitários acessíveis a estudantes com dificuldades intelectuais e/ou de desenvolvimento: visão geral das suas características
Um dos avanços mais significativos na área da educação desenvolvido no último meio século é o ES inclusivo para estudantes com DID (Think College National Coordinating Center Accreditation Workgroup, 2021).
No presente estudo, adotou-se o termo "Dificuldades Intelectuais e/ou de Desenvolvimento” (DID) que envolve um conjunto amplo de condições ou diagnósticos, visto que veio substituir “deficiência mental/intelectual” pelo reconhecimento de o indivíduo poder assumir o papel que dele é esperado pelos valores socioculturais vigentes, com os apoios apropriados (Santos & Morato, 2012). Segundo a American Association on Intellectual and Development Disabilities (AAIDD), “Intellectual disability is a condition characterized by significant limitations in both intellectual functioning and adaptive behavior that originates before the age of 22” (AAIDD, 2024).
O ES inclusivo para pessoas com DID apresenta um historial significativo no contexto internacional, principalmente em países como EUA e Canadá. Nos EUA, os programas existem desde a década de 70 em resposta a movimentos sociais dinamizados por famílias, docentes e investigadores em defesa do prosseguimento de estudos no ES para esta população (Neubert et al., 2001). No Canadá, a Universidade de Alberta, em 1987, foi pioneira a desenvolver um programa que possibilitou o acesso e a frequência de Unidades Curriculares (UC) a estudantes com DID, ao lado dos seus pares sem DID (Hughson et al., 2006).
Na Europa, em 2004, a Universidade Autónoma de Madrid, em Espanha, foi a primeira a oferecer um programa (híbrido) a pessoas com DID. Por sua vez, em Portugal, o Instituto Politécnico de Santarém, em 2018, consagrou um programa apresentado como réplica do programa espanhol supracitado.
Os estudos de Hart et al. (2006) e Neubert et al. (2001) apresentam uma forma de caracterizar os programas universitários segundo três modelos, com base no nível de integração dos estudantes com DID na comunidade académica e o foco do programa, conforme citado seguidamente.
Modelo segregado: os estudantes com DID frequentam UC projetadas e destinadas apenas para eles, atividades sociais e experiências no contexto de trabalho (e.g., programa da George Mason University, EUA).
Modelo híbrido: os estudantes com DID frequentam UC projetadas e destinadas apenas para eles; e participam em algumas atividades com estudantes sem DID, em atividades sociais e experiências no contexto de trabalho (e.g., programa da Trinity College Dublin, Irlanda).
Modelo inclusivo: os estudantes frequentam UC existentes na oferta educativa da IES, ao lado dos colegas sem DID, e recebem apoios nas atividades curriculares e extracurriculares (e.g., programa da Flinders University, Austrália).
O estudo de McEathron et al. (2015), além de mostrar que os programas variam entre si, caracteriza um programa pela quantidade de UC que os estudantes com DID frequentam com estudantes sem DID. Assim, se o plano contemplar apenas UC da IES trata-se de um Programa integrado; enquanto se o plano não comtemplar UC da IES é um Programa não integrado. Segundo estes autores, as componentes social e vida autodeterminada podem incluir atividades extracurriculares da/na IES ou UC criadas apenas para estudantes com DID. Com base na taxonomia de McEathron et al. (2015), o estudo de Machado (2022), após a análise de 15 programas enquadrados nos três modelos, identificou componentes gerais, componentes institucionais, admissão, apoios, componentes académicas, componentes profissionais, componentes para uma Vida Independente e componentes sociais. Este estudo concluiu que os programas com um maior nível de integração, i.e., sob o modelo inclusivo, são os que provêem mais tipos de apoios, principalmente através do apoio dado por mentores. Entre estes programas, a principal diferença denotada foi a variação na oferta de apoio para a Vida Independente.
Os estudos de Björnsdóttir (2017) e Stefánsdóttir e Björnsdóttir (2016) descrevem um programa que consideram inclusivo por o programa ser constituído por UC da IES, no entanto, argumentam sobre a necessidade de adicionar UC específicas de orientação profissional/estágio somente por a IES não contemplar esta oferta, de acordo com as necessidades dos estudantes.
O Grupo de Trabalho do Centro Nacional de Coordenação para a Acreditação (2020) propõe padrões orientadores para o currículo destes programas universitários, i.e.,: 1) um plano de estudos consistente com a missão do programa; 2) a utilização do Planeamento Centrado na Pessoa (PCP); 3) a participação em UC existentes na oferta educativa da IES; 4) a promoção de experiências em contexto de trabalho; 5) o envolvimento em atividades sociais/extracurriculares; e 6) a disponibilização de apoios individualizados.
Questão e objetivo de investigação
A necessidade de oportunidades educativas no ES para esta população e a escassez de estudos científicos sobre esta temática parecem acentuar a importância de se investigar sobre o ES inclusivo para pessoas com DID. Neste sentido, o Grupo de Trabalho para as Necessidades Especiais na Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (2017, p. 19) recomendou a realização de estudo/s “sobre o acesso ao Ensino Superior das pessoas com dificuldades cognitivas, no qual se pondere a possibilidade de as IES disponibilizarem formação, não conferente de grau ou diploma, a este grupo de estudantes”.
Assim, formulou-se a seguinte questão norteadora deste estudo: Que componentes e elementos considerar no quadro curricular de um programa educativo, ao nível do ES, inclusivo e acessível a pessoas com DID, em alinhamento com os seus objetivos individuais e o sistema da IES?
No sentido de operacionalizar a questão supracitada, objetiva-se compreender as perceções de pessoas com DID (com experiência na vida universitária) e suas famílias, bem como do corpo docente, não docente e discente que vivenciaram e/ou observaram a experiência destas pessoas no contexto universitário, a fim de contribuir para uma proposta coerente e autêntica de inclusão no ES, capaz de se constituir uma base de informação para potenciais IES interessadas em desenvolver programas dirigidos a esta população.
Metodologia
As evidências apresentadas neste artigo fazem parte integrante de um trabalho, mais amplo, enquadrado numa tese de doutoramento, que visava compreender o processo de participação, com apoio, de pessoas com DID na vida universitária. O estudo foi realizado numa IES pública localizada em Portugal. A fim de ressalvar o seu anonimato foi-lhe atribuída a designação Universidade Portuguesa e, para este efeito, o acrónimo UPor.
Descrição e recrutamento dos intervenientes
Houve um total de 37 intervenientes no trabalho supracitado. Destes, 31 pessoas abordaram o desenho curricular de um programa nas suas perceções, tratando-se do corpus recolhido e integrado no presente estudo. Estas pessoas inquiridas foram previamente intervenientes num Programa Piloto que proporcionou oportunidades de participação a pessoas com DID na vida universitária, em articulação com um sistema de apoios, durante o segundo semestre do ano letivo 2018-2019.
Dos intervenientes, quatro são pessoas com DID, três do sexo feminino e um do sexo masculino, que participaram em experiências de aprendizagem na vida universitária. As suas idades situaram-se entre os 18 e 37 anos. As condições de recrutamento das pessoas com DID incluíram a conclusão da escolaridade obrigatória; a motivação; a disponibilidade imediata; a autonomia de deslocação na IES; e o comprometimento das famílias no apoio à sua participação no Programa Piloto. Após o seu recrutamento, através do Planeamento Centrado na Pessoa (PCP), foi proporcionado aos Estudantes-Participantes a escolha das experiências na vida universitária, de acordo com os seus objetivos individuais, incluindo a participação em: 1) UC da IES da área científica da sua preferência, e/ou 2) módulos projetados propositadamente no âmbito de variadas Literacias.
Assim, cada Estudante-Participante construiu um plano individualizado: a EP1 escolheu frequentar duas UC da IES (UC ART e TEC) e módulos; a EP2 selecionou uma UC da IES (UC ART) e módulos; a EP3 e o EP4 escolheram módulos.
Após a seleção de experiências, contactou-se os docentes das UC para a obtenção do seu consentimento informado, a fim de permitir a participação da EP1 e EP2 nas aulas. Quanto aos módulos, contactou-se os docentes que, previamente, já se tinham disponibilizado, a convite, para se proceder à sua dinamização.
No fim do segundo semestre do ano letivo 2018-2019, os intervenientes foram convidados a participar no presente estudo, através de um inquérito por entrevista, e todos deram a sua concordância por escrito: Estudantes-Participantes; membros das suas famílias; docentes das UC; docentes dos módulos; membros do corpo não docente (que estiveram envolvidos em serviços de apoio ou que observaram os Estudantes-Participantes na UPor e foram convidados a partilhar as suas perceções); estudantes mentoras das UC (voluntárias no apoio aos Estudantes-Participante); estudantes das UC (convidados a partilhar as suas perceções). A Tabela 1 ilustra os intervenientes e os respetivos códigos atribuídos.
Opções metodológicas
Este estudo, de natureza qualitativa (Merriam, 2009), adotou o inquérito por entrevista (Bryman, 2012) como técnica para a recolha de dados. A análise de conteúdo foi a técnica adotada para a análise de dados, com o suporte de um software de análise qualitativa designado WebQDA (Costa & Amado, 2018).
Recolha e análise de dados: procedimentos
O primeiro passo consistiu em solicitar o consentimento do Conselho de Ética da IES. Após a obtenção deste parecer, teve-se em consideração elementos enunciados por Bryman (2012) e Amado (2014) na preparação das entrevistas e nos respetivos procedimentos. Foram criados guiões compostos por questões orientadoras com o propósito de responder à questão de investigação. O guião foi revisto e validado por uma especialista. Foi efetuada uma entrevista aos intervenientes supracitados na Tabela 1, no período compreendido entre junho e outubro de 2019. Antes da entrevista, procedeu-se à aplicação do termo de consentimento informado a todas as pessoas. Para assegurar o anonimato e a confidencialidade, foram atribuídos códigos (supracitados na Tabela 1). Todas as entrevistas foram gravadas, em áudio e, cada uma, durou, no máximo, cerca de uma hora.
Com vista à análise dos dados, seguiu-se um conjunto de procedimentos propostos por Bardin (1995). Para responder à questão de investigação, foram definidas previamente categorias/subcategorias, i.e., a priori (Amado, 2014), enquanto outras foram geradas a partir das narrativas das pessoas inquiridas. As categorias/subcategorias a priori tiveram como linha referencial a taxonomia estabelecida por McEathron et al. (2015) e elementos do Trabalho do Centro Nacional de Coordenação para a Acreditação (2020).
A fim de assegurar a credibilidade do processo de investigação, procedeu-se à triangulação, revisão por pares e member check (Merriam, 2009).
Apresentação e interpretação dos dados
As componentes percecionadas pelas pessoas inquiridas traduziram-se em: A) missão; B) duração e certificação; C) estrutura administrativa e financeira; D) currículo e pedagogia; E) corpo docente e não docente; e F) apoios.
A - Missão.
A.1 - Finalidades do programa
Integração da empregabilidade nas finalidades do programa. A narrativa de uma docente reflete a necessidade de a finalidade do programa integrar a área da empregabilidade, no sentido de ser “importante nós pensarmos para quê nós formamos estes estudantes, que lugares no mercado de trabalho” podem abrir-se a esta população. Na perceção da mesma docente, importa clarificar “de que maneira é que esta formação, esta experiência pode, ou não, ajudar aqueles que se adaptem melhor ao mercado de trabalho”. A docente idealizou uma das participantes ao afirmar que podia “olhar para a EP1 num contexto educativo”. Por outro lado, a docente realçou que “provavelmente há outros estudantes com DID que têm outra pretensão, que querem trabalhar noutros locais e isso deve ser bastante adequado e pensado” (D2_TEC). Esta narrativa parece apontar para a importância de relacionar o percurso educativo de cada estudante com os seus objetivos profissionais e, por conseguinte, com as saídas profissionais inerentes às UC selecionadas pelos próprios. Esta evidência espelha a visão da importância que a dimensão profissional representa para esta população. Portanto, as finalidades do programa devem envolver a empregabilidade em consonância com Kelley e Westling (2019).
A.2 - Alinhamento com a missão da universidade
O alinhamento da missão do programa com a da universidade parece fulcral, como se infere do testemunho: “qual é que é a missão da universidade’? É, é preciso entender” (D2_ART). O mesmo docente acrescentou, em jeito de aspiração, que “se eu puder trabalhar numa universidade que é muito mais inclusiva nesse sentido, eu adorava”. Na perceção de outra docente “é importante eles andarem e frequentarem a universidade, i.e., a universidade também tem de ter preocupações, a meu ver, de índole mais, de índole social mais abrangente” (D_LF). Daí que um programa universitário, além de promover o desenvolvimento de competências académicas e profissionais, também deve ter em consideração a promoção de competências sociais, pessoais e transversais. A importância constatada do alinhamento da missão do programa com a da universidade é consonante com O`Brien e Bonati (2019), de modo que o programa se enquadre e integre nas políticas e práticas da IES, para que as pessoas com DID possam ter acesso a UC da oferta educativa da IES.
B - Duração e Certificação
B1 - Duração do programa
No que concerne à duração do programa, uma mentora afirmou que “eu acho que aquela experiência em que eles passam mais tempo na universidade e mais tempo em contacto com os professores”, reconhecendo que “eu acho que é mais vantajoso” (EM2_TEC). Na mesma linha de pensamento, uma mãe referiu que “um semestre foi muito bom, mas soube a pouco” (M_EP1). Ambos os testemunhos apelam a que o programa não seja de curta duração, o que parece dizer respeito à duração da oferta educativa existente na IES, i.e., à duração de dois anos como os CTeSP ou de três anos como a maioria dos cursos de licenciatura.
B.2 - Certificação
O impacto que um diploma universitário pode ter na vida de qualquer pessoa foi o que pareceu transparecer no discurso de um estudante, em que afirma que “só mediante um diploma é que acreditam no valor que as pessoas têm” (E1_ART). O certificado poderá fazer a diferença no processo de candidatura em que o candidato começa por ser seriado com base no seu currículo.
C - Estrutura administrativa e financeira
C.1 - Filiação
Articulação interdepartamental. O testemunho de uma docente sugere a articulação departamental, ao expressar que se deveria “fazer isto em articulação com os outros” (D2_TEC) departamentos da IES.
C.2 - Financiamento
Fonte de financiamento. Do ponto de vista de uma mãe, a “universidade também tem autonomia financeira, porque não? Podemos apelar pela universidade e pelos órgãos da universidade” (M_EP1), no sentido de contribuírem como fonte de financiamento de um programa. Esta evidência é consonante com o estudo de Plotner e Marshall (2015), em que expõem que a IES deve institucionalizar o programa. Vários programas dirigidos a esta população estão a ser dependentes da filantropia e da requisição de donativos e patrocínios (O`Brien & Bonati, 2019).
D - Currículo e pedagogia
D1 - Componente académica
D1a - Gestão curricular
Estrutura curricular composta por projetos. O testemunho de um docente sugere a preferência por uma participação através de projetos, i.e., “eu vejo muito mais isto num, como projetos” (D2_ART), argumentando que estes “são mais ágeis, são mais interessantes, permitem trabalhar de outra forma e continuam a criar oportunidades para as pessoas de participarem”. O mesmo docente afirmou que “não é uma coisa de virem às aulas todas ao longo do semestre. Eu sei que do ponto de vista daquilo que a gente consegue propiciar às pessoas é uma coisa diferente, é uma coisa mais contida” (D2_ART). Todavia, a narrativa de uma mentora contrasta por ter tido a oportunidade de experienciar uma iniciativa de curta duração (projeto realizado na mesma UC no ano letivo anterior) e uma de média duração (participação da EP1 na UC TEC durante um semestre): “como já tive ambas as experiências, eu acho que aquela experiência em que eles passam mais tempo na universidade e mais tempo em contacto com os professores, e com outros projetos que são fora do dia a dia deles, eu acho que é mais vantajoso” (EM2_TEC). Esta narrativa sugere que a participação em UC da IES (que também pode envolver projetos na sua metodologia) conduz à obtenção de mais benefícios.
Estrutura curricular composta por UC da IES. Com base na análise dos testemunhos, parece haver uma concordância predominante com o modelo inclusivo (e.g., Hart et al, 2006) e o Programa integrado (McEathron et al., 2015), no sentido de a sua estrutura curricular ser constituída por UC da oferta educativa da IES. Embora uma docente tenha reconhecido “que eles têm particularidades muitas próprias”, “pode ser estimulante eles estarem com outros estudantes, completamente integrados” (D_LF). A mesma docente disse que “eles [EP] precisam de estar a fazer com outros. Os outros ajudam”. Esta narrativa evidencia o papel que os colegas podem ter no que respeita ao apoio de pares. Na perceção desta docente, um programa composto apenas por UC da IES, faz sentido dado que “eles poderiam ter mais proveito porque os outros colegas também podiam interagir”, além de “ajudá-los”. Além de que “os colegas também aproveitavam porque contactavam com outras realidades que depois os vai ajudar”, i.e., “vai ajudá-los na parte de interagirem, possivelmente com outros públicos de estudantes que tenham com outras particularidades” (D_LF). Na sua perceção, esta integração só “traria benefícios para todos”. Pois, como refere a mesma docente, “eu tenho turmas aqui da L. [Licenciatura em Ensino] e nem todos estão ao mesmo nível” (D_LF). Há um depoimento que corrobora as afirmações anteriores e amplia o leque dos beneficiários, considerando que a inclusão de pessoas com DID nas UC da IES: “é desejável porque dá a visibilidade um bocadinho diferente à pessoa diferente, não a minorando, no seu estatuto, enquanto cidadão e, portanto, é desejável para que os outros jovens que possam ser parceiros nesta formação fiquem sensibilizados para estas diferenças e possam olhar o mundo um bocadinho diferente porque amanhã, eventualmente, pode ser um deles ou pode ser um familiar ou podem ter um filho e, portanto, nunca ter tido contacto com pessoas com este nível de dificuldade ou já ter tido e perceber e conhecer e estar sensibilizado para dificuldades, mas mesmo assim se podem ultrapassar ou como é que se podem ultrapassar, eu acho que é sempre uma mais-valia para aqueles que estão ali à volta incluídos no processo, mas para a sociedade, de uma forma geral” (D1_LS). Uma docente refere que importa “a universidade se abrir a um projeto destes, que não faça segregação cá dentro, que procure pontos de encontro” (DE_LVC) e que estes pontos “sejam opcionais”. Há depoimentos das EP como “sei que ia conseguir também com os colegas, é bom” (EP1) e “eu gostava de ter [aulas/atividades] com os outros estudantes” (EP2) que parecem revelar um tom indiciador da preferência da sua participação no ES ao lado dos seus colegas sem DID. Constata-se um conjunto de discursos que espelham a importância do programa inclusivo, no sentido de ser composto por UC da oferta educativa da IES, com o apoio dos colegas, o que repercutirá em benefícios tanto para esta população, como para a comunidade académica.
Criação de UC com um currículo acessível. Uma mentora e uma docente sugeriram a criação de novas UC, a título de opção, que sejam acessíveis a todos os estudantes (com/sem DID). Nesta linha de ideias, uma estudante propôs uma “cadeira ia dar tanto para estes jovens, porque eles também iriam aprender, tal como nós, futuros professores e educadores” (EM3_TEC). Um testemunho que é corroborado por uma docente que salienta que há várias áreas que “são fundamentais para todos” (DE_LVC). Na perceção desta docente face ao módulo que desenvolveu, em que participaram quatro EP e duas estudantes, “não houve nada que fosse para, para as duas jovens ou para os quatro jovens, foi sempre para os seis jovens”, acrescentando que “tudo é possível juntos e que é muito mais interessante se estivermos juntos”. A mesma docente reconhece que um plano acessível “implica um investimento”, no entanto, fundamenta que é possível “diversificar”, quanto aos conteúdos, “a forma de os apresentar” a fim de que todos possam “fazer um percurso o mais próximo possível”. Este relato aponta para a importância da utilização do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA). Uma docente referiu que “não pensamos a disciplina para eles” (D1_ART). Esta evidência sugere que importa analisar, atentamente, com base no DUA (e.g. Nunes e Madureira, 2015), os elementos da UC, a fim de elaborar um plano individualizado de aprendizagem com o corpo docente para garantir o acesso ao currículo. Há programas compostos por UC que, por terem redesenhado o seu plano, as tornaram acessíveis a todos os estudantes (Björnsdóttir, 2017; Stefánsdóttir & Björnsdóttir, 2016). Ora, criando UC ou redesenhando-as, parece importar a oferta de UC cujos planos curriculares sejam acessíveis a qualquer estudante.
Plano curricular construído com base nos objetivos do estudante. Um pai referiu que os estudantes destes programas “devem ter objetivos, eles devem ter ansiedade de fazer algo, alguma coisa e se calhar nunca ninguém lhe perguntou se ele queria fazer isto, se queria fazer aquilo” (P_EP3). Importa “estar em Unidades mediante o perfil deles” (D_LF) relatou uma docente. Há um discurso que corrobora as afirmações anteriores, considerando que “não tem de ser aqueles percursos típicos que nós conhecemos hoje” (D2_LS). Constata-se que um conjunto de testemunhos associou as práticas do Programa ao recurso do PCP, como se infere nas seguintes citações: “gosto muito desta ideia de desenhar à luz do outro”, i.e., “o que é que cada um deles pretende, o que cada um deles quer fazer, quais são os sonhos” (DE_LVC). Na perceção da mesma docente, esta forma de funcionamento é “adequada porque a verdade é que também não temos todos de fazer a mesma coisa” (DE_LVC). Este depoimento parece conduzir à concordância quanto ao modo de funcionamento de um programa por meio de um plano curricular individualizado e flexível a fim de os destinatários “terem esta possibilidade de poderem escolher” (DE_LVC). A oportunidade de poder ser “feita a escolha” (M_EP1), afirmou uma mãe. Um estudante alegou que “a inserção nesta disciplina ou noutra foi em função dos interesses foi em função do que cada um desses estudantes conjugam como importantes para a sua vida, ou profissional, ou social, ou pessoal” (E2_ART). Os dados gerados, em congruência com o estudo de Francis et al. (2018), apontam para a importância de um plano individualizado, flexível e alinhado, construído com o recurso ao PCP, proporcionando ao estudante com DID a escolha de atividades curriculares e extracurriculares, e apoios, de acordo com os seus objetivos. Estas evidências são consonantes com as recentes tendências em inovação curricular que incluem currículo personalizado e currículo flexível, visando melhorar a aprendizagem e o bem-estar dos estudantes, bem como tornar a aprendizagem mais relevante para a vida dos próprios (OECD, 2021).
Carga curricular do plano. No que concerne à quantidade de UC por semestre, uma mentora referiu que «quando ela teve mais UC começou a ficar mais “tenho de fazer, tenho de fazer aquilo” e acabou por dispersar um bocadinho» (EM1_TEC). Esta participante do Programa Piloto foi a que participou em mais atividades curriculares. Assim, importa que a carga horária curricular seja levada em consideração no desenho do programa.
Acomodações curriculares. Na narrativa de um docente é percetível a aplicação de uma acomodação curricular, i.e., permitiu que as EP dispusessem de mais tempo na concretização das tarefas, conforme se infere do seu relato: “adaptar um tempo mais diferente precisamente para estas questões da compreensão ou da iniciativa, mas isso muitas vezes acontece com outras pessoas também” (D2_ART). O docente admitiu que também disponibiliza mais tempo para alguns estudantes sem DID, o que leva a que se perceba a existência de mais similaridades (do que diferenças) entre eles. A afirmação da EP1 é consonante no que respeita ao ritmo, revelando que importa “fazer as coisas devagar, com tempo chegar lá” (EP1). Todavia, uma docente disse que “não tivemos a necessidade de alterar nada” (D1_TEC), argumentando que, como o Trabalho de Projeto foi a metodologia desta UC, tal contribuiu para que as acomodações não fossem necessárias. Os discursos apresentados permitem considerar, mesmo que a título de hipótese, que as necessidades de acomodações podem variar consoante a metodológica adotada. Nesta linha de ideias, o estudo de Stefánsdóttir e Björnsdóttir (2016) refere que as acomodações variam de UC para UC, em que as de teor prático são comummente mais acessíveis do que as de cariz teórico.
D1b - Gestão e organização do trabalho pedagógico
Diferenciação pedagógica. Na perceção da docente DE_LVC, “sabendo que existe uma coisa que se chama diferenciação pedagógica”, a mesma considera que se “não conseguir ir pela ficha A, então, se calhar, vou ter de ir usar a ficha B, se não for pela ficha, então eu vou usar um vídeo, se não for por um vídeo então eu faço um teatro” (DE_LVC). Esta abordagem de ensino torna-se relevante no fomento do sucesso de todos os estudantes.
Trabalho de Projeto e trabalho em grupo. A importância da metodologia adotada parece visível no testemunho de uma docente que referiu: “trabalhar por projetos e trabalhar em equipa também permite assegurar que estes estudantes são de facto integrados e conseguem atingir os objetivos de aprendizagem” (D2_TEC). Uma EP, no final do semestre, expressou que gostaria de “continuar com os trabalhos que tive em grupos” (EP1). Pela análise dos dados, infere-se que a metodologia adotada na UC TEC e o trabalho em grupo facilitaram o processo de participação da EP1 na UC. Estas evidências sugerem que as metodologias ativas podem promover a inclusão de estudantes com DID no ES.
D1c - Gestão da avaliação
Avaliação contínua e formativa. Uma docente abordou o tipo de metodologia de avaliação da UC nos seguintes termos: “a avaliação contínua e formativa foi tão importante” (D2_TEC), justificando que “permitiu tanto aos colegas, mas também às docentes ir adaptando consoante a evolução de cada grupo, adaptando o próprio processo de trabalho deles” (D2_TEC). Nesta UC, ao longo do semestre, houve cinco momentos de avaliação, em que os estudantes e a EP1 realizaram apresentações na aula sobre o trabalho de projeto desenvolvido. Como os elementos dos grupos foram recebendo feedback após cada apresentação, tal permitiu logo obter informações sobre a evolução da EP1.
D2 - Componente vida autodeterminada
Uma docente apela para a importância de “vermos a universidade de forma diferente”, no sentido de “não vermos só a formação académica”, por ser um ambiente rico para a aprendizagem de diversas competências.
Orientação no campus. Uma docente referiu que “se queremos uma inclusão plena, temos de conseguir que eles sozinhos façam muitos daqueles passos que têm de fazer como integrar-se dentro do espaço, saber chegar da porta da entrada até à sala de aulas” e, portanto, “serão também competências a desenvolver” (D1_LS). A utilização de tecnologias digitais que apoiam a orientação no campus (e.g., App); a disponibilização de alojamento (e.g., residência universitária) na IES; a solicitação da colaboração de estudantes voluntários no apoio para uma vida autodeterminada podem ser elementos relevantes a ter em consideração num programa.
Utilização de dinheiro. A utilização do dinheiro foi apontada como primordial na vida desta população. Um pai afirmou “que seria extraordinariamente importante que ela se sentisse à vontade para lidar, principalmente, no dia a dia, com o dinheiro” (P_EP3). Uma mãe argumentou que “eles precisam, a nível de fazerem contas, e fazer os trocos” (M_EP4). As competências ao nível da Literacia Financeira podem ser desenvolvidas em contextos naturais, com o apoio de pares (e.g., apoiar um estudante quando este precisa de comprar algo num dos serviços da universidade) ou em UC que envolva conteúdos desta área.
D3 - Componente social
Atividades na vida diária no campus. As experiências proporcionadas na componente social, de âmbito extracurricular, foram percecionadas como um fator de equilíbrio, no sentido de uma proporção harmoniosa entre a parte curricular e extracurricular, como se infere do excerto de um pai: “a EP3 gosta, i.e., gostou imenso de vir para cá precisamente por causa deste mix que lhe estava a dizer que vocês têm da parte intelectual e da parte lúdica, acho que houve aqui uma, uma mistura, um mix de equilibrador, que vocês realmente despertaram o entusiamo da EP3” (P_EP3). Constata-se que a componente social deve ser considerada no desenho de um programa.
D4 - Componente profissional
Integração de experiências em contexto de trabalho. Uma docente aborda a componente profissional no seu testemunho: “eles podem entrar [num curso] e trabalhar em simultâneo” argumentando que, assim, poderiam aprender a “resolver os problemas que surgem no mercado de trabalho” (D_LF). Neste âmbito, existem vários cursos universitários que apresentam UC com estágios ou projetos, de âmbito curricular ou extracurricular.
E - Corpo Docente e Não Docente
E1 - Perfil do corpo docente
Características do corpo docente. As características apontadas para um bom professor, na perceção da EP2, foram “ser simpático”; “ser amigo, ajudar as pessoas, ralhar quando é preciso e dar carinho quando é preciso” (EP2). Na perceção de um estudante, os docentes envolvidos devem ter “uma maior persistência, uma maior paciência com, com esse tipo de pessoas” (E3_ART). Segundo uma docente “o professor terá de estar atento” (D2_LS) à diversidade na sala de aula e, por conseguinte, à heterogeneidade da turma.
E2 - Suporte ao corpo docente
Apoio nas práticas pedagógicas. Na perceção de um elemento do corpo não docente, os docentes “precisam também de apoio, para além da boa vontade deles que também é necessária. Precisam de apoio do outro lado para sensibilizá-los em determinadas boas práticas, a nível, também, de atitude” (FU2). Outro elemento do corpo não docente mencionou que existe um serviço na UPor que “pode prestar apoio numa sessão de esclarecimento, por exemplo, logo no início do ano letivo, à comunidade docente, ou toda a comunidade” (FU1). Contata-se que o corpo docente deve ter suporte contínuo, a fim de poderem planear e adotarem práticas promotoras da inclusão e aprendizagem de estudantes com/sem DID.
E3 - Formação do corpo docente e não docente
Necessidade de formação para a inclusão de estudantes com DID no ES. Na perceção de um docente importa “dar muita formação” (D2_LS) ao corpo docente para a promoção da inclusão e aprendizagem de pessoas com DID no ES. O testemunho de outra docente é consonante afirmando que o docente “tem de se preparar, como é óbvio, para lhes dar a melhor resposta” (D_LF). O testemunho de um elemento do corpo não docente refere que “um docente quando se forma, quando tem aqueles anos de licenciatura e depois quando é lançado às feras, provavelmente não, não abrange este tipo de necessidades especiais” (FU1), acrescentando que “sentimos muito a falta” no que respeita a formação para lidar com pessoas com deficiência. O discurso de uma mentora foi congruente ao destacar a “formação dos professores”, acrescentando “porque acho que os professores universitários provavelmente não estão preparados” (EM3_ART), e, portanto, “têm de os encontrar, mas como os da universidade nunca os encontram, não estão mesmo preparados para interagir e para ensinar estudantes assim”. Nos depoimentos recolhidos, evidenciou-se a necessidade da formação do corpo docente não docente. Neste âmbito, o Grupo de Trabalho do Centro Nacional de Coordenação para a Acreditação (2020) recomenda que o desenvolvimento profissional e a formação do corpo docente devem incluir informação sobre DUA; DID; estratégias para apoiar estes estudantes; utilização de ferramentas tecnológicas.
F - Apoios dirigidos aos estudantes
F1 - Apoio de pares
Para uma docente “os próprios colegas” das UC “também podem ser responsáveis de alguma maneira pelo processo” (D3_LS), no âmbito do desempenho do papel de mentores. Na perceção de outra docente, estes poderiam “numa fase inicial, numa fase de transição, serem responsáveis por um conjunto de colegas, quase como os padrinhos” (D_LVC). A mesma docente justificou: “porque os torna mais iguais. Acho que por aí é uma coisa na questão da autonomia, a tutoria de pares, acho que é fundamental”. Como a configuração de um programa inclusivo implica os estudantes do programa passarem o máximo de tempo possível com os estudantes sem DID, logo os colegas mentores podem desempenhar um papel fulcral neste processo.
F2 - Apoio tutorial
Apoio disponibilizado por docentes. Uma docente mencionou que a “tutoria pode passar por, também, pela parte do docente que está com eles, assim como nós fazemos com outros estudantes” (D1_LS).
F3 - Apoios individualizados
Apoios específicos. Na perceção de uma docente, os estudantes com DID “podiam ter apoio específico dependendo das particularidades deles”, i.e., “eles podem ter sessões mais individualizadas para os capacitar” (D_LF). A mesma docente disse que “por exemplo, a EP3 tem mais falta de segurança nela, se calhar terá de ter um reforço a esse nível, por exemplo, de melhorar a autoconfiança”. Através de apoios individualizados, cada estudante pode desenvolver as competências necessárias. A título exemplificativo, na vida diária no campus (e.g., orientação, utilização de serviços), é possível gerar apoios naturais por colegas voluntários.
Apoio nas experiências em contexto de trabalho. Quanto às experiências em contexto de trabalho, para uma docente, haverá “a necessidade de monitorização, muitas vezes a supervisão” (DE_LVC).
F4 - Apoio dos serviços da IES
A frequência do ES por estudantes com DID, na perceção de uma docente, “vai merecer uma atenção muito, muito específica, equipas multidisciplinares” (D_LF). A mesma docente acrescentou que “trabalhar, se calhar, com estes estudantes vai exigir um olhar de um psicólogo”. Neste âmbito, as IES podem contribuir com os seus serviços, de modo que os estudantes com DID possam deles usufruir com os mesmos direitos que os estudantes sem DID.
F5 - Apoio da família
Uma docente relatou que “é impensável intervir com um jovem sem ter intervenção com a família” (DE_LVC). A afirmação é corroborada por outra docente ao referir que da parte da família “há todo um estimular” (D_LF). Os Estudantes-Participantes também mencionaram o apoio dado pela família, conforme se infere dos seus relatos: “a minha mãe ajudou-me” (EP3); “o meu pai ajudou-me, o meu irmão” (EP2) e “o meu pai” (EP4). As afirmações das famílias corroboram os testemunhos dos Estudantes-Participantes, nos seguintes termos: “nós nos interessamos pelo trabalho dela, por exemplo, eu, é mais pelos erros de Português, vou lá verificar se tem erros e obrigo-a a repetir” (M_EP1) e «quando ele chegou a casa, também fiz o trabalho de casa: “associação de estudantes, muito importante”» (M_EP4), acrescentando que “nós envolvemo-nos em tudo o que tem a ver com ele”.
F6 - Apoio de organizações
Na perceção de um elemento do corpo não docente importa estabelecer “contactos” de modo a “fazer a articulação com os centros” (FU2), visando a criação de redes entre as IES e as organizações.
A fim de elencar as principais componentes a considerar para um programa educativo, ao nível do ES, inclusivo a pessoas com DID, em alinhamento com os seus objetivos e o sistema da IES, procedeu-se à convergência dos elementos-chave dos Padrões propostos pelo Grupo de Trabalho do Centro Nacional de Coordenação para a Acreditação (2020), com incidência nos Padrões do Currículo, e as características percecionadas. A Tabela 2 ilustra evidências que refletem as componentes académica, profissional, social e vida autodeterminada elencadas e os elementos percecionados para a composição do programa.
Fonte:
Das componentes percecionadas à proposta de um programa universitário inclusivo
Constata-se que as componentes percecionadas encontram-se consistentes e referenciadas nos estudos de McEathron et al. (2015) e do Grupo de Trabalho do Centro Nacional de Coordenação para a Acreditação (2020).
Os dados gerados sugerem um percurso educativo individualizado, flexível e alinhado aos objetivos individuais de cada estudante, através de um plano curricular, composto por uma estrutura curricular e uma extracurricular, associadas a um sistema de apoios.
Assim, o programa proposto deve ser individualizado para que os estudantes possam construir o seu próprio plano, escolhendo as UC e atividades extracurriculares, a partir dos seus objetivos pessoais, académicos e profissionais, com recurso ao PCP.
As evidências revelam que a estrutura curricular deve ser constituída por UC da IES. Esta característica faz o programa enquadrar-se no modelo inclusivo (Hart et al., 2006; Neubert et al., 2001). A esta estrutura encontra-se associada o apoio de pares e apoio tutorial.
Os dados do presente estudo conduzem, também, a uma estrutura de programa com UC da IES correlacionada com a empregabilidade, no sentido de proporcionar a possibilidade de experiências em contexto de trabalho. Conforme já supracitado (Björnsdóttir, 2017; Stefánsdóttir & Björnsdóttir, 2016), poderá haver a necessidade de se criar, propositadamente, UC que proporcionem as experiências em contexto de trabalho e/ou os estágios.
Os dados sugerem uma estrutura extracurricular composta por atividades nas quais a participação deva ser incentivada, incluindo atividades extracurriculares da IES, apoios individualizados e apoio nas atividades na vida diária no campus, ambos com carga horária variável de acordo com as necessidades de cada estudante. Estes tipos de apoios são comuns nos programas inclusivos, dado que os programas sob o modelo segregado ou híbrido contemplam UC para desenvolver competências específicas. Portanto, os apoios constituíram uma das componentes mais incidentes, em consonância com o estudo de Machado (2022).
À luz dos contributos da literatura científica e dos dados gerados a partir das perceções das pessoas inquiridas, enformou-se a proposta de um programa universitário inclusivo que se encontra ilustrado na Tabela 3 (Apêndice).
Conclusão
Com o reconhecimento do impacto positivo do ES e do seu papel facilitador da concretização dos ODS, urge reflexão (e ação) para possibilitar a fruição do direito à Educação no ES de pessoas com DID, através da criação de programas específicos.
As componentes percecionadas traduziram-se em: missão; duração e certificação; estrutura administrativa e financeira; currículo e pedagogia; corpo docente e não docente; e apoios. Por sua vez, os elementos elencados incluem: alinhamento do programa com a missão e o sistema da IES; plano individualizado, flexível e alinhado com os objetivos do estudante, composto por UC e atividades extracurriculares da IES, selecionadas pelos estudantes, com recurso ao PCP; certificado; acesso ao currículo; apoios dirigidos aos estudantes com DID; suporte ao corpo docente, não docente e discente envolvidos; experiências em contexto de trabalho.
Os dados gerados sugerem um percurso individualizado, flexível e alinhado com os objetivos individuais do estudante, através de um plano que contemple as componentes académica, profissional, social e vida autodeterminada, compostas pelas estruturas curricular e extracurricular, com um sistema de apoios associado para a participação na vida universitária e a transição pós-programa. Constata-se que o acesso às UC da oferta da IES e os apoios associados compõem elementos fulcrais perante um programa inclusivo. A proposta apresentada para um programa universitário inclusivo poderá ser alvo de uma futura investigação, sob a forma de programa experimental.
O número limitado de participantes e a especificidade da IES onde o estudo foi realizado não permitem generalizar os dados gerados. Contudo, os seus contributos poderão informar IES com interesse na criação de um programa universitário inclusivo, a fim de impulsionar o ES para pessoas com DID.