Enquadramento teórico e definição de conceitos
Sendo a presença do rio uma marca da cidade de Lisboa desde a sua fundação, a relação entre ambos proporciona um campo rico de investigação nas áreas da arquitetura e do urbanismo. No âmbito do Laboratório Lisboa e o Rio de Projeto Final de Arquitetura 2020/2021 do Mestrado Integrado em Arquitetura do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, foram estudadas quinze intervenções (edifícios e espaços públicos) existentes na frente ribeirinha de Lisboa construídos entre 1991 e 2021. Neste artigo apresentamos sete que consideramos transformadores da vivência da cidade de Lisboa2.
Para a análise dos casos de estudo constituímos um corpo teórico a partir de duas dimensões. A primeira dimensão informa a criação de uma base conceptual e analítica para o estudo das obras escolhidas enquadrada naquilo a que alguns autores designam de “arquitetura icónica” ou arquitetura desenhada por “arquitetos estrela” (Mota, 2016, p. 17). Destacamos os trabalhos de Solá-Morales (1995), Montaner (2016), Ferreira (2004), Mota (2016), Trigueiros et. al.. (1996, 1998). A segunda dimensão inclui a bibliografia e iconografia sobre as grandes intervenções na frente de água de Lisboa a partir de referências de autores que trataram a temática das transformações na frente ribeirinha da cidade de Lisboa, e sobre os sete casos de estudo apresentados neste artigo. Assinalamos Salgado (s.d), Salgado e Lourenço (2006), Aires Mateus (2005), Carrilho da Graça (2015, 2016, 2018, 2020), Ressano Garcia (2008, 2009), Administração do Porto de Lisboa (1987, 2008), Câmara Municipal de Lisboa (2008), Melo, Sequeira e Toussaint (2017, 2019), Neves (2015) e Tavares da Costa (2020), e alguns websites dos autores dos projetos como são os casos da Proap, Global, Bak Gorden, Carrilho da Graça, Siza Vieira, ou das próprias instituições como é o caso do Centro Champalimaud e do MAAT.
Como anteriormente referido, das quinze intervenções investigadas, escolhemos, para apresentar neste artigo, sete: o Centro Champalimaud, o Centro Cultural de Belém (CCB), o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologias (MAAT), o Museu dos Coches, o Terminal de Cruzeiros, o Pavilhão do Conhecimento e o Pavilhão de Portugal.
Segundo Manuel Graça Dias (2015), estas obras acontecem na sequência daquilo que pode ter sido uma tradição de “grandes peças” colocadas ao longo do rio, como é o caso do Mosteiro dos Jerónimos (séc. XVI), da Praça do Comércio (segunda metade do séc. XVIII), da Cordoaria Nacional (1779), da Central Tejo (1909) e da Feira das Indústrias Portuguesas, atual Centro de Congressos (1957). A par disso, como consequência da cidade pós-industrial, e no seguimento da operação urbanística da Expo’98, a cidade de Lisboa apontava no início do século XX “para a necessidade de revisão das grandes infraestruturas de acessibilidade e das superestruturas portuárias” (Ferreira, 2016, p. 85), e do retorno de Lisboa ao rio ( Trigueiros et al., 1998).
“O Concurso de ideias (para a zona ribeirinha) (1988), o Projeto e a construção do Centro Cultural de Belém (1988-92), os Planos Estratégicos e Diretor de Lisboa (1990-94), o Pozor - Plano de ordenamento da Zona Ribeirinha (1993-94) e a decisão de realização da Expo’98 na zona oriental, são marcos e testemunhos muito recentes de uma viragem na forma de entender a relação da Cidade com o Rio e da oportunidade de repensar Lisboa como cidade ribeirinha.” (Soares, in Trigueiros et al., 1996, p. 19).
Neste contexto, assistimos nos últimos 30 anos à construção de importantes equipamentos culturais e arranjos do espaço público, em zonas industriais portuárias desativadas e obsoletas, enquadrada por operações de substituição, que tiveram efeitos incontornáveis na transformação da cidade. Como em muitas outras cidades a partir da década de 1990 verifica-se uma tendência decorrente das políticas urbanas para valorizar a existência de equipamentos culturais “levando a que as cidades procurassem afirmar-se como ‘marcas’ culturais” (Mota, 2016, p. 7). Segundo Mota, “a nova dimensão espetacular da arquitetura tem origem nos ‘grandes-eventos’, criados com o intuito de promover as cidades, passando estas a desempenhar um papel estratégico na globalização cultural, o que conduziu à crescente competição entre cidades.” (Idem, p.15). Decorrente dessa competição, no processo de renovação e revitalização das cidades surgem as arquiteturas projetadas por arquitetos de renome internacional, designadas arquiteturas icónicas, assumindo-se como marcas que garantem publicidade e prestígio à cidade (Idem, p.16).
Este tipo de arquitetura desafia duas linhas de pensamento que consideramos pertinente trazer para o debate. A primeira considera que este tipo de arquitetura provoca um impacto imediato pela imagem apelativa que contém. Definem-na como destituída de conteúdo, onde a sua essência é desvalorizada3 e onde “as questões do marketing, da produção e difusão de imagens identitárias e apelativas das cidades parecem (…) assumir pelo menos tanta importância quanto o investimento material nos recursos e nas capacidades culturais locais”. (Ferreira, 2004, p. 22). Neste sentido, é considerada imediata e direta - “arquitetura do desperdício e da ostentação” assente na “falta de contexto e ausência de valores” (Montaner, 2016, p. 8); é entendida “como facto isolado, monumental e de custo excessivo” (Ibidem), em que “o que estabelece o significado não é o contexto, “nem a tectónica, nem o sentido do lugar nem as referências tipológicas ou figurativas a outras arquiteturas do passado”4 (Solá Morales, 1995, p. 137), mas somente a sua imagem proporcionando uma “fragmentação espacial e social”. (Fortuna como citado em Ferreira, 2004, p. 24). A segunda linha de pensamento considera o espaço público que lhe está associado um elemento estruturante e hierarquizador da cidade, proporcionando um uso adequado dos edifícios e considerando que os mesmos criam lugares de qualidade onde as pessoas se podem reunir e usufruir dos respetivos espaços. A partir desta perspetiva, o espaço público não é o que resta da implantação do edifício, mas resulta de uma redefinição da área envolvente à construção. Na linha de Busquets & Correa “as infraestruturas e os equipamentos são vistos como elementos catalisadores, capazes de transformar partes emblemáticas da cidade, reestruturar o sistema de espaços públicos e, ao mesmo tempo, conceber estratégias que respondem às exigências globais (Busquets & Correa como citado em Mota, 2016, p. 58).
Para cumprir o nosso objetivo, e uma vez que a nossa abordagem se desenvolve no campo disciplinar da arquitetura, tivemos em conta quatro tópicos de análise: a) a implantação do edificado, (inserção urbana); b) a relação com a envolvente (acessos, vistas, topografia, espaços públicos); c) a forma e a figura e d) a relação de escala (relação com o edificado próximo). De modo a compreender melhor os tópicos que estão na base analítica da nossa investigação importa enquadrar a mesma num corpo teórico e clarificar alguns conceitos associados, tais como: contexto ou envolvente, forma / figura e escala. A noção de contexto ou envolvente refere-se ao espaço físico que envolve um edifício, identificando-se com a envolvente próxima desse edifício; materializa-se através das componentes arquitetónicas (genericamente edifícios), articuladas por elementos urbanísticos do espaço público (ruas, viadutos, jardins, parques, etc.), e inclui elementos infraestruturais que se encontram visíveis (acessos, caminhos, pontes, arborização, etc.) (Madeira da Silva, 2009). A forma define-se como o conjunto das características exteriores do edifício que, para além de nos dar o seu contorno, dá-nos igualmente a sua dimensão através da altura, da largura e da profundidade. Neste sentido a forma é o aspeto exterior do edifício e identifica-se com a aparência externa reconhecível. A massa e volume são dois aspetos que nos fazem reconhecer a forma de um edifício. A figura é a parte significável de um lugar a partir da sua aparência, ou seja, é o sentido que atribuímos a um lugar a partir da maneira como as partes se organizam. Por outras palavras, a figura é a capacidade que uma forma tem para gerar um sentido a partir da combinação dos elementos que a constituem. A escala refere-se à maneira como percebemos ou julgamos o tamanho de algo por comparação a outro referencial, ou seja, refere-se à relação que se estabelece entre o tamanho de uma forma e o de outras do seu contexto. Deste modo, a escala não se refere às dimensões reais de um lugar, mas sim a quanto um objeto é grande ou pequeno em relação ao seu tamanho natural ou ao tamanho de outro elemento que com ele se relacione. A escala de um edifício pode ser vista a partir do próprio edifício - o tamanho de cada parte de um edifício em relação às outras partes e ao todo de uma composição - ou por comparação com os elementos que o envolvem, referindo-se neste caso ao tamanho de um edifício no contexto de uma cidade (Idem).
Metodologia
Para atingir o nosso objetivo de colocar a debate as duas linhas de pensamento que sustentam este tipo de intervenções, a metodologia assenta essencialmente na análise dos casos de estudo a partir dos quatro tópicos de análise anteriormente referidos (implantação do edificado, relação com a envolvente, forma e figura e relação de escala). Os casos de estudo foram tratados a partir do redesenho dos projetos de arquitetura, recorrendo a diferentes fontes documentais como: cartografia histórica e atual sobre as áreas das intervenções, fotografias anteriores à construção, durante a construção e atuais, desenhos de projeto, bibliografia primária e secundária, e observação direta. A visita aos edifícios selecionados e à sua envolvente próxima, quer na zona ribeirinha, quer a partir do rio, permitiram aprofundar os tópicos que nos propusemos estudar e construir diferentes leituras da área de implantação.
Foi realizado para cada um dos casos de estudo um enquadramento teórico com base em elementos históricos, e uma ficha técnica para cada uma das intervenções (Laboratório Lisboa e o Rio, 2021). Uma vez que todas as intervenções estão construídas na atual linha de costa e em zonas de aterro, foram fundamentais três plantas para compreender a forma como evoluiu a ocupação desta zona da cidade e como foi alterada a linha de costa: a planta histórica de 1856-58 de Filipe Folque, a planta histórica de 1904-11 de Silva Pinto e uma mais recente, a partir do Levantamento da CML (cerca de 1980) (Figuras 1 e 2).
Adaptado das plantas históricas de Filipe Folque (1856-1858), de Silva Pinto (1904-1922), e do Levantamento da CML (cerca de 1980).
Adaptado das plantas históricas de Filipe Folque (1856-1858), de Silva Pinto (1904-1922), e do Levantamento da CML (cerca de 1980).
A análise comparativa do território a partir destas plantas deu-nos a ver como a construção dos aterros e, mais recentemente, as transformações das áreas industriais ligadas ao Porto de Lisboa criaram zonas de fronteira entre a cidade antiga e o rio, em que a linha de água avança e recua e onde se pode perceber que a cidade desenha o rio (Aires Mateus, et al., 2005) com uma identidade muito própria.
A área de estudo foi delimitada a poente pela envolvente urbana do Centro Champalimaud, a nascente pelo Parque das Nações e foi dividida em três zonas: na ZONA 1 (zona poente) trabalhámos sobre quatro edifícios: 1) o Centro Champalimaud, situado na avenida Brasília em Pedrouços, Belém, projetado por Charles Correa (arquitetura) e João Nunes/Proap (arquitetura paisagista) em 2004 e construído entre 2008 e 2010); 2) o Centro Cultural de Belém (CCB), situado na praça do Império junto ao Mosteiro dos Jerónimos projetado por Vittorio Gregotti / Gregotti Associati e Manuel Salgado/RISCO, SA, em 1988 e construído em 1992; 3) o Museu dos Coches situado na avenida da Índia em Belém projetado por Paulo Mendes da Rocha, MMBB e Ricardo Bak Gordon, em 2008 e construído em 2015; e 4) o edifício do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia MAAT, situado na avenida de Brasília em Belém, projetado por Amanda Levet, (arquitetura) e Vladimir Djurovic (arquitetura paisagista) entre 2011 e 2013, e construído entre 2015 e 2016. (Figura 3).
Na ZONA 2, (zona central), trabalhámos sobre três edifícios e três espaços públicos: 1) O edifício Sede da EDP, situado na avenida 24 de julho, projetado por Aires Mateus e Associados em 2008 e construído em 2015; 2) o Interface do Cais do Sodré, situado na Praça do Duque de Terceira, projetado por Pedro Botelho e Nuno Teotónio Pereira, entre 1993 e 1997, e 1998 e 2004 e construído em 2009. 3) O espaço público Ribeira da Naus, situado num antigo estaleiro naval entre o Cais do Sodré e a Praça do Comércio, projetado por João Gomes da Silva/Global e João Nunes / PROAP entre 2009 e 2015; e três intervenções projetadas por João Luís Carrilho da Graça, o 4) Campo das Cebolas, situado na avenida Infante D. Henrique, projetado com Victor Beiramar Diniz (arquitetura paisagista) em 2010 e construído entre 2012 e 2013; 5) a Doca da Marinha, situada na Avenida Infante D. Henrique, projetada em 2018 e construída em 2020; e 6) o Terminal de Cruzeiros, situado na Doca do Jardim do Tabaco, projetado em 2010 com João Gomes da Silva (arquitetura paisagista) e construído em 2018. (Figura 4).
Na ZONA 3, (zona poente) analisamos um conjunto habitacional, dois edifícios de carácter cultural, e dois espaços urbanos públicos, nomeadamente: 1) o conjunto habitacional do Braço de Prata, projetado por Renzo Piano entre 1999 e 2016 e construído entre 2019 e 2020; 2) o Parque Ribeirinho Oriente, projetado por Filipa Cardoso de Menezes e Catarina Assis Pacheco em 2017 e construído entre 2018 e 2020, ambos situados na rua Cintura do Porto no Braço de Prata; 3) o Pavilhão do Conhecimento, situado no Largo José Mariano Gago, projetado por João Luís Carrilho da Graça em 1995 e construído entre 1997 e 1998; 4) o Pavilhão de Portugal, situado na Alameda dos Oceanos e projetado por Álvaro Siza Vieira em 1995 e construído entre 1997 e 1998, e 5) o Jardim Garcia da Horta, situado na rua da Pimenta projetado por João Gomes da Silva/Global em 1994 e construído em 1998, situados no Parque das Nações. (Figura 5).
Casos de Estudo
A escolha dos casos de estudo, como anteriormente referido, assenta em dois aspetos que reconhecemos como pontos de partida para a abordagem que se pretende: por um lado, por se considerar que estes edifícios são elementos impactantes a nível da imagem que convocam e, por outro, por se constituírem elementos estruturantes e hierarquizadores da zona ribeirinha permitindo novos usos, novas apropriações e integrando vivências de carácter público.
Centro Champalimaud
O Centro Champalimaud situa-se em Pedrouços, junto a Belém. Projetado pelo arquiteto Charles Correa, o Centro Champalimaud é uma instituição médica, científica e tecnológica que se caracteriza como um conjunto urbano e arquitetónico de fruição pública concebido com uma vasta quantidade de espaços exteriores públicos, cujo epicentro é constituído por dois edifícios de grande porte e um anfiteatro exterior (Figura 6). O volume principal é de acesso mais restrito e ocupa a maior área de terreno. O outro edifício é destinado a um uso mais comunitário e nele podemos encontrar uma área de exposições temporárias, um auditório e um restaurante. Os dois edifícios conectam-se por um tubo de vidro sobre o espaço público envolvente, “uma peça de joalharia que os engenheiros alemães conceberam” (Correa como citado em Milheiro, 2010: s.p.). No interior dos edifícios existe uma fluidez na circulação, que cria um ambiente interno rico e complexo. O anfiteatro está integrado no espaço exterior voltado para o rio e a “implantação segue a forma curva do passeio público que já lá estava.” (Milheiro, 2010: s.p.). Relativamente ao espaço público, e segundo o autor do projeto, “o que fizemos foi deixar que os espaços públicos complementassem os espaços privados.” (Correa como citado em Milheiro, 2010: s.p.) verificando-se uma continuidade entre: o espaço de chegada, o jardim Anna Sommer (contíguo aos edifícios), o passeio ribeirinho (pedonal e ciclável), e os espaços de acesso aos edifícios e ao anfiteatro virado ao rio. Em termos de implantação, o conjunto reflete uma total permeabilidade de circulação pedonal entre a avenida de Brasília e o rio, mas também dá continuidade ao sistema de circulação pedonal e ciclável ao longo da margem do rio. (PROAP, s.d.). Relativamente à relação com a envolvente, para além dessa continuidade, o conjunto formado pelo passeio público, que avança suavemente inclinado para revelar o mar, o anfiteatro exterior e o espelho de água fazem parte de um combinado de espaços públicos da cidade de Lisboa através de amplas zonas ajardinadas de circulação pedonal, que envolvem os edifícios e os acompanham ao longo do rio.
Apesar de os edifícios se destacarem no território pela sua dimensão, imagem e forma irregular (Vieira, 2018), compreende-se o modo como os espaços públicos estruturam um sistema de circulação associado a um conjunto de espaços verdes, proporcionando uma relação particular com o rio, garantindo uma grande permeabilidade entre todos estes elementos de fruição pública.
Centro Champalimaud
O Centro Cultural de Belém (CCB) nasce de um concurso público internacional lançado em 1987 fruto de um conjunto de reflexões sobre a frente ribeirinha de Lisboa, que visava dotar a cidade de mais infraestruturas para atividades culturais e, simultaneamente, criar um espaço para albergar a presidência da comunidade europeia que estaria a cargo de Portugal em 1992 (Santos, 2008). O local escolhido foi um terreno vago em Belém, situado numa zona privilegiada entre o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, junto ao rio Tejo. A proposta vencedora foi a do consórcio dos arquitetos Vittorio Gregotti e Manuel Salgado, cuja implantação interpreta a evolução histórica da ocupação daquele território, tendo como limite poente, a Praça do Império, enquadrando o Mosteiro dos Jerónimos (Feldman et al., 1994). No que se refere à implantação, o conjunto edificado segue o alinhamento estabelecido por uma das torres que limita o corpo do Mosteiro tentando criar uma relação de diálogo com este de igual para igual. Esse diálogo é feito através da escala, do desenho, do alinhamento de cérceas, do ritmo e do revestimento das fachadas, aspetos que no seu conjunto possibilitam uma certa concordância entre ambos os edifícios.
Recuperando a memória dos grandes conventos e mosteiros da cidade, e das fortificações muralhadas de Lisboa, foi criada uma pequena cidade dentro da cidade, através de uma malha urbana e ortogonal que emoldura um conjunto de edifícios paralelepipédicos de diferentes dimensões e funcionalidades, composta por dois eixos perpendiculares ao rio, intercetados por um grande eixo central paralelo a este que articula a Praça do Império e a Torre de Belém (Feldman et al., 1994).
Esta malha permite uma ocupação com grande permeabilidade entre os espaços interiores e exteriores, composta por ruas, rampas, pontes, praças, varandas, terraços, lagos e jardins, que transformam o centro no que poderia ser considerado um edifício muito fechado, numa pequena cidade aberta, na qual as pessoas se movimentam e passeiam com muita facilidade e fluidez (Santos, 2008). (Figura 7).
A racionalidade da construção permite a polivalência dos seus espaços, em que tanto os foyers como os espaços de circulação e as salas possibilitam ter outros usos e servir vários eventos, fruto da fluidez que todos os espaços consagram (Santos, 2008). Os três módulos construídos - centro de reuniões, centro de espetáculos e centro de exposições - funcionam como unidades independentes entre si, em que cada módulo possui as suas próprias valências, mas com uma forte ligação entre os edifícios. Os dois últimos módulos (não construídos) perfazem uma importante transição entre a área monumental da Praça do Império e do Mosteiro dos Jerónimos e uma área mais doméstica e popular, mais a poente, onde se situa o bairro do Bom Sucesso, através da configuração da forma edificada e da escala (Pinto, 1988). O conjunto dos espaços lida com duas situações: por um lado, com o afastamento em relação ao rio decorrente da sua posição a norte da linha de caminho de ferro e, por outro, com a criação de percursos perpendicular à linha de costa, que permitem diferentes enquadramentos e vistas diferenciadas para o rio através da existência de jardins e zonas de estar numa cota alta.
Museu dos Coches
O Museu Nacional dos Coches, projetado por Paulo Mendes da Rocha, surge ao longo da avenida da Índia, no cruzamento com a praça Afonso de Albuquerque, antecedendo o jardim Vasco da Gama e a praça do Império. O museu situa-se num recinto delimitado a oriente por um espaço murado, onde anteriormente estiveram instaladas as oficinas de material elétrico do exército. Apesar disso, a vocação de espaço público, que este lugar sempre teve, mantem-se atualmente através da forma como aborda a questão urbana. (Bak Gordon, 2015). Em termos urbanos é essencial assinalar dois aspetos fundamentais: a passagem aérea, pedonal e ciclável, na sequência da calçada da Ajuda - que atravessa a avenida da Índia, avenida de Brasília e a linha férrea, chegando à estação fluvial de Belém junto ao rio - e o conjunto de edifícios existente ao longo da rua Junqueira, cujo alçado tardoz de cada lote se relaciona com a antiga rua Cais da Alfândega Velha que, por sua vez, se confronta agora com a nova praça do museu. Esta praça, entre a cidade histórica e o museu, prolonga-se por baixo de dois volumes colocados livremente sobre uma superfície de pedra granítica preta, permitindo uma forte permeabilidade ao nível do piso térreo que, em contraponto com uma cota mais alta à escala da cidade antiga, proporciona uma série de acessos com diferentes escalas e diferentes experiências de atravessamento (Bak Gordon, s.d.). (Figura 8).
Em termos de forma / figura, o pavilhão principal do museu desenrola-se acima do solo a partir de um paralelepípedo branco que tem escondida nas suas paredes uma superestrutura treliçada em aço. No piso térreo, o volume de vidro que desenha a entrada permite realçar as vistas do espaço público exterior e contrasta com um volume em betão opaco de tons vermelhos (que recorda a cor da ponte 25 de abril), onde estão instaladas as áreas do museu e das oficinas. Em termos de implantação “é um edifício que se contrapõe ao Tejo, à linha de caminho de ferro - à sua violência -, à violência “marginal”, com um volume expressivo, elevado, próximo distante” (Graça Dias, 2015).
Embora pensado como uma caixa forte que permite a “preservação definitiva, para sempre, do tesouro guardado” (Mendes da Rocha, 2008 s.p.), todo o conjunto do museu se reconhece como um lugar público através da forma como foi pensado o espaço público: as passagens a diferentes escalas que fluem para o lugar do museu, o sistema de circulações exteriores e interiores em variadas altimetrias e a implantação do edifício em relação ao Palácio de Belém e ao jardim Afonso de Albuquerque “emprestam a todo o lugar uma visão plural e otimista da vida urbana.” (Bak Gordon, 2015, p. 48).
MAAT
O MAAT, Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, localiza-se na zona histórica de Belém junto ao rio no campus da Fundação EDP. O campus inclui a central termoelétrica reconvertida, a Central Tejo construída em 1908, assim como o novo edifício do museu desenhado recentemente pelo atelier da arquiteta londrina Amanda Levete e um jardim que liga os dois edifícios, projetado pelo arquiteto paisagista libanês Vladimir Djurovic (MAAT, s.d). O campus onde se insere o edifício do MAAT é limitado a norte pela avenida Brasília e pela linha de caminho de ferro e, a sul pelo rio. Para ligar o conjunto edificado à zona norte da cidade foi criada uma passagem pedonal sobre a avenida Brasília e a linha férrea, que tem início na cobertura percorrível do edifício e termina no largo Marquês Angeja. (Figura 9). A forma arquitetónica do MAAT parte de formas curvas cuja cobertura aparenta uma onda do mar que continuou para terra procurando estabelecer ligações entre o rio e a terra.
O edifício do museu tem quatro galerias de exposições sob uma cobertura que serve como um espaço público com vista panorâmica elevada sobre o rio que, juntamente com os espaços interiores, estabelecem uma ligação entre a cidade e o rio. Usando o conceito do kunsthalle5 o projeto foi concebido para permitir a passagem das pessoas por cima, por baixo e através do edifício e integrar a paisagem, deixando a vista livre para a cidade e para o rio (MAAT/AL_A, 2016).
O museu é revestido de um material cerâmico, expressão contemporânea do tradicional azulejo aplicado em muitas fachadas de edifícios em Lisboa. A escolha deste material para a fachada permite - dependendo da posição do sol, durante o dia e nas diferentes estações de ano - capturar a mudança de luz e fornecer leituras diferentes dos efeitos gerados. A forma como o edifício foi pensado criou um novo espaço público para a zona ribeirinha de Lisboa através da cobertura. Por um lado, pelo facto de ser facilmente acessível através de rampas proporcionando uma espécie de miradouro com uma vista de 360º para o rio e para a cidade, por outro, por essa mesma cobertura suspensa criar uma sombra sobre a entrada principal, refletindo a luz do mar para dentro do museu, conformando um espaço de estar acolhedor. Entre a linha de costa e o museu foi concebido um anfiteatro com grandes degraus que vão descendo desde a entrada principal do museu até o rio, permitindo trazer as pessoas para mais perto do rio, não só através do olhar, mas também através da ligação física que a posição dos degraus proporciona. Quando a maré do rio sobe, alguns degraus escondem-se sob a água criando um limiar permeável que muda com a maré. Embora o edifício seja muito voltado para o interior não se adivinhando a partir do exterior, a forma como está organizado e o modo como foi pensado possibilita diversas apropriações no espaço público a partir do exterior.
Terminal de Cruzeiros
O Terminal de Cruzeiros de Lisboa, desenhado pelo arquiteto João Luís Carrilho da Graça, decorre de um concurso público e internacional promovido pela Administração do Porto de Lisboa e pela Câmara Municipal de Lisboa em 2010, em que um dos objetivos era criar uma imagem conjunta para toda a frente ribeirinha (CML, 2008). O Terminal situa-se numa zona da cidade que sempre teve uma relação muito próxima com o rio e insere-se dentro dos muros da antiga doca do Jardim do Tabaco, permitindo uma oportunidade de repensar e interrogar a relação da vivência urbana entre a cidade e o rio Tejo. O arquiteto terá “decidido enquadrar o edifício pelos muros da antiga doca, que passou a figurar um tanque de marés ligado ao rio (…).” (Sequeira e Toussaint como citado em Melo, 2019, p. 92).
De volumetria simples e compacta, o edifício destaca-se pela sua menor área construída, (em relação às outras propostas apresentadas em concurso), permitindo libertar o espaço envolvente e devolvendo para o uso público um espaço verde de referência para a cidade, com capacidade de compreender diferentes atividades e assumir um carácter de grande parque ribeirinho (Idem) (Figura 10). O edifício surge, assim, como uma resposta programática à atracagem de navios, enquanto o parque responde à cidade, fazendo a mediação entre o centro histórico e o rio. O “parque surge como uma contrapartida para a cidade. Deste espaço avista-se não apenas o rio, mas sobretudo Alfama, com cujo anfiteatro natural o edifício parece estabelecer uma contraposição.” (Sequeira e Toussaint como citado em Melo, 2019, p. 92).
As fachadas do edifício, tanto do lado da cidade como do lado do rio permitem, através de uns rasgos, não revelar de imediato as vistas. Esta ideia proporciona uma encenação da relação com as vistas e o edifício construído e uma interação entre ele próprio. Esses rasgos concedem-lhe um ar flutuante, gerando zonas de entrada e saída, permitindo a criação de um percurso que envolve o edifício e possibilitando uma descoberta lenta da envolvente enquanto se percorrem as diferentes fachadas. O edifício poderá ser percorrido até à cobertura. Esta ganha características de palco, relacionando-se com o rio e a cidade sem qualquer tipo de obstáculos, funcionando como uma praça elevada (Carrilho da Graça, 2018).
O edifício apresenta um inovador processo de construção, sendo as fachadas construídas em betão branco com um aglomerado em pó de cortiça que permitiu que o edifício se tornasse mais leve, com maior capacidade de isolamento térmico e mais resistência. A aplicação deste novo betão surge da necessidade, detetada pelos engenheiros de diminuir a capacidade de carga das estacas de fundação, pois o material inicialmente pensado iria sobrecarregar as fundações já existentes O modo como o edifício se encontra implantado possibilita, por um lado, uma ligação ao novo espaço do porto e, por outro, uma relação com a cidade através da contemplação da encosta de Alfama. Deste modo a ocupação de uma zona portuária por um espaço de acesso público permite termos a vista que só quem anda no rio tem.
Pavilhão do Conhecimento dos Mares
O Pavilhão do Conhecimento dos Mares, projetado pelo arquiteto João Luís Carrilho da Graça para a Expo’98, a Exposição Internacional que teve lugar em Lisboa com o tema os Oceanos um Património para o Futuro, localiza-se entre a Alameda dos Oceanos e a Doca dos Olivais. Apesar de acolher uma exposição com caráter temporário, sabia-se que o edifício iria permanecer para além do período da exposição, ainda que não fosse conhecido o seu futuro uso.
O edifício implanta-se numa zona da cidade de Lisboa que sofreu profundas alterações. Para além de sucessivos aterros à semelhança das outras intervenções, nesta zona encontrava-se o matadouro dos Olivais, a refinaria da SACOR em Cabo Ruivo e toneladas de lixo à beira-rio numa extensão de vários quilómetros, retiradas posteriormente. Aqui se localizava também o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo, junto à Doca dos Olivais, de forma a servir de base à travessia transatlântica de hidroaviões.
Ao visitar o Pavilhão do Conhecimento é inegável a sua monumentalidade, horizontalidade e a forte “contraposição volumétrica e horizontal, megalítica em betão” (Carrilho da Graça in Teles, 2015, p. 75). Na sua essência é constituído por dois volumes que ocupam totalmente um quarteirão: um vertical - destinado, na altura da exposição, a conter navios - e outro horizontal - destinado a serviços e salas de exposição (Figura 11). O acesso ao edifício é feito através de um percurso em rampas permitindo a contemplação do céu e da arquitetura do edifício, e levando os visitantes aos espaços interiores de diferentes dimensões e luminosidade, de acordo com a função e a necessidade. O Pavilhão é maioritariamente construído em betão branco e prima pela inovação graças ao uso deste material numa construção de grandes dimensões e sem juntas de dilatação, ao contrário do que se tinha visto até à altura em Portugal (Sequeira e Toussaint in Melo, 2019). A pedra lioz - uma pedra calcária com fósseis marinhos - é utilizada no edifício, evocando assim o passado marítimo português e a história dos mares.
Segundo Carrilho da Graça, o Pavilhão do Conhecimento “(...) surge como momento de paragem e de intervalo entre a confusão do exterior e o que se iria passar no interior” (Carrilho da Graça, 2020, s.p.), ou seja, como “uma contraposição ao espaço envolvente, uma pausa em relação ao universo visualmente saturado da Expo” (Carrilho da Graça in Melo, 2019, p. 124). Apesar da proximidade relativa com o rio Tejo, o edifício encerra-se sobre si mesmo, estabelecendo apenas uma ténue relação com a Doca dos Olivais através do pátio de acesso ao pavilhão que perfura o volume horizontal. No entanto é estabelecida uma continuidade entre a alameda e a doca através do volume horizontal perfurado por um grande pátio de acesso suspenso, que permite que a sua utilização tenha um carácter de espaço público.
Pavilhão de Portugal
No âmbito das obras para a Expo’98 em Lisboa, o Pavilhão de Portugal, da autoria do arquiteto Álvaro Siza Vieira, foi construído para acolher a exposição dos 500 anos dos Descobrimentos Portugueses. O conjunto edificado situa-se na Alameda dos Oceanos junto à Doca dos Olivais que, como foi referido, serviu de aeroporto de hidroaviões. Posteriormente veio a instalar-se neste local parte da atividade portuária da cidade de Lisboa e, com a extinção da atividade portuária, serviu de depósito de resíduos, tornando-se uma zona da cidade obsoleta e em decadência.
O Pavilhão de Portugal foi projetado sem referências a edifícios pré-existentes, uma vez que todos os projetos para a Expo’98 decorreram em simultâneo. Segundo o arquiteto é nesta ausência que reside uma das maiores dificuldades no ato de projetar (Siza Vieira, 1998). O conjunto do pavilhão é constituído por dois corpos, o pavilhão e a monumental cobertura da praça cerimonial. É no primeiro que se encontram os espaços expositivos, restaurantes e anexos e, no segundo, um espaço exterior amplo onde pode ocorrer uma grande diversidade de eventos públicos. Com dimensões aproximadas de 65x50m, a cobertura é revestida por uma fina lâmina de betão,. Esta cobertura está suportada por dois contrafortes, um em cada uma das extremidades e tracionada por cabos de aço, ancorados aos referidos pórticos laterais e posteriormente ao subsolo.
O edifício é composto por dois pisos e vence a altura dos contrafortes, estendendo-se ligeiramente sobre o corpo que sustenta a pala, criando uma diferenciação hierárquica de forma subtil entre os dois volumes. O edifício é organizado através de um pátio central que, de certa forma, remete para os claustros dos conventos, com uma matriz muito clara de organização programática (Trigueiros et al., 1998). O edifício apresenta uma variada panóplia de elementos que remetem para uma cultura arquitetónica mais clássica, como por exemplo o embasamento em pedra, os pórticos e os ritmos de certas janelas (Idem). A entrada do edifício situa-se sob a cobertura, onde se encontra um espaço que serve de átrio e que guia o visitante para o espaço interior de maior relevância no conjunto. O acesso ao piso superior é feito por uma escada, onde se encontra um outro pátio mais reservado e uma varanda corrida. Esta faz parte de um sistema em galeria, em conjunto com uma sequência de pilares que suportam uma outra cobertura junto à margem da antiga doca dos Olivais. O plano da fachada norte define a predominância ortogonal de todo o edifício. Este é caracterizado pela forte harmonia entre as suas proporções, pelo ritmo fortemente marcado pelos vãos e pilares e pela sua materialidade cujo revestimento é de pedra lioz e azulejos fabricados pela Viúva Lamego, permitindo que a luz reflita e entre para o interior da praça.
Apostando numa volumetria horizontal, o edifício posiciona-se tangente ao muro da doca como se de uma embarcação atracada se tratasse, reforçando a sua posição e a relação com o rio. A sua presença discreta acentua a monumentalidade da cobertura da praça, sendo esta uma obra notável e um espaço público de excelência situado nesta zona da cidade.
Conclusões
Apesar dos edifícios analisados se constituírem elementos de exceção dada a sua singularidade formal e a sua imagem impactante, podemos aceitar que não se esgotam na sua primeira aparência. A sua riqueza espacial - aliada ao seu programa público, à articulação que os mesmos estabelecem com os espaços públicos, com as pré-existências e com as memórias dos lugares - faz-nos reconhecer um conjunto de outros atributos que os tornam peças fundamentais na revitalização urbana, económica e social da zona ribeirinha de Lisboa, proporcionando uma atratividade urbana decorrente de uma especial atenção ao contexto em que se encontram. Assim, apesar de todas estas intervenções conterem edifícios ou peças que se destacam através da forma e da escala, o modo como se relacionam com a topografia, com o rio, com as pré-existências e com os espaços públicos adjacentes, criam estratégias que potenciam espaços de qualidade, proporcionando um favorável uso coletivo.
Em termos de implantação e da relação que estes edifícios estabelecem com a envolvente, verificamos que a articulação dos jardins e zonas de estar públicas com a circulação pedonal junto ao rio (Centro Champalimaud, MAAT e Terminal de Cruzeiros) proporcionam uma continuidade urbana estruturante garantindo uma grande permeabilidade entre todos estes elementos de fruição coletiva. A existência de percursos de atravessamento pensados paralelos e perpendiculares ao rio, de modo a proporcionar determinados pontos de vista a uma cota alta (Centro Champalimaud, CCB e Museu dos Coches) indica-nos que, também aqui, o lugar pré-existente e o contexto determinam o modo como foi resolvido o conjunto edificado, no sentido de garantir o uso público desses espaços. Encontramos em alguns casos a transição de escalas entre um tecido urbano mais monumental e outro mais doméstico, como sucede no CCB e no Museu dos Coches. No Museu dos Coches e no Pavilhão do Conhecimento, o facto de o volume principal se encontrar elevado em relação ao piso térreo, permitindo a criação de um amplo espaço público (que remete para a vocação anterior deste lugar), conduz a uma leitura do edifício cujas premissas se prendem com a memória e a escala do lugar. A materialidade dos edifícios prende-se com vários fatores, entre eles a relação com o sítio onde estão construídos alguns dos edifícios. No CCB, a escolha da pedra como material de revestimento prende-se com a proximidade ao Mosteiro dos Jerónimos. No MAAT, a escolha de peças cerâmicas no exterior do edifício foi pensada pela proximidade do rio e pela intensão de permitir que a luz do rio se refletisse no interior do edifício, tal como no Pavilhão de Portugal. No Museu dos Coches, a escolha das cores remete para lugares de referência próximos, como é o caso do Palácio de Belém ou da ponte 25 de Abril. A sensibilidade ao lugar revela-se, nalguns casos, na procura de raízes culturais do passado através da criação de pátios centrais como em muitos edifícios portugueses, sobretudo conventos. Este facto verifica-se tanto no CCB como no Pavilhão de Portugal. De forma diferente, a criação de espaços qualificados revela-se através do modo como são apropriadas as coberturas enquanto espaços públicos, como é o caso do MAAT, do CCB e do Terminal de Cruzeiros. Nestas intervenções reconhecemos uma preocupação com a qualificação e com a articulação do espaço público e com o próprio edifício. No Terminal de Cruzeiros, o modo como o edifício se implanta possibilita, por um lado, um novo contacto com o espaço do porto e, por outro, uma relação com a cidade permitindo a contemplação da encosta de Alfama. O facto de alguns deles terem uma imagem de exceção em relação ao tecido urbano envolvente, oferecendo-nos a capacidade de lembrar certos objetos exteriores à arquitetura, dá-lhes uma grande capacidade de identificação e de serem nomeados. São exemplos disso o MAAT, identificado com uma onda do mar, ou o Pavilhão de Portugal, com um barco atracado na antiga doca dos Olivais conferindo, deste modo, maior legibilidade e facilitando a orientação em determinado meio ambiente.
Num primeiro momento, podemos ser tentados a pensar que estes edifícios são atrativos pela imagem que convocam mas, apesar disso, todos eles são hoje reconhecidos como marcos importantes na cidade, apresentando qualidades que os transformam em lugares de referência e de atratividade urbana. Em todos eles, o espaço público assume-se como suporte e elemento estruturador e articulador de espaços de lazer entre a cidade consolidada e as áreas onde se implantam, criando uma nova relação com o rio.