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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.45  Lisboa dez. 2022  Epub 29-Dez-2022

https://doi.org/10.15847/cct.27404 

ARTIGO ORIGINAL

Têm os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária mitigado as desigualdades educativas e sociais?

Are the Priority Intervention Educational Territories reducing educational and social inequalities?

1Instituto Universitário de Lisboa, CIES-Iscte, Portugal, pedro.abrantes@iscte-iul.pt


Resumo

O presente artigo procura contribuir para a compreensão do programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) e dos seus impactos no combate às desigualdades educativas e sociais, em Portugal, concentrando-se em duas dimensões: o contexto socioeconómico das escolas e a evolução dos padrões de sucesso no ensino básico. A análise de dados oficiais de dois coortes (2013-2016 e 2016-2019) permite observar que a integração no programa TEIP: (1) nem sempre corresponde a indicadores de contexto e de sucesso mais vulneráveis; e (2) não se traduziu numa evolução mais positiva do que a observada para o todo nacional. O artigo discute estes padrões, à luz da bibliografia nacional e internacional, concluindo com a sugestão de algumas implicações para o futuro da política pública e da investigação nesta área.

Palavras-chave: educação prioritária; escola; comunidade; desigualdades; políticas; TEIP

Abstract

This article seeks to contribute to the understanding of the Educational Territories of Priority Intervention (TEIP) program and its impacts on the struggle against educational and social inequalities in Portugal, focusing on two dimensions: the socio-economic context of schools and the evolution of success rates in basic education. The analysis of official data from two cohorts (2013-2016 and 2016-2019) allows us to observe that integration into the TEIP program: (1) does not always correspond to more vulnerable context and success indicators; and (2) did not produced a more positive evolution than that observed for the national whole. The article discusses these patterns, in the light of national and international literature, concluding with some implications for public policy and research in this area.

Keywords: priority education; school; community; inequalities; policies; TEIP

1. Introdução

O programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) constitui a via pela qual o estado português, com o apoio de fundos comunitários, procura dotar as escolas em zonas mais afetadas pela exclusão social de recursos adicionais, de forma a promover, assim, a igualdade de oportunidades. Tendo-se iniciado em 1996, num conjunto de 35 agrupamentos de escolas, o programa foi-se alargando, abrangendo 141 unidades orgânicas, 829 escolas e um total de 167 mil alunos, cerca de 18% daqueles que frequentam a rede pública, em 2018/19 (cálculos próprios, com base nas tabelas publicadas em www.infoescolas.medu.pt e na lista de agrupamentos TEIP disponibilizada em http://www.dge.mec.pt/rede). Passados 25 anos do seu lançamento e cumprida uma década da sua edição atual (designada TEIP3), o presente artigo procura aprofundar a análise da sua implementação, contribuindo assim para o conhecimento e o debate informado sobre este programa público.

Depois de um breve enquadramento, no qual convocamos alguns dos principais estudos realizados sobre o TEIP, assim como pesquisas internacionais sobre programas análogos, o artigo baseia-se numa análise de dados oficiais, designadamente o perfil dos alunos e os resultados das escolas, publicados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência em https://infoescolas.medu.pt/, procurando responder às seguintes questões: (a) o programa TEIP tem abrangido as escolas com uma população mais desfavorecida, em termos sociais e escolares?; e (b) o programa TEIP tem, efetivamente, contribuído para reduzir as desigualdades educativas entre territórios?

2. Enquadramento

A alocação de recursos adicionais a escolas com populações mais desfavorecidas e com um desempenho académico mais fraco é uma política bastante comum a nível internacional (OCDE, 2018). Um estudo comparativo recente mostrou que, na Europa, a maioria dos países tem mecanismos de distribuição de apoios suplementares de natureza financeira e não financeira a escolas em contextos mais desfavorecidos, com o intuito de promover a equidade educativa e social (EACEA/Eurydice, 2020). No entanto, este estudo europeu nota também que são menos comuns as medidas para equilibrar a composição socioeconómica das escolas e atrair os professores às escolas mais vulneráveis, o que contribui para diferentes níveis de segregação social e escolar.

No campo da investigação internacional, Frandji e Rochex (2011) distinguem três etapas das políticas de educação prioritária: uma primeira focada no combate às desigualdades (anos 1970-80); uma segunda em que o enfoque foi transferido para o combate à exclusão social (anos 90); e, por fim, uma terceira dominada pelas preocupações de adaptação à diversidade e gestão do risco (início do século XXI). Por seu lado, uma comparação entre programas em vigor em quatro países europeus explorou diferenças e contradições nas abordagens e nos indicadores utilizados (Alegre, Collet e González, 2011). Alguns sistemas, como o francês (política de educação prioritária) e o inglês (programa Excelence in Cities), têm utilizado critérios de cobertura mais focados nos resultados escolares, conduzindo a apropriações locais que beneficiam os alunos mais favorecidos dentro dos contextos desfavorecidos, enquanto outros, como os Países Baixos (community schools) ou a Catalunha (Plans Educatius d’Entorn), utilizam critérios mais focados na segregação territorial para promover ações de reforço escolar, o que não deixa de confundir dois planos de análise e de intervenção distintos: nem sempre a implementação de mais atividades escolares é a chave para reduzir a segregação económica e social.

Nos Estados Unidos, os balanços deste tipo de programas têm sido bastante críticos, uma vez que, na ausência de uma política integrada para os territórios e que envolva os agentes locais na busca de soluções, raramente tem sido possível inverter a desagregação e precarização das comunidades que está na base dos seus fracos resultados escolares, podendo até contribuir para a sua institucionalização (Anyon, 2005; Gulson, 2008; Warren e Mapp, 2011). Assim, tal como Owen (2018) concluiu, as desigualdades entre escolas mantêm-se acentuadas e com uma forte correlação com a segregação residencial.

No caso francês, cujo sistema educativo tem afinidades com o português e que criou há várias décadas as Zones de Éducation Prioritaire, iniciativa frequentemente apontada como inspiradora para o programa TEIP (Melo, 2022), vários autores têm concluído que atribuir recursos adicionais às escolas em contextos mais desfavorecidos não tem sido suficiente para reduzir as desigualdades entre escolas, ainda muito condicionadas por múltiplas dinâmicas de segregação (Felouzis, Fouquet-Chauprade e Charmillot, 2018). Um estudo longitudinal estatístico, entre 2004 e 2016, mostra que a segregação escolar entre zonas cobertas pelo programa e as restantes até se reduziu durante alguns anos, mas voltou a aumentar no período mais recente, sobretudo nos contextos urbanos (Courtioux e Maury, 2021). Apesar de também crítico, Rocher (2016) questiona vários estudos recentes que têm denunciado o fracasso da política de intervenção prioritária em França, argumentando que é necessária uma análise mais alargada e aprofundada para compreender diferentes tipos de impactos. Segundo o mesmo autor, é possível que esta política seja positiva, mas careça de mais recursos, entendendo as políticas de combate à segregação social-escolar e de promoção da igualdade educativa, não como alternativas, mas como complementares. Mais recentemente, Richard-Bossez, Cornand e Pavie (2021) observam uma tendência para ampliar a autonomia na gestão das políticas que tem sobretudo reforçado o poder dos “burocratas locais”, assim como uma ênfase no conceito de excelência que, apesar de ambíguo e polissémico, tende a privilegiar uma minoria de alunos (frequentemente, os mais favorecidos entre os desfavorecidos) face aos restantes.

No caso do Reino Unido, têm-se sucedido programas nesta área, cujos resultados têm sido controversos. Depois dos escassos resultados das Education Action Zones (Reid e Brain, 2003), os programas Challenge, primeiro em Londres e alargados posteriormente a outras áreas urbanas, começaram por ter resultados encorajadores, mas várias dificuldades têm vindo a ser reconhecidas, tanto devido a sucessivas mudanças políticas que têm retirado coerência e força ao programa, como devido a tensões entre as autoridades centrais e locais, incluindo uma contínua pressão cruzada sobre planos e metas que, sem as condições efetivas para a sua concretização, se tem revelado contraproducente, ao acentuar as dúvidas, vulnerabilidades e desmotivação de muitos agentes que trabalham nestes territórios (Chapman e Ainscow, 2019).

Em suma, tal como notam Gerrard, Savage e O’Connor (2017), a introdução de critérios de equidade e inclusão no financiamento das escolas constitui uma tendência internacional, procurando alargar, numa lógica compensatória, as oportunidades educativas de populações pobres, indígenas, imigrantes, com deficiências e/ou em lugares remotos, mas que dificilmente escapa a uma visão da educação enquanto mercado e das políticas públicas como mitigadoras das desigualdades produzidas pelo mercado.

No caso português, os TEIP baseiam-se num contrato estabelecido entre a administração central e a direção dos agrupamentos envolvidos para a realização de um projeto de desenvolvimento local com ações e metas concretas a atingir, para as quais as escolas contam com o apoio de um perito externo e podem mobilizar recursos adicionais, durante um período de 1 a 3 anos. Como observam Fernandes et al. (2018), o TEIP fez parte de uma nova geração de políticas, entre as quais, o alargamento da educação pré-escolar e do ensino profissional, o rendimento mínimo garantido ou as medidas de proteção da infância , que tiveram um impacto relevante na redução do insucesso e do abandono escolares, nas últimas duas décadas, em Portugal.

Apesar da análise da relação entre contextos socioeconómicos e resultados escolares, à época, indicar uma situação mais complexa e disseminada pelo país, com um conjunto alargado de territórios, em diferentes regiões do país, a caracterizarem-se por indicadores de desenvolvimento fracos e altos níveis de insucesso escolar (Duarte e Ramos, 2002), na primeira fase, o programa concentrou-se apenas em 35 territórios das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto marcados por problemas agudos de exclusão social. Além disso, se é certo que os primeiros projetos permitiram intervenções inovadoras na relação entre escolas e comunidades, não há evidências, em muitos dos territórios, de que se tenha gerado uma transformação pedagógica, no sentido de uma contextualização das aprendizagens que permitisse uma alteração estrutural na relação das populações locais com a educação (Bettencourt e Sousa, 2000).

A segunda geração do programa, entre 2006 e 2012, assumiu o mesmo princípio, mas alargou notavelmente o naipe de agrupamentos escolares cobertos, alguns deles em contexto rural, no âmbito de uma reorganização da rede escolar nacional. A única avaliação externa ao programa observou impactos no reforço das organizações escolares, da prevenção da indisciplina e do abandono escolar, mas também vulnerabilidades no combate ao insucesso escolar e, sobretudo, no empoderamento das comunidades, com efeitos muito divergentes nos vários territórios abrangidos (Abrantes et al., 2011 e 2013). No mesmo período, estudos qualitativos (Quaresma e Lopes, 2011; Abrantes e Teixeira, 2014) mostraram como, nos TEIP, se cruzavam dinâmicas de integração e afetividade, apoiadas por um intenso trabalho de mediação, com processos de individualização, estigmatização e de naturalização da desvantagem educativa e social.

O enfoque inicial na relação entre a escola e o território, em contextos urbanos de forte exclusão social, foi progressivamente substituído por uma intervenção mais centrada na escola e, frequentemente, na sala de aula, abrangendo um grande conjunto de territórios com características sociais, económicas e culturais heterogéneas (Melo, 2022). O “local” tem sido entendido, sobretudo, numa perspetiva “tecno-funcionalista” de aplicador de medidas assistenciais e securitárias, mas raramente como um espaço de construção (e contextualização) democrática de políticas educativas e sociais (Correia e Caramelo, 2012). No plano curricular, Sampaio e Leite (2015) mostram como o programa TEIP pode contribuir para a inovação e contextualização do currículo, nomeadamente, através da alocação de meios para que as escolas reforcem o planeamento e a monitorização das suas práticas, mas permanecem barreiras e vulnerabilidades para que esse movimento propicie uma educação transformadora, orientada para a justiça social.

Ao nível dos progressos dos resultados escolares, Dias e Tomás (2012) constataram uma melhoria das taxas de transição e conclusão, no 2º e 3º ciclos do ensino básico, entre 2006 e 2010, aproximando-as das médias nacionais. Contudo, um estudo mais recente (Ferraz, Neves e Nata, 2018 e 2019), cobrindo o período de 2002 a 2016 e tendo por base as classificações obtidas no final do ensino secundário, aponta para a ausência de impacto deste programa, no sentido em que não tem reduzido a brecha de resultados entre os alunos das escolas TEIP face aos restantes. De referir que ambas as conclusões não são necessariamente contraditórias, não apenas porque o período temporal é distinto, mas também porque o primeiro se centrou nas avaliações internas no ensino básico, enquanto o segundo se baseou nas avaliações finais do ensino secundário, nas quais os exames nacionais têm um peso importante.

Por seu lado, o TEIP3 foi lançado num período marcado por políticas de austeridade, incluindo uma redução de recursos públicos para a educação, bem como a introdução de programas e metas curriculares de corte conservador e elitista, o que teve como corolário um aumento temporário do insucesso escolar no ensino básico (Benavente, Queiroz e Aníbal, 2016). Na terceira geração, iniciada em 2012/13, a regulamentação do programa estipula que “integram o Programa TEIP3 os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas que acedam ao convite da Direção-Geral de Educação (DGE), formulado com base na análise dos indicadores de desempenho e características sociais do meio envolvente da escola” (Despacho Normativo n.º 20/2012, artigo 6.º). Contudo, mantiveram-se no programa os 104 agrupamentos que eram cobertos anteriormente, tendo-se acrescentado outros 33, sem serem conhecidos os critérios para essa decisão e sem aumentar o financiamento do programa, o que contribuiu para alguma descaracterização da rede e uma redução dos recursos alocados a cada uma das unidades abrangidas (Liebowitz et al., 2018).

Desde então, a Direção-Geral de Educação tem publicado na sua página os relatórios anuais de execução (http://www.dge.mec.pt/avaliacao-1), assim como um relatório de balanço do período 2012 a 2018, da autoria da NOVA.id.FCT (2019). São documentos descritivos, centrando-se nas ações levadas a cabo e nos resultados de inquéritos de satisfação às direções dos agrupamentos, assim como na concretização (ou não) das metas locais estabelecidas nos projetos TEIP e na evolução dos resultados escolares, mas sem uma análise sobre a adequação dessas metas, nem sobre a efetiva concretização dos objetivos do programa.

Um recente estado da arte da publicação científica sobre o programa TEIP (Fritsch e Leite, 2020) aponta para uma valorização do programa no reforço das organizações escolares, assim como no combate à violência e ao abandono escolar, mas impactos bastante modestos na redução do peso das desigualdades sociais nos percursos e resultados escolares.

A partir de 2015, as políticas educativas voltaram a assumir um maior compromisso com a inclusão e a equidade educativas, visível no programa de governo e no programa nacional de reformas. Contudo, o TEIP permaneceu praticamente inalterado, tendo-se criado em paralelo o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, o qual disponibilizou recursos adicionais às restantes escolas. Os esforços de governos anteriores em alocar professores com características específicas aos TEIP foram abandonados, tendo-se optado por uma integração no concurso nacional de professores, mas conferindo às escolas abrangidas pelo programa um “crédito horário” mais favorável, consubstanciado na possibilidade de contratar mais docentes. Houve uma aposta continuada na autonomia e flexibilidade curriculares, mas sem qualquer especificidade no caso dos TEIP. São reconhecidos alguns investimentos importantes, na gratuitidade dos manuais escolares, na redução do número de alunos por turma, na recuperação do edificado ou na aquisição de meios digitais, mas em nenhum destes casos se priorizaram as escolas em contexto mais vulnerável. Acresce que a pandemia de COVID-19 obrigou ao encerramento das escolas e à adoção de um modelo de ensino não presencial, com efeitos desestruturantes nas aprendizagens, sobretudo nos contextos mais desfavorecidos (Avanesian, Mizunoya e Amaro, 2021), sem que os TEIP tenham merecido qualquer prioridade nas medidas de recuperação levadas a cabo. Neste cenário, faz sentido questionar se os TEIP têm respondido efetivamente ao desígnio para o qual foram criados.

3. Metodologia

As duas questões orientadoras da pesquisa empírica, enunciadas no início do artigo, remetem para uma comparação entre as escolas TEIP e as restantes escolas públicas, tanto em termos das condições socioeconómicas dos alunos como da evolução dos resultados escolares. Em ambos os casos, a investigação tem utilizado diversos indicadores. No caso do presente artigo, recorrem-se aos indicadores construídos e publicados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), através do portal InfoEscolas, a saber:

• Percentagem de alunos do agrupamento que concluem os ciclos de ensino básico no tempo esperado e, no caso do 3º ciclo, obtêm classificação positiva nos exames de matemática e português (indicador de sucesso escolar);

• Percentagem de alunos do país com um perfil semelhante, em termos de idade (proxy do nº de retenções anteriores), apoios da Ação Social Escolar (proxy das condições socioeconómicas do agregado doméstico) e habilitação da mãe (proxy das condições socioculturais do agregado doméstico), ao do agrupamento que concluem os ciclos de ensino básico no tempo esperado e, no caso do 3º ciclo, obtêm classificação positiva nos exames de matemática e português (indicador de contexto socioeconómico).

O uso de indicadores compósitos permite-nos uma visão global dos agrupamentos, ainda que obviamente se percam algumas especificidades, ao nível de escola, de ciclo de ensino, do desempenho escolar ou de dimensão socioeconómica. Assim, por exemplo, a “conclusão no tempo esperado” torna-se um indicador mais fiável do que a retenção porque tem em conta o sucesso em percursos mais longos de escolaridade. Também o facto de ponderar avaliações internas e externas, no 3º ciclo do ensino básico, mitiga o eventual enviesamento resultante de apenas considerar um dos tipos de avaliação.

Basearmos a nossa análise em indicadores construídos pelas instâncias oficiais, a partir dos dados administrativos das escolas, e disponíveis online tem algumas vantagens:

cobertura da generalidade dos alunos que frequentam a rede pública nacional;

fiabilidade dos dados, comprovados pelos serviços da administração (nomeadamente, para efeitos de transição, conclusão de ciclos e atribuição do apoio social escolar);

independência face às perspetivas dos investigadores;

comparabilidade ao longo de vários anos;

transparência (possibilidade de qualquer outro investigador reconstituir os cálculos e aferir os resultados);

análise da implementação das políticas públicas com os próprios resultados dos sistemas de monitorização construídos pela administração.

Por seu lado, existem algumas limitações que importa considerar. Em primeiro lugar, sendo um programa já com 25 anos, o lapso temporal considerado na análise não deixa de ser curto, o que se deve ao facto de o Portal InfoEscolas, à data da consulta (primavera de 2022), apenas ter disponíveis dados relativos aos anos letivos entre 2015/16 e 2018/19. É certo que ao incluir indicadores compósitos acaba por se cobrir um período temporal mais amplo. No caso do indicador “conclusões no tempo esperado”, o valor obtido em 2015/16 é o resultado dos percursos iniciados: em 2012/13, no 1.º ciclo; em 2014/15, no 2.º ciclo; e, em 2013/14, no 3º ciclo. No caso da coorte mais recente, estamos, portanto, a incluir os estudantes que iniciaram o 1.º ciclo em 2015/16, o 2º ciclo em 2017/18 e o 3º ciclo em 2016/17. Para facilitar a comunicação, resumimos que a análise incide sobre dois coortes distintos de alunos (2013-16 e 2016-19), permitindo observar a evolução entre eles, enquanto os dados do contexto são os relativos ao ano letivo mais recente destes períodos.

De referir que o lapso temporal considerado foi um período em que a rede escolar e o naipe de escolas coberto pelo programa TEIP se mantiveram inalterados, o que facilita a comparação. O facto de, em 2019/20 e 2020/21, terem sido suspensos os exames nacionais do final do ensino básico faz com que esses dados, mesmo quando publicados, deixem de ser comparáveis aos dos anos anteriores. Ainda assim, não deixa de ser um período relativamente curto para analisar progressos educativos.

O uso de indicadores compósitos (e indiretos, no caso do contexto socioeconómico) não permite uma maior desagregação das diferentes variáveis que os compõem, nem da sua evolução ao longo do tempo. Também a ausência de dados sobre o contexto de cada escola, implica que a análise se realize apenas ao nível dos agrupamentos.

Não foram incorporados dados relativos ao ensino secundário, uma vez que muitos TEIP têm oferta educativa apenas de ensino básico, o que distorceria as comparações. Além disso, no caso do ensino secundário, os estudantes distribuem-se por diversos cursos, uns de carácter científico-humanístico, outros de carácter profissional, com disciplinas e regimes de avaliação distintos, pelo que a comparação de resultados se afigura muito mais complexa.

Tendo-se esclarecido os indicadores em análise, suas potencialidades e limitações, cabe esclarecer que, apesar das variáveis serem maioritariamente quantitativas, optou-se por uma análise em que a unidade central foi o agrupamento. Esta decisão respeita não apenas o facto de o TEIP ter por referência, em todos os casos, essa unidade, mas também a singularidade de cada agrupamento (e de cada TEIP), em termos de comunidade e projeto educativo. Ou seja, pareceu-nos que, mais importante do que a aplicação de medidas estatísticas gerais (médias, modas, medianas, desvio-padrão), seria entender cada agrupamento como um caso único, buscando compreender qual o perfil daqueles que são cobertos pelo programa TEIP e como têm evoluído os seus resultados.

Dos 713 agrupamentos que cobrem mais de 99% da rede pública do ensino básico, foram ainda retirados os 6 agrupamentos que não tinham, nos dois anos em análise, uma oferta dos três ciclos do ensino básico (agrupamentos horizontais), bem como 12 agrupamentos que tinham menos de 20 alunos em algum dos ciclos de ensino, não disponibilizando a DGEEC dados nesses casos, por motivos de proteção de dados e falta de relevância estatística. A análise baseou-se, então, nos dados dos restantes 695 agrupamentos de escolas.

4. Resultados

Quando comparamos os TEIP com os restantes agrupamentos, segundo o indicador de contexto, constatamos alguma desigualdade, mas também uma elevada heterogeneidade de cada um dos conjuntos (tabela 1). No caso dos agrupamentos que integram o programa TEIP, 40% encontra-se no decil de agrupamentos com um contexto mais desfavorável, no primeiro período em análise, proporção que sobe para 60%, quando consideramos o quartil de contexto mais vulnerável. Porém, encontramos também 19% dos TEIP com indicadores de contexto superiores à mediana da rede pública. Comparando os dois períodos em análise, a estabilidade dos padrões é a nota dominante, ainda que o carácter mais desfavorecido do TEIP se atenue ligeiramente. Não tendo havido atualização no conjunto de escolas abrangidas pelo programa, esta flutuação poderá resultar de mudanças no tecido socioeconómico e, em particular, na população que frequenta as diferentes escolas.

Tabela 1 Agrupamentos TEIP e não-TEIP, segundo o indicador de contexto 

Agrupamentos 2013/16 2016/19 Em ambos
    N % N % N %
TEIP Decil mais desfavorecido 51 40% 47 36% 39 30%
Quartil mais desfavorecido 78 60% 74 57% 62 48%
Na metade mais favorecida 25 19% 26 20% 16 12%
Não-TEIP Decil mais desfavorecido 19 3% 23 4% 10 2%
Quartil mais desfavorecido 96 17% 100 18% 55 10%
Na metade mais favorecida 322 57% 321 57% 260 46%

Entre os agrupamentos que não são apoiados pelo programa, embora se observe alguma concentração na metade de contexto mais favorecido, existe também um número significativo de agrupamentos (19 em 2013/16 e 23 em 2016/19) que se encontravam entre os 70 agrupamentos nacionais de contexto mais desfavorecido (1º decil). É certo que estes valores sofrem algumas flutuações, mas mesmo considerando um critério de permanência, neste caso, os agrupamentos que se mantêm entre as 10% de contexto mais desfavorecido em ambos os períodos em análise, existem 10 agrupamentos não abrangidos pelo TEIP num total de 49.

Na fase inicial de implementação do TEIP3, os agrupamentos abrangidos pelo programa apresentavam efetivamente uma maior percentagem de alunos com percursos de insucesso escolar, ainda que as diferenças não sejam muito expressivas: em 2014/15, 64,2% dos alunos em TEIP tiveram percursos de sucesso, em comparação com 70,2% nas escolas não cobertas pelo programa. Estes valores elevam-se no triénio subsequente, mas o padrão de assimetrias entre os dois subconjuntos mantém-se (69,5% nos TEIP e 75,0% nos restantes).

Mais uma vez, estes valores globais escondem uma grande heterogeneidade de resultados escolares, tanto entre as escolas TEIP como entre as que não integram o programa (tabela 2). Cerca de um quarto dos TEIP encontra-se no primeiro decil, em termos de sucesso escolar, proporção que ascende a cerca de metade quando observamos o primeiro quartil. No entanto, mais de 20% dos TEIP apresenta padrões de sucesso escolar acima da mediana da rede pública (14% se considerarmos apenas aqueles que alcançam esse resultado em ambas as coortes em análise), enquanto mais de 30 agrupamentos não cobertos pelo programa estão no decil de maior insucesso escolar (18 considerando ambos os períodos).

Tabela 2 Agrupamentos TEIP e não-TEIP, segundo o indicador de sucesso escolar  

Agrupamentos 2013/16 2016/19 Em ambos
    N % N % N %
TEIP 1º decil 33 26% 35 27% 23 18%
1º quartil 66 51% 67 52% 53 41%
Acima da mediana 29 22% 35 27% 18 14%
Não-TEIP 1º decil 37 7% 35 6% 18 3%
1º quartil 108 19% 107 19% 56 10%
Acima da mediana 319 56% 313 55% 248 44%

Procurando aferir impactos do programa TEIP, a variação no período em análise é pequena, mas parece haver alguma polarização, ou seja, há um ligeiro aumento do número de TEIP entre os agrupamentos com mais insucesso escolar, mas também um aumento entre aqueles que se situam acima da mediana da rede pública.

Utilizando um indicador compósito, podemos observar quais são os agrupamentos que se encontravam, simultaneamente, no quartil mais desfavorável do contexto socioeconómico e do sucesso escolar (tabela 3). Na primeira coorte, este subconjunto era formado por 95 agrupamentos, 40 dos quais não apoiados pelo programa TEIP. No período mais recente, o desajuste é ainda mais evidente, com 48 agrupamentos não cobertos pelo TEIP, entre os mais vulneráveis. Pelo contrário, apenas 43% dos TEIP, em 2013-16, cumpriam esse duplo critério de desvantagem, descendo esse valor para 40%, em 2016-19. A este propósito, vale a pena referir a existência de 13 agrupamentos que integraram o TEIP, em 2013-16, apesar de apresentaram valores acima da mediana, tanto em termos de contexto como de sucesso escolar, valor que sobe para 19 em 2016/19.

Tabela 3 Agrupamentos TEIP e não-TEIP, cruzando os indicadores de contexto e de sucesso escolar 

2013/16 2016/19
Agrupamentos N % N %
TEIP Quartil mais desfavorecido em ambos 55 43% 51 40%
Quartil mais desfavorecido num indicador 37 29% 39 30%
Nos restantes quartis em ambos 37 29% 39 30%
Não-TEIP Quartil mais desfavorecido em ambos 40 7% 48 8%
Quartil mais desfavorecido num indicador 123 22% 111 20%
Nos restantes quartis em ambos 403 71% 407 72%

Relativamente à evolução dos resultados, podemos observar uma tendência de melhoria dos padrões de sucesso escolar, mas que ocorre de forma transversal nos dois conjuntos de escolas em análise. Isto é, nos TEIP, o indicador de sucesso escolar evoluiu favoravelmente de 64,2% para 69,5% (+5,3 pontos percentuais), enquanto nas restantes escolas progrediu de 70,2% para 75,0% (+4,8 pontos percentuais).

Mais uma vez, estes valores globais ocultam a existência de escolas com tendências divergentes em ambos os grupos (tabela 4). Cerca de metade das escolas revelam uma tendência positiva acentuada, entre os dois períodos em análise, sendo essa percentagem um pouco inferior nas escolas cobertas pelo programa TEIP (47%). Pelo contrário, a percentagem de escolas que não registou uma evolução positiva dos padrões de sucesso escolar no ensino básico, mas sim uma estagnação ou retrocesso, foi maior nos TEIP (28%) do que nas restantes escolas (21%).

Tabela 4 Evolução do indicador de sucesso escolar, entre 2013/16 e 2016/19, nos TEIP e nos restantes agrupamentos 

TEIP Não-TEIP
Tendência N % N %
Positiva acentuada (> 5 pp) 60 47% 289 51%
Positiva moderada (1 a 5 pp) 33 26% 156 28%
Nula/estagnação (-1 a 1 pp) 15 12% 44 8%
Negativa moderada (-1 a -5 pp) 13 10% 54 10%
Negativa acentuada (< -5 pp) 8 6% 23 4%
Totais 129 100% 566 100%

Esta tendência não deixa de sugerir alguma fragilidade do programa TEIP, sobretudo quando nos focamos nos agrupamentos em contextos mais vulneráveis: 37% dos TEIP apresentam progressos acentuados, mas essa proporção é inferior à observada para o total dos TEIP (47%) e, sobretudo, à registada pelos agrupamentos não integrados no programa que também trabalham com contextos mais desfavorecidos (59%). De igual forma, entre as escolas do quartil mais desfavorecido em termos sociais, 35% dos TEIP não apresentou progressos nos indicadores de sucesso, quando esse valor foi apenas de 25% para os agrupamentos não abrangidos (tabela 5).

Tabela 5 Evolução do indicador de sucesso escolar no quartil de contexto mais desfavorecido, entre 2013/16 e 2016/19, nos TEIP e nos restantes agrupamentos 

TEIP Não-TEIP
Tendência N % N %
Positiva acentuada (> 5 pp) 29 37% 57 59%
Positiva moderada (1 a 5 pp) 22 28% 15 16%
Nula/estagnação (-1 a 1 pp) 9 12% 9 9%
Negativa moderada (-1 a -5 pp) 11 14% 10 10%
Negativa acentuada (< -5 pp) 7 9% 5 5%
Totais 78 100% 96 100%

Por fim, uma análise dos dados desagregados por distrito permite explorar algumas diferenças territoriais. Se metade dos alunos abrangidos pelo programa habitam nos distritos de Lisboa ou Porto, essa tendência resulta das assimetrias demográficas que caracterizam o país, mais do que da focalização inicial do programa. Em termos relativos, os distritos de Beja (43%) e Portalegre (39%) destacam-se como aqueles em que maiores percentagens de alunos são cobertos pelo programa, confirmando aliás uma maior incidência do TEIP no Sul do que no Centro e Norte, o que se explicará, sobretudo, pelas maiores taxas de insucesso escolar e diversidade sociocultural, não tanto pelo contexto socioeconómico. No que concerne à evolução do sucesso escolar entre as duas coortes em análise, os progressos são mais modestos entre as escolas abrangidas pelo programa que se situam em Lisboa e Setúbal, precisamente os distritos em que as desigualdades socioeconómicas face às restantes escolas se afiguram maiores. Também no Porto, os avanços registados nas escolas TEIP ficam aquém do observado nas restantes. Em contraste, em distritos como Braga, Bragança, Castelo Branco e Viana do Castelo, a evolução observada foi mais expressiva, tanto em escolas abrangidas pelo programa como nas restantes, o que, em qualquer caso, sugere que outros fatores terão sido mais relevantes para esta mudança.

5. Discussão

Os resultados apontam para alguns padrões complexos. Por um lado, o programa TEIP não integra alguns dos agrupamentos escolares de maior vulnerabilidade escolar e socioeconómica do país, mas apoia outros que apresentam indicadores acima da mediana da rede pública, em termos de contexto e de sucesso. Por outro lado, em termos globais, a integração no programa TEIP não apresenta impactos positivos na evolução dos padrões de sucesso escolar, entre 2013-2016 e 2016-2019, comparando com o progresso das escolas não cobertas no programa, o que é sobretudo evidente entre os agrupamentos em contextos socioeconómicos mais desfavorecidos.

Não são conclusões inusitadas, uma vez que, seguindo outros modelos de análise, o desajustamento do programa face à composição socioeconómica dos agrupamentos já havia sido observado num estudo da OCDE sobre a gestão dos recursos no sistema educativo português (Liebowitz et al., 2018), enquanto o impacto incipiente dos TEIP na redução das desigualdades escolares já havia sido observado por Ferraz, Neves e Nata (2018 e 2019), com base nos resultados de conclusão do ensino secundário. Contudo, não deixam de ser resultados que importa observar, analisar e discutir, com alguma profundidade, pois colocam em causa, não apenas a eficácia, mas o próprio sentido e pertinência, de um dos programas de bandeira das políticas públicas de combate às desigualdades educativas e sociais, nas últimas décadas, em Portugal.

O desajustamento na cobertura do programa pode ser uma consequência do princípio de incorporar novos agrupamentos em sucessivas vagas, mantendo sempre as escolas integradas anteriormente, sem atender às mudanças económicas, sociais e até educativas nos próprios territórios, hoje bastante aceleradas devido à volatilidade dos mercados de trabalho, dos fluxos migratórios e da pressão imobiliária. A análise revelou, aliás, mudanças contextuais relevantes, mesmo num período de observação de poucos anos. Acresce que, em vários casos, a integração no programa TEIP resulta de condições escolares e sociais de vulnerabilidade acrescida, não no agrupamento como um todo, mas apenas em algumas das escolas que o compõem. Desta forma, seguindo a tendência internacional (Frandji e Rochex, 2011), os TEIP parecem efetivamente ter transitado de um modelo focado no combate à exclusão social para um outro centrado na “gestão do risco”, quer no apoio à intervenção localizada ante tensões particulares e emergentes, quer como amortecedor de conflitos sistémicos, no plano político e comunicacional.

Resta saber se a existência de agrupamentos entre os mais vulneráveis, em termos escolares e sociais, sem integrarem o programa TEIP resulta de não terem sido convidados pela administração ou, pelo contrário, não terem aceite o convite, o que implicaria também explorar as estratégias variáveis e as relações complexas existentes entre direções-gerais e direções dos agrupamentos. O facto de o TEIP assentar na construção de um projeto local, contratualizado com a administração central, parece implicar um mínimo de estabilidade, motivação, parcerias, capacidade de planeamento e disponibilidade para um compromisso plurianual, o que pode colocar em causa a participação de escolas mais destruturadas ou deprimidas.

Quanto ao impacto positivo do TEIP3, os relatórios de acompanhamento deduzem-no de uma evolução dos padrões de sucesso observada na maioria dos territórios, o que lhes permite cumprir metas estabelecidas, mas que se dilui nos progressos observados na totalidade da rede educativa portuguesa, não devendo, por isso, ser entendidos como resultantes da ação específica do programa. Numa parte dos TEIP em contextos socioeconómicos de maior vulnerabilidade, parecem efetivamente instalar-se processos de estigmatização, segregação e naturalização das desigualdades, em círculos viciosos de privação individual e institucional, aos quais o programa não tem conseguido dar resposta (Quaresma e Lopes, 2011), tal como se tem constatado com programas análogos, noutros países (Anyon, 2005). O carácter exíguo, temporário e propriamente escolar dos recursos adicionais contrasta com a magnitude e interseccionalidade dos problemas estruturais observados nestes territórios (Rocher, 2016). A inexistência de mecanismos específicos de formação, seleção, estabilização e reconhecimento dos profissionais não deixa de contribuir para ciclos de mobilidade e precariedade que descontextualizam e minam a eficácia da intervenção (EACEA/Eurydice, 2020).

A definição meramente administrativa dos territórios, tantas vezes apenas em função da localização contingencial das escolas, assim como a frágil articulação de muitos dos TEIP com outros agentes e programas de intervenção local (Abrantes et al., 2013; Melo, 2022), redunda num certo fechamento burocratizado em medidas e metas estritamente escolares, incluindo tensões e passagens de responsabilidade entre administração central e local, o que dificilmente promove progressos estruturais, à semelhança do observado noutros países (Reid e Brain, 2003; Warren e Mapp, 2011; Chapman e Ainscow, 2019; Richard-Bossez, Cornand e Pavie, 2021). De referir que esta contradição é tão mais gritante quando convive com um processo de descentralização de competências, no qual se espera que as autarquias assumam mais responsabilidades na gestão da rede escolar local, mas aparentemente sem qualquer relação com a política de educação prioritária.

Isto não inibe o facto de existirem, efetivamente, TEIP com progressos notáveis. Tal como se havia observado em estudos de caso anteriores (Abrantes et al., 2013; Alves et al., 2014; Sampaio e Leite, 2015; Costa e Almeida, 2022), escolas com lideranças mais consolidadas e uma maior integração na comunidade mobilizaram o TEIP para robustecer a sua organização e o seu projeto educativo. O problema é que, nos (muitos) casos em que não existem essas condições de partida, o TEIP também raramente terá contribuído para o seu desenvolvimento.

Atendendo a que o período entre 2016 e 2019 foi marcado por condições económicas mais favoráveis e por um discurso político mais valorizador da qualificação, da inclusão e do combate às desigualdades sociais, poder-se-iam esperar outros resultados. Valerá a pena considerar que as principais medidas educativas, neste período, quando não excluíram os TEIP, como foi o caso do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, pelo menos, orientaram-se de forma indiscriminada para a generalidade das escolas públicas - como foram os casos da autonomia e flexibilidade curricular, da educação inclusiva, da oferta dos manuais escolares (e, mais recentemente, de meios informáticos) a todos os alunos, entre outras - o que frequentemente acaba por ditar maiores progressos daquelas em que as condições de partida são mais favoráveis.

6. Notas conclusivas

A análise realizada aponta para dificuldades do programa TEIP, tanto em abranger efetivamente os agrupamentos de escolas em condições socioeconómicas e escolares mais vulneráveis, como em promover um progresso das aprendizagens escolares que mitigue as desigualdades que estão na base da sua existência. Ainda que possa contrastar com os relatórios oficiais do programa, esta conclusão não é surpreendente face às limitações que os estudos nacionais e internacionais (ver secção 1), sobretudo os que se apoiam em análises quantitativas mais robustas, têm identificado na capacidade deste tipo de programas promoverem a igualdade de oportunidades. Neste sentido, muitos dos autores citados argumentam que as políticas educativas de cariz compensatório raramente têm conseguido ser mais do que paliativas face às dinâmicas de segregação escolar e territorial impulsionadas pela globalização neoliberal, apontando para a necessidade de reformas estruturais que combatam os mecanismos de dominação e exclusão, simultaneamente, nas suas várias dimensões (educativa, laboral, habitacional, etc.).

Esta análise não permite legitimar afirmações de fracasso ou de inutilidade do TEIP. Na verdade, o sistema educativo português, no seu conjunto, tem apresentado melhorias evidentes ao longo dos últimos 25 anos e existem estudos de caso que demonstram benefícios diversos do TEIP (Abrantes, Mauritti e Roldão, 2011; Costa e Almeida, 2022). De referir, aliás, que cada território é caracterizado por dinâmicas educativas e sociais extremamente complexas e singulares, nem sempre observáveis quando se utilizam indicadores agregados e homogéneos.

Ainda assim, os dados permitem-nos, pelo menos, questionar se o programa não necessita de algum aperfeiçoamento e atualização, à luz das mudanças que têm vindo a pautar o sistema educativo e a sociedade portuguesa. A rede de “territórios educativos” pode ser periodicamente reequacionada, deixando de abranger as comunidades cujos progressos em termos socioeconómicos e educativos lhes permitiram superar uma posição de fragilidade no cômputo nacional, promovendo um enfoque nos territórios com indicadores desfavoráveis de contexto e de sucesso, alguns deles atualmente nem sequer envolvidos no programa. Por outro lado, o carácter “prioritário” da intervenção deve ser aprofundado, incluindo nos processos de requalificação do edificado, distribuição de recursos educativos, estabilidade e valorização dos profissionais, reforço da relação entre as escolas e as comunidades, envolvendo a administração central, mas também a administração local e outros agentes do território. A este propósito, valerá a pena discutir se faz sentido estes agrupamentos serem excluídos do programa nacional de promoção do sucesso escolar.

Será importante alargar esta linha de investigação, em particular, explorando os motivos pelos quais os agrupamentos não cobertos pelo programa apresentaram uma evolução mais positiva dos indicadores de sucesso. Tendo-se observado algumas especificidades entre regiões do país, esta análise deve incluir uma dimensão territorial. De igual forma, é fundamental compreender em que medida têm evoluído os indicadores de absentismo, de abandono e de qualificação, sobretudo, considerando os efeitos da pandemia de COVID-19 e o facto da redução das taxas de retenção e desistência, sendo transversal ao sistema, nem sempre representar uma melhoria das aprendizagens realizadas, nem das oportunidades educativas e sociais subsequentes.

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Recebido: 17 de Junho de 2022; Aceito: 22 de Setembro de 2022

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