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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
versão impressa ISSN 2182-5173
Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.1 Lisboa jan. 2012
CLUBE DE LEITURA
Incentivos financeiros: um incentivo à melhoria dos cuidados de saúde?
Teresa Maia Fernandes*; Alexandra Sousa**
*Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Infesta, ULS Matosinhos
**Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Oceanos, ULS Matosinhos
Scott A, Sivey P, Ait Ouakrim D, Willenberg L, Naccarella L, Furler J, et al. The effect of financial incentives on the quality of health care provided by primary care physicians. Cochrane Database Syst Rev 2011 Sep 7; 9: CD008451.
Introdução
Os cuidados primários fornecem acesso fácil aos serviços de saúde, abordando a maioria das necessidades de saúde do indivíduo, desenvolvendo uma relação médico-doente sustentada e contínua, conjuntamente com a família e a comunidade.
O número de países com incentivos financeiros para premiar o desempenho e qualidade dos cuidados primários tem vindo a aumentar. No entanto, apesar da popularidade destes esquemas, há pouca evidência que prove a sua eficácia na melhoria da qualidade dos cuidados médicos ou a sua custo-efectividade em relação a outras medidas. Os efeitos podem ser positivos (incentivando à mudança de comportamento) ou negativos (sem alteração do comportamento ou com alteração no sentido oposto), sendo estes efeitos moldados por vários factores, incluindo características do pagamento, factores motivacionais do clínico e custos financeiros.
Objectivos
Esta revisão analisou as consequências das alterações nos métodos de pagamento no que diz respeito à qualidade dos cuidados primários. Além disso, teve como objectivos identificar os diferentes tipos de incentivos financeiros em que se verifica melhoria de qualidade, as características das populações em que a qualidade de cuidados melhorou devido aos incentivos financeiros e ainda as características dos médicos de família que aderiram.
Metodologia
Foi realizada uma pesquisa dos artigos publicados entre Janeiro de 2000 e Agosto de 2009. Dois revisores independentes seleccionaram os artigos, colheram dados e efectuaram a sua avaliação.
Relativamente aos outcomes avaliados, os estudos incluíram vários parâmetros, nomeadamente informação dos doentes relativa à qualidade de cuidados; taxas de rastreio por citologia cervicovaginal, mamografia, vacinação pediátrica, rastreio de clamídia e medicação apropriada da asma; aspectos de seguimento da diabetes como avaliação de HbA1c, de colesterol LDL, entre outros.
Resultados
Foram incluídos 7 estudos nesta revisão, sendo três deles ensaios clínicos aleatorizados.
Seis dos sete estudos incluídos usaram esquemas de pagamento a grupos de médicos e não ao médico individualmente. Em todos esses estudos não foi descrito como o pagamento foi distribuído entre a equipa médica. Três dos estudos incluídos descreveram o esquema de pagamento nos grupos de controlo ou antes da intervenção e dois estimaram a percentagem dos incentivos em relação à totalidade do ganho.
Seis dos sete estudos selecionados mostraram efeito positivo modesto em alguns parâmetros da qualidade de cuidados. Um dos estudos não encontrou qualquer benefício.
Discussão
Embora seis estudos tenham encontrado um efeito positivo estatisticamente significativo, a maioria verificou melhoria apenas numa das várias medidas de qualidade usadas em cada um dos estudos. Assim, os resultados devem ser interpretados de forma cautelosa devido às limitações dos desenhos de estudo e consequentemente da sua validade externa.
Verificou-se uma heterogeneidade significativa entre os estudos no que respeita aos métodos dos incentivos e aos diferentes outcomes avaliados. Não é tido em conta em nenhum dos estudos o modo de selecção dos médicos para a participação ou não em sistemas de incentivos.
Alguns pontos que poderiam auxiliar a análise dos resultados são o estudo das consequências não desejadas do uso dos incentivos; a avaliação do grau de ligação entre médico e doente (se o doente visitaria simultaneamente outros médicos); a informação sobre a distribuição dos incentivos dados a grupos de profissionais; e, por último, a referência à magnitude dos incentivos financeiros em relação ao rendimento anual.
Conclusão
Seis dos sete estudos incluídos mostraram efeitos positivos mas modestos do uso de incentivos financeiros. Existe, no entanto, elevado risco de viés na maioria dos estudos devido a desenhos de estudo pobres, e à não consideração do possível viés de selecção pela possibilidade do médico poder optar por pertencer ou não ao grupo dos incentivos financeiros.
Apesar do uso de incentivos ter vindo a aumentar ultimamente, a evidência é insuficiente para apoiar ou reprovar o seu uso de forma a melhorar a qualidade dos cuidados primários. A implementação deve por isso prosseguir cautelosamente e os esquemas de incentivos devem ser desenhados mais cuidadosamente antes de serem implementados. São necessários desenhos de estudo rigorosos, que procurem avaliar as possíveis consequências indesejadas dos esquemas de incentivos e que descrevam consistentemente as características dos incentivos financeiros em questão.
Comentário
Os médicos de família estão a ser, em número crescente, enquadrados em Unidades de Saúde Familiares (USF) em que os incentivos financeiros desempenham um papel importante na dinâmica das mesmas. Esta tendência verifica-se em diversos países, principalmente europeus. A primeira tentativa em Portugal de organização de um sistema retributivo consoante o desempenho do médico e da equipa ocorreu com o Regime Remuneratório Experimental em 1998, que mais tarde evoluiu para as actuais USF. Baseia-se numa remuneração variável condicionada pelo atingimento de indicadores de saúde.
Este estudo analisou se o pagamento por desempenho, existente nas nossas USF, traz efectivamente benefícios às populações. Pretendeu registar o impacto real na qualidade e as desvantagens inerentes a esta forma de pagamento. No entanto, por se observarem alguns viéses na maioria dos estudos seleccionados, mau desenho de estudo e muita heterogeneidade nos outcomes avaliados, o artigo em questão conclui somente que não há evidência de benefício do pagamento por desempenho, sem abordar no entanto questões específicas.
Destaca, no entanto, três possíveis condicionantes da melhoria da qualidade de prestação de serviços através deste sistema retributivo. O benefício poderá ser variável dependendo do tipo de incentivo financeiro, consoante a população-alvo ou ainda pelo perfil do profissional de saúde. Assim, existem várias formas de pagamento estudadas neste artigo de revisão, nomeadamente pagamento após ser atingido um objectivo único, pagamento fixo por cada paciente que atinja determinado outcome e ranking relativo dos grupos de médicos. Em Portugal, tem-se assistido ao pagamento por equipa multiprofissional e não por indivíduo isolado, o que reforça a necessidade do trabalho em equipa. Além disso, o pagamento não é realizado consoante um ranking relativo, o que significa que se todas as equipas forem excelentes e atingirem as metas, não ficarão prejudicadas. Não há pagamento por paciente mas sempre por um todo, o que diminui o risco de haver selecção dos doentes pelos médicos. De destacar que nenhum dos estudos abordou a questão dos riscos de viés resultantes do facto do médico poder seleccionar ou não os doentes que inclui no esquema de incentivos nem a forma como o pagamento deve ser distribuído entre os grupos.
Não há dados que permitam inferir na literatura sobre as características da população-alvo destas equipas de saúde. Uma população, num determinado contexto geográfico e cultural, poderá ter ganhos de saúde, enquanto outras não. Este sistema de organização, no entanto, difundiu-se sem se estudar as especificidades locais.
Em relação ao perfil do profissional de saúde, o pagamento por desempenho poderá constituir uma motivação para uma melhoria da prestação dos cuidados. Porém, é possível que sejam precisamente os profissionais de saúde mais motivados que adiram mais a este sistema por sentirem mais valorização e compensação pelo esforço dispendido. Nem todos os profissionais de saúde apresentam a mesma resposta a este tipo de organização o que faz depreender que existem características próprias mais susceptíveis de sucesso.
Outro aspecto importante a salientar prende-se com os outcomes avaliados, isto é, a definição dos indicadores contratualizados. Se a área abrangida pelos indicadores for demasiado restrita e com metas elevadas, corre-se o risco de concentração dos cuidados pelos médicos de família em determinadas actividades médicas. São assim necessários mais estudos que se debrucem sobre as metas a fixar em cada objectivo e se o facto de estas serem demasiado elevadas não prejudicará a actuação noutras áreas. Além disso, o que se pretende são ganhos em saúde, daí ser essencial que os indicadores medidos tenham como base a Medicina Baseada na Evidência e que vá de encontro às normas das diferentes organizações de saúde nacionais, esforço que se tem sentido a nível nacional com a emissão de novas normas de orientação clínica pela Direcção Geral da Saúde com critérios de avaliação.
A sustentação científica para a implementação de incentivos com vista à melhoria da qualidade de cuidados carece de mais estudos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Melo M, Sousa JC. Os Indicadores de Desempenho Contratualizados com as USF: um ponto da situação no actual momento da reforma. Rev Port Clin Geral 2011 Jan-Fev; 27 (1): 28-34. [ Links ]
2. Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, Plano Estratégico 2007 – 2009. Lisboa: Ministério da Saúde; 2007. [ Links ]
3. Biscaia AR. A reforma dos cuidados de saúde primários e a reforma do pensamento. Rev Port Clin Geral 2006 Jan-Fev; 22 (1): 67-79. [ Links ]