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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.119 Coimbra set. 2019

https://doi.org/10.4000/rccs.9090 

ARTIGO

Conexão constante, privacidade e ambivalências nas dinâmicas interacionais mediadas por smartphones*

Constant Connection, Privacy and Ambivalences in the Interaction Dynamics Mediated by Smartphones

Connexion constante, confidentialité et ambivalences dans les dynamiques interactionnelles via smartphones

 

José Carlos Ribeiro,* Rodrigo Nejm,** Lisieanne Araújo Barberino,*** Lorena Borges****

* Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia . Rua Professor Aristides Novis, 197 - Federação, Salvador - Bahia, CEP: 40210-630, Brasil jcsr01@gmail.com

** Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia. Rua Professor Aristides Novis, 197 - Federação, Salvador - Bahia, CEP: 40210-630, Brasil rodrasn@gmail.com

*** Investigadora independente lisibarberino@gmail.com

**** Graduanda em Psicologia no Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia. Rua Professor Aristides Novis, 197 - Federação, Salvador - Bahia, CEP: 40210-630, Brasil lory.lorena.03@gmail.com

 

RESUMO

O presente artigo busca refletir sobre estratégias que jovens universitários brasileiros utilizam na regulação de suas interações mediadas por smartphones. A partir de um estudo qualitativo exploratório, faz análise temática dos relatos sobre as avaliações que fazem do uso constante dos aparelhos, da conexão permanente e da exposição do self nas interações sociais mediadas. Tanto na dimensão informacional como na relacional, os jovens apontam a necessidade de regulação dos graus de envolvimento com o próprio dispositivo e reconhecem algumas implicações desta regulação nos graus de envolvimento com as demais pessoas e com as informações ao redor. Há uma intensa ambivalência nas avaliações que os jovens fazem das experiências de conexão constante, sinalizando ajustes na regulação da privacidade e nas dinâmicas interacionais a partir dos usos e apropriações singulares dos smartphones.

Palavras-chave: entretenimento, interação social, juventude, privacidade, smartphones

 

ABSTRACT

This article proposes to reflect upon the strategies used by Brazilian youth to regulate their interactions mediated by smartphones. Based on an exploratory qualitative study, the thematic analysis examines the assessments made by participants of their constant use of devices, their permanently connected status, and their self-disclosure in mediated social interactions. In both the relational and informational dimensions, they point to the need to regulate the degree of involvement with the device itself and recognize certain implications of this regulation on their degree of involvement with other people and the information surrounding them. There is intense ambivalence as to how young people perceive their experience of being constantly connected, signaling the need for adjustments in the regulation of privacy and interactional dynamics triggered by singular uses and appropriations of smartphones in daily life.

Keywords: entertainment, privacy, smartphones, social interaction, youth

 

RÉSUMÉ

Cet article propose une réflexion sur les stratégies que les jeunes étudiants universitaires brésiliens utilisent pour réguler leurs interactions via smartphones. Basée sur une étude qualitative exploratoire, nous faisons l’analyse thématique des rapports sur les évaluations que ces jeunes font sur l’usage constant des appareils, la connexion permanente et l’exposition de soi dans les interactions sociales médiées. Autant dans la dimension relationnelle que dans l’informationnelle, les jeunes soulignent la nécessité de réguler les degrés d’implication avec le dispositif lui-même et reconnaissent certaines incidences de cette régulation dans les degrés d’implication avec d’autres personnes et les informations alentour. Il existe une intense ambivalence dans la perception des jeunes concernant les situations de régulation de la vie privée associées aux expériences de connexion constante, signalant la nécessité des ajustements dans la dynamique interactionnelle déclenchée par les usages et les appropriations singuliers des smartphones au quotidien.

Mots-clés: divertissement, interaction sociale, jeunesse, smartphones, vie privée

 

Introdução

O acesso aos smartphones1 tem se massificado rapidamente no Brasil, viabilizando sua participação como instrumento para as mais variadas atividades diárias, tornando-o, especialmente, mediador de diferentes cenários de interações e relacionamentos sociais. Neste contexto, tais equipamentos comunicacionais ampliam cada vez mais o leque de possibilidades e de funcionalidades disponíveis para os usuários, transformando-se em verdadeiras centrais de entretenimento e de trabalho (Ribeiro, 2015) que fomentam a produção e a circulação de informações, assim como um fluxo constante de interações sociais. O uso destas ferramentas no cotidiano de diferentes faixas etárias e grupos sociais pode ser reconhecido em pesquisas sobre a penetração social destes equipamentos em várias práticas diárias (Barbosa et al., 2013; Livingstone e Sefton-Green, 2016; CETIC.br, 2017).

Dentro da realidade brasileira, é um fato incontestável que os smartphones assumiram o protagonismo como equipamentos para acesso à Internet em todas as faixas etárias, sendo a forma mais comum para 93% dos usuários com conexão à rede (CETIC.br, 2017). Na faixa entre 16 e 24 anos de idade, 42% afirmam fazer uso exclusivo dos smartphones para suas atividades online. A ampliação desse uso faz com que estas ferramentas gerem implicações importantes nos aspectos relacionais, sociais, culturais e econômicos nos diferentes contextos socioculturais nos quais estão presentes (Ling, 2004; Castells et al., 2007).

Os jovens são comumente apontados como um grupo etário muito sensível às influências das novas tecnologias de comunicação na composição de suas práticas rotineiras e atividades diárias (Hjorth, 2009), transformando as ferramentas digitais, como os smartphones, em elementos centrais no curso habitual de suas vidas. Pode-se afirmar, desta maneira, que há uma tendência à generalização do uso destes equipamentos na realidade social vivenciada pelos jovens nos centros urbanos. Seja pela necessidade de suprir demandas de comunicação cada vez mais imediatas e complexas, seja pela possibilidade de extensão das funções relacionadas ao entretenimento, à segurança e ao controle, o que se nota é o alargamento de sua aplicabilidade nas práticas cotidianas (Ribeiro, 2015).

Podemos evidenciar que há uma gradativa complexificação das interações sociais, em especial no que se refere aos padrões e às estratégias discursivas utilizadas para as práticas interacionais mediadas pelos smartphones (Katz, 2003; Ling, 2004; Ganea e Necula, 2006). Ainda que tenhamos um histórico de pesquisas dedicadas à análise desses equipamentos nas relações sociais em contextos brasileiros (Lemos, 2007; Couto, 2009; Silva, 2010), a rapidez das transformações nos ambientes digitais nos desafia a manter uma reflexão sintonizada com as novas práticas híbridas e múltiplas (Pavesi, 2014). Uma das transformações que destacamos aqui está relacionada às novas possibilidades de conexão constante com e pelos smartphones. A massificação gradativa permite um uso contínuo, facilita a conexão constante à Internet e gera a possibilidade de exposição permanente, em formato multimídia, das experiências ordinárias nos aplicativos sociais. Destaca-se a sensação de copresença contínua entre as pessoas em lugares e contextos muito diferentes (Turkle, 2008) e a possibilidade de acesso constante aos pares em uma dinâmica que requer negociação para regular as oportunidades e desafios desta acessibilidade permanente (Mascheroni e Vincent, 2016).

Dentre os muitos desafios analíticos provocados pela rotinização (Giddens, 2003) da mediação dos equipamentos com conexão à Internet nas interações sociais entre jovens, mostra-se importante refletir sobre suas percepções a respeito destas interações e das estratégias que usam para regular a copresença constante. Novas mediações permitem novas formas de regular os graus de envolvimento (Goffman, 2010, 2014) nas interações sociais e novas possibilidades de atualizar-se instantaneamente com as informações em escala global. Tomando estes aspectos como referências, o presente artigo tem como objetivo discutir as percepções pessoais de jovens brasileiros sobre as implicações que a conexão constante, derivada do uso dos smartphones, pode gerar em suas práticas interacionais.

 

1. Conexão constante: novas dinâmicas de interação social e de acesso às informações

Nos primeiros momentos de massificação da Internet, conectar-se exigia grande concentração e uma atividade focada para sentar-se à frente da tela de um computador em um espaço físico bem delimitado, ajustar os cabos para a correta conexão e, então, torcer para efetivamente conseguir “entrar” na rede. Por mais anedótica que seja esta descrição, conectar-se à Internet estava associado a uma espécie de ritual de passagem, uma transição para outro tipo de ambiente relacional que requeria certa imobilidade diante do computador, sendo necessário abandonar o equipamento ou se desconectar para realizar tarefas em movimento ou em outros ambientes não mediados.

Com o desenvolvimento dos equipamentos e das redes para comunicação móvel, as experiências de conexão à Internet têm sido radicalmente transformadas, o que também tem provocado mudanças nas dinâmicas interacionais mediadas e na própria vivência dos ambientes digitais. Ainda que a incorporação da conexão constante e da mobilidade nas atividades cotidianas seja bastante acelerada, estas transformações geram implicações sobre a dinâmica de controle associada à acessibilidade e à disponibilidade para as interações (Ito e Okabe, 2006; Quan-Haase e Collins, 2008; Turkle, 2008), mudando as estratégias utilizadas para controlar os graus de envolvimento nessas interações (Gergen, 2000; Goffman, 2010, 2014), reposicionando os limites usados para regulação da privacidade (Altman et al., 1981; Petronio, 2002).

A possibilidade de conexão constante à Internet a partir dos smartphones, bem como a ligação muito íntima dos usuários com os aparelhos, traz à tona o debate sobre a interligação das chamadas experiências online e offline, comumente consideradas como mundos separados de conexão e desconexão. Sobre este aspecto, concordamos com Turkle (2008) na afirmação de que tal separação não se mostra mais pertinente para um contexto no qual temos uma oscilação muito acelerada e contínua entre as interações mediadas e não mediadas. Para a autora, a noção de tethered self ajuda a compreender este self intrinsecamente ligado aos equipamentos de comunicação, constantemente conectados às plataformas que permitem interações mediadas muito variadas.

Neste contexto, a incorporação dos smartphones no cotidiano faz com que este novo tipo de contato perpétuo (Katz e Aakhus, 2008) entre pessoas que estão distantes gere uma sensação de copresença contínua (Turkle, 2008). Ainda que potencialmente acessível a partir dos smartphones a qualquer momento, esta acessibilidade permanente para a comunicação passa a ser considerada habitual, porém não deixa de provocar a reorganização de acordos para filtrar os acessos sociais desejados e negociar as limitações para os acessos sociais indesejados (Mascheroni e Vincent, 2016).

 

1.1. Copresença constante, disponibilidade parcial para as interações mediadas

O fato dos jovens estarem conectados e acessíveis a partir dos smartphones não significa obrigatoriamente uma disponibilidade constante para interagir com todos aqueles que têm acesso mediado a eles (Quan-Haase e Collins, 2008). Há ainda uma dinâmica de seletividade dos contatos com os quais os jovens, efetivamente, querem entrar em relação (Ito e Okabe, 2006). Neste sentido, a regulação dos graus de envolvimento em dada interação social (Goffman, 2010) passa a ser relacionada com as novas possibilidades de seleção dos interagentes copresentes. Assim, é possível regular a disponibilidade para as interações com os diferentes recursos técnicos disponíveis nas aplicações sociais online que podem funcionar como escudos ou promotores de envolvimento (ibidem) para as interações.

As pesquisas de Goffman (2010, 2011, 2014) sobre os rituais de interação e sobre as formas de comportamentos em lugares públicos nos inspiram a pensar nas reconfigurações destas estratégias quando uma parcela cada vez mais significativa das relações sociais ocorre com a mediação de smartphones conectados à Internet (Ito e Okabe, 2006; Papacharissi, 2011; Bazarova et al., 2013; Marwick e Boyd, 2014). Se para Goffman (2011) as condições de copresença envolvem o sentimento de percepção mútua entre pessoas, que reconhecem que foram percebidas uma pela outra, podemos admitir que a presença mediada nos contextos digitais é um tipo de copresença, ainda que não de forma imediata (Licoppe, 2004).

Na taxionomia da copresença proposta por Zhao (2003), as comunicações mediadas eletronicamente geram a chamada telecopresença, uma presença que não está ancorada na referência de um mesmo espaço físico, mas é estabelecida a partir de representações digitais das pessoas. Este modo de copresença mediada também produz um senso de presença, uma percepção de que os outros também percebem esta presença mediada (ibidem). O senso de copresença nos contextos digitais pode variar em cada plataforma, de acordo com condições técnicas e critérios socialmente compartilhados, mas permite a ocorrência de relacionamentos interpessoais simultâneos com significativo grau de envolvimento.

A conexão constante aos ambientes digitais a partir dos smartphones, mediando os relacionamentos interpessoais e o acesso às informações no cotidiano dos jovens, demanda a reorganização ou a criação de novas normas interacionais (Quan-Haase e Collins, 2008; Rettie, 2009) para selecionar os contatos e as informações aos quais o usuário tem acesso. Além de regular a disponibilidade para as interações e dosar os graus de envolvimento, os jovens parecem confrontados também com a necessidade de regular as formas de apresentação de si e a exposição de informações pessoais nestas relações mediadas nos contextos digitais.

 

1.2. Regulação dos envolvimentos e das exposições nos contextos digitais

Os estudos de Goffman (2010) sobre as interações imediatas face a face, notadamente sua análise sobre a regulamentação “(...) que governa como uma pessoa lida com si mesma e com as outras durante (e por causa de) sua presença física imediata entre eles (...)” (ibidem: 18) também nos permitem refletir sobre as condutas em (e por causa da) copresença mediada pelos smartphones usados para a interação social. Os contextos digitais oferecem um tipo de arranjo comunicativo especial e as atuais plataformas de comunicação pela Internet, acessadas através de smartphones, permitem superar algumas das restrições das possibilidades comunicativas mediadas sinalizadas por Goffman (2010).

Para Goffman (ibidem: 101), “(...) os engajamentos de face compreendem todas as instâncias de dois ou mais participantes numa situação juntando-se abertamente para manter um único foco de atenção visual e cognitiva – o que é sentido como uma única atividade mútua, implicando direitos de comunicação preferenciais (...)”. No entanto, o próprio autor admite que os engajamentos não dependem exclusivamente da atenção visual nem das trocas verbais. Os engajamentos se iniciam e se dissolvem a partir de regras que regulam o jogo de abertura e as respostas a estas aberturas comunicacionais, uma vez que são percebidas pelos interagentes.

Mesmo que os contextos digitais provoquem a sobreposição de esferas sociais (Binder et al., 2009) e a presença mediada intensifique a desorganização normativa das situações (Marwick e Boyd, 2014), em cada plataforma digital parece haver uma linguagem do envolvimento e regras de alocação deste envolvimento em formato híbrido, integrando aspectos comuns das interações face a face com novos elementos singulares da dinâmica digital. Se no caso do engajamento mútuo de face (encontro), Goffman (2010) indicava os ajuntamentos multifocados como exemplo de múltiplos encontros em uma mesma situação, o acesso às plataformas digitais através dos smartphones amplifica a multiplicidade de encontros e de trocas simultâneas possíveis. Manejar esta multiplicidade de encontros no cotidiano requer a coordenação dos engajamentos para atender às expectativas dos diferentes interagentes, manejo que ganha nova dimensão com as múltiplas formas de copresença mediada e que requer esforços expressivos particulares dos selves.

Tomando o conceito de fachada como equipamento expressivo padronizado, intencional ou não consciente, empregado pelo indivíduo durante suas performances (Goffman, 2014), podemos considerar que, nos contextos digitais, os jovens também estão envolvidos em uma complexa dinâmica de controle e manutenção de sua fachada. Para demonstrar que estão situacionalmente presentes nos encontros mediados, os jovens precisam realizar o gerenciamento disciplinado de suas apresentações e exposições (Goffman, 2010), manejando as aproximações e os afastamentos como formas de reconhecimento mútuo da presença dos interagentes em dada interação. A dinâmica dos contextos sociais sobrepostos e das audiências imaginadas (Marwick e Boyd, 2014) cria uma situação social na qual se incorporam normas de conduta híbridas (Vitak et al., 2015).

As mudanças no processo de desenvolvimento dos relacionamentos interpessoais nos contextos digitais implicam ainda transformações nas formas de exposição de si e nos limites de acesso ao que consideramos informações privadas (Marwick e Boyd, 2014). Na passagem de um uso da Internet baseado na publicação para um novo uso, baseado na emissão de informações (Tubaro et al., 2014), incluindo as informações privadas (Nissenbaum, 2010; Cardon, 2012; Uski e Lampinen, 2016), torna-se cada vez mais relevante refletir sobre as implicações dos smartphones na regulação da exposição dos selves nas interações mediadas.

A conexão constante à Internet a partir dos smartphones amplia as possibilidades de exposição de informações privadas como parte dos processos de compartilhamento de informações em geral e como parte das dinâmicas interacionais mediadas. Enfatizando a noção de privacidade como processo de regulação dos limites interpessoais, a exposição de informações privadas pode ser considerada como processo que ocorre baseado em regras definidas individual e coletivamente, nos diferentes contextos de interação (Derlega e Chaikin, 1977; Petronio, 2002). A exposição de si teria uma relação dialética com a noção de privacidade (Jourard, 1966; Altman et al., 1981), como uma dinâmica que permite regular os limites de acesso ao self (Jourard, 1966) nas interações. A conexão constante com outras pessoas através dos smartphones traz novas variáveis ao processo de regulação das exposições e dos limites da privacidade ao permitir formas de selecionar as audiências, as informações e as situações nas quais há interesse em compartilhar aspectos do self (Vitak et al., 2015; Uski e Lampinen, 2016).

As plataformas digitais acessíveis pelos smartphones podem ainda ser usadas de maneiras muito diferentes pelos jovens para suas apresentações, sendo que cada tipo de uso pode estar associado a diferentes estratégias de gerenciamento da própria privacidade, estratégias que remetem ao cuidado na seleção das audiências (Tufekci, 2008; Vitak et al., 2015), à escolha dos formatos (fotos, vídeos, textos próprios, textos de outros, etc.) e frequência das publicações (Bazarova et al., 2013), às diferenças nos estilos de linguagem utilizada (Pavalanathan e Eisenstein, 2015) e a maior sintonia ou descompasso com as estratégias usadas nos relacionamentos em copresença física sem mediação digital (Blachnio et al., 2016).

Se nos encontros em copresença imediata o observador possui significativa vantagem por poder ter acesso direto às informações emitidas e não apenas àquelas transmitidas durante o encontro (Goffman, 2014), com os smartphones esta vantagem parece diminuída, uma vez que o indivíduo pode observar o seu próprio comportamento antes de publicar, filtrando as fotos e os vídeos de situações que não quer expor. Este exercício de assistir às suas próprias exposições merece ser destacado, principalmente ao considerarmos que toda a projeção que o indivíduo faz de si para os outros acaba participando da forma como se percebe a si mesmo (ibidem). Esta reflexividade, emblemática no caso do autorretrato (selfie) e das fotos diante do espelho que se tornam rotineiras na vida dos jovens com smartphones, é uma construção social complexa (Cardon, 2012; Wan et al., 2015; Uski e Lampinen, 2016). O expositor avalia o espetáculo que ele mesmo produz antes de o expor em sua rede de relacionamentos, rede que também fará suas avaliações e julgamentos (Chua e Chang, 2016) para compor o repertório de impressões, positivas ou negativas, recebidas pela exposição, e que servem de termômetro para as futuras exposições (Altman et al., 1981; Petronio, 2002).

Diante destas novas possibilidades de gerenciamento das exposições de si e de articulação das interações cotidianas com o uso dos smartphones, parece-nos importante observar algumas experiências e percepções dos próprios jovens. Analisar como avaliam estas possibilidades de conexão constante às pessoas e às informações em seu cotidiano, através do uso permanente dos seus equipamentos, pode nos dar insumos para compreender estas novas dinâmicas interacionais mediadas.

 

2. Contexto da pesquisa

Os dados que alimentam as reflexões subsequentes fazem parte de uma pesquisa mais ampla, intitulada “Percepções sobre usos e apropriações de dispositivos comunicacionais móveis nas práticas interacionais contemporâneas: um estudo com jovens universitários brasileiros”. De cunho qualitativo e caráter exploratório, tal pesquisa buscou aprofundar o estudo sobre as particularidades sociais e os comportamentais dos jovens associados com as formas de usos e apropriações dos smartphones no cotidiano. Ao todo, participaram da pesquisa 120 jovens universitários, de seis cidades da região nordeste do Brasil, sendo três capitais (Salvador, Aracaju e Fortaleza) e três cidades do interior (Cachoeira, Itabaiana e Quixadá), conforme detalhamento da Tabela 1:

 

 

Os participantes foram acessados em uma amostragem por conveniência.2 Dentre os 120 participantes, 61 eram do gênero masculino e 59 do gênero feminino. O recorte etário variou entre 18 a 25 anos (M = 21,26 anos / Mediana = 23 anos).

Após as devidas explicações sobre os objetivos da investigação e a garantia do sigilo da identidade no tratamento das informações, foi solicitado aos participantes que assinassem um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, associado à pesquisa. Os dados foram coletados através de entrevistas estruturadas, com duração entre 25 a 35 minutos, totalizando cerca de 60 horas de dados brutos – gravados e posteriormente transcritos. As entrevistas seguiram roteiro previamente elaborado para a pesquisa com os jovens brasileiros, apesar de inspirado em um modelo criado por Ribeiro (2015) em investigação anterior sobre percepções dos usos dos dispositivos comunicacionais móveis, notadamente smartphones, por jovens portugueses.

Para a distribuição, o tratamento e a visualização dos dados de forma detalhada, através da geração de relatórios, foi utilizado o programa Atlas TI. Os dados transcritos foram trabalhados em quatro etapas subsequentes: rotulação dos dados (análise individual de cada entrevista); refinamento da rotulação (aprofundamento e refinamento dos rótulos previamente criados); análise dos dados (análise dos dados já categorizados a partir dos conceitos teóricos propostos pela literatura) e refinamento da análise dos dados (aprofundamento e refinamento dos dados categorizados) como parte da análise temática (Braun e Clark, 2006) que gerou as categorias operacionais em diferentes blocos temáticos.

A pesquisa contemplou uma pluralidade de temas, como as funcionalidades mais utilizadas, os usos de acessórios, as motivações para troca dos aparelhos, os usos dos smartphones em espaços públicos e as percepções sobre as mudanças nas práticas interacionais. O foco de análise deste artigo está direcionado às percepções dos jovens entrevistados sobre o uso constante dos smartphones no cotidiano. Os relatos apontaram para implicações deste uso na interação com outras pessoas e na articulação de informações compartilhadas socialmente, aspectos sintetizados nas cinco categorias temáticas que o constituem (Quadro 1). Estas cinco categorias foram construídas a partir da análise dos relatos dos jovens, agrupando tipos de situações que eles identificam como relacionadas ao uso cotidiano dos smartphones e suas implicações nas práticas interacionais.

 

 

Partindo deste recorte sobre as percepções dos jovens, podemos considerar que as cinco situações agrupadas acima estão relacionadas à conexão constante aos aparelhos, tanto para mediar as interações quanto para acessar as informações. Para o objetivo deste artigo, temos as seguintes questões como referências: a) quais as avaliações que os jovens fazem sobre os efeitos da conexão constante na regulação das suas exposições de si e da sua disponibilidade social para as interações nos diferentes contextos nos quais estão utilizando seus smartphones?; e b) como fazem a regulação dos graus de envolvimento em suas múltiplas interações mediadas pelos smartphones?

 

3. Discussão

Ao analisarmos as respostas dos jovens entrevistados, a noção de conexão constante destacou-se como um aspecto da rotina diária, habitual, sinalizando a incorporação dos smartphones ao longo do dia de maneira quase ininterrupta. Nas diferentes situações sociais e ambientes frequentados, os aparelhos são mencionados como elementos que direta ou indiretamente participam das práticas interacionais, ora gerando novas oportunidades de regulação dos envolvimentos, ora dificultando o manejo desta regulação.

Para sistematizar nossa análise sobre as implicações da conexão constante nas dinâmicas interacionais, as cinco categorias inicialmente usadas no recorte da pesquisa mais ampla foram agrupadas em duas dimensões de usos dos smartphones: 1) a dimensão informacional e 2) a dimensão relacional, representadas no Quadro 2.

 

 

Ao analisar as avaliações que fazem sobre os efeitos da conexão constante, ficou evidente a ambivalência das qualificações. A maior parte dos relatos indicou aspectos positivos e negativos, dependendo das formas de apropriação e dos contextos nos quais usavam os seus smartphones. Esta ambivalência enfatizada nos leva à reflexão sobre a importância do contexto singular de cada situação social como base para a avaliação que os jovens fazem sobre o uso do smartphone como um mediador do complexo fluxo de interações cotidianas.

No âmbito da dimensão informacional, a conexão constante gera um conjunto de efeitos positivos, a exemplo da coordenação de atividades cotidianas de trabalho e estudo (tópico associado à categoria 1), da facilidade para se manter atualizado e da participação na cultura global (tópico associado à categoria 2). Exemplos de avaliação positiva da conexão constante para coordenação de atividades cotidianas e para manter-se atualizado podem ser vistos nos relatos seguintes:

Você está no supermercado e quer pesquisar um preço, aí você olha o preço. Você lembra de alguma coisa, liga para uma pessoa, fala no WhatsApp, pesquisa no Google... Acho que a implicação direta de você estar constantemente conectado é facilitar sua vida, né? (Respondente 105)

O fato de a gente poder estar todo dia, toda hora conectado, ajuda muito na comunicação mesmo. A gente consegue ter informações muito mais rápido... Se acontece algo em algum lugar distante, você sabe na mesma hora, no segundo exato. (Respondente 92)

Ao lado destas avaliações positivas, os jovens também associam os mesmos usos dos smartphones a um conjunto de prejuízos e de angústias, especialmente no que diz respeito às práticas de atualizações constantes de informações e pela saturação derivada do excesso dessas práticas (tópicos associados à categoria 2):

Você está submetido a um bombardeio de informações que você não quer, que não lhe diz respeito o tempo todo, em meios que não te interessam... Lixos informacionais e, enfim, outros conteúdos até agressivos para você (...). (Respondente 90)

Uma coisa que você pode olhar por duas perspectivas é o excesso de informação. Você vai estar muito mais bem informado, mas você vai ter muita informação também que já não te vale nada... Você vai consumir muita informação que para você não tem valor, sabe? (Respondente 80)

Eu acho que um problema de sempre estar conectado é que você está sempre recebendo informações. A gente fica muito atrelado ao que vem a nós, o que a gente busca superficialmente, visões de terceiros e deixa de procurar a nossa própria visão. (Respondente 98)

No que chamamos de dimensão relacional, a mesma ambivalência pode ser percebida para as interações sociais que podem ser favorecidas ou prejudicadas pela conexão constante. Os aspectos positivos destacados foram: a praticidade na comunicação com pessoas de proximidades afetivas/sociais e a consequente facilidade no compartilhamento de informações de forma ágil e instantânea, assim como a continuidade e manutenção das interações iniciadas presencialmente (tópicos associados à categoria 3). Os relatos sobre os benefícios da conexão constante apontam:

A vantagem é que eu consigo estabelecer contato com várias pessoas ao mesmo tempo, o que eu não conseguiria fazer no cotidiano. Eu consigo me fazer presente mais vezes e com mais constância. Tem amigos mesmo, que eu fico sem ver seis meses, mas a amizade continua a mesma, porque a gente (es)tá se falando, (es)tá se vendo e até quando não fala. Depende muito da amizade, principalmente aquelas pessoas que a gente gosta, como família, que não mora mais tão próximo de você, às vezes mora na mesma cidade, mas não mora tão próximo. Eu tenho a vida muito corrida, então, assim, a chance que eu tenho de estar mais próximo deles constantemente é através do aparelho celular. (Respondente 98)

Traz proximidade. Uma pessoa que mora longe, você pode se comunicar com ela pelo celular. (Respondente 36)

Ao mesmo tempo, a conexão constante gera sensações negativas associadas aos relacionamentos sociais, como: excesso de mediação nas relações (inclusive íntimas), exigência de permanente disponibilidade social, exposição constante e demasiada, perda de controle sobre acessibilidade nas relações (tópicos associados à categoria 4), afastamento e distanciamento nas interações presenciais, percepção de isolamento social, prejuízos em situações específicas – aula, momentos em família, refeições – (tópicos associados à categoria 5). Os relatos a seguir são exemplares em relação a estes tópicos:

Ao mesmo tempo o mundo te cobra, a Internet e as pessoas que estão nela vão te cobrar porque elas também querem alguma coisa, e elas vão utilizar desse artifício da facilidade e da praticidade. (Respondente 4)

Dificulta você (es)tá sempre vidrado no celular, dificulta a questão da comunicação interpessoal também. A gente fica mais acostumado com essa conversa superficial que a gente tem através do celular, através das mídias, que a gente tem a oportunidade de usar, do que a conversa física, do contato. (Respondente 98)

É ruim para a interação social. Muita gente que está aqui no celular não vê o que está acontecendo em volta. (Respondente 11)

Atrapalha na maneira de socialização. Você está lá com vários amigos na mesa, mas está lá no telefone. Perde o foco no que realmente importa. (Respondente 31)

Estas colocações dos jovens nos indicam que a conexão constante complexifica as dinâmicas interacionais, amplificando as possibilidades de relação social e de comunicação, ao mesmo tempo em que abala as regras usadas para manejar os graus de envolvimento nas interações. Ao sobrepor diferentes interagentes e contextos interacionais para além da interação face a face, as múltiplas variáveis que os usos dos smartphones trazem para as interações exigem rearranjos nos acordos e nas expectativas.

As consequências da conexão constante, derivadas dos usos dos smartphones, parecem demandar o uso de estratégias para regulação dos envolvimentos nas interações, acionando tipos de controle diferentes para iniciar e interromper as interações mediadas e não mediadas, a exemplo do que podemos notar nas falas a seguir:

Talvez uma pessoa que você não goste muito também esteja sempre conectado e você é obrigado a conversar com ela, a responder suas mensagens. (Respondente 18)

Por um lado, é bom porque... você... tem aquela oportunidade do tipo, precisar falar com uma pessoa que ela não (es)tá aqui comigo e que eu não vou achar ela, e eu tenho como falar com ela ali pelo celular. Por outro, é ruim que às vezes você perde coisa tipo, às vezes você (es)tá na aula e você vai falar com essa pessoa que não (es)tá e você acaba perdendo alguma coisa ali do momento. (Respondente 102)

Por outro lado, os jovens apontam ter maior controle de acessibilidade nas relações presenciais a partir da inserção do smartphone, ou seja, maior controle sobre a abertura interacional em algumas situações face a face. Alguns entrevistados relatam explicitamente utilizar o equipamento para evitar contatos indesejados em espaços públicos:

Quando eu vejo alguém (com) que(m) eu não quero falar, pego o celular para olhar qualquer coisa, mesmo que para nada específico. (Respondente 63)

Você tem uma série de funcionalidades que vão te dar o que você quer, no momento em que você quer, na hora em que você quer, então eu vejo muito com um olhar… bom, essa questão de estar o tempo todo conectado, acho que é um acontecimento da contemporaneidade que a gente não pode mais fugir disso, fugir disso você acaba sendo… excluído socialmente. (Respondente 65)

Que eu acredito que a conversa através de um aparelho celular, de um WhatsApp que seja, ela é uma conversa limitada, é uma conversa menor, mais curta, tem que ser mais rápida. Pelo menos comigo é assim. Eu observo que com as outras pessoas também, as palavras são menos profundas, mais superficiais. (Respondente 98)

Pelas falas anteriores, podemos considerar que os jovens buscam estratégias para controlar os graus de envolvimento (Goffman, 2010) em cada situação social, negociando com seus pares os critérios do que pode ser considerado apropriado ou inapropriado em termos de envolvimento com e através dos smartphones. Em certa medida, os smartphones são usados como escudos de envolvimento ou como artefatos que facilitam a abertura para a interação (ibidem). Podemos notar a mesma ambivalência quando os sujeitos destacam a questão do isolamento social (tópico associado à categoria 5). Vale analisar com cautela o que pode significar a menção recorrente ao suposto isolamento social provocado pela conexão constante. Afinal, os próprios jovens apontam que dedicam boa parte do tempo de uso dos smartphones para as relações sociais, e o isolamento, neste caso, parece trazer à tona uma hierarquia de valores que credita maior legitimidade aos encontros face a face não mediados em relação àqueles que são mediados por tecnologias digitais.

Quando você se apega demais ao celular, você acaba escravo dele, então eu acho que um dos pontos negativos do celular é esse, você se apega demais e fica só conectada a uma telinha e esquece do mundo real, você passa a viver no mundo virtual e esquece o mundo real. (Respondente 48)

Conforme mencionado, a ambivalência em relação à conexão constante é um aspecto bastante presente na fala dos entrevistados. Os jovens em questão, ao passo que destacam as características benéficas, sentem-se “escravos dos equipamentos”, com prejuízos para concentração, informação e relações sociais. Parte dessa ambiguidade pode advir da percepção arraigada e dicotômica sobre a existência de mundos reais e virtuais, com qualificação positiva do primeiro e negativa do segundo. Mesmo estes jovens, que já nasceram em um contexto de intensa disponibilidade de tecnologias digitais, apresentam em suas referências uma visão dicotômica. Esta situação remete à discussão de Turkle (2008) sobre a incorporação da possibilidade de conexão constante no cotidiano, sendo difícil conceber a rotina diária sem esta disponibilidade de acesso aos outros e às informações.

A possibilidade de conexão constante impacta também a disponibilidade para interação social. Ainda que sejam associados a distrações e perda de foco, os smartphones ampliam as possibilidades de relacionamento que não ficam mais limitadas pela copresença física imediata dos encontros face a face, exigindo rearranjos nos acordos e nas expectativas sociais entre os diferentes interagentes.

O fato de estar conectado toda hora significa que você deve estar disponível toda hora. Implicitamente, né? Você está com o WhatsApp, está online, aí te cobram: não está me respondendo por que? É isso, sabe. E as pessoas vão te cobrar mesmo. (Respondente 4)

O fato de estar conectado e acessível para seus pares e familiares através dos smartphones não significa que os jovens estão constantemente disponíveis para interagir com todos aqueles que têm acesso mediado a eles, reiterando os relatos presentes em outras pesquisas sobre esta temática (Quan-Haase e Collins, 2008). Esta dinâmica de seletividade das pessoas com as quais efetivamente querem entrar em contato (Ito e Okabe, 2006) é um aspecto importante a ser considerado, sendo uma das formas de uso dos smartphones para dosar os graus de envolvimento, tanto nas interações mediadas quanto nas não mediadas.

Desta forma, podemos considerar que para cada contexto digital no qual ocorrem encontros mediados, os jovens terão convenções que irão regular os engajamentos, os graus de abertura e de acesso ao self nos seus relacionamentos. A fala a seguir ilustra esse rearranjo que fazem das convenções a partir da conexão constante.

Eu acho que o ruim de (es)tar sempre conectado é porque as pessoas elas passam a te cobrar uma maior atenção, porque pelo simples fato de você entrar no WhatsApp, no Facebook, elas sabem que você entrou, e consequentemente elas acham que você está disponível para conversar naquele momento, sendo que nem sempre você está; muitas vezes você olha o celular p(a)ra ter uma informação, p(a)ra olhar se alguma coisa importante aconteceu, e aí isso acaba colocando em xeque algumas relações com as pessoas. (Respondente 1)

Este tipo de episódio aponta para acordos, implícitos ou explícitos, sobre a regulação dos limites de acessibilidade, uma vez que parece haver uma percepção de obrigação mútua, uma expectativa de manutenção, ainda que temporária, da relação estabelecida entre os jovens em suas interações pelos smartphones. Em cada uma das plataformas utilizadas parece haver uma ordem coletivamente definida para regular o fluxo comunicacional e os graus de abertura que cada participante terá com relação aos outros. Assim como nos encontros face a face, o contexto interacional mediado pelos smartphones envolve o que Goffman chama de “(...) dialética constante entre rituais de apresentação e de evitação (...)” (2011: 77), o que também nos remete à discussão sobre os limites da privacidade nas interações.

O controle sobre as performances de apresentação do self pode ser considerado uma das formas de regular o fluxo comunicacional, estabelecendo os limites de apresentação e evitação de cada participante para suas audiências. Isso exige o manejo de suas exposições para gerenciar as impressões que pretendem projetar nas audiências. Este tipo de manejo da fachada pode ser considerado uma estratégia de marcação de limites da privacidade enquanto regulação de acesso ao self nas interações (Goffman, 2014), como podemos observar nos relatos dos jovens:

É que você (es)tá sempre olhando ali alguma coisa e você (es)tá vendo a vida dos outros também, o que está acontecendo no mundo e também com as outras pessoas. Do mesmo jeito que elas vêm o que está acontecendo com você e porque você (es)tá sempre ali postando, então você (es)tá expondo a sua vida, e aí fica aberto, né. Acho que é basicamente isso (risos). (Respondente 20)

Eu diria que você perde um pouco a (...) indisponibilidade. Por exemplo: se você quiser ler um livro, ou só ficar na praia, fazer qualquer coisa – aí quando você volta aí tem 300 mensagens no WhatsApp – cadê você, sumiu! Então as pessoas para quem você pode estar disponível, elas sempre querem que você esteja sempre disponível. E se você não impõe um limite assim – você vira escravo do celular, de estar sempre respondendo imediatamente o que as outras pessoas querem. (Respondente 85)

Analisando as falas dos jovens, nosso entendimento é que a conexão constante pelos smartphones oferece não apenas restrições, mas também oportunidades de possibilidades comunicativas. Se as plataformas digitais permitem a sensação e o registro da presença, além de possibilitar a persistência do fluxo comunicativo nas interações mediadas, mesmo sem a presença física imediata, também viabilizam ambientes interacionais com novos tipos de ajuntamentos e de situações, com novos equipamentos expressivos que possibilitam ocasiões sociais variadas, criando, reproduzindo e reconfigurando dinâmicas interacionais distintas que guiarão os padrões de comportamento que são considerados apropriados. A multiplicidade de combinações possíveis será tão ampla quanto forem diferentes os atores envolvidos e as transformações sociotécnicas em curso.

 

Conclusões

O monitoramento da disponibilidade social associada ao uso do smartphone apresenta-se como parte do processo de gerenciamento das apresentações e exposições de si, o que passa pelo manejo dos tipos de presença que os usuários querem deixar explícitos em cada plataforma. Há constantemente uma ponderação dos aspectos positivos e dos eventuais prejuízos da conexão constante possibilitada pelo uso dos smartphones. Tanto na dimensão informacional quanto na dimensão relacional, as falas dos jovens apontam para a importância da regulação dos graus de envolvimento com o próprio equipamento e as implicações desta regulação nos graus de envolvimento com as demais pessoas e informações ao redor. A capacidade de controlar estes envolvimentos é um fator crucial, mas diretamente associado ao conjunto de expectativas sociais relacionadas a cada situação social específica. Ao lado da capacidade individual dos jovens de regular esta conexão constante, podemos perceber a necessidade que eles têm de conciliar os usos com as normas que regulam o fluxo das comunicações nas situações sociais específicas.

Algumas normas sociais são evidenciadas nas falas, mencionando as expectativas sociais em termos de condutas consideradas apropriadas no uso dos smartphones. Ao mesmo tempo, ao relatarem usos cotidianos e efeitos práticos desta conexão constante, muitos enfatizam o quão habitual é a mediação destes aparelhos nas relações interpessoais e na relação com a informação em geral, admitindo que ferem as mesmas expectativas de normas de conduta que apontaram como apropriadas.

Vale indagar o quanto estas práticas cotidianas mediadas estão instaurando novas expectativas sociais, com base em novas referências e novos acordos sobre os tipos de envolvimento mediados considerados apropriados, em relação àquelas associadas às interações face a face, ainda priorizadas como referência sobre os graus de envolvimento. Se nos relatos os jovens admitem explicitamente certa rotinização da conexão constante como norma, as falas apontam também uma hierarquização que coloca as pessoas e informações imediatamente presentes como prioritárias e que mereceriam atenção dominante.

As adequações feitas pelos jovens apontam para oscilações nas formas como alocam sua atenção e administram os graus de envolvimentos mediados, ora buscando atender à expectativa de prioridade para os presentes no local fisicamente, ora assumindo uma dinâmica que admite uma equivalência de relevância dos envolvimentos mediados e não mediados, sem que a priorização ou hierarquização se relacione com as demandas e expectativas derivadas da presença face a face, mas dependa muito mais da relevância dos interagentes e do tipo de informação. Para alguns, a conexão constante é sinônimo de exposição constante, o que gera desconforto ao tirar liberdade na regulação das exposições. Ao mesmo tempo, a conexão constante torna-se ponto de partida para a coordenação de uma diversidade de atividades cotidianas, naturalizando esta facilidade de conexão com as informações e com as pessoas em presença mediada. Apesar de a acessibilidade ser constante com a rotina de uso permanente, a disponibilidade social e o envolvimento nas interações são seletivos e situacionais, sendo temerário generalizarmos os smartphones como artefatos que isolam socialmente ou que apenas empobrecem as interações sociais dos mais jovens.

Interessante notar que estes rearranjos interacionais e informacionais tendem a ser complexificados com a massificação da chamada Internet das Coisas, especialmente quando muitos equipamentos conectados não possuem interface gráfica para que os sujeitos possam ajustar os graus de visibilidade e de “presença” deles próprios e dos recursos digitais nas situações presenciais. Resta saber que novas estratégias serão desenvolvidas para que sejam negociados não apenas os graus de envolvimento entre os diferentes interagentes presentes nas situações, mas também os graus de exposição das informações sobre os sujeitos, suas coisas e seus ambientes considerados privados, uma vez que estarão também constantemente conectados aos espaços “inteligentes” por procedimento padrão. Se os aparelhos que fazem as mediações digitais de nossas relações estão cada vez menores, diluídos e quase invisíveis, torna-se cada vez mais necessário visualizar as consequências que a constante exposição e monitoramento dos selves pode gerar sobre a liberdade expressiva do self na atualidade.

 

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Artigo recebido a 23.12.2017. Aprovado para publicação a 08.05.2019

 

NOTAS

* Este artigo é produto de uma pesquisa mais ampla intitulada “Percepções sobre usos e apropriações de dispositivos comunicacionais móveis nas práticas interacionais contemporâneas: um estudo com jovens universitários brasileiros”, desenvolvida com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Edital Universal – CNPq n.º 14/2014 – Processo: 449466/2014-4.

1 Atualmente, no Brasil, os termos smartphone e telefone celular tornaram-se praticamente sinônimos, uma vez que se referem, na sua quase totalidade, aos equipamentos comunicacionais móveis que possibilitam a conexão à Internet, seja através de redes wi-fi ou por redes das modalidades 3G ou 4G. Neste artigo, visando a padronização da expressão, utilizaremos apenas a palavra smartphone para designar tais equipamentos, com exceção das menções do termo celular efetuadas por alguns sujeitos respondentes nas suas falas.

2 Amostra por conveniência (ou acessibilidade) corresponde àquela em que são aproveitados os respondentes imediatamente disponíveis para a participação em uma pesquisa (Yin, 2016).

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