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Comunicação e Sociedade
versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575
Comunicação e Sociedade vol.26 Braga dez. 2014
https://doi.org/10.17231/comsoc.26(2014).2035
REFLEXÕES SOBRE A COMUNICAÇÃO APLICADA
Esforços comunicacionais para a construção de relacionamentos na contemporaneidade: mediações e tecnologia
Communicational efforts for the construction of relationships in contemporary society: mediations and technology
//
Éllida Neiva Guedes*; Marcelo da Silva**; Protásio Cézar dos Santos***
// //*Universidade Federal do Maranhão ellidaguedes@gmail.com. //
//**Universidade Federal do Maranhão marcelosilva_rp@hotmail.com. //
//***Universidade Federal do Maranhão labcom17@bol.com.br. //
RESUMO
Objetiva-se discutir o necessário alinhamento dos esforços comunicacionais para a construção de relacionamentos duradouros entre uma organização e seus públicos frente à efemeridade da sociedade contemporânea. Inicia-se com o histórico e evolução conceitual da atividade de Relações Públicas, evidenciando, a seguir, o contexto social e tecnológico no qual se vive, cujas características conduzem à discussão sobre a integração das competências dos profissionais dos vários campos da comunicação. Tal integração potencializa a construção do processo relacional, já que se trata de uma necessidade absoluta que traduz mutações e desafios sobre os quais se lança luz neste artigo.
Palavras-chave: Relacionamentos organizacionais; tecnologia; mediações; diálogo; esforços comunicacionais.
ABSTRACT
This article aims to discuss the necessary alignment of communication efforts to build longlasting relationships between a organization and it public facing the ephemerality of the contemporary society. It begins with the historical and conceptual evolution of Public Relations activity, highlighting, afterwards, the social and technological context in which we live, which features lead to a discussion about the integration of professionals’ skills from various fields of communication. Such integration enhances the construction of relational process, since it is an absolute necessity that translates changes and challenges over which we shed light with this article.
Keywords: Organizational relationships; technology; mediations; dialogue; communication efforts.
Introdução
Hoje, a funcionalidade central dos recursos tecnológicos comunicacionais é promover a interação, as trocas simbólicas e o compartilhamento de conteúdos, através dos quais geram-se laços que podem promover a construção dos relacionamentos pessoais e organizacionais. O que se observa nesse cenário é que o termo relacionamento é aplicado a qualquer processo comunicativo que ocorra nas redes sociais virtuais. Aqui, contudo, o conceito de relacionamento é desenhado em torno da mutualidade de interesses e de impactos entre os envolvidos no processo relacional.
Antes desse fenômeno tecnológico, os relacionamentos, no campo da comunicação, eram associados, de forma exclusiva, às Relações Públicas, das quais tornaram-se objeto, ainda de modo primário, desde a mudança conceitual da área, nos anos de 1960. Cabe lembrar que, inicialmente, tal atividade centrava-se no objetivo de influenciar a “opinião pública"[1] de maneira a favorecer alguma organização, ideia ou pessoa.
Com as mudanças paradigmáticas sofridas pela área, a função das Relações Públicas passa ao largo da imposição, pela persuasão, e busca transformar “o próprio sujeito e o processo comunicativo", através da mediação. As Relações Públicas são um campo de mediação que visa promover a interação nos espaços inter, intra e transorganizacionais, visto que as organizações são vistas e atuam em rede de negociações, considerando-se o panorama social e tecnológico contemporâneo. Tal propósito requer a ampliação e a união de ações dos múltiplos campos da comunicação.
Assim, objetiva-se, neste artigo, discutir a necessidade do alinhamento dos esforços comunicacionais para o processo de construção dos relacionamentos organizacionais no contexto contemporâneo.
O texto está estruturado em quatros seções. Na primeira, faz-se o resgate histórico das Relações Públicas no Brasil. Na segunda, mostra-se a passagem de um paradigma fundado na persuasão para outro orientado pela gestão dos relacionamentos entre uma organização pública, privada ou comunitária e seus públicos estratégicos, com base no diálogo. Na terceira, contextualiza-se a organização da sociedade e o fenômeno das redes sociais na contemporaneidade, em um momento histórico entendido como a era dos relacionamentos. Discute-se, ainda, a integração das áreas de comunicação no processo de construção dos relacionamentos organizacionais. Na quarta, traçam-se as considerações finais sobre a temática desenvolvida e o objetivo proposto.
Relações Públicas no Brasil, mediação e comunicação
No Brasil, o nascimento das Relações Públicas foi marcado pela criação, em 1914, de um departamento na multinacional canadense The São Paulo Tramway Light and Power Co. hoje Eletropaulo. O novo setor tinha como objetivo harmonizar os interesses diversos da empresa e do público e de esclarecer a opinião pública, em uma tentativa de reduzir os conflitos nos setores da energia elétrica e da água potável.
A máxima “O público deve ser informado", proferida pelo jornalista Ivy Lee, considerado o criador das Relações Públicas, nos Estados Unidos da América, expressa o conceito que orientava a área à época. A profissão, até então e por mais algumas décadas, era configurada como uma atividade de promoção e de propaganda de pessoas, organizações e ideias, por meio da divulgação de informações que influenciassem a opinião pública e produzissem os efeitos de aceitação e comportamentos favoráveis.
As Relações Públicas, no Brasil, foram regulamentadas em 1967, através da lei 5.377, que mais representava um instrumento de controle da comunicação no país. Considerada extemporânea, dada a pouca legitimidade da profissão no mercado, tal regulamentação disseminou distorções conceituais da área contidas na lei, assim como o fez o modelo implantado pelos militares, em especial através da Assessoria Especial de Relações Públicas, a AERP, que consagrou a visão de que Relações Públicas é a arte de criar conceitos, verdadeiros ou falsos (Teixeira, 2002).
Pode-se dizer que nos seus primeiros cinquenta anos, as Relações Públicas no Brasil eram executadoras de tarefas tipicamente operacionais-instrumentais para obter o reconhecimento da opinião pública. O objetivo básico dos programas da área era mudar ou neutralizar opiniões hostis, cristalizar opiniões latentes a favor de uma organização ou conservar opiniões favoráveis com fins de aceitação social, em um processo no qual somente a organização tinha voz, na contramão dos valores democráticos, éticos e orientados pela verdade que caracterizam as Relações Públicas.
Nota-se, no contexto delineado, que a opinião pública não se refere somente a questões de interesse público, mas de interesse privado, o que conduz à concepção de “opinião-não-pública" de Habermas (2003). Para este autor, as Relações Públicas emprestam aos interesses privados uma autoridade de objeto público e engendram um consenso em busca da aceitação de ideias, pessoas e produtos. As intenções comerciais são revestidas de um falso interesse no bem-comum.
Pelo raciocínio de Habermas, a dinâmica das Relações Públicas tem contornos de sedução e é desenhada para conquistar a adesão de simpatias para interesses privados, com tom de públicos. Nesse contexto, as Relações Públicas aliam-se aos meios de comunicação de massa com o propósito de gerar a influência necessária sobre os públicos, inserindo material adequado e produzindo notícias que revelam somente o que interessa às organizações.
Quando se fala das Relações Públicas na perspectiva unilateral, pode-se associar a dimensão mediadora que elas exercem ao conceito de mediação de Martín Serrano (2008), configurado nos moldes do ajuste e do controle pela informação. Segundo esse teórico, instituições mediadoras, midiáticas ou sociais, oferecem formas particulares de representação da realidade, para promover ajustes e estabilidade ao sistema social.
Toda mediação social, em um esforço de integração, propõe-se a engendrar modelos que sirvam de referência ao grupo social, para preservar a coesão diante dos efeitos desagregadores da mudança social (Martín Serrano, 2004, 2008), por meio da utilização da informação. A mediação constitui, desse modo, um mecanismo limitador e condicionador do sujeito, uma vez que enquadra a informação em um determinado e conveniente sistema de ordem, controlando-o.
A intenção de significar o mundo para os sujeitos contida nesse conceito vai ao encontro do objetivo dos modelos instrumentais das Relações Públicas, sustentados pela comunicação transmissiva, que buscam influenciar a interpretação que os públicos fazem de uma organização, ou seja, controlar uma situação por meio de informações adequadas a determinados interesses. Nesta perspectiva, as Relações Públicas tornam-se um sistema de ajuste e controle dos públicos, cujos comportamentos afetam a existência e coesão organizacionais. Em tais modelos, as Relações Públicas não constroem relacionamentos na dimensão da reciprocidade de interesses e da interlocução que aqui se defende, inserindo-se, exclusivamente, no campo persuasivo da divulgação e da promoção.
Entretanto, a partir de 1960, iniciou-se a ruptura da persuasão, como principal fundamento da área, e do caráter operacional que a caracterizava, tendo-se consolidado vinte anos depois, quando as Relações Públicas começaram a ser entendidas como “[...] uma função diretiva que estabelece e mantém relacionamentos mutuamente benéficos entre uma organização e seus diferentes públicos dos quais dependem seus êxitos e fracassos"(Cutlip, Center e Broom, 2006:3). No Brasil, também na década de 1980, adotou-se e desenvolveu-se o conceito de comunicação integrada, fundamentado na união de esforços comunicacionais para o alcance dos objetivos organizacionais, de modo sinérgico e interdependente.
Assim, a função mediadora das Relações Públicas deixava de ser uma operação de imposição de mensagens convenientes, passando a representar um processo de construção de sentidos. Entende-se a mediação, com base em Martín-Barbero (2009) e Orozco (2004a, 2004b), como um conjunto de fatores socioculturais estruturantes, individuais e coletivos do sujeito - da origem étnica e geográfica aos movimentos sociais e culturais e às tecnologias da comunicação -, em uma multiplicidade de tipos.
Constituídas a partir de material simbólico do sujeito, as mediações inscrevem-se em uma dinâmica reveladora da sua história e experiências, na qual as combinações e os resultados são particulares, embora as variáveis mediadoras constituam-se em um processo coletivo de interação social. As mediações são, desse modo, permanentemente transformadas e transformadoras - do próprio sujeito e do processo comunicativo.
Isto posto, observa-se o relacionamento institucional como um processo mediador entre uma organização e seus públicos, presencial ou virtual, interpelado (mediado) por variáveis socioculturais que significam as interações e por elas são ressignificadas. É um processo que envolve interesses mútuos, a partir dos quais criam-se e/ou fortalecem-se vínculos entre os envolvidos. Ocorre na configuração de uma rede, considerando-se os outros processos relacionais da organização e dos públicos e os impactos que geram na interação entre eles (Guedes, 2013).
O contexto contemporâneo sócio-tecnológico: esforços comunicacionais para a construção dos relacionamentos organizacionais
A organização social que marca fortemente o contexto contemporâneo ganhou força a partir da década de 1970, quando as principais formas de expressão do espaço público passaram a ser as organizações-não-governamentais e as “[...]“associações voluntárias" ou, em geral, os movimentos sociais, como o coração institucional da sociedade civil, chave ao mesmo tempo da recomposição do espaço público"(Grau,1998: 27). Esta recomposição remete a múltiplas instâncias representativas de interesses específicos.
Vive-se, assim, em uma sociedade mais fortalecida; uma sociedade de agentes articulados e mobilizados, capazes de nela intervir politicamente. Assiste-se à formação de redes independentes de comunicação em torno de interesses coletivos específicos, em especial através das tecnologias de informação e comunicação e das mídias sociais. Fóruns de discussão e de representação são capazes de elaborar agendas específicas, desenvolver canais de comunicação próprios e corroborar o debate de temas de interesse da sociedade, como a discriminação de toda ordem – religiosa, étnica, sexual; as questões ambientais; o abuso de poder, o assédio moral nas organizações e a corrupção.
Tais fóruns de discussão são instâncias não mais ligadas ao compartilhamento local comum e configuram outros tipos de relações sociais, de modos de ação e de interação e de exercício dos direitos civis. Essas arenas representativas constituem novas formas de poder, cuja posição no espaço público relaciona-se com os recursos técnicos, conhecimento e prestígio empregados na relação com o outro, para influenciar pessoas e grupos. Representam vontades coletivas, em busca de consensos grupais, e formam-se consoante as demandas de interlocução, discursividade e negociação de interesses e matérias dos sujeitos de cada temporalidade, haja vista que, conforme Wolton (2006: 104), “[...]os indivíduos cada vez mais informados, educados e abertos ao mundo, são cada vez menos enganáveis".
Alarga-se, nesse cenário, a influência das esferas informais - porém reconhecidas e institucionalizadas - na formação da opinião pública e nas mudanças do rumo do poder político. A tematização de questões ligadas ao bem estar social por organizações específicas provoca a demarcação de instâncias participativas diversas e, por conseguinte, crescem o jogo de disputa entre interesses e opiniões e a possibilidade de ocorrência do conflito.
A admissão de novos interlocutores, o estabelecimento e a ampliação do diálogo e a abertura de canais de comunicação modificam as formas de interagir, reivindicar, administrar os conflitos e legitimar vozes. Enfim, reconfiguram o espaço reconhecido para a participação política. Aumenta a oportunidade de colocação de posições e contra-posições “[...]em várias arenas, por vários instrumentos e em torno de variados objetos de interesses específicos[...]"(Gomes,1998: 155).
Contudo, por outro lado, essa mesma sociedade organizada, entranhada em uma perspectiva cada vez mais de “rede" e potencialmente mais interativa é marcada pelo individualismo, consumo desenfreado e efemeridade das relações. Diante desse paradoxo, acredita-se que tolerância, negociação e colaboração - assim como a cotidianidade dos sujeitos - são basilares para o equilíbrio dos relacionamentos, seja entre indivíduos ou no binômio organização-públicos.
Nesse contexto, atuam as redes sociais, com suas múltiplas formas de sociabilidade, com grande potencial no sentido relacional e de proximidade com os outros, amplificando a desterritorialização das interações comunicativas e dos relacionamentos das pessoas e das organizações. Tal fenômeno transformou o mundo em uma pluralidade de ideias, opiniões, conceitos, configurando um espectro oposto àquele em que só as organizações tinham voz, seduzindo e manipulando os públicos por meio das técnicas e instrumentos de Relações Públicas.
As redes sociais são espaços virtuais que tanto oportunizam o aumento da rede dos relacionamentos, como modificam os modos das pessoas e das organizações se relacionarem. Transformam os espaços e as temporalidades onde ocorrem esses relacionamentos. Nesse espaço de interação, os sujeitos se constituem de forma diferenciada, já que há um distanciamento entre eles, ou seja, os atores estão mediados pelo computador ou por outro suporte (Recuero, 2009).
Dessa maneira, os atores das/nas redes, são representações simbolizadas por sites, blog’s e perfis nas redes de relacionamentos. As representações dos atores nas redes expressam elementos de sua personalidade e individualidade, aponta Recuero (2009). Pode-se dizer, então, que cada perfil no ambiente digital é a presença do “eu" no ciberespaço. Porém, apesar de privadas, as redes são, ao mesmo tempo, espaços públicos. Desse modo, o conceito das redes sociais está circunscrito na fronteira do público e do privado, o que significa que as tecnologias redefinem os limites entre o pessoal e o coletivo, o íntimo e o partilhado, o eu e o outro, de acordo com Silverstone (2010).
As redes sociais constituem espaços de compartilhamento, que podem dar origem a lugares de ação e intervenção. Implicam, portanto, a formação de novos atores sociais e de identidades individuais e coletivas, de novas formas de produção de conteúdo, que vão muito além da grande imprensa. Nassar (2010) fala dos moveholders, que são as partes interessadas que se agrupam em redes sociais, blogs, flash mobs, entre formas de comunicação digital e híbridas. Logo, trata-se de novos interlocutores, cujo comportamento on line tem repercussões no mundo off line.
A sociabilidade no campo das redes sociais está relacionada com a visibilidade dos atores sociais, ou seja, os atores daquelas redes precisam ser vistos, para daí existirem interações, relações e laços sociais (Recuero, 2009). Como diz Martín-Barbero, assiste-se à emergência de um entorno tecnocomunicativo, potente de linguagens, ações e dinâmicas sociais, políticas e culturais. “É um mundo onde somos vistos e vemos. E vemos ativamente. Produzimos visibilidade. Construímos visibilidade para nós e outros [...]"(Martín-Barbero, 2009: 15).
No plano organizacional, a visibilidade tanto pode ser uma aliada da organização na aceitação social e consecução de seus objetivos, como, ao mesmo tempo, representa transparência pública e oportuniza aos públicos vigilância e pressão sobre aquela como sujeito social. Tal processo requer a abertura de canais de comunicação entre a organização e seus públicos, em busca da confiança mútua e da credibilidade, interna e externamente. Trata-se de um processo que envolve a promoção dos atributos e das ações organizacionais e que é atravessado pelos múltiplos fluxos da comunicação multidirecional da era digital.
A visibilidade, no terreno das redes sociais, torna-se mediadora da sociabilidade dos atores sociais individuais e organizacionais no universo digital. O processo de produzi-la e monitorá-la envolve esforços comunicacionais diversos.
Enfatiza-se, nesse contexto, que no centro de todos esses processos estão as pessoas. São elas que criam as redes sociais e utilizam as tecnologias de mediação, como a internet, para recriar a necessidade de se juntarem a outros para atingir objetivos comuns, como destaca Cardoso (2011). É a introdução da mediação da tecnologia no relacionamento social, com todas as suas possibilidades de promover a apropriação e a transmissão de conteúdos/comportamentos.
Ao se compreender a revolução tecnológica em que se vive, ensejam-se novos desafios para a vida em sociedade, principalmente no que se refere à relevância do Outro para a construção da identidade dos indivíduos e das corporações, haja vista que a identidade sempre vai requerer uma – ou várias – alteridade (s), pois, “[...]mesmo multiconectado, cada um busca o outro e, sobretudo, precisa de intermediários humanos" (Wolton, 2006:92). Ou seja, busca construir relacionamentos.
Entretanto, há de se ter em mente a necessidade de se usarem todas as potencialidades da tecnologia para os encontros virtuais, sem desprezar a interação real, física, estimulando-se e preservando-se o que caracteriza o homem como ser social. Em um cenário em que as relações online sobrepõem-se às off-line, desencadeia-se um certo desequilíbrio, no qual a tecnologia protagoniza e o “humano" tipificado nas interações face-to-face é mero coadjuvante.
Em tempos de redes sociais, há quem diga que vive-se a era dos relacionamentos. Mas de que relacionamentos se está falando? Deve-se considerar que a essência do conceito de relacionamento está na troca, na reciprocidade, no respeito, na tolerância e no diálogo. Pela própria natureza, os relacionamentos implicam estar em relação com o outro, uma troca de ideias e de conceitos e a introdução e renovação de sentidos, em um dado contexto. Como se vive em uma sociedade de bens imateriais e simbólicos, os relacionamentos ganham o status de bens intangíveis, seja no campo pessoal ou no organizacional.
Os relacionamentos pressupõem a convivência entre diferentes, a disputa de interesses e, logo, a necessidade do diálogo e do entendimento mútuo. A abertura para o diálogo exige considerar-se a perspectiva do outro, que o processo relacional é atravessado por intencionalidades e necessidades e que está eivado de diferentes visões de mundo. Isso implica que os relacionamentos trazem em si o princípio da interdependência, ou seja, nenhum ator neles envolvidos tem controle total da situação. A autonomia dos atores sociais é limitada, portanto. Daí dizer-se, então, que os relacionamentos apontam para tentativas de equacionar necessidades e dependências e que contêm a capacidade de criar vínculos.
Observa-se, assim, o caráter mediador do processo relacional. Além de mediador, os relacionamentos são mediados, ou seja, neles intervêm variáveis socioculturais dos envolvidos, ou seja, as mediações dos atores sociais. Estas podem ser observadas através do conhecimento do perfil e dos comportamentos dos públicos e da origem dos relacionamentos, etapa do processo das Relações Públicas, o que envolve a leitura dos contextos - espaços de interação e compartilhamento simbólico -, nos quais os sujeitos dos públicos constituem-se e atuam. Evidencia-se que o perfil e os comportamentos dos públicos repercutem nos interesses da organização.
Em tal processo é possível identificar variáveis que intervêm nos relacionamentos, moldando-os e influenciando em sua natureza, tornando-os, por exemplo, amistosos, conflituosos, de submissão ou de dependência. As variáveis mediadoras também afetam a continuidade ou descontinuidade dos relacionamentos. A contextualização dos relacionamentos revela as condições em que o processo relacional se edifica, sendo determinante para a consecução dos objetivos organizacionais de entendimento mútuo, de negociação e equilíbrio de interesses.
Nota-se que o processo de construção de relacionamentos guarda em si os conceitos de mediação, o que o aproxima das várias áreas da comunicação, cada qual com seu olhar singular, fundamental aos objetivos organizacionais.
No processo relacional, identifica-se outro elemento que o constitui - a possibilidade do conflito. Este, por sua vez, gera a necessidade de negociação - de sentidos e de poderes - e dele podem surgir as crises. O ponto de equilíbrio nesse processo é o diálogo, instrumento ao qual recorrem as Relações Públicas “[...]para gerenciar o conflito e cultivar relacionamentos com públicos estratégico internos e externos[...]" (Grunig, 2009: 2). Considerando-se os conceitos abordados até aqui - sociabilidade/visibilidade, conflito/negociação, compartilhamento/reciprocidade, interlocução/ação/objetivos comuns, entende-se que a construção dos relacionamentos organização x públicos envolve esforços comunicacionais conjuntos para o diálogo entre organizações e públicos, embora os processos relacionais organizacionais sejam objetos próprios das Relações Públicas. Os relacionamentos permeiam – ora mais, ora menos - todas as áreas da comunicação, em especial com o advento das redes sociais.
O diálogo integrado na comunicação
A construção dos relacionamentos das organizações públicas, privadas ou do terceiro setor é um dos momentos em que as áreas da comunicação devem dialogar entre si. Nesse processo, dialogam, também, com outras ciências. Chega-se ao conceito de comunicação integrada, entendida como a unidade de ação e decisão, com o objetivo de cuidar da reputação e dos objetivos organizacionais. Trata-se do alinhamento de esforços comunicacionais éticos, em direção ao cumprimento da missão da organização e do atendimento dos interesses desta e dos grupos de pessoas com ela envolvidos.
A base da comunicação integrada é o diálogo construtivo entre profissionais com formação e experiências diferentes, em busca de resultados comuns, mais democráticos. Tal diálogo é o alierce de outro diálogo – da organização com seus grupos de interesses, dos quais depende sua sobrevivência e perenidade.
Algumas situações contemporâneas despertam para a importância que os relacionamentos organizacionais têm adquirido e levam ao entendimento de que eles perpassam toda a gestão e as ações de comunicação das empresas:
1. O empresariado e os profissionais de comunicação em geral já perceberam a necessidade de estabelecer e gerenciar os relacionamentos da organização com seus empregados, clientes, comunidade, em uma dinâmica que inclui, mas não se limita à produção de mensagens para a mídia e/ou à veiculação de campanhas publicitárias sofisticadas, de forma isolada, fora de um plano estratégico de comunicação.
2. O surgimento, no âmbito organizacional, de áreas com objetivos e ações em torno da aproximação e da fidelização dos públicos e de setores que trazem em seu nome o termo “relacionamento", como as centrais de relacionamentos ou departamentos de relacionamentos com os clientes ou com a comunidade, ou outras terminologias que contêm o mesmo sentido, como os serviços de atendimento ao cliente ou de pós-venda.
3. Os relacionamentos tendo sido tomados como objeto de estudo de outras áreas, como a do marketing. Muitas vezes, observa-se somente a utilização de um termo novo para nomear o que as Relações Públicas já fazem há muito tempo. Fala-se em marketing de relacionamento, mas não se pode esquecer que o foco principal dessa modalidade do marketing é o cliente, enquanto que as Relações Públicas preocupam-se com um conjunto de públicos.
4. Tem-se, ainda, o crescimento da área da responsabilidade socioambiental, cujos conceitos trazem em si o processo relacional, coadunando-se com os pressupostos teóricos das Relações Públicas. Responsabilidade socioambiental implica participação de funcionários nos resultados e nas decisões das empresas, respeito aos direitos dos cidadãos, parceria entre clientes e fornecedores, produção com qualidade, satisfação dos usuários, contribuições para o desenvolvimento da comunidade, compromisso com o meio ambiente. Mais uma vez, surge o diálogo para ouvir os interesses das diferentes partes, na busca do atendimento das demandas de todos e não apenas dos acionistas ou proprietários. Trata-se da construção de relacionamentos.
5. As empresas tendem a investir mais em processos de gestão para obter diferenciais, diante do aumento significativo da competitividade. Os conceitos de gestão e de sustentabilidade comportam o de relacionamento como elemento constituinte desses processos.
É esse o cenário de atuação dos profissionais de comunicação, cujas variáveis são predominantemente sociais e tecnológicas, tendo-se em vista que nele entram em jogo a interação proporcionada pelas redes sociais e outras possibilidades de comunicação digital. Entretanto, nesse contexto, há ainda, o viés político, considerando-se o poder intrínseco às relações sociais e a capacidade dos indivíduos e dos grupos de promoverem transformações na sociedade e nas organizações.
Considerações finais
O complexo “caldo social e cultural" demonstrado até aqui recorta algumas características que permeiam as relações construídas em diferentes mediações e lançam luz sobre um dos principais problemas que constituem a teoria e a prática da comunicação organizacional integrada: como construir relacionamentos duradouros em uma sociedade individualista e marcada pela efemeridade e infidelidade nas relações? Como lidar com a multiplicidade dos públicos, muitas vezes reificados pelas pesquisas de mercado e de verificação de perfil de consumidor, por exemplo? Seriam as Relações Públicas a panaceia para as sociabilidades engendradas pela sociedade em rede e para o re-posicionamento das corporações no mundo virtual?
O cenário social aqui desenhado é marcado por relacionamentos pessoais e organizacionais reconfigurados, revelando oportunidades de uso dos recursos tecnológicos disponíveis para transformar a interação que eles promovem em verdadeiros relacionamentos, por meio do estímulo ao diálogo. A prática de se relacionar é própria da necessidade humana de equilibrar as expectativas e os interesses entre as pessoas e entre estas e as organizações. Essa necessidade leva às trocas simbólicas geradas pela reciprocidade no processo relacional. Assim, as práticas dos relacionamentos contêm os princípios da mutualidade de interesses e da interdependência.
No campo organizacional, tendo-se em vista que os profissionais de comunicação estão habilitados a usar e potencializar a utilização das tecnologias, a eles também cabe humanizar os processos por elas viabilizados e facilitados, começando pelo diálogo entre eles próprios em busca de objetivos comuns. Não é pela comunicação que se tenta evitar o conflito de toda ordem? A humanização não seria um caminho para se alcançar esse objetivo? Urge reconhecer-se que, segundo Wolton (2006: 225), “[...] comunicar é aceitar a experiência da alteridade[...]", é compreender que a identidade dos sujeitos e das corporações farão sentido quando se levarem em conta as dimensões dialógica e dialética próprias da sociedade atual como aspectos permeantes e fundamentais.
Nesse universo, a visibilidade é mediadora dos relacionamentos - mediação entendida como produção e compartilhamento de sentidos e não como controle social através da informação. O que fazer com a visibilidade, seja ela deliberadamente construída ou involuntária? Torná-la favorável à comunicação e à relação organização-públicos, através das diferentes formas que caracterizam cada área da comunicação.
A construção dos relacionamentos organizacionais no contexto contemporâneo sócio-tecnológico adquiriu, desse modo, um perfil multidisciplinar, o que implica uma interlocução sinérgica das áreas da comunicação entre si e com as ciências sociais. A multidisciplinariedade constitui um fenômeno adequado à era em que se vive: fértil e facilitadora da construção de relacionamentos que promovam a consolidação da democracia em seu caleidoscópio de significados. É o momento ideal para a derrubada de barreiras, amadurecimento profissional e alcance dos objetivos mais nobres da comunicação, cuja necessidade absoluta traduz as mutações, os desafios e os quadros profundos tratados neste artigo.
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Recebido a 29-07-2014
Aceite a 06-10-2014
Nota
[1] As aspas justificam-se para lembrar que no terreno das Relações Públicas há peculiaridades no conceito de opinião pública, que serão abordadas a posteriori.