INTRODUÇÃO
A sarcopenia é reconhecida como uma doença muscular, sendo considerada um distúrbio músculo esquelético progressivo e generalizado, caracterizado pela diminuição da força, qualidade e quantidade muscular. Associa-se a uma maior probabilidade de quedas, fraturas, deficiência física, mortalidade e prejuízo na realização de atividades de vida diárias (AVD). Quando não tratada apresenta impacto pessoal, social e económico negativos (1). A inatividade física e a inadequação da ingestão proteico-energética parecem contribuir para o seu desenvolvimento. Idosos com diagnóstico de sarcopenia à admissão hospitalar, apresentam uma probabilidade 5 vezes maior de terem gastos mais elevados (1). Sabe-se que a massa e a força muscular (FM) variam ao longo da vida diminuindo com o envelhecimento, assim, ao maximizar-se a massa muscular (MM), previne-se ou atrasa-se a sarcopenia. A diminuição da FM e MM confirma o seu diagnóstico, sendo a gravidade avaliada pelo desempenho físico. Pela dificuldade de avaliar massa e qualidade muscular com precisão, a FM foi reconhecida como um parâmetro com maior facilidade de avaliação (1) podendo ser avaliada pela força de preensão da mão (FPM), de fácil aplicação e baixo custo, recomendada para ambiente hospitalar. Uma FPM diminuída associa-se a internamento prolongado, aumento das limitações funcionais e baixa qualidade de vida (1-4). Na avaliação da FM e quantidade da MM pode usar-se o perímetro geminal (PG) e a circunferência muscular do braço (CMB)(5). A avaliação da gordura corporal (GC) é de extrema importância, pois em situações de doença aguda ou crónica verificam-se alterações nas reservas adiposas podendo, deste modo, funcionar como um indicador do estado nutricional (6). Já a compressibilidade dos tecidos (CT) consiste na redução de volume da prega cutânea, quando esta é submetida a uma pressão causada pelo lipocalibrador, podendo ser considerada um indicador do estado nutricional e grau de hidratação. A sua variação pode relacionar-se com a quantidade de tecido subcutâneo, distribuição do tecido conjuntivo e vasos sanguíneos (7). Apesar disso, a CT pode afetar a espessura da prega cutânea introduzindo erros na avaliação do tecido adiposo subcutâneo e na estimativa da composição corporal (8). Para uma avaliação subjetiva, baseada na perceção do doente, pode aplicar-se o Questionário SARC-F, um método de triagem económico e prático que identifica o risco de sarcopenia (1, 9), validado para contextos hospitalar e comunitário, com alta especificidade e sensibilidade moderada a baixa (10-20).
OBJETIVOS
Usando uma amostra de conveniência de doentes internados no serviço de Medicina Interna - Homens do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), pretendeu-se identificar a frequência de sarcopenia através de medidas objetivas (FPM, CMB, PG e CT); Estudar a associação entre estas e a percentagem de GC; Identificar a frequência de doentes com risco de sarcopenia através da aplicação do SARC- F; Estudar a associação entre o resultado da aplicação do SARC-F e a avaliação de medidas objetivas.
METODOLOGIA
Eram passíveis de ser incluídos no estudo todos os doentes do sexo masculino admitidos no serviço de Medicina Interna do CHUSJ entre 19/04/2022 e 13/06/2022, avaliados no dia de admissão ou até 72 horas, correspondendo a 299 doentes. Destes, 45 encontravam-se em isolamento de contacto (15%) e 104 recusaram participar (34,8%), pelo que foram incluídos 150 indivíduos. Através de entrevista e/ou consulta de processo clínico eletrónico (SClinico®) registou-se a idade, motivo de internamento, co-morbilidades e resultados de exames analíticos efetuados. Foi avaliado o peso (kg) e a estatura (m) com a balança de coluna SECA® 769 (precisão de 100g) com estadiómetro incorporado (precisão de 1mm) e quando necessário com fórmulas estimativas (21), nomeadamente, estimativa de peso pela Equação de Rabito et al. (22) em 27 doentes, e calculou-se o Índice de Massa Corporal (IMC) (kg/m2)(23). Recorreu-se à estimativa em todos os participantes que por condições físicas ou patológicas não apresentavam capacidade de mobilização para a balança com estadiómetro incorporado. Foi medido o PG sempre que possível na posição indicada pelo International Society for the Advancement of Kinanthropometry (ISAK)(24), com o uso de fita métrica extensível e ergonómica SECA® 201 (precisão de 1mm). A CMB foi obtida através da aplicação da Fórmula de Jellife (CMB= Circunferência do Braço - (3,1415 x espessura da prega tricipital))(5). Para avaliar a massa gorda foram realizadas 3 medições consecutivas, sempre que possível no lado direito do doente, e calculada a média da espessura das pregas cutâneas (tricipital, bicipital, sub-escapular e supra-espinhal) com recurso ao lipocalibrador digital Lipowise®, tendo os dados sido registados na aplicação Gripwise®. Posteriormente, aplicou-se a Equação de Durnin & Womersley para estimar a composição corporal (6, 7, 25). O valor da compressibilidade foi obtido através da diferença entre o maior valor da medição da prega, aos 0s e o menor aos 9s. O PG e a circunferência do braço foram medidos com recurso a fita métrica anteriormente referida. Consideraram-se medições inferiores a 31cm e a 21,1cm, sugestivas de reduzida quantidade muscular, um critério de diagnóstico da sarcopenia (5). Usou-se o dinamómetro Gripwise® para avaliação da FPM. Foram realizadas três medições, em intervalos de um minuto, para evitar a fadiga, assumindo como resultado a medição de maior valor (3). Sempre que possível os doentes foram medidos na posição de referência (26), tendo sido utilizado o ponto de corte de < 27 kgF para definição de sarcopenia (1). Para avaliação subjetiva da sarcopenia foi aplicado, de forma indireta, o SARC-F, composto por 5 questões que avaliam 5 componentes: força, assistência para caminhar, levantar da cadeira, subir escadas e quedas. As respostas possíveis, baseadas na perceção do indivíduo, são relativas à dificuldade que tem em realizar determinada tarefa, cujas pontuações consideradas foram: “nenhuma”= 0 pontos, “alguma” = 1 ponto e “muita ou incapaz”, “muita, usa apoios ou incapaz” ou “muita ou incapaz sem ajuda” = 2 pontos. Na componente “quedas”, nenhuma = 0 pontos, 1 a 3 quedas = 1 ponto e 4 ou mais quedas = 2 pontos. Pontuações iguais ou superiores a 4 são sugestivas de Sarcopenia e complicações adversas (1, 9). Este estudo foi desenvolvido de acordo com os princípios da Declaração de Helsínquia. Os procedimentos foram submetidos e aprovados previamente pela comissão de ética do Centro Hospitalar Universitário de São João/ Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (99/2022) e os participantes e/ou representante legal, assinaram consentimento informado. A normalidade das variáveis cardinais foi avaliada através do critério do coeficiente de simetria e achatamento, tendo sido verificado que as variáveis de pontuação do SARC-F, IMC (kg/m2), percentagem de GC, (cm), PG (cm) e FPM (kgF) seguem uma distribuição normal. A estatística descritiva consistiu no cálculo da média, desvio padrão (dp), valores máximos e mínimos, frequências relativas e absolutas. Para comparação das médias e distribuição de variáveis qualitativas/categóricas utilizou-se o teste t-Student para amostras independentes e Qui-quadrado, respetivamente. O cálculo dos coeficientes de correlação de Pearson efetuou-se para medir o grau de associação entre pares de variáveis cardinais com distribuição normal. Todos os dados recolhidos foram analisados com software Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS) versão 27, tendo sido considerado um nível de significância de 0,05.
RESULTADOS
Obteve-se uma amostra de 150 indivíduos do sexo masculino com idade média de 72 anos (±13,5), sendo os principais motivos de internamento insuficiência cardíaca (15,4%), respiratória aguda (10,7%) e doença pulmonar obstrutiva crónica e agudizada (10,1%). Na Tabela 1 encontra-se a proporção de indivíduos classificados com sarcopenia avaliados pelos diferentes métodos mencionados. Foram distribuídos de forma percentual os doentes com CMB, PG e FPM acima e abaixo dos respetivos pontos de corte, por pontuação do SARC-F e calculada a respetiva associação através do Teste do Qui-Quadrado. Apresenta-se ainda a distribuição percentual e respetiva correlação entre os valores sugestivos de sarcopenia obtidos pelo SARC-F e segundo os pontos de corte de FPM, CMB e PG. Assim, 98,5% dos indivíduos com pontuações sugestivas de sarcopenia pelo SARC-F tinham baixa FPM, 27,8% apresentavam baixa CMB e ainda 55,6% baixo PG. Dos que tinham pontuações que não sugeriam sarcopenia pelo SARC-F apenas 15,2% tinha uma FPM não sugestiva de sarcopenia, 86,6% apresentava uma CMB não sugestiva de baixa massa muscular e ainda 70,1% tinha um PG superior ou igual a 31cm.
Na Tabela 2 encontra-se descrita a relação entre a pontuação obtida no SARC-F e os vários métodos objetivos de avaliação da sarcopenia (CMB, PG e FPM) e GC, através da correlação de Pearson. Observando os dados desta tabela, pode-se verificar que existe uma correlação negativa e estatisticamente significativa entre a pontuação obtida no SARC-F e as variáveis CMB, PG e FPM.
Valores obtidos através da Correlação de Pearson
CMB: Circunferência Muscular do Braço
FPM: Força de Preensão da Mão
GC: Gordura Corporal
IMC: Índice de Massa Corporal
PG: Perímetro Geminal
Na Tabela 3 estão plasmadas as relações entre as medidas objetivas na avaliação da sarcopenia com a GC (%), de modo a estudar a eventual relação entre a redistribuição da GC decorrente do envelhecimento e a possível diminuição da força e função muscular. Verificou-se que a GC se correlaciona positiva e significativamente com o IMC, CMB e PG, mas não se encontrou uma associação com significado estatístico entre a GC e a FPM.
Valores obtidos através da Correlação de Pearson
CMB: Circunferência Muscular do Braço
FPM: Força de Preensão da Mão
GC: Gordura Corporal
IMC: Índice de Massa Corporal
PG: Perímetro Geminal
Foi adicionalmente calculado o valor da sensibilidade e da especificidade tendo como método de referência a baixa FPM (FPM<27kgF). A sensibilidade consiste na probabilidade de obter um resultado positivo nos indivíduos doentes (verdadeiro positivo), tendo-se obtido um valor de 55,8%. A especificidade consiste na probabilidade de obter um resultado negativo nos indivíduos não-doentes (verdadeiro negativo), tendo-se obtido um valor de 91,7%.
DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Sendo a sarcopenia uma doença com impacto económico, pessoal e social, o seu diagnóstico atempado poderá ser vantajoso. Verificámos que mais de metade dos doentes do sexo masculino apresentavam pontuações sugestivas de sarcopenia e complicações adversas, resultados concordantes com os de Tan et al. que mostrou que em 115 doentes com 65 ou mais anos, 44,3% tinham sarcopenia (27). Dado que mais de 3 em cada 4 doentes avaliados na nossa amostra têm essa idade, podem-se comparar resultados e aferir a sua concordância. Em relação à FPM, constatamos que quase a totalidade dos doentes apresentava baixa FPM, sendo tal achado discordante de Van Ancum et al., que encontrou apenas 34,3%(28). Sousa- Santos et al. encontrou uma média de 25,9kgF (±6,9) para a FPM(29), superior à do nosso estudo, num tamanho amostral semelhante (n=159). Esta diferença de resultados pode dever-se aos critérios de exclusão definidos pelos autores, que selecionaram indivíduos saudáveis e independentes para realização de AVD, enquanto neste estudo foram incluídos apenas doentes admitidos para internamento num serviço de Medicina Interna. Verificou-se que 4 em cada 10 doentes apresentavam PG reduzido. Estes dados diferem dos de Sousa-Santos et al. (29), que mencionaram 6,3%. Isto poderá dever-se ao facto dos doentes internados, por estarem necessariamente numa situação de doença aguda, por terem agudização de doença crónica e outras comorbilidades associadas, perda de apetite e, consequentemente, perda de peso prévia ao internamento, que pode traduzir-se numa diminuição da massa gorda e muscular, levando a menor PG. Um outro fator a considerar é o facto de alguns doentes estarem previamente imobilizados, ou até, acamados. Deste modo, a atividade física será reduzida ou mesmo nula, pelo que terão menor MM, logo menor PG. Além disso, no estudo referido, indivíduos com doença grave, insuficiência cardíaca ou renal, amputação, entre outras foram excluídos. Quanto à CMB, verificámos que cerca de 2 em cada 10 dos nossos doentes apresentavam CMB reduzida, valor ligeiramente superior ao dos autores que descrevem apenas 15,7%. Apesar de no nosso estudo cerca de 37 em cada 100 doentes apresentavam critério para sarcopenia pela CMB e cerca de 30 em cada 100 pelo PG, não obtiveram pontuações sugestivas de sarcopenia pelo SARC-F. Isto demonstra a presença de má classificação e respetiva limitação na utilização do questionário. Na verdade, trata-se de uma ferramenta de aplicação indireta, que recorre à memória e cujas respostas dependem da perceção do doente. Verificou-se ainda que a quase totalidade dos indivíduos com pontuações sugestivas de sarcopenia, têm efetivamente critério por terem FPM reduzida, no entanto, verificou-se que uma grande parte dos doentes com critério de sarcopenia pela FPM não apresentavam pontuação sugestiva da doença pelo SARC-F. Estes dados sugerem que o SARC-F tem maior sensibilidade e menor especificidade. O valor da sensibilidade é concordante com o referido por Mo et al. (30), no entanto, o da especificidade é menor. Autores sugerem que a sensibilidade do SARC-F pode ser aumentada através da utilização de pontos de corte mais baixos, adição de novas perguntas e combinação com outros testes de triagem(31). Pontuações superiores no SARC-F relacionaram-se negativamente com CMB, PG e FPM. Estes dados eram esperados, uma vez que indivíduos com pontuações sugestivas de sarcopenia têm, normalmente, menor MM e, consequentemente, menor CMB, PG e FPM. Quanto à GC, apresentou uma associação positiva com CMB, PG e IMC, sem apresentar associação com significado estatístico com a FPM. Estes resultados podem relacionar-se com o envelhecimento, onde a inflamação do tecido adiposo leva à redistribuição da gordura, com acumulação a nível visceral. Ocorre ainda infiltração de gordura no músculo esquelético, que resulta na diminuição da força e função muscular (32). A associação positiva encontrada entre a pontuação do SARC-F e o PG e FPM, é concordante com as conclusões supracitadas, que sublinham o facto do SARC-F não ser um bom método de rastreio pela sua baixa especificidade. Em relação à compressibilidade, os nossos dados são concordantes com a literatura, na qual a prega com menor compressibilidade é a bicipital (33). Foram identificadas algumas limitações, nomeadamente, erro associado à posição do indivíduo na medição da FPM e ao lado onde foram realizadas as medições das pregas cutâneas. Tal deveu-se à situação clínica do participante, pelo que foram necessárias adaptações ao contexto em questão assegurando a validade ecológica. Além disso, recorreu-se à memória e perceção do indivíduo nas respostas ao SARC-F, o que poderá associar-se a maior erro, dado que nem sempre a perceção do doente é concordante com os acontecimentos reais. E ainda a avaliação da MM não foi realizada com base nos métodos recomendados (DXA e BIA), mas sim através dos PG e CMB, pois não existiam tais recursos no decorrer da investigação. Apesar das limitações supracitadas, este estudo permitiu a caracterização de uma amostra de indivíduos do sexo masculino em contexto hospitalar, sendo um local com desafios metodológicos e que exigiu adaptação à situação clínica do doente. Deste modo, possibilitou estudar a associação entre o resultado da aplicação do SARC-F e a avaliação de medidas objetivas. É importante ressalvar que apenas foram incluídos indivíduos do sexo masculino, uma vez que o estudo se desenvolveu no Serviço de Medicina Interna Homens, por este ser da área de atuação e responsabilidade dos investigadores e também por ser o que se mostrou disponível para a colaboração na investigação.
CONCLUSÕES
Este estudo demonstrou que mais de metade dos doentes do sexo masculino internados num Serviço de Medicina Interna de um hospital Universitário, apresentavam sarcopenia, quando avaliados pelo SARC-F. Foi verificada uma FPM reduzida na quase totalidade da amostra, bem como um PG reduzido. Quanto à CMB, uma percentagem considerável de indivíduos apresentava igualmente valores sugestivos de sarcopenia. Considerando os doentes com critério para sarcopenia pela CMB e PG, uma elevada percentagem não obteve pontuações sugestivas da patologia através do SARC-F, pelo que se pode aferir algumas limitações da aplicabilidade do mesmo. Ainda assim, quase a totalidade dos indivíduos com pontuações sugestivas de sarcopenia, tinham, efetivamente, critério para a doença quando avaliada a FPM. No entanto, o SARC-F não identificou muitos dos doentes com critério para a sarcopenia através da FPM. Assim, no contexto da prática clínica parece que o SARC-F pode e deve ser usado na triagem de doentes internados, identificando precocemente a sarcopenia, identificando, assim, os verdadeiros positivos. No entanto, os falsos negativos devem ser também considerados e merecedores de estudo, pelo que, sempre que possível, deve ser feita uma combinação de métodos de avaliação. Posto isto, sugere-se que uma atualização do SARC-F, nomeadamente, na diminuição do ponto de corte poderá ser uma mais-valia na triagem, mais realista, de doentes com sarcopenia (34). Mais estudos e com amostras mais robustas são necessários para poder atuar de forma mais adequada.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
FL: Recolheu e tratou os dados, analisou a literatura existente, redigiu os resultados e discussão do artigo; RP: Participou no tratamento e análise de dados estatísticos, bem como na elaboração da discussão do artigo; MO, CM: Participaram na recolha e análise de dados e pesquisa bibliográfica; SG-A: Colaborou na revisão do texto do artigo; SP: Orientou e colaborou em todo o processo de organização e planificação do estudo, redação de resultados e discussão do artigo; JA: Colaborou na revisão do texto do artigo na íntegra.