INTRODUÇÃO
O chocolate é amplamente consumido em todo o mundo, sendo uma fonte de substâncias biologicamente ativas, tais como polifenóis, com propriedades antioxidantes (1). A adição de açúcar no chocolate torna o cacau menos amargo, melhora a suavidade e a palatabilidade, fornece volume e reduz a atividade da água, apresentando um apelo hedónico pela maior parte das pessoas (1-3).
O consumo de açúcares aumentou drasticamente em todo o mundo, contudo o aumento da literacia na saúde e a prova de que o excesso de peso e a obesidade contribuem para uma grande proporção de doenças (tais como a Síndrome Metabólica, Doenças Cardiovasculares e Diabetes Mellitus tipo 2) têm como consequência o aumento exponencial na procura de produtos alimentares com teor reduzido ou sem açúcar (2-4). A par disso, também a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um projeto de diretrizes para propor a redução para metade do atual consumo de açúcar recomendado de menos de 10% da ingestão diária de energia, que inclui tanto o açúcar adicionado aos alimentos como o açúcar naturalmente presente no mel ou nos sumos de fruta. O projeto sugeriu limitar o açúcar a 5% do consumo diário de energia ou 25 g por dia para um adulto com um peso normal. Neste momento, esta é ainda uma recomendação que requer debate (5).
A redução do teor de açúcar de um produto continua a ser um desafio para a indústria alimentar, pois a baixa ou má qualidade da doçura pode causar uma diminuição na aceitação. Desta forma, existe necessidade da criação de alternativas que combinem aromas, doçura, sensação na boca e textura (6, 7).
Particularmente no chocolate, numa tentativa de reduzir o consumo de açúcar, este está a ser cada vez mais substituído por edulcorantes, que têm impacto no perfil adoçante. Estes ajudam nas propriedades reológicas e a diminuir o sabor amargo característico do cacau, sendo importante para a qualidade do produto final (2, 4, 6-8).
Existem atualmente muitos edulcorantes comercialmente disponíveis capazes de corresponder à intensidade do sabor doce da sacarose, embora variem consideravelmente na sua qualidade e perfil adoçante, conservação e presença de sabores secundários (7).
Os edulcorantes estão geralmente divididos em duas categorias, os edulcorantes não nutritivos (ENN) e os edulcorantes nutritivos ou hipocalóricos (EN).
Os ENN têm uma maior intensidade adoçante e não apresentam valor energético, em comparação com os edulcorantes nutritivos. Estes podem ser de origem sintética ou natural, sendo estes últimos cada vez mais consumidos. A União Europeia (UE) e a Food and Drug Administration (FDA) aprovaram sete ENN para consumo humano: neotame, aspartame, acessulfame K, sucralose, sacarina, glicosídeos de esteviol e advantame (8).
Os EN, tais como polióis ou álcoois de açúcar, são hidratos de carbono de baixa digestibilidade. Os polióis são ligeiramente mais baixos em termos de valor energético do que o açúcar e não promovem cáries dentárias nem causam um aumento súbito da glicose no sangue. Os EN aprovados pela UE incluem: sorbitol e xarope de sorbitol, manitol, isomalte, xarope de poliglicitol, maltitol e xarope de maltitol, lactitol, xilitol e eritritol (4).
Exatamente pelas características dos edulcorantes apresentadas anteriormente, os indivíduos que os consomem tendem a ter uma alimentação mais saudável e a ser mais ativos fisicamente (2). Embora a FDA, a EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar), o Codex Alimentarius e muitas autoridades nacionais tenham reconhecido tanto os ENN como os EN são geralmente seguros e bem tolerados, existe controvérsia sobre os efeitos dos edulcorantes na saúde humana (4, 5).
OBJETIVOS
O objetivo deste estudo foi analisar a energia e o teor de macronutrientes dos chocolates com adição de açúcar e os adoçados com edulcorantes, caracterizar o tipo de edulcorantes utilizados e o seu impacto na saúde.
METODOLOGIA
Foi realizado um estudo de mercado em chocolates com adição de açúcar e em chocolates sem adição de açúcar, com edulcorantes, nomeadamente chocolate de leite, chocolate preto e chocolate branco. A pesquisa foi realizada, entre abril e junho de 2022, em supermercados portugueses e nas respetivas plataformas online e, para além disso, recorreu-se a marcas de produtos disponíveis online. Os produtos selecionados foram analisados quanto ao tipo de edulcorantes, energia, proteína, lípidos, lípidos dos quais saturados, hidratos de carbono e hidratos de carbono dos quais açúcares, por 100 g. Após a pesquisa, foram analisados 40 chocolates: 12 chocolates de leite, dos quais 7 eram adoçados com edulcorantes; 19 chocolates pretos, dos quais 13 eram adoçados com edulcorantes e 9 chocolates brancos, dos quais 3 eram adoçados com edulcorantes. A média aritmética dos parâmetros referidos anteriormente foi calculada para posterior análise e comparação dos valores obtidos relativos aos produtos com açúcar e com edulcorantes, por meio de gráficos de barras. Este estudo de mercado foi sustentado por revisão bibliográfica, com base na pesquisa de literatura de caráter científico nas bases de dados Pubmed e ScienceDirect, utilizando as palavras-chave ''Sweeteners AND chocolate AND sugar AND health'’ e verificámos que as mesmas estavam presentes na lista dos DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), num intervalo de tempo de cinco anos. Para diminuir a dimensão da pesquisa, de forma a atingir o objetivo do trabalho, foram aplicados filtros, tais como intervalo de tempo entre 2017 e 2023, língua inglesa, artigos de acesso gratuito, científicos e de revisão. Nas bases de dados Pubmed e ScienceDirect, após o cruzamento das palavras-chave e a aplicação dos filtros, foram obtidos 74 e 851 resultados, respetivamente. Foram primeiro selecionados 25 artigos pelo título, posteriormente 21 após análise do resumo e, de seguida, 17 para leitura na íntegra, sendo posteriormente selecionados 8 artigos científicos para apoiar o estudo de mercado. Para a gestão das referências bibliográficas foi utilizado o Mendeley.
RESULTADOS
O chocolate branco com açúcar tem maiores quantidades de energia, açúcares, gordura e gordura saturada do que o chocolate branco com edulcorantes, com uma diferença de 21,4%; 77,7%; 23,7% e 76,2%, respetivamente. Contudo, o chocolate com edulcorantes tem quantidades mais elevadas de proteínas e hidratos de carbono, com uma diferença de 60% e 15,6%, respetivamente (Gráfico 1).
Quanto ao chocolate de leite, o com adição de açúcar apresenta maiores quantidades de energia, proteínas, lípidos, lípidos dos quais saturados e hidratos de carbono dos quais açúcares quando comparado com o chocolate sem adição de açúcar. Em relação aos hidratos de carbono, apenas este macronutriente se encontra em maior quantidade no chocolate sem adição de açúcar (Gráfico 2).
Por fim, em relação ao chocolate preto, apenas se podem aferir conclusões quanto à energia, hidratos de carbono e açúcares uma vez que são os únicos valores significativos (acima de 5%). Desta forma, verifica-se que o chocolate preto com adição de açúcar apresenta maiores quantidades de energia, hidratos de carbono e açúcares em comparação com o chocolate adoçado com edulcorantes, com uma diferença de 10%; 12,1% e 96,3%, respetivamente (Gráfico 3).
Através da análise da rotulagem nutricional verificou-se que, em cerca de 65,2% dos chocolates sem adição de açúcar analisados, o edulcorante mais utilizado era o maltitol. Além deste, foram também encontrados outros edulcorantes tais como: aspartame, glicosídeos de esteviol, eritritol e lactitol (Gráfico 4).
DISCUSSÃO DE RESULTADOS
De uma forma geral, pode-se aferir que os chocolates com açúcar e os sem açúcar são nutricionalmente diferentes. Tanto o chocolate preto como o branco e o de leite sem adição de açúcares apresentam menores valores em termos de energia, lípidos, lípidos dos quais saturados e açúcares. Contudo, a diferença entre o valor energético nos chocolates com edulcorantes e com açúcares pode ser justificada pela quantidade de lípidos e lípidos dos quais saturados presentes nos chocolates. Assim, uma menor quantidade de gordura vai implicar um menor valor energético, não obstante da presença, ou não, de açúcares, uma vez que o valor lipídico é o que apresenta maior impacto no valor energético. Além disso, o chocolate de leite e o branco apresentam maiores valores de hidratos de carbono quando comparados com os chocolates com adição de açúcar (11,8% e 15,6%, respetivamente), o que poderá ser resultante de uma amostra mais pequena destes tipos de chocolate quando comparada com a amostra de chocolates pretos.
A UE, a EFSA e o Codex Alimentarius avaliaram e confirmaram que os EN e ENN são seguros para consumo humano e não causam problemas relacionados com a saúde, desde que sejam consumidos dentro da Dose Diária Admissível (DDA) (4, 6).
Existe controvérsia acerca do uso de edulcorantes. Em relação aos ENN, alguns estudos mostram que o seu consumo impulsiona o desenvolvimento de intolerância à glicose através da indução de alterações composicionais e funcionais da microbiota intestinal (4). Outros estudos prospetivos a longo prazo levantam ainda a preocupação de que o consumo de ENN possa efetivamente contribuir para o desenvolvimento de alterações metabólicas que levam à obesidade, diabetes mellitus tipo 2, e doenças cardiovasculares (4). No que diz respeito aos EN, em alguns indivíduos, o consumo excessivo destes pode causar sintomas gastrointestinais, devido ao seu efeito laxante. Por isso, de acordo com a legislação da UE, chocolates que contenham >10% de polióis adicionados devem indicar no rótulo a declaração: “o consumo excessivo pode causar efeitos laxantes” (6, 8). Estes efeitos devem ser considerados, especialmente, quando os edulcorantes são consumidos por indivíduos diagnosticados com doença inflamatória intestinal (4). De notar que, tais sintomas dependem da sensibilidade de cada indivíduo e de outros alimentos consumidos simultaneamente (4).
Ainda em relação aos EN, doses moderadas de polióis, incluindo o isomalte e o maltitol, podem aumentar o número de bifidobactérias em indivíduos saudáveis, e, portanto, ser benéficas como prebiótico. Ainda assim, é importante conhecer melhor o impacto do consumo destes edulcorantes na microbiota intestinal, tanto em indivíduos saudáveis como doentes (4).
Os edulcorantes são particularmente conhecidos por serem benéficos para certos grupos de consumidores, tais como indivíduos com diabetes mellitus, crianças e indivíduos que pretendam diminuir a ingestão calórica (2). No entanto, os efeitos da substituição da sacarose por edulcorantes no peso corporal demonstram que, para além da variabilidade dos seus perfis sensoriais, nem todos os adoçantes são suscetíveis de ter os mesmos efeitos benéficos no peso corporal (7).
De acordo com os chocolates sem adição de açúcar analisados, observou-se que a combinação de dois adoçantes é bastante frequente. De acordo com a literatura, esta combinação apresenta-se como uma das melhores alternativas à substituição da sacarose, uma vez que esta abordagem pode ser utilizada para otimizar a sinergia entre dois adoçantes e “mascarar” gostos secundários indesejáveis, permitindo alcançar os aspetos físico-químicos e sensoriais satisfatórios dos chocolates reformulados (8). Ainda assim, alguns estudos aferem que as características físicas, reológicas e sensoriais dos chocolates sem adição de açúcar são ligeiramente diferentes dos chocolates com adição de açúcar, o que pode levar a uma menor recetividade dos mesmos, por parte do consumidor (3, 7, 8).
Tal como aferido através da análise do estudo nutricional dos chocolates sem adição de açúcar, foram encontrados vários edulcorantes. O maltitol (E 965), o edulcorante mais encontrado, melhora as características texturais e sensoriais do chocolate, conferindo-lhe propriedades de volume e aumentando também a sua estabilidade de armazenamento (6). Este é um dissacarídeo de glicose e sorbitol, com um valor calórico inferior ao da sacarose, embora tenham uma solubilidade, higroscopicidade e poder adoçante poder adoçante (75% a 95%) semelhantes (6,8). O maltitol, em doses baixas, representa pouco risco para a saúde, sendo não cariogénico e não carcinogénico (6,8). Este tem uma absorção lenta, logo a resposta da insulina associada à sua ingestão reduz significativamente, tornando-o seguro para diabéticos (4). Para além disso, possui uma taxa de digestão muito lenta porque é fermentado no cólon e, por conseguinte, espera-se que possa ser fermentado pela microbiota intestinal, contudo, até à data, não existem dados suficientes para determinar os efeitos específicos do maltitol sobre a microbiota (4). Num estudo realizado em adultos saudáveis voluntários quanto à tolerância digestiva do maltitol, foi demonstrado que, os adultos podem consumir até 40 g de maltitol/dia sem sintomas significativos, enquanto que as crianças podem consumir até 15 g/dia (6).
Como verificado nos nossos resultados, o eritritol (E 968) foi encontrado isoladamente ou em associação com glicosídeos de esteviol. Este é obtido a partir da fermentação de sacarose e glicose, utilizado como agente de volume na produção de chocolates, com uma capacidade adoçante de 70% e um valor calórico de 0,2 kcal/g (8). Já os glicosídeos de esteviol (E 960) são um adoçante natural, com atividade anti-hiperglicémica, anti-hipertensiva e anticancerígena, com uma capacidade adoçante 200 a 400 vezes superior à sacarose e uma ingestão diária aceitável de 4 mg/kg/dia (3, 8).
Ainda nos chocolates sem adição de açúcar analisados, os edulcorantes aspartame, lactitol e glicosídeos de esteviol foram encontrados em associação com o maltitol. O aspartame (E 951) é um adoçante artificial que apresenta pouco ou nenhum sabor residual, com uma capacidade adoçante 200 vezes superior à sacarose.
Dados recentes, divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), sobre o impacto do aspartame na saúde, classificam-no como possivelmente cancerígeno, tendo por base evidência limitada. Ainda assim, foi concluído que não existia razão suficiente para alterar a DDA estabelecida anteriormente de 0 a 40 mg/kg de peso corporal (9).
Como encontrado nos resultados anteriormente apresentados, também a literatura comprova que o lactitol (E 966) pode ser utilizado nos chocolates sem adição de açúcar em combinação com outros ENN. Este tem um poder adoçante de 40% em relação à sacarose e possui uma natureza não higroscópica (3, 8).
A OMS sugere que os ENN não devem ser utilizados como meio de alcançar o controlo de peso ou reduzir o risco de doenças crónicas. Embora a evidência sugira que os ENN individualmente possam ter efeitos fisiológicos diferentes no ser humano, esta é atualmente insuficiente para estabelecer recomendações para cada um dos ENN (10).
CONCLUSÕES
Apesar da FDA, EFSA e Codex Alimentarius considerarem os edulcorantes seguros e bem tolerados, devido aos potenciais riscos de saúde já mencionados, poderá ser recomendada a moderação do consumo de edulcorantes, assim como de açúcares simples(4). No entanto, esta recomendação pode ser impraticável e difícil de implementar dado que o desejo pelo sabor doce pode ser um comportamento geneticamente predeterminado (5).
Uma vez que os açúcares simples são frequentemente encontrados em alimentos e bebidas altamente processados com perfis nutricionais indesejáveis, a substituição destes por edulcorantes não significa necessariamente que a qualidade global da dieta seja positivamente afetada, em grande dimensão. Assim, além da moderação no consumo de edulcorantes, é também muito importante assegurar a substituição por alimentos e bebidas minimamente processados, no contexto da obtenção e manutenção de um regime alimentar saudável (10).
Dada a controvérsia associada a este tema, salienta-se a importância de serem realizados mais estudos sobre edulcorantes e os seus efeitos na saúde. Ainda assim, os chocolates com edulcorantes, quando comparados com os chocolates com açúcar, como, no geral, têm menores valores de energia e macronutrientes, podem ser vantajosos para certos tipos de indivíduos, nomeadamente para indivíduos que procuram diminuir a sua ingestão calórica e de açúcares e diabéticos, desde que sejam consumidos em moderação.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
IS, JG, MS, MC e SM: Contribuíram igualmente para a realização do estudo de mercado; recolha, análise e interpretação dos dados; elaboração e revisão do artigo; AB: Orientação, colaboração e revisão do artigo. A versão final do artigo foi lida e aprovada por todos os autores.