Introdução
Segundo o Ministério da Saúde1, a segurança do paciente é um dos seis atributos da qualidade do cuidado e tem adquirido em todo o mundo grande importância para os pacientes, famílias, gestores e profissionais de saúde com a finalidade de oferecer uma assistência segura. O Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) foi criado a fim de contribuir para a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional.
Para que a segurança do paciente aconteça de fato, a cultura de segurança precisa estar estruturada nas instituições e o maior desafio dos especialistas em segurança do paciente, que buscam a redução dos eventos nas instituições de saúde, tem sido a assimilação, por parte dos dirigentes, de que a causa dos erros e eventos adversos (EA) são multifatoriais e que os profissionais de saúde estão suscetíveis a cometer eventos adversos quando os processos técnicos e organizacionais são complexos ou mal planejados.2
Os eventos adversos são definidos como um efeito inesperado na saúde do cliente, e podem dever-se a inadequada assistência dos profissionais de saúde, que pode ocorrer por imperícia ou negligência.3 Os riscos para os pacientes que fazem uso de neoplásicos são maiores quando os protocolos não são seguidos e implementados, sendo de suma importância a construção da cultura de segurança durante todo o processo de administração de quimioterápicos.4
Desta forma, a administração de medicamentos é um cuidado fundamental para a assistência aos pacientes e a enfermagem envolve-se diretamente com esta atividade.5Sendo tal prática responsabilidade do enfermeiro, pois este processo inclui uma avaliação clínica e laboratorial diária do paciente, com intuito de minimizar incidentes e EA relacionados à administração e/ou toxicidade dos medicamentos.6
Para proporcionar segurança ao manuseio de quimioterápicos é necessário seguir medidas de controle, como as relativas às atividades de manipulação de fármacos perigosos, as emanadas dos órgãos regulamentadores internacionais e nacional, assim como importa as associações de profissionais da área estabelecerem protocolos e guias com orientações para o manuseio seguro desses agentes e para o processo de preparo dos medicamentos perigosos.7
Considerando a necessidade de redução da mortalidade, dos eventos adversos e a busca da prevenção e promoção da saúde do paciente com câncer a resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) de 569/2018 atribuiu ao enfermeiro a assistência integrativa para minimizar os riscos inerentes à terapia antineoplásica.8
A quimioterapia antineoplásica é uma das principais escolhas para o tratamento de câncer. O tratamento de neoplasias malignas é complexo, multidisciplinar e depende essencialmente do seu estadiamento clínico, das características patológicas do tumor e de fatores preditivos e prognósticos.9 Conforme o Instituto Nacional de Câncer10, o câncer abrange mais de 100 tipos diferentes de doença maligna que têm em comum o crescimento celular desordenado, que podem invadir os tecidos adjacentes ou órgãos à distância.
A partir do exposto nota-se a complexidade do tema e este artigo tem como objetivo geral identificar ações que promovam a segurança do paciente em tratamento quimioterápico. Como objetivos específicos, apontar as medidas que favorecem a segurança do paciente em tratamento com antineoplásicos e descrever os erros e/ou falhas que interferem na sua segurança.
Procedimento metodológico
Esse estudo teve como abordagem metodológica a revisão integrativa, permitindo a compreensão dos detalhes das informações que foram obtidas ao longo dele, com a finalidade de recomendar as ações que geram a segurança do paciente, contribuindo para uma assistência segura. A literatura comparada dialoga entre si e contribui para a interpretação de forma mais adequada e com melhor qualidade de um determinado assunto.11
Para a formulação da questão de pesquisa e descritores, foi utilizada a estratégia PICO, que representa um acrônimo para P: população, I: intervenção, C: comparação e O: desfecho (outcomes, em inglês) para localizar as melhores informações científicas disponíveis, visto que essa técnica orienta a idealização da pergunta de pesquisa e da busca bibliográfica.12
Desta forma a estratégia PICO foi adequada para o tema proposto onde a representação para P: paciente oncológico, I: tratamento com antineoplásicos, C: não se aplica, O: ações/estratégias para garantir a segurança do paciente, esteve na origem da seguinte questão norteadora para este artigo: Existem falhas que comprometem a segurança do paciente em tratamento com quimioterapia?
As bases de dados utilizadas foram: BDENF; LILACS; MEDLINE; SCIELO; PUBMED. Utilizaram-se como estratégia de busca os descritores: antineoplásicos AND segurança do paciente, verificados no DeCs - Descritores em Ciências da Saúde.
Os critérios de inclusão foram: trabalhos publicados no intervalo de tempo do ano de 2017 a 2022, publicação em português do Brasil disponível gratuitamente nas referidas bases de dados, e que abordam segurança do paciente e administração de medicamentos. Foram excluídos da pesquisa artigos que incluíram a revisão integrativa ou que não abordavam a temática proposta. Na figura 1, apresenta-se o fluxograma com a seleção dos artigos e documentos incluídos conforme critérios mencionados.
Resultados
O conjunto final ficou constituído por 5 artigos, que permitiram dar resposta à questão de investigação. Os estudos foram publicados entre os anos de 2017 e 2022, e todos se encontravam em língua portuguesa. No que se referem aos tipos destes estudos, três incluíam pesquisas qualitativas, um incluía o tipo quantitativo e outro estudo o tipo descritivo. Se tratando das temáticas abordadas nos artigos foram inclusos assuntos como a assistência de alta complexidade, o conhecimento dos profissionais, as dificuldades para implementar a segurança do paciente, o núcleo de segurança do paciente, o programa nacional de segurança do paciente e os cuidados com pacientes oncológicos. A tabela 1 evidencia o resumo dos principais resultados da pesquisa:
Discussão
Para compilar as informações encontradas foram criadas duas categorias:
1 - Fatores que interferem na segurança
O conhecimento insuficiente às questões teóricas e às questões práticas, como por exemplo: a ordem correta para punção venosa periférica e adequada e a classificação das drogas antineoplásicas vesicantes ou irritantes, fazem relevante diferença no atendimento, demonstrando possíveis falhas ou falta de formação permanente e efetiva.18 Todavia, vale destacar a falha no conhecimento aos sinais relacionados ao extravasamento ou infiltração, evidenciando déficit no entendimento à prevenção, identificação e manejo do EA, indicando lacunas em programas educacionais, tornando a carência no conhecimento técnico-científico um obstáculo para a assistência.14
Além das falhas na assistência, existem outros obstáculos que interferem para que a segurança do paciente seja de fato concretizada: as dificuldades do Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) no ambiente hospitalar, que lidam com a falta de interesse e de apoio financeiro da gestão, sobrecarga de trabalho e comunicação ineficaz.19 Soma-se a isso o dimensionamento inadequado da enfermagem, o que acarreta o excesso de responsabilidades à equipe diminuindo o tempo para assistência adequada, além da desvalorização da alta gestão ocasionando ausência da direção do hospital nas ações a serem implementadas e dificultando a adesão dos profissionais envolvidos na assistência direta.15
Contudo, há outros possíveis fatores que podem dificultar a adesão das equipes aos protocolos de segurança ao cliente, como a quantidade de pacientes e procedimentos para a quantidade de profissionais, falta de reconhecimento e/ou a falta de insumos necessários, resultando em um maior número de práticas inseguras.20 Entretanto, a desvalorização das ações para a segurança durante o acolhimento e a resistência às mudanças e às rotinas das instituições por parte dos profissionais envolvidos na assistência são outros aspetos que podem prejudicar a implementação da segurança do paciente, gerando desmotivação e angústia aos profissionais que querem aprimorar assistência e segurança no setor.15
A falta da formação continuada aos profissionais atuantes no cenário de tratamento com quimioterápicos, ausência de protocolos de cuidado e falta de atualização sobre PNSP a fim de suprir a carência do conhecimento dos profissionais podem fazer com que incidentes ocorram.3 Assim como as falhas no conhecimento para assistência segura, falta de atenção à exposição aos riscos ocupacionais no setor, a negligência a itens da biossegurança, como uso correto de EPI e higienização correta das mãos. Somado a estes, a inadequada ou falta de orientação ao paciente e familiares, são realidades.13
Além disso, recursos humanos insuficientes, instalações inadequadas, a falta de materiais de qualidade são desafios para implementar na realidade a prática segura nos cuidados em saúde.16 Acrescido a isso, a ineficaz, ou até mesmo a omissão da notificação de eventos adversos, dificulta identificar falhas e elaborar soluções para evitar a recorrência, interferindo na segurança do paciente e este influenciando diretamente nas taxas de mortalidade com impactos sociais e psicológicos consideráveis.21
2 - Fatores que promovem a segurança do paciente
O paciente onco-hematológico demanda de cuidados específicos e complexos requerendo da equipe de enfermagem uma atenção especializada, e para isso é necessário domínio e habilidade com conhecimento científico, prático e regularmente atualizado.17 Sendo assim, os profissionais de enfermagem devem ser qualificados e preparados para o atendimento seguro, visto que são responsáveis pela maior parte das ações assistenciais e se encontram a frente de reduzir ou minimizar riscos que possam prejudicar o paciente, além de detetar precocemente as complicações e realizar as condutas necessárias para contornar a situação.3
Por ter maior contato com a assistência prestada ao paciente, a equipe de enfermagem possui a responsabilidade em contribuir para a redução de incidentes, tornando assim a temática “Segurança do paciente” de extrema importância, devendo ser explorada pelos acadêmicos, professores e profissionais da saúde que trabalham de forma direta ou indireta com os clientes.3 Portanto o estímulo à cultura de segurança do paciente e a implantação de metas que objetivem a prevenção de eventos adversos são imprescindíveis para a melhoria da assistência de saúde. Prevenir tais eventos é atualmente um grande desafio para o aprimoramento da qualidade na saúde.21
Os desafios para a prática segura envolvem dificuldades de recursos materiais e humanos, mas, principalmente, invade a transição das mudanças no âmbito prescritivo para o real.16 Desta forma, a formação permanente, oficinas educativas, palestras e rodas de discussão possuem relevância para abordagem do tema, enfatizando o valor do conteúdo, desenvolvendo a cultura de segurança e aprimorando o conhecimento tanto ao paciente quanto ao profissional, principalmente em áreas de notável perigo, como o caso da oncologia.13
Assim, para uma atuação segura da assistência é necessário um trabalho em equipe, com profissionais capacitados, com diálogos, interações eficazes e prática adequada e padronizada, para que a segurança prestada ao paciente seja efetiva, destacando-se que a comunicação entre a equipe é muito importante para resultados positivos no ambiente hospitalar.22 Diante disso, o incentivo a boa e adequada comunicação é necessário, bem como também a execução de práticas para padronizar a assistência e promover a segurança, através de protocolos de cuidados, preparo e administração dos quimioterápicos, atualizações acerca de temáticas importantes para o setor, treinamentos e liderança eficaz, fazendo com que a teoria seja presente na prática.16
Conclusão
Os achados deste estudo evidenciaram múltiplas dificuldades e obstáculos enfrentados por gestores e por profissionais de enfermagem envolvidos na assistência direta para implementação da segurança do paciente, demonstrando que existem falhas desde a prática até a alta gestão.
As falhas no conhecimento teórico implicam diretamente na prática e a desvalorização da alta gestão em relação ao teor de importância do conteúdo e suas ações podem desfavorecer os pacientes, profissionais e a estrutura do hospital. A assistência humanizada, com colaboradores capacitados e atenciosos, com existência de protocolos de cuidado e biossegurança, visam melhores respostas aos tratamentos por parte dos pacientes, diminuição de falhas na assistência e, por consequência, redução de eventos adversos, incidentes ou acidentes com profissionais e clientes.
Para que as ações acima mencionadas de fato aconteçam, destaca-se a formação permanente, atividade mencionada em grande parte dos artigos estudados como solução para favorecer a cultura da segurança do paciente, propiciar a melhoria do cuidado e conhecimento científico aos profissionais, por se tratar de uma forma de ensino onde se combina a teoria e a prática no ambiente de trabalho, sendo um meio de atualização e podendo ser uma ferramenta para reduzir as resistências às mudanças por parte dos integrantes da equipe.
Ademais, a comunicação eficaz entre a equipe é fator indispensável para que um trabalho de qualidade aconteça, de forma que a transmissão de informações seja clara e objetiva garantindo um correto entendimento pelo receptor. Entretanto, não só entre a equipe faz se necessário a adequada comunicação, mas ao cliente e familiares também, e são os enfermeiros que por trabalhar diretamente com paciente desempenham esse importante papel, visto que quando se trata de tratamento oncológico o perigo é notável, e uma adequada explicação e instrução pode evitar erros futuros.
Diante do exposto, é notória a importância de abordar a segurança do paciente em tratamento com antineoplásicos, pois se trata de um procedimento que necessita de elevado conhecimento e frequentes atualizações dos profissionais acerca dos quimioterápicos e suas especificidades. Ainda assim, mais pesquisas são essenciais para aprimorar a assistência ao paciente oncológico em tratamento medicamentoso, alcançando novas formas de lidar e resolver as questões desse público-alvo.