Introdução
O cancro da mama é o tipo de cancro mais comum nas mulheres a nível global1. Só em 2020, foram diagnosticados 2,3 milhões de novos casos, correspondente a 11,7% do total de novos casos diagnosticados nesse ano, e quase 700.000 pessoas morreram da doença em todo o mundo, a maioria das quais por doença avançada (i.e., cancro da mama localmente avançado inoperável e metastático)1. Em Portugal, em 2020 o cancro da mama foi responsável por 7.041 novos casos, correspondente a 11,6% do total de novos casos e a 26,4% do número de novos casos no sexo feminino2.
Embora tenham sido feitos progressos no tratamento do cancro da mama avançado ao longo dos anos, estes têm sido lentos e com um impacto na sobrevivência e qualidade de vida dos doentes aquém do desejável. Com uma mediana de sobrevivência global de cerca de 3 anos e uma taxa de sobrevivência a 5 anos de cerca de 25% (mesmo em países sem constrangimentos significativos de acessibilidade), a doença ainda é generalizadamente considerada uma doença incurável3,4. Por esse motivo, o objetivo do tratamento do cancro da mama avançado é tendencialmente paliativo, tendo como principais objetivos atrasar a progressão da doença, prolongar a vida, minimizar os sintomas relacionados com a doença e/ou tratamentos, melhorar a capacidade funcional diária dos doentes e manter ou melhorar a sua qualidade de vida relacionada com a saúde (QdVRS)5.
O prognóstico está intimamente associado ao acesso aos melhores cuidados disponíveis, o que inclui não só as terapêuticas mais eficazes, mas também cuidados multidisciplinares e especializados, implementação de guidelines e acesso a Patologia, Imagiologia e Radioterapia de alta qualidade5. A falta de qualquer um destes pilares dos cuidados oncológicos modernos traduz-se em resultados substancialmente piores para as pessoas com esta patologia.
As pessoas com cancro da mama avançado enfrentam desafios específicos e têm necessidades psicossociais e físicas ao longo da sua doença que são marcadamente distintas das das pessoas com cancro da mama em estadio inicial6. A doença avançada está associada a uma elevada carga de sintomas e a resultados de qualidade de vida auto-reportados desfavoráveis7-11 e, embora o risco de recorrência e efeitos adversos seja maior nos primeiros anos após o diagnóstico12,13, as pessoas continuam a manifestar problemas de saúde e perturbações da vida social décadas após o diagnóstico14,15. Para além disso, referem várias lacunas ao longo da sua jornada, como falta de informação adequada sobre doença metastática e sobre o estado da sua doença, formação insuficiente dos profissionais de saúde para comunicar com elas sobre a doença, falta de apoio em questões laborais e défice de informação sobre cuidados e estratégias para a auto-gestão dos sintomas relacionados com a doença e o tratamento3,7,10,11,16. Num estadio da doença em que a manutenção da QdVRS é assumidamente um objetivo do tratamento, os cuidados de saúde deverão ser, cada vez mais, centrados na pessoa em vez de na doença e atender às dimensões, não só física, como cognitiva, emocional, social, espiritual e funcional dos doentes, promovendo uma vida o mais próxima possível do normal à pessoa afetada pela doença.
Na concretização desse objetivo, assume cada vez maior importância a incorporação de resultados reportados pelos doentes (patient-reported outcomes, PROs) nos cuidados prestados na doença avançada17-19. Os PROs fornecem uma medida quantificável dos sinais, sintomas e impacto da doença na perspetiva da pessoa, contribuindo com informação que não é capturada através das medidas de gravidade clínica da doença mais comumente utilizadas. Embora as medidas de PROs (patient-reported outcome measures , PROMs) sejam frequentemente utilizadas em ensaios clínicos de cancro da mama avançado para avaliar os sintomas e a QdVRS dos doentes20-22, a sua utilização em contexto de vida real é subótima e não está sistematizada23,24. No entanto, a sua adoção por rotina na prática clínica pode ajudar a definir estratégias terapêuticas individualizadas a cada pessoa com doença e a combinação de PROs e medidas clínicas pode melhorar substancialmente os seus resultados, nomeadamente através de uma melhor previsão de potenciais riscos e benefícios do tratamento25,26.
Um estudo conduzido em Portugal analisou experiências e resultados reportados por pessoas com cancro da mama através de questionários da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e demonstrou que, embora a maioria das mulheres estivesse satisfeita com o resultado do tratamento no que respeita à forma da mama ao utilizar soutien (96,1%) e ao tamanho semelhante de ambas as mamas (78,3%), os seus níveis de bem-estar eram inferiores aos da população geral e aos de populações com doenças crónicas27, evidenciando a importância de implementar estas métricas na avaliação sistemática dos doentes.
O Consórcio Internacional para a Medição de Resultados em Saúde (International Consortium for Health Outcomes Measurement, ICHOM) propõe um conjunto de avaliações centradas na pessoa com cancro da mama com base nos resultados que se demonstrou serem mais relevantes para elas, que todas as instituições de saúde deveriam efetuar por rotina para compreender como melhorar a vida dos seus doentes28. Essas avaliações estão agrupadas em três grandes grupos − desutilidade dos cuidados; grau de saúde; e sobrevivência e controlo da doença − e, quando implementadas e realizadas de forma sistemática na prática clínica, têm o potencial de melhorar substancialmente a qualidade dos cuidados prestados aos doentes. É por isso desejável a sua implementação nas unidades de cancro da mama, uniformizando procedimentos de boas práticas entre instituições, com benefício para os doentes.
Devido à complexidade do cancro da mama avançado, a existência de uma equipa multidisciplinar integrada em rede, definida em função das prioridades clínicas e necessidades específicas do doente, é fundamental para a prestação dos melhores cuidados. A centralidade dos cuidados é assim colocada na pessoa doente, podendo, mediante a sua vontade, ser incluído o cuidador principal e familiares. Devido às suas competências específicas, o enfermeiro oncologista é uma figura chave nessa equipa.
Embora menos de um terço das pessoas com cancro da mama avançado tenha atualmente acesso a cuidados de um enfermeiro especialista em cancro da mama avançado29,30, o papel destes profissionais está em franco desenvolvimento no mundo ocidental, particularmente em alguns países europeus31,32, e previsivelmente continuará a expandir-se e ter cada vez maior relevo no futuro.
Face ao reconhecimento de que as pessoas com cancro da mama avançado têm necessidades específicas ao longo do seu contínuo de cuidados e necessitam de uma abordagem multidisciplinar na qual o enfermeiro assume um papel preponderante, estruturante e agregador das várias disciplinas intervenientes, um grupo de enfermeiros com experiência na abordagem a estes doentes reuniu-se para fazer uma proposta de linhas de ação para otimizar as várias etapas da jornada do doente, desde o diagnóstico até ao acompanhamento pós-tratamento, na expectativa de que a sua partilha com profissionais de saúde e decisores e subsequente implementação possa efetivamente conduzir a uma melhoria dos resultados em saúde e vida com qualidade das pessoas com cancro da mama avançado.
Metodologia
Um grupo de enfermeiros peritos na área de cancro da mama de hospitais do norte, centro e sul do país com um papel de relevo na Enfermagem Oncológica nas suas instituições e/ou associadas a centros de excelência no tratamento do cancro e com experiência no acompanhamento de pessoas com cancro da mama avançado reuniu-se para identificar as principais necessidades destes doentes ao longo da sua jornada, atuais lacunas nas mesmas nas instituições portuguesas e como as suprir de modo a otimizar o percurso dos doentes ao longo do contínuo de cuidados e consequentemente os seus resultados em saúde com qualidade de vida. Este trabalho tem por base as respostas de 74 enfermeiros atuantes na área do cancro da mama afiliados a 10 hospitais públicos e privados representativos da realidade nacional geográfica e de tipologia das instituições de saúde ao questionário PENSAR - Papel da Enfermagem Na SAúde Relacionada com Cancro da Mama, relativo às necessidades dos doentes com cancro da mama avançado ao longo do seu percurso, e encontra-se alicerçado no projeto mais amplo MAAT - Jornada do Doente com Cancro da Mama Avançado - Consenso Multidisciplinar para Otimizar os Padrões de Cuidados em Portugal33.
Tendo por base a jornada do doente, foram considerados quatro momentos chave − diagnóstico, primeira linha de tratamento, monitorização e linhas avançadas de tratamento e posteriormente − e três dimensões passíveis de intervenção − emocional, clínica e operacional - e definido um conjunto de 9 elementos transversais a toda a jornada do doente igualmente passíveis de intervenção, a que se convencionou chamar ‘elementos integradores na jornada do doente’: competências de comunicação; agilização hospitalar em função do doente e considerações ético-deontológicas; informação fornecida ao doente; equipa centrada no doente e cuidador principal; Enfermeiro Gestor do Doente; apoio psico-oncológico; apoio social/comunitário e familiar; cuidados de suporte e terapêuticas complementares; e cuidados paliativos. Foram ainda considerados os PROs que a evidência indica serem mais relevantes para as pessoas com cancro da mama avançado e que devem por isso ser avaliados regularmente no acompanhamento destes doentes.
Em cada um dos momentos chave considerados, foi proposto um conjunto de medidas de atuação no âmbito da Enfermagem que, uma vez implementadas, têm o potencial de otimizar a abordagem à pessoa com cancro da mama avançado em Portugal ao longo da sua jornada.
Desenvolvimento/Dissertação
Devido ao conhecimento da doença, dos seus tratamentos e dos sintomas que ambos provocam na pessoa que cuida, o enfermeiro oncologista é o profissional de saúde que mais facilmente pode identificar, apoiar e dar resposta às necessidades do doente. Sobretudo em contexto de doença avançada, as intervenções de Enfermagem podem decorrer de forma transversal a todos os momentos da jornada do doente, em articulação com a restante equipa multidisciplinar.
Tendo por base este pressuposto, é seguidamente proposto um conjunto de medidas passíveis de ser implementadas na prestação de cuidados à pessoa com cancro da mama avançado nas várias fases e contextos do seu percurso.
01. Diagnóstico
Necessidades de informação por parte do doente
( Fornecer ao doente e/ou ao familiar/cuidador um Manual de Acolhimento ao Doente na sua primeira consulta hospitalar, com informações, contactos e conselhos relevantes para a sua jornada.
( Educar e orientar o doente e familiar/cuidador sobre onde procurar informação, que informação procurar e como a interpretar.
( Disponibilizar ao doente e familiar/cuidador informação confiável e credível, com linguagem clara e acessível, como complemento da informação pesquisada pelo(s) mesmo(s).
( Fornecer ao doente e familiar/cuidador informação sobre a doença, tratamento e efeitos secundários5, ajudas técnicas (prótese capilar, prótese mamária, manga elástica), cuidados com a pele e sobrancelhas, cuidados paliativos, sexualidade, exercício físico, aconselhamento nutricional, questões financeiras, direitos dos doentes e terapêuticas complementares.
02. Primeira linha de tratamento
Grupos de apoio e Associações de Doentes
- Informar o doente sobre grupos de apoio e Associações de Doentes existentes no centro hospitalar e na sua área de residência.
- Assegurar o acesso do doente a apoio psico-educativo através de (i) encaminhamento para o respetivo apoio/serviço no hospital ou em hospitais próximos, caso exista; (ii) encaminhamento para grupos de apoio e Associações de Doentes que forneçam esse tipo de apoio; ou (iii) encaminhamento para os Cuidados de Saúde Primários ou para apoio ao nível da comunidade (e.g., projeto “Cidades Compassivas”).
- Encaminhar o doente para Associações de Doentes que disponibilizem acompanhamento psicológico sempre que se justifique (e.g., quando existem listas de espera prolongadas no hospital onde é seguido).
- Articular com a Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) e outras Associações de Doentes a prestação ao doente de ajuda e recursos complementares ao nível da comunidade (e.g., encaminhamento para grupos de apoio, apoio emocional, apoio social, etc.).
Promoção da adesão ao tratamento
- Transmitir ao doente, através de comunicação oral e escrita, a informação relativa à sua estratégia terapêutica (incluindo nome do medicamento, objetivo terapêutico, esquema posológico, duração prevista do tratamento e efeitos secundários expectáveis, possíveis estratégias de controlo dos mesmos e referência à possibilidade de ausência de controlo imediato dos sintomas associados) de forma clara e adaptada ao seu perfil.
- Participar na reconciliação das terapêuticas do doente, acompanhando as que está a receber e estando alerta para situações que possam causar uma diminuição da efetividade e segurança das mesmas (e.g., interações farmacológicas, duplicações, reações adversas, não adesão, etc.).
- Ter uma abordagem proativa na monitorização das toxicidades das terapêuticas e na sua gestão.
- Participar nos cuidados de Enfermagem no domicílio enquanto serviço de proximidade disponibilizado ao doente.
- Fornecer ao doente material informativo complementar (e.g., Manual de Acolhimento do hospital/instituição, guia de gestão dos eventos secundários e interações farmacológicas mais comuns das terapêuticas que está a receber, diário para seu registo de observações e ocorrências, etc.).
- Avaliar a adesão do doente ao tratamento oral e, no caso de não adesão, avaliar os motivos. Se não for verificada uma mudança de comportamento, encaminhar o doente para consulta de especialidade para avaliação psicológica e cognitiva.
03. Monitorização
Consultas de seguimento
- Utilizar regularmente e sempre que possível o Termómetro de Distress34 para avaliar o sofrimento emocional e as necessidades psicossociais do doente na sua experiência com cancro, referenciando-o para as especialidades adequadas sempre que necessário.
- Participar na avaliação física e emocional do doente antes de cada ciclo de tratamento.
- Realizar consultas e contactos de acompanhamento de Enfermagem em momentos chave da jornada do doente, nomeadamente:
─ consultas presenciais antes de cada ciclo de tratamento, no primeiro ciclo de tratamento e eventualmente noutros ciclos de tratamento consoante as necessidades identificadas;
─ contactos telefónicos intermédios para avaliação de sintomas e adesão a terapêuticas orais;
─ consultas (presenciais ou remotas) aquando das avaliações clínicas e analíticas, programando as intervenções seguintes em função dos resultados das mesmas.
- Informar o médico assistente quando forem identificados sintomas ou eventos adversos de grau ≥235.
- Participar na avaliação do risco nutricional do doente, priorizando a identificação do doente em risco nutricional e encaminhando-o para o nutricionista para implementação de medidas dirigidas.
- Participar na articulação com os Cuidados de Saúde Primários nesta fase da jornada do doente, nomeadamente fazendo a articulação com os centros de saúde (por email ou outro canal de comunicação) o mais precocemente possível.
Integração de cuidados hospitalares e comunitários
- Promover formações periódicas sobre acompanhamento de doenças crónicas, comunicação, cuidados de fim de vida e outros.
- Apoiar o doente na sua articulação com a rede de suporte da área de residência (assistência social, apoio psico-oncológico, farmácia comunitária, cuidados paliativos), nomeadamente:
─ esclarecendo-o e orientando-o face às suas diversas necessidades;
─ otimizando a articulação entre o apoio social hospitalar e o apoio social comunitário, de modo a dar continuidade aos tratamentos.
04. Linhas avançadas de tratamento
- Realizar uma avaliação sistemática das necessidades físicas, psicológicas e sociais do doente, contribuindo para o diagnóstico, intervenção e encaminhamento precoce e permitindo uma resposta célere, quer em contexto de consulta, quer de vida quotidiana.
Acompanhamento de longos sobreviventes
- Educar o doente sobre cuidados físicos e psicológicos e hábitos de vida saudáveis em contexto de longa sobrevivência.
- Participar ativamente na monitorização das toxicidades decorrentes dos tratamentos.
- Fazer uma avaliação regular das necessidades psicológicas e sociais do doente na fase pós-tratamento, com os seguintes objetivos:
Acolhimento de doentes de outras instituições
- Fazer uma avaliação inicial do conhecimento do doente sobre a sua condição de saúde e sobre o tratamento proposto.
- Fazer uma avaliação inicial do sofrimento psicológico e das necessidades psicossociais do doente que transita de outra instituição através do Termómetro de Distress34, referenciando-o de seguida internamente para os elementos da equipa multidisciplinar cuja necessidade foi identificada.
- Fazer uma avaliação inicial das necessidades físicas e funcionais do doente, referenciando-o internamente às diferentes especialidades.
05. Elementos integradores na jornada do doente
Os elementos integradores na jornada do doente são elementos transversais às várias fases do contínuo de cuidados, relativamente aos quais o enfermeiro oncologista, por ser o elemento da equipa multidisciplinar com maior proximidade ao doente e familiar/cuidador e, consequentemente, maior possibilidade de identificar as suas necessidades, tem um papel preponderante36.
Foram considerados 9 elementos integradores na jornada da pessoa com cancro da mama avançado passíveis de intervenção e otimização: competências de comunicação e comunicação com o doente; agilização hospitalar em função do doente; informação fornecida ao doente; equipa centrada no doente e cuidador principal; Enfermeiro Gestor do Doente; apoio psico-oncológico; apoio social/comunitário e familiar; cuidados de suporte e terapêuticas complementares; e cuidados paliativos.
Competências de comunicação
− otimizar a comunicação com o doente/cuidador, em particular no que se refere à gestão das emoções do doente, utilização de empatia, comunicação de más notícias e comunicação em fases avançadas da doença e fim de vida.
− otimizar a comunicação entre elementos da equipa multidisciplinar e como ferramenta de gestão de conflitos, particularmente em contexto de urgência.
- Participar em sessões hospitalares periódicas de discussão de casos de comunicação difícil, em colaboração com a equipa de Psico-Oncologia, como forma de treino e preparação para situações semelhantes em contexto real.
- Participar em sessões de treino e workshops com especialistas sobre comunicação profissional de saúde-doente.( Definir que temas devem ser abordados com o doente e de que forma essa abordagem deve ser feita, de modo a assegurar que a informação prestada é coerente, atualizada, precisa e uníssona.
- Criar um canal de comunicação prioritário entre o médico oncologista e o enfermeiro oncologista.
Agilização hospitalar em função do doente e considerações ético-deontológicas
- Fazer cumprir o princípio da confidencialidade, assegurando a confidencialidade da informação do doente durante o acompanhamento telefónico e presencial, identificando quem é o seu acompanhante formal e transmitindo informação apenas a quem o doente autorizou previamente.
- Transmitir informação de diagnóstico/prognóstico apenas em contexto presencial.
- Aquando da realização de contactos telefónicos com o doente, garantir a sua correta identificação (e.g., através do Número de Identificação Fiscal (NIF), garantindo que não é transmitida informação confidencial a outra pessoa que não o próprio.
- Relembrar o doente que pode encontrar informação e contactos úteis no Manual de Acolhimento ao Doente.
Equipa centrada no doente e cuidador principal
- Integrar uma equipa multidisciplinar core do doente, que esteja presente no hospital e o acompanhe ao longo de todo o seu percurso hospitalar.
- Participar na avaliação regular e protocolada das necessidades do doente utilizando as ferramentas de triagem de problemas físicos, emocionais, sociofamiliares, etc. disponíveis para tal.
─ Realizar a avaliação inicial o mais cedo possível, de forma a identificar situações de risco e intervir precocemente.
─ Aplicar o Termómetro de Distress34 para identificar o doente com necessidades específicas na sua experiência com cancro, referenciando-os de seguida para as respetivas especialidades (cuidados paliativos, psicológicos, sociais, nutricionais, etc.).
─ Encaminhar o doente para consulta de Psico-Oncologia (com ou sem a presença do familiar/cuidador) nos casos em que é identificada essa necessidade.
─ Participar na avaliação geriátrica compreensiva do doente idoso de acordo com as recomendações da Sociedade Internacional de Oncogeriatria (SIOG)37,38 para definir o seu perfil de fragilidade.
─ Efetuar uma avaliação do risco nutricional do doente através da ferramenta Patient-Generated Subjective Global Assessment (PG-SGA)39, definindo a prioridade de referenciação para o nutricionista.
- Participar na avaliação do risco metabólico e cardiovascular antes do início do tratamento oncológico, em articulação com as especialidades de Medicina Geral e Familiar/Medicina Interna/Cardiologia/Endocrinologia/outras que se justifiquem de acordo com o parecer da Oncologia Médica.
- Participar na avaliação da adesão à terapêutica e na gestão de efeitos adversos da mesma, monitorizando o doente e disponibilizando-lhe brochuras e materiais informativos sobre as suas terapêuticas.
Enfermeiro Gestor do Doente
- Implementar a figura do Enfermeiro Gestor do Doente (designação adaptada de Nurse Navigator, figura já prevista em vários contextos de saúde40-44) como o enfermeiro responsável por receber o doente na sua primeira consulta hospitalar, garantir a acessibilidade aos cuidados, agilizar todos os procedimentos administrativos e burocráticos associados ao seu percurso nos serviços hospitalares daí em diante e orientar o doente em todos os aspetos necessários da gestão da sua doença.
- Garantir que o Enfermeiro Gestor do Doente tem formação nas vertentes médica e cirúrgica da Oncologia, bem como em comunicação com o doente e familiares/cuidadores.
- Instituir uma razão Enfermeiro Gestor do Doente/doente que permita a prestação de cuidados diferenciados e especializados ao próprio e a familiares/cuidadores.
- Atribuir ao Enfermeiro Gestor do Doente as seguintes competências:
− entregar ao doente na primeira consulta hospitalar o Manual de Acolhimento ao Doente ou uma brochura com contactos e conselhos relevantes para a sua jornada;
─ articular as consultas das diferentes especialidades médicas e não médicas de modo a minimizar o número de deslocações do doente ao hospital;
─ informar o doente sobre a Diretiva Antecipada de Vontade (DAV)45 enquanto ferramenta de declaração antecipada dos cuidados que deseja ou não receber em situação de incapacidade de expressar a vontade pessoal de forma autónoma, ou seja, em situação de quase morte ou incapacidade física ou mental;
─ informar o doente sobre o direito a uma segunda opinião médica;
− sensibilizar o doente para a importância de ter apoio e acompanhamento por parte de um familiar/cuidador ao longo da sua jornada;
─ solicitar ao doente a nomeação de um familiar/cuidador de referência que fique registado no seu processo e garanta o seu acompanhamento e a comunicação com os profissionais de saúde no futuro;
─ sensibilizar o doente para o papel ativo que deve ter na promoção da sua QdVRS e bem-estar e na abordagem à sua doença;
− referenciar o doente para as especialidades passíveis de colmatar as suas necessidades;
− disponibilizar ao familiar/cuidador os mesmos procedimentos de apoio psicológico que são oferecidos ao doente;
− disponibilizar ao familiar/cuidador acompanhamento e apoio no processo de luto.
Integração de novos enfermeiros na equipa de enfermeiros oncologistas
- Elaborar procedimentos de integração de novos elementos na equipa multidisciplinar, fornecendo formação adequada para essa integração.
- Realizar sessões de formação regulares (no mínimo, bienais) para atualização de conteúdos técnico-científicos e sobre comunicação.
- Promover sessões de formação regulares entre profissionais de saúde (por exemplo, de enfermeiros paliativos para enfermeiros oncologistas) para uma continuidade de cuidados.
Apoio psico-oncológico
- Disponibilizar ao doente e familiar/cuidador acesso à consulta de Psico-Oncologia desde o início do seu acompanhamento hospitalar, dando-lhe ferramentas para gerir da melhor forma o impacto emocional da doença.
- Na indisponibilidade de apoio psico-oncológico especializado, fazer a articulação com os recursos disponíveis na comunidade capazes de prestar da melhor forma esse apoio psicológico especializado (Centros de Saúde, Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), Associações de Doentes, etc.).
- Desmistificar o âmbito da Psico-Oncologia e as funções desses especialistas na equipa multidisciplinar, indicando ao doente informação sobre o assunto no Manual de Acolhimento ao Doente e/ou em folhetos/brochuras.
- Fazer uma avaliação regular do sofrimento psicológico e das necessidades psicossociais do doente e fornecer-lhe apoio psicológico especializado na instituição onde é seguido.
Apoio social/comunitário e familiar
- Realizar formação sobre os direitos dos doentes.
- Esclarecer o doente sobre os seus direitos, encaminhando-o para a consulta de Assistência Social, para Associações de Doentes ou para outros profissionais de saúde identificados como necessários.
- Identificar o familiar/cuidador do doente no início da sua jornada e envolvê-lo desde o início e ao longo de toda a trajetória do doente.
- Disponibilizar ao familiar/cuidador informação relevante, nomeadamente sobre a doença, direitos do doente, estruturas de apoio social e comunitário, etc.
- Realizar pontos de situação periódicos com o familiar/cuidador sobre o doente e a doença.
- Capacitar e educar o familiar/cuidador para contribuir para a QdVRS e segurança do doente, habilitando-o para ser capaz de:
─ fazer uma gestão eficaz da dor e fadiga;
─ promover uma nutrição e higienização adequadas;
─ identificar e minimizar o risco de infeção e outras complicações associadas à doença, às comorbilidades do doente e ao tratamento (particularmente em contexto de maior dependência de cuidados de terceiros).
- Desenvolver iniciativas de formação e suporte ao cuidador (e.g., projeto Cuidar de Quem Cuida, que capacita instituições locais para a intervenção junto de cuidadores informais (https://cuidardequemcuida.com/).
Cuidados de suporte e terapêuticas complementares
- Realizar formação sobre terapêuticas complementares, seus potenciais riscos e benefícios, e quais são recomendadas e desaconselhadas no cancro da mama avançado.
- Informar o doente e o seu familiar/cuidador sobre a existência de terapêuticas complementares e integrativas e encaminhá-lo para profissionais certificados qualificados nas terapêuticas que está interessado em receber.
- Solicitar ao doente informação sobre terapêuticas complementares que esteja a receber, analisando a possibilidade de interações deletérias entre estas e as suas terapêuticas oncológicas5.
- Recomendar ao doente a prática de exercício físico sempre que possível, encaminhando-o para um profissional do exercício físico que prescreva um plano personalizado/adaptado à sua condição.
− Recomendação geral: 30 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada 3 vezes/semana e 20−30 minutes de treino de resistência 2 vezes/semana46.
Cuidados Paliativos
- Integrar a equipa multidisciplinar de cuidados paliativos do hospital.
- Realizar formação sobre a definição e o âmbito de intervenção dos cuidados paliativos.
- Esclarecer o doente e familiar/cuidador sobre a definição e o âmbito de intervenção dos cuidados paliativos, explicando que estão associados a uma melhoria da QdVRS e do controlo sintomático, a ganhos físicos e psicológicos e a uma redução das hospitalizações e (sobre)utilização dos serviços de saúde, devendo por isso ser introduzidos na jornada do doente o mais precocemente possível.
─ Identificar essa informação no Manual de Acolhimento ao Doente, juntamente com a identificação e função dos vários membros da equipa multidisciplinar de cuidados paliativos.
- Propor o doente para cuidados paliativos quando tal se justificar, à semelhança do que é feito para o apoio social e psicológico, promovendo o contacto direto com essa equipa para doentes que se encontravam com a doença estabilizada e sofrem um agravamento súbito da mesma e para doentes em grande sofrimento físico, emocional ou espiritual.
- Capacitar o doente e o familiar/cuidador para a complexidade da doença e sua progressão, para as várias fases da jornada do doente e para o fim de vida, através de uma comunicação adequada e adaptada.
- Participar na conferência familiar com o doente e familiar/cuidador, a realizar sempre que for identificada a necessidade de partilha de informação significativa sobre o diagnóstico, prognóstico e organização/transição de cuidados.
06. Resultados Reportados pelos Doentes (Patient-Reported Outcomes, PROs)
Tendo por base as recomendações do ICHOM28, os seguintes items devem ser avaliados por rotina nas pessoas com cancro da mama avançado, enquanto aspetos que os preocupam particularmente:
- Complicações agudas do tratamento - Registar com base no tipo de terapêutica ou ação necessária para corrigir a complicação, conforme descrito na Classificação Clavien-Dindo e no Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) v5.0.44,45.
- Depressão e ansiedade - Avaliar através da Escala de Ansiedade e Depressão (HADS)47.
- Dor e fadiga - Avaliar através do questionário principal do Questionário de Qualidade de Vida da EORTC (EORTC QLQ-C30)48.
- Imagem corporal (inclui a satisfação com a imagem corporal e com a(s) mama(s)) - Avaliar através do módulo do Questionário de Qualidade de Vida da EORTC específico de cancro da mama (EORTC QLQ-BR45)49 e do módulo relativo à satisfação com a(s) mama(s) (BREAST-Q2.0)50,51.
- Sintomas no braço e na mama - Avaliar através do módulo do Questionário de Qualidade de Vida da EORTC específico de cancro da mama (EORTC QLQ-BR45)49.
- Sintomas vasomotores, neuropatia, artralgia - Avaliar através do módulo do Questionário de Qualidade de Vida da EORTC específico de cancro da mama (EORTC QLQ-BR45)49.
- Disfunção sexual (inclui o funcionamento sexual e sintomas vaginais) - Avaliar através do Questionário de Qualidade de Vida da EORTC específico de cancro da mama (EORTC QLQ-BR45)49.
- Qualidade de vida relacionada com a saúde (inclui o funcionamento físico, emocional, cognitivo e social, a capacidade para trabalhar e o bem-estar geral) - Avaliar através do questionário principal do Questionário de Qualidade de Vida da EORTC (EORTC QLQ-C30)48.
- Estado vital - Avaliar através da sobrevivência global e sobrevivência específica de causa.
Conclusão
O enfermeiro oncologista tem um papel central nos cuidados à pessoa com cancro da mama avançado. Devido à sua proximidade ao doente e familiares/cuidadores e aos seus conhecimentos clínicos específicos de Oncologia, está numa posição privilegiada para lhes oferecer assistência individualizada para ultrapassar barreiras nos serviços de saúde, por um lado, e educação e recursos para facilitar a tomada de decisão informada e o acesso atempado a cuidados de saúde e psicossociais de qualidade ao longo do contínuo de cuidados, por outro. A implementação das medidas propostas pode contribuir grandemente nesse sentido. No entanto, tal só é possível no contexto de uma equipa multidisciplinar, em que as várias disciplinas trabalham de forma integrada e coordenada para otimizar a jornada da pessoa com cancro da mama avançado.