Mulher, 84 anos, recorre ao serviço de urgência por dor abdominal nos quadrantes inferiores com vómitos, e prostração. Apresentava-se apirética, normotensa, taquicardíaca e saturação periférica de oxigénio em ar de 88%. Abdómen timpânico com desconforto generalizado à palpação.
Analiticamente sem leucocitose, glucose 687 mg/dL, creatinina 1,85 mg/dL, ureia 86 mg/dL, sódio 131 mmol/L, osmolalidade plasmática 314 mosm/kg, proteína-C-reativa 9,55 mg/dL, sem citocolestase e INR 1,2. Gasimetricamente, pH 7,4, HCO3- 24,7 mmol/L, sem hiperlactacidemia. Sumário de urina com 213,7 leucócitos/campo e nitritúria.
Ecografia renovesical revelou nefropatia crónica e litíase não obstrutiva nos grupos caliciais inferior do rim direito.
Assumido diabetes mellitus descompensada por infeção do trato urinário (ITU). Iniciou fluidoterapia, insulina em bólus com necessidade posterior de iniciar perfusão e ainda ceftriaxone.
Resolvida a hiperglicemia, a doente manteve abdómen timpânico, distendido e doloroso nos quadrantes direitos. Ecografia abdominal com vesícula biliar de difícil caracterização por possível episódio de emese recente e distensão marcada das ansas do delgado, com colapso do cólon, sugestivo de síndrome oclusiva/ suboclusiva.
Pedida tomografia computorizada (TC) abdominal (Figs. 1 e 2) com imagens gasosas no interior da vesícula com contornos irregulares e edema adjacente sugestivo de colecistite e volumoso cálculo biliar (3 cm) migrado para o intestino delgado, provocando obstrução da válvula ileocecal.
A doente foi submetida a enterolitotomia por ileus biliar com exploração intraoperatória de fístula enterobiliar. Dada melhoria progressiva teve alta do internamento após 8 dias.
Os doentes idosos e com múltiplas comorbilidades são mais suscetíveis à descompensação da diabetes, inclusive complicações agudas como síndrome hiperosmolar e cetoacidose, a infeção é um dos precipitantes mais frequente.1,2 Neste caso, a primeira avaliação apontava para ITU, porém, o exame físico levantou outra suspeita. O ileus biliar é uma complicação rara da colelitíase e com sintomas inespecíficos3,4 que neste caso, dados os vómitos persistentes culminou numa descompensação importante da diabetes.