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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.11 no.2 Queluz jun. 2024  Epub 26-Jun-2024

https://doi.org/10.29315/gm.v11i2.745 

Casos Clínicos

Síndrome de Dropped Head: Apresentação Rara de Miastenia Gravis

Dropped Head Syndrome: Rare Manifestation of Myasthenia Gravis

1. USF Baltar, ACES Vale do Sousa Sul, Paredes, Portugal.

2. USF Prelada, ACES Porto, Ocidental, Porto, Portugal.

3. USF Espaço Saúde, ACES Porto Ocidental, Porto, Portugal.


Resumo

A miastenia gravis é uma doença autoimune da junção neuromuscular que se caracteriza por fraqueza muscular e fadiga. A síndrome de dropped head é uma complicação rara da miastenia gravis e manifesta-se pela queda cefálica decorrente da fraqueza progressiva dos músculos flexores e extensores do pescoço. O tratamento dirigido da miastenia gravis está associado a uma recuperação da força cervical, reduzindo assim o impacto negativo na vida diária provocado por esta entidade. Revela-se fulcral que todos os profissionais de saúde reconheçam a associação existente entre estas duas entidades. Apresenta-se o caso clínico de uma doente de 68 anos avaliada inicialmente nos cuidados de saúde primários por queda cefálica. O diagnóstico de miastenia gravis só foi realizado um mês após a consulta inicial quando já se acompanhava de outros sintomas como hipofonia e disfagia. O tratamento com imunoglobulina intravenosa permitiu a recuperação da força dos músculos extensores do pescoço.

Palavras-chave: Fraqueza Muscular; Miastenia Gravis/complicações; Miastenia Gravis/diagnóstico; Músculos do Pescoço

Abstract

Myasthenia gravis is an autoimmune disease of the neuromuscular junction that is characterized by muscle weakness and fatigue. Dropped head syndrome is a rare complication of myasthenia gravis and is manifested by a head drop resulting from progressive weakness of the flexor and extensor muscles of the neck. Targeted treatment of myasthenia gravis is associated with a recovery of neck strength, thus reducing the negative impact on daily life caused by this disease. It is essential that all healthcare professionals recognize the association between these two entities. We present the clinical case of a 68-year-old female initially evaluated in primary health care for head drop. The diagnosis of myasthenia gravis was only made one month after the initial appointment when other symptoms such as hypophonia and dysphagia were already present. Treatment with intravenous immunoglobulin allowed the recovery of strength in the extensor muscles of the neck.

Keywords: Muscle Weakness; Myasthenia Gravis/complications; Myasthenia Gravis/diagnosis; Neck Muscles

Introdução

A síndrome de dropped head, ou queda cefálica, surge por fraqueza dos músculos extensores do pescoço ou por aumento do tónus dos músculos flexores. Existe uma vasta panóplia de etiologias associadas a esta síndrome, nomeadamente neurológicas, tais como doenças do neurónio motor, miopatias, neuropatias e miastenia de Lambert-Eaton.1,2

A dificuldade na extensão cefálica pode ser um dos sintomas de miastenia gravis, contudo, a sua apresentação enquanto primeiro sintoma é rara. Atendendo ao impacto na marcha, na execução das tarefas da vida diária e na interação com os outros, esta manifestação clínica afeta significativamente a qualidade de vida dos doentes.

O presente trabalho relata um caso clínico em que a manifestação inicial de miastenia gravis foi a queda cefálica, recordando e reforçando assim a associação entre estas duas entidades.

Caso clínico

Utente do género feminino, 68 anos, com antecedentes pessoais de obesidade e síndrome depressivo. Medicada habitualmente com venlafaxina 75 mg e mirtazapina 30 mg. Em setembro de 2022, a utente recorre a consulta programada com o médico de família por apresentar cabeça caída em flexão cervical e dificuldade na extensão do pescoço e rotação para a direita, com 2 semanas de evolução. Nega traumatismo, episódios prévios e outros sintomas acompanhantes. Numa avaliação inicial e após realização de exame neurológico sumário, não foram detetadas outras alterações associadas. Assim, e perante a suspeita de patologia do foro ortopédico, foi encaminhada ao serviço de urgência de Ortopedia.

Após avaliação pela especialidade e dado não apresentar alterações nos exames imagiológicos solicitados teve alta encaminhada para o médico de família com indicação para utilização de colar cervical para conforto.

Por manutenção do quadro clínico, a doente foi avaliada novamente cerca de 1 mês depois nos cuidados de saúde primários, apresentando sintomatologia de novo. Referia hipofonia e disfagia com sinais de fatigabilidade, agravadas ao final do dia e, concomitantemente, com necessidade de movimentos oculares extremos de forma a observar o meio envolvente. Perante a sintomatologia de novo e a manutenção das queixas iniciais, procedeu-se ao encaminhamento da utente para consulta aberta de neurologia a nível hospitalar.

À observação pela especialidade foi objetivada disartria, hipofonia, disfagia, fraqueza dos movimentos cervicais, especialmente extensão, tetraparésia grau 4/5 e marcha de curtos passos e base alargada, com ligeiro desequilíbrio associado a dropped head. Realizada EMG que demonstrou sinais de disfunção da transmissibilidade neuromuscular do tipo pós-sináptico, envolvendo face, extensores cervicais e membro superior esquerdo distalmente. Colocada a hipótese de provável síndrome miasténico com atingimento bulbar, procedeu-se ao internamento da utente para estudo.

Durante o internamento hospitalar realizou-se estudo etiológico, sendo de salientar a tomografia computorizada (TC) torácica que não revelou alterações e o resultado do anticorpo anti-recetor ACh que foi positivo, confirmando assim o diagnóstico de miastenia gravis. As serologias para VIH, hepatite C e B e sífilis foram negativas. O painel imunológico com anticorpos antinucleares, cardiolipina (IgM e IgG), glicoproteína (IgM e IgG), mieloperoxidase (MPO), proteínase 3 foi negativo.

Contudo, verificou-se positividade para o anticorpo tiroperoxidase e anticorpos para antigénios nucleares extraíveis (ENA) com anti-SS-A positivo.

Realizou ciclo de imunoglobulina intravenosa durante 5 dias e corticoterapia com prednisolona com baixa dose e subida progressiva. À data da alta, e após 17 dias de internamento, a utente apresentava uma melhoria clínica evidente. Ao exame neurológico destacava-se défice de grau 3 na flexão cervical e grau 3+ na extensão cervical e défice grau 4+ global, sem outras alterações de relevo. Para ambulatório foi medicada com piridostigmina 60 mg 4 id e prednisolona 15 mg 1 id.

Em consulta de reavaliação a utente apresentava uma melhoria evidente do seu estado geral, referindo já ser capaz de executar a maioria das suas atividades da vida diária sem grande limitação.

Discussão/conclusão

As alterações da força muscular, e em particular o défice de extensão e/ou flexão cervicais, são achados comuns numa grande pluralidade de doenças neuromusculares. Como resultado, a generalidade dos doentes apresenta queda cefálica, também conhecida como síndrome de dropped head.1 Existe um impacto notável na qualidade de vida dos doentes na medida em que a alteração da força muscular cervical afeta de forma incontestável as tarefas básicas da vida diária, a própria marcha e até mesmo a interação com os outros.

A síndrome de dropped head pode ser uma manifestação de diversas patologias, nomeadamente doenças do neurónio motor, miopatias, neuropatias, miastenia de Lambert-Eaton, entre outras.2 A associação entre a síndrome de dropped head e a mistenia gravis está já descrita na literatura, no entanto, apenas excecionalmente se apresenta como manifestação inicial desta patologia da junção neuromuscular, tal como verificado no caso clínico relatado.3,4 Habitualmente, na miastenia gravis existe uma afeção preferencial dos músculos flexores do pescoço ao invés dos músculos extensores.4 É de crucial importância que a associação entre estas entidades seja reconhecida, atendendo a que, com o tratamento adequado da miastenia é expectável que haja recuperação da força muscular.5 O tratamento com colar cervical tem efeito benéfico limitado.4

Perante todos os doentes que se apresentam com síndrome de dropped head deve realizar-se uma anamnese cuidada e um exame objetivo minucioso, procurando sempre pistas diagnósticas sugestivas de patologia neurológica, nomeadamente miopática, neurogénica e perturbações da neurotransmissão. A semiologia clínica é extremamente importante na avaliação de doentes com suspeita de patologia neurológica, motora e sensitiva, na medida em que permite não só orientar para a realização de exames complementares de diagnóstico adequados, mas possibilita também uma célere abordagem terapêutica com impacto prognóstico. Perante a prática crescente de uma medicina defensiva, importa ressalvar que o excesso de exames complementares de diagnóstico não se traduz apenas em maiores gastos económicos, como também num atraso diagnóstico e terapêutico, nomeadamente nas doenças neurológicas. Assim, importa relembrar, a síndrome dropped head enquanto manifestação inicial de doenças neurológicas e, no caso clínico relatado, especificamente de miastenia gravis.

Referências

1. Umapathi T, Chaudhry V, Cornblath D, Drachman D, Griffin J, Kuncl R. Head drop and camptocormia. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002;73:1-7. doi: 10.1136/jnnp.73.1.1. [ Links ]

2. Alhammad RM, Naddaf E. Myopathies presenting with head drop: Clinical spectrum and treatment outcomes. Neuromuscul Disord. 2020;30:128-36. doi: 10.1016/j.nmd.2019.12.001. [ Links ]

3. D’Amelio M, Di Benedetto N, Ragonese P, Daniele O, Brighina F, Fierro B, Savettieri G. Dropped head as an unusual presenting sign of myasthenia gravis. Neurol Sci. 2007;28:104-6. doi: 10.1007/s10072-007-0796-y. [ Links ]

4. Puruckherr M, Pooyan P, Dube D, Byrd RP, Roy TM. The dropped head sign: an unusual presenting feature of myasthenia gravis. Neuromuscul Disord. 2004;14:378-9. doi: 10.1016/j.nmd.2004.01.009. [ Links ]

5. Goh KJ, Wong KT, Tan CT. Myopathic dropped head syndrome: a syndrome of mixed aetiology. J Clin Neurosci. 2000;7:334-6. doi: 10.1054/jocn.1999.0209 [ Links ]

Declaração de contribuição/Contributorship statement:

JS E CQ: Recolha de dados, escrita e revisão

JF E DB: Escrita e revisão

AR: Revisão

3Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.

JS AND CQ: Data collection, writing and revision

JF AND DB: Writing and revision

AR: Revision

7All authors approved the final version to be published.

Responsabilidades éticas

Conflitos de interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Consentimento: Consentimento do doente para publicação obtido.

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Ethical disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Patient consent: Consent for publication was obtained.

Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed.

Recebido: 06 de Março de 2023; Aceito: 21 de Agosto de 2023; : 08 de Novembro de 2023; Publicado: 26 de Junho de 2024

Autor Correspondente/Corresponding Author: João Mendes Sobral [joaommsobral@gmail.com] ORCID iD: 0000-0002-2468-4801

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