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PsychTech & Health Journal

versão On-line ISSN 2184-1004

PsychTech vol.7 no.2 Vila Real dez. 2023  Epub 20-Mar-2024

https://doi.org/10.26580/pthj.art66-2024 

Artigo original

Hipovitaminose D em adolescentes do sexo feminino no norte de minas gerais

Hypovitaminosis D in female adolescents in northern minas gerais

Graciana Guerra David1 

Antônio Prates Caldeira1 

Otávio Castro Salgado de Freitas2 

Jeniffer Elisa Ferreira Maia2 

1 Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. gracianaguerra.david@gmail.com

2 Centro Universitário FIPMoc, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil.


Resumo

Este estudo teve como objetivo avaliar os níveis de vitamina D em adolescentes do sexo feminino no norte de Minas Gerais, buscando os fatores associados à hipovitaminose D, com ênfase nos fatores de risco cardiovascular. Trata-se de um estudo transversal e analítico, inserido em um estudo de intervenção, que avaliou dados demográficos, socioeconômicos e de estilo de vida, além de medidas antropométricas, hemodinâmicas e metabólicas. Foram realizadas análises bivariadas, e as variáveis que apresentaram níveis de significância de até 20% (p < .20) foram submetidas à análise múltipla. Das 296 adolescentes avaliadas, a faixa etária predominante foi de 15 a 16 anos (n = 142; 48.0%). A maioria autodeclarou-se parda (59.5%) e relatou uma renda familiar de até 3 salários mínimos (84.8%). A deficiência de vitamina D foi constatada em 14.2% da amostra, insuficiência em 41.9% e suficiência em 43.9%. Na regressão logística, apenas o IMC manteve-se associado à hipovitaminose D. Nenhum fator de risco cardiovascular bioquímico ou hemodinâmico mostrou-se associado à hipovitaminose D. A população avaliada apresentou uma elevada prevalência de hipovitaminose D, sendo o excesso de peso o único fator de risco cardiovascular associado a essa condição.

Palavras-chave: adolescente; deficiência de vitamina D; fatores de risco; feminino; vitamina D

Abstract

This study aimed to assess vitamin D levels in female adolescents in the northern region of Minas Gerais, seeking factors associated with hypovitaminosis D, with a specific focus on cardiovascular risk factors. It adopts a cross-sectional and analytical design, nested within an intervention study. The assessment encompassed demographic, socioeconomic, and lifestyle data, as well as anthropometric, hemodynamic, and metabolic measurements. Bivariate analyses were conducted, and variables showing significance levels of up to 20% (p < .20) underwent multiple analyses. Among the 296 adolescents assessed, the predominant age group was 15 to 16 years old (n = 142; 48.0%). The majority identified as mixed race (59.5%) and reported a family income of up to 3 minimum wages (84.8%). Vitamin D deficiency was identified in 14.2% of the sample, insufficiency in 41.9%, and sufficiency in 43.9%. In logistic regression, only BMI remained associated with hypovitaminosis D. No biochemical or hemodynamic cardiovascular risk factors demonstrated an association with hypovitaminosis D. The evaluated population exhibited a high prevalence of hypovitaminosis D, with excess weight being the sole cardiovascular risk factor linked to hypovitaminosis D.

Keywords: adolescent; female; risk factors; vitamin D; vitamin D deficiency

Introdução

Deficiências nutricionais, incluindo de micronutrientes, representam um importante problema de saúde pública em vários países do mundo. De acordo com Willer e Aldridge (2020), a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais de dois bilhões de pessoas no mundo têm deficiência de micronutrientes. As deficiências de vitaminas A e D são especialmente preocupantes. Deficiências regionais podem ser particularmente pronunciadas. No Gana, mais de 76% das crianças são deficientes em vitamina A, causando grande mortalidade e cegueira. Na Índia, 85% dos cidadãos são deficientes em vitamina D, aspecto que tem íntima associação com doenças cardiovasculares, osteoporose e raquitismo. Mesmo nos EUA, mais de 40% da população é deficiente em vitamina D. Em diversos países do mundo, tem-se registrado uma crescente prevalência de deficiência e insuficiência de vitamina D em crianças e adolescentes, o que também vem representando um significante problema de saúde pública (Basatemur et al., 2017). Níveis adequados de vitamina D são particularmente importantes na infância e adolescência, pois há um rápido crescimento nesse período que demanda uma adequada consolidação da massa óssea, fenômeno intimamente relacionado com a vitamina (Pekkinen et al., 2012; Pitukcheewanont et al., 2013).

Para além das ações da vitamina D sobre o metabolismo ósseo, a literatura tem registrado que níveis de vitamina D insatisfatórios também podem estar associados ao desenvolvimento de algumas doenças crônicas, incluindo doenças cardiovasculares. Mas essa é uma associação que, pelo menos para adultos, ainda é controversa e com resultados divergentes (Babarawi et al., 2019). Dada a importância de iniciar medidas preventivas para as doenças cardiovasculares desde cedo, diversos estudos têm se dedicado a investigar os fatores de risco cardiovascular já na infância e adolescência (Kavey et al., 2003). No Brasil, o estudo ERICA buscou avaliar os principais fatores de risco cardiovascular entre adolescentes brasileiros, a partir de uma grande amostra (Bloch et al., 2015).

Existem poucos estudos nacionais que abordam a relação entre os níveis de vitamina D e risco cardiovascular. O estudo ERICA avaliou 1152 adolescentes em quatro capitais brasileiras identificando que a hipovitaminose D associou-se positivamente com sexo, posição geográfica (latitudes), dados coletados no inverno ou primavera, adolescentes não brancos e estudantes de escolas privadas. Uma maior Odds Ratio proporcional foi observada para meninos obesos, mas não entre meninas (Oliveira et al., 2020). Estudos exclusivos para adolescentes do sexo feminino são ainda menos frequentes, o que limita a identificação de fatores que poderiam ser enfrentados de forma mais efetiva. Para esse público, a crescente tendência ao aumento do tempo de uso de telas e a redução da atividade física têm sido também apontadas como variáveis que limitam a exposição ao ar livre sob a luz do sol e aumentam o risco de obesidade, potencializando fatores de risco para hipovitaminose D (Elsayyad et al., 2020). A relevância da atividade física é destacada em estudo da Arábia Saudita, com amostra de 204 adolescentes do sexo masculino com idade entre 14 e 16 anos, que frequentavam escolas secundárias. A atividade física foi medida usando um pedômetro piezoelétrico e a exposição ao sol foi calculada pelo número de horas diárias passadas ao ar livre. Não houve diferenças significativas entre os grupos em relação à exposição ao sol e à ingestão alimentar, mas os resultados mostraram que houve um aumento significativo nos níveis de vitamina D nos grupos mais ativos (grupos ativos e altamente ativos) em comparação com os grupos menos ativos. No entanto, é importante notar que o estudo foi realizado em uma amostra limitada de adolescentes e exclusivamente do sexo masculino. Este estudo objetivou avaliar os níveis de vitamina D em adolescentes escolares do sexo feminino em cidade do norte de Minas Gerais e identificar os fatores associados à hipovitaminose D, com ênfase nos fatores de risco cardiovascular.

Método

Trata-se de um estudo transversal e analítico, desenvolvido na cidade de Montes Claros, ao norte de Minas Gerais, aninhado a um estudo de intervenção (“Influência de um Programa de Atividade Física em Adolescentes com Risco Cardiovascular”).

Amostra

Participaram deste estudo adolescentes escolares do sexo feminino, matriculadas no ensino fundamental e médio da rede pública da cidade. Foram excluídas as adolescentes grávidas e as que informaram doença renal, doença inflamatória, hepática ou hematológica, além daquelas que referiram uso de medicações que influenciavam o perfil metabólico e/ou hemodinâmico. O grupo avaliado foi composto por 296 adolescentes do sexo feminino, com idade de 10 a 16 anos, com predomínio da faixa etária de 15 a 16 anos (n = 142; 48.0%). A maioria se declarou parda (n = 176; 59.5%), filhas de pais casados ou em união estável (n = 176; 59.5%) e com renda familiar de até três salários mínimos (n = 251; 84.8%)

O processo amostral foi por conglomerado, com alocação probabilística das escolas e séries, a partir da distribuição espacial das escolas no município. A representatividade foi considerada na seleção proporcional no número de adolescentes em cada escola, em cada série e faixa etária avaliada. O tamanho da amostra assumiu um nível de confiança de 95%, com um erro amostral de 5%.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada por uma equipe especialmente treinada e sob supervisão dos pesquisadores. Utilizou-se um questionário semiestruturado para a coleta de dados demográficos e socioeconômicos, além de informações sobre uso de medicamentos, hábitos alimentares e de vida.

Foram realizadas medidas antropométricas de peso e altura, circunferência abdominal e aferição da pressão arterial, seguindo protocolos específicos de cada medida (National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Children and Adolescents, 2004; Onis et al., 2007). Realizou-se uma coleta de amostras de sangue na própria escola, após jejum de 12 horas, seguindo-se uma análise de glicemia (GLI), colesterol total (CT), colesterol de lipoproteínas de alta densidade (HDL-C) e triglicérides (TG) realizados usando métodos enzimáticos em equipamento automatizado.

O excesso de peso foi definido a partir do IMC, calculado a partir do peso (em quilogramas) dividido pela altura (em metros) ao quadrado, e considerado a partir do escore z acima de +1 DP (incluindo sobrepeso e obesidade) (Onis et al., 2007). A obesidade central foi definida a partir do percentil 90 para cada idade, segundo critérios do International Diabetes Federation (IDF) (Zimmet et al., 2007). Pressão arterial (PA) elevada foi assumida para situações de PA sistólica ou diastólica igual ou acima do percentil 90 para idade e altura (National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Children and Adolescents, 2004). Para os parâmetros bioquímicos, os pontos de corte foram: TG ≥ 130 mg/dl; CT ≥ 200 mg/dl; HDL-C < 40 mg/dl; LDL-C ≥ 130 mg/dl; colesterol não HDL ≥ 120 mg/dl seguindo padrões já aplicados por outro estudo (Tang et al., 2020). A hiperglicemia foi definida para valores de GLI ≥ 100 mg/dl (Zimmet et al., 2007).

A síndrome metabólica foi diagnosticada segundo os critérios propostos pela International Diabetes Federation (IDF), a saber: presença de obesidade central mais quaisquer dois dos seguintes achados: PA sistólica ≥ 130 ou PA diastólica ≥ 85 mmHg; TG ≥150 mg/dl; HDL-C < 40 mg/dl; GLI ≥ 100 mg/dl (Zimmet et al., 2007).

A vitamina D (VitD) e a insulina (INS) foram medidas utilizando um imunoensaio por quimioluminescência. Considerou-se hiperinsulinemia valores de INS ≥ 20 mU/l e resistência insulínica (RI) com valores calculados do HOMA-IR ≥ 3.16 (Keskin et al., 2005). Para a 25-hidroxivitamina D (25-OH vitamina D) os valores de corte para cada faixa de variação foram: suficiência quando valores ≥ 30 ng/ml, insuficiência para valores > 20 e < 30 ng/ml e deficiência para valores ≤ 20 ng/ml (Holick et al., 2011).

Análise estatística

As variáveis foram analisadas com o programa estatístico Statistical Program for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 para Windows. Após análise descritiva, foram realizadas análises bivariadas e as variáveis que apresentaram níveis de significância de até 20% (p < .20) foram avaliadas de forma conjunta por meio de regressão de Poisson, com estimador robusto. Para a análise final, buscou identificar quais os fatores, em uma análise múltipla, mostravam-se estatisticametne associados à hipovitaminose D entre adolescentes do sexo feminino. Todos os pressupostos para a regressão de Poisson foram assumidos e para o modelo final, foram estimadas as razões de prevalência e respectivos Intervalos de Confiança de 95%, admitindo-se um nível de significância de 5% (p < .05).

Aspectos Éticos

O projeto deste estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) com parecer Aprovado nº 1.503.680. Foi obtida uma autorização assinada pelos diretores das escolas para que a investigação fosse realizada. Em seguida, foi encaminhado aos pais ou responsáveis o Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) a fim de que eles autorizassem a participação do adolescente na pesquisa. Os adolescentes assinaram Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) para participação no estudo.

Resultados

As principais características do grupo de adolescentes estão apresentadas na Quadro 1. Registrou-se predomínio da faixa etária de 15 a 16 anos (n = 142; 48.0%). A cor da pele predominante foi parda (n = 176; 59.5%) e a maioria das adolescentes declarou renda familiar de até três salários mínimos (n = 251; 84.8%) (Quadro 1).

Quadro 1: Caraterísticas demográficas e sociais de adolescentes do sexo feminino de escolas públicas participantes do Projeto Influência de um Programa de Atividade Física em Adolescentes com Risco Cardiovascular; Montes Claros (MG), 2016. 

Após a análise bruta, estiveram associados à percepção negativa do estado de saúde a variável prática de exercícios físicos regularmente (p = .103), prática de esportes individuais (p = .009) e IMC (p = .010). Após análise multivariada, permaneceram no modelo final a variável prática de esportes individuais (RP = .33 IC 95% .15- .71) e IMC (RP = 2.42 IC 95% 1.30-4.49) (Quadro 2).

Quadro 2: Fatores de risco cardiovascular e comportamentais de adolescentes do sexo feminino de escolas públicas participantes do Projeto Influência de um Programa de Atividade Física em Adolescentes com Risco Cardiovascular; Montes Claros (MG), 2016. 

O Quadro 2 apresenta os principais fatores de risco cardiovascular investigados para o grupo, além de comportamentos que podem também estar associados. Entre esses fatores, destaca-se uma baixa frequência de atividade física e de uso de fotoprotetores. O grupo avaliado apresentou uma importante frequência de sobrepeso e obesidade (38.2%) e nas dosagens bioquímicas registrou-se que menos de 25% das adolescentes apresentavam HDL-C em níveis desejáveis.

Os níveis de vitamina D aferidos revelaram que 42 (14.2%) das adolescentes apresentavam deficiência da vitamina, 124 (41.9%) apresentavam níveis insuficientes e 130 (43.9%) tinham valores considerados suficientes. Para este estudo, a hipovitaminose D foi considerada para todos os valores abaixo dos níveis de suficiência da vitamina, ou seja, valores inferiores a 30 mg/dl (deficiência + insuficiência). O Quadro 3 apresenta o resultado das análises bivariadas entre as principais características do grupo, fatores de risco cardiovascular e comportamentais e a hipovitaminose D.

Quadro 3: Fatores associados à hipovitaminose D entre adolescentes do sexo feminino de escolas públicas participantes do Projeto Influência de um Programa de Atividade Física em Adolescentes com Risco Cardiovascular; Montes Claros (MG), 2016. (análise bivariada). 

Após análise de regressão logística apenas o IMC mostrou-se associado à hipovitaminose D, com maiores chances de baixos níveis de vitamina D entre as adolescentes com sobrepeso ou obesidade (p = .011; OR: 1.11; IC95%: 1.03-1.21).

Discussão

Este estudo revelou uma elevada prevalência de hipovitaminose D entre adolescentes escolares do sexo feminino para a região norte de Minas Gerais. O resultado é particularmente surpreendente, considerando os elevados índices solarimétricos da região. Considerando que a vitamina D, em sua maior parte, é produzida pela ação dos raios ultravioleta B (UVB) sobre a pele, não seria esperado que em uma área como o norte de Minas mais da metade das adolescentes avaliadas se mostrassem com valores de deficiência ou insuficiência da vitamina. Todavia, valores similares são apontados pelo estudo ERICA, que avaliou uma amostra de adolescentes em regiões distintas do país (Oliveira et al., 2020). O estudo teve delineamento transversal e analisou amostras de soro coletadas em quatro cidades brasileiras com latitudes diferentes (Fortaleza, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre). Foram avaliadas variáveis sociodemográficas, antropométricas, hábitos de vida e consumo dietético de vitamina D. Os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D foram medidos e categorizados em três níveis: ≤20 ng/mL, 21-29 ng/mL e ≥30 ng/mL, como no presente estudo. A prevalência geral de níveis de 25(OH)D <30 ng/mL foi de de 63% e para valores ≤20 ng/mL de 21%. No referido estudo, os fatores associados a maiores chances de hipovitaminose D foram: ser do sexo masculino, maior latitude, coleta no inverno/primavera, cor não-branca e baixo consumo dietético de vitamina D.

Em um estudo de metanálise com avaliação geoespacial realizado no Brasil, observou-se que as maiores prevalências de deficiência de vitamina D foram registradas nas regiões Sul e Sudeste e a maior ocorrência de insuficiência de vitamina D foi entre as populações das regiões Sudeste e Nordeste. O estudo conclui que existe uma elevada prevalência de concentrações inadequadas de vitamina D, de modo geral, independentemente da faixa etária, o que enseja a rápida implementação de políticas de intervenção (Pereira-Santos et al., 2019).

Os resultados observados neste estudo são concordantes com outras pesquisas internacionais, que também apontam para uma preocupante situação de elevada prevalência de hipovitaminose D entre adolescentes de ambos os sexos (Cashman et al., 2016; Rutigliano et al., 2021). O estudo de Cashman et al. (2016) avaliou a prevalência de deficiência de vitamina D em diferentes populações europeias. Foram incluídos diversos estudos, com diferentes populações da Europa. Os níveis séricos de 25(OH)D foram medidos e categorizados. Os autores registram uma estimativa global agrupada, independentemente da faixa etária, mistura étnica e latitude das populações de estudo, de 13.0% dos 55.844 indivíduos europeus, com concentrações séricas de 25(OH)D <30 nmol/L, com variações de 8.3 a 17.7% De acordo com uma definição alternativa sugerida de deficiência de vitamina D (<50 nmol/L), a prevalência alcançou 40.4%. Os autores concluem que a deficiência de vitamina D é evidente em toda a população europeia, com taxas de prevalência preocupantes e que requerem medidas do ponto de vista da saúde pública.

Rutigliano et al. (2021) avaliaram 1484 crianças e adolescentes de uma região do sul da Itália, com alta exposição solar durante vários meses do ano. Foram medidos os níveis séricos de 25(OH)D e definidos como: deficiência (<20 ng/mL), insuficiência (20-29.9 ng/mL) e suficiência (30-100 ng/mL). Os autores registraram que 48.9% dos participantes tinha níveis <20 ng/mL e apenas 15% com níveis suficientes. Apesar das variações significativas de 25(OH)D de acordo com a estação, mesmo no verão apenas 32.6% tinham níveis suficientes. A conclusão do estudo destaca a alta prevalência de deficiência de vitamina D mesmo em áreas ensolaradas, alertando para a importância de se estabelecer diretrizes de rastreamento e suplementação para esta população, levando em consideração a idade, o estado nutricional e a sazonalidade.

É relevante observar, portanto, que os resultados reproduzem, em certa medida, a mesma situação que se observa mundialmente. O Reino Unido e outros países europeus apresentam prevalências igualmente elevadas de hipovitaminose D em adolescentes. Um estudo de coorte utilizando registros de atendimentos na atenção primária de mais de 700 mil crianças e adolescentes foi conduzido para avaliar as taxas de incidência para diagnóstico de deficiência de vitamina D, por ano entre 2000 e 2014, no Reino Unido. Os autores observaram que a taxa bruta de diagnóstico de deficiência de vitamina D aumentou de 3.14 por 100.000 pessoas-ano em 2000, para 261 por 100.000 pessoas-ano em 2014. Os fatores independentemente associados a maiores taxas de diagnóstico foram a idade acima de 10 anos, etnia não branca e privação social. (Basatemur et al., 2017). Um estudo chinês, conduzido em uma província de elevada incidência solar, numa abordagem transversal com 2.680 crianças e adolescentes com idades entre 7 e 18 anos, registrou prevalência de deficiência e insuficiência de vitamina D de 7.5% e 44.4%, respetivamente (Tang et al., 2020).

É relevante observar que em alguns países a suplementação oral de vitamina D é uma orientação rotineira, especialmente para certas épocas do ano. No Canadá, recomenda-se uma avaliação do risco de deficiência de vitamina D e suplementação para grupos de risco, especialmente mulheres grávidas e crianças em risco nutricional. Em países nórdicos, as recomendações de suplementação de vitamina D variam, desde recomendação sistêmica para todas as faixas etárias até suplementação restrita apenas para crianças (Itkonen et al., 2021). Considerando os elevados percentuais de deficiência e insuficiência entre adolescentes, mesmo em áreas com maior incidência solar, alguns autores discutem a necessidade de suplementação da vitamina de forma mais ampla (Rutigliano et al., 2021).

A análise do conjunto de fatores de risco cardiovascular revelou que apenas a obesidade, identificada a partir do IMC se mostrou associada à hipovitaminose D. Outros estudos já revelaram essa associação, conforme aponta uma recente metanálise (Fiamenghi et al., 2021). Todavia, não existe uma relação de causa e efeito bem estabelecida ou bem clara (Savastano et al., 2017). Acreditava-se que os baixos níveis de vitamina D pudessem desencadear a obesidade, mas estudos mais recentes sugerem que a obesidade é provavelmente um fator causal para baixo nível de vitamina D, por um provável sequestro de vitamina D no tecido adiposo. Neste estudo, pelo caráter transversal, essa relação não pode ser avaliada. Outras pesquisas apresentam a associação entre obesidade infantil e hipovitaminose D como multifatorial, relacionando os níveis mais baixos de vitamina D com o tempo excessivo de tela (televisão, computadores e tablets) que acarretam uma menor exposição às atividades ao ar livre e à luz solar (Fiamenghi et al., 2021).

Em um estudo de metanálise que abordou especificamente a deficiência de vitamina D entre crianças e adolescentes obesos, os autores avaliaram a prevalência de deficiência de vitamina D em crianças e adolescentes obesos em comparação com controles eutróficos, compreendendo um total de 24.600 pacientes. Os níveis séricos de 25(OH)D foram categorizados como deficientes (<20 ng/mL). Durante a busca foram recuperados 3.155 artigos, entre 2007-2019, dos quais somente 20 foram relevantes para os objetivos deste estudo, todos eles realizados em países localizados no hemisfério norte. A prevalência de deficiência de vitamina D foi maior no grupo obeso em relação aos controles eutróficos em todos os estudos, confirmando a hipótese dos autores. Pela meta-análise, o risco relativo de deficiência de vitamina D no grupo obeso foi de 1.41 (IC: 1.26-1.59) em comparação aos eutróficos. Registrou-se portanto que o estado nutricional parece influenciar os níveis séricos de 25(OH)D na faixa etária avaliada (Fiamenghi et al., 2021).

Em relação aos demais fatores de risco cardiovascular, este estudo não evidenciou associação estatisticamente significante entre a hipovitaminose D e atividade física, lípides sanguíneos, pressão arterial, resistência insulínica ou síndrome metabólica. Em uma revisão sistemática que avaliou exclusivamente a deficiência de vitamina D, observou que ela esteve associada ao aumento da exposição aos fatores ligados à ocorrência de doenças cardiometabólicas em adolescentes, mas os autores registram que nem todos os fatores de risco apresentaram associação e que a maioria dos estudos envolvidos na revisão apresentou riscos de viés, ainda que baixos e moderados (Daniel et al., 2022). Na análise dos dados, foram identificados 7.537 estudos, dos quais 32 foram incluídos na revisão sistemática e 24 na meta-análise. A deficiência de vitamina D foi associada ao aumento da pressão sistólica e diastólica, glicemia, insulina, inclusive com o aumento do índice HOMA, valores elevados de triglicerídeos e concentrações reduzidas de HDL. Todavia, nenhuma associação estatisticamente significativa foi observada para hemoglobina glicada, colesterol LDL e colesterol total. Os autores concluem que a certeza das evidências foi muito baixa para todos os desfechos analisados. Essa conclusão destaca a necessidade de que sejam conduzidas novas pesquisas sobre o tema, especialmente considerando as particularidades vulnerabilidades do público avaliado.

Os achados do presente estudo, que avaliou níveis de deficiência e insuficiência, são consistentes com outra pesquisa (Tang et al., 2020). O estudo de Tang et al. (2020) avaliou de forma transversal os dados obtidos a partir de 2.680 crianças e adolescentes no sul da China. Foram coletadadas variáveis antropométricos e socioeconômicas, concentração sérica de vitamina D, glicemia de jejum e lipídios, bem como informações sobre dieta e atividade física. Os autores conduziram análise múltipla para analisar as associações entre os níveis de vitamina D e fatores de risco cardiovascular, incluindo obesidade, hipertensão arterial, dislipidemia, hiperglicemia e síndrome metabólica. As prevalência de deficiência e inadequação de vitamina D foram respectivamente de 7.5% e 44.4%, ambas mais altas entre adolescentes de 14 a 18 anos (14.5% e 51.6%, respectivamente). Entre os fatores de risco cardiovascular avaliados, o nível de vitamina D foi apenas inversamente associado à obesidade geral e não esteve associado a nenhum outro fator de risco cardiovascular.

Embora estudos observacionais não sejam os mais adequados para uma análise mais acurada da relação entre os fatores de risco cardiovascular e os níveis de vitamina D, registra-se que existe um restrito número de estudos experimentais sobre o tema, particularmente entre crianças e adolescentes (Daniel et al., 2022; Fiamenghi et al., 2021). Portanto, não é possível considerar que existem evidências suficientes e robustas que sustentem o efeito benéfico da vitamina D sobre a saúde cardiovascular na infância.

Os resultados deste estudo devem ser considerados à luz de algumas limitações. O fato de ser um estudo transversal impossibilita a definição de relação temporal entre as variáveis estudadas. Todas as adolescentes avaliadas foram alocadas a partir de escolas públicas, o que, define uma certa homogeneidade social e econômica, que não pode ser avaliada de forma precisa, e que impossibilita a generalização dos dados. Finalmente, a coleta foi realizada em uma única ocasião do ano, aspeto que compromete avaliar o efeito comportamental de maior ou menor exposição solar em ambientes abertos.

Apesar das limitações, o estudo tem o mérito de ser pioneiro na região, criando uma base para estudos futuros. Como avaliou um grupo particularmente vulnerável (adolescentes do sexo feminino), o estudo deve ser referência para orientar gestores e profissionais da saúde na definição de políticas públicas de saúde voltadas a esse público.

Conclusão

Este estudo registrou uma elevada prevalência de hipovitaminose D entre adolescentes do sexo feminino, estudantes de escolas públicas no norte de Minas Gerais. Os baixos níveis de vitamina D se mostraram associados ao excesso de peso, mas não a outros fatores de risco cardiovascular.

Referências

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Recebido: 09 de Dezembro de 2023; Aceito: 24 de Fevereiro de 2024

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