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Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação

versão impressa ISSN 2184-965Xversão On-line ISSN 2184-3023

RPER vol.3 no.1 Silvalde jun. 2020

https://doi.org/10.33194/rper.2020.v3.n1.9.5764 

Artigos

Independência funcional da pessoa com lesão medular: do trauma à primeira internação

Independencia funcional de la persona con lesión espinal: trauma e primera hospitalización

Functional independence of the person with spinal injury: injury at the first hospitalization

Gelson Aguiar Da Silva Moser1 
http://orcid.org/0000-0001-9337-1684

Francine Lima Gelbcke2 
http://orcid.org/0000-0003-3742-5814

Denise Consuelo Moser Aguiar3 
http://orcid.org/0000-0001-5235-0852

Soraia Dornelles Schoeller4 
http://orcid.org/0000-0002-0758-3777

Fabiana Faleiros Santana Castro5 
http://orcid.org/0000-0003-3723-7944

1- Universidade Federal da Fronteira Sul

2- Universidade Federal de Santa Catarina

3- Universidade Federal da fronteira Sul

4- Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

5- Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo


RESUMO

Objetivo:

Identificar a perceção da pessoa com lesão medular a partir do acidente acerca do trauma, do resgate e do atendimento de urgência e emergência.

Métodos:

estudo exploratório, com abordagem qualitativa realizada com dez pessoas com lesão medular traumática entre Setembro e Novembro de 2014, residentes em Chapecó-SC. Para a coleta de dados utilizou-se entrevista semi estruturada, sendo os dados submetidos à Análise de Conteúdo Temática.

Resultados:

Foram entrevistados oito homens e duas mulheres com idades entre 18 e 35 anos. Entre as categorias empíricas que surgiram do processo de apreensão dos dados estão: o início da incapacidade funcional: o trauma; e o resgate e atendimento de urgência e emergência (Pronto Socorro e Unidade de Terapia Intensiva).

Conclusão:

O processo de reabilitação da pessoa com lesão medular deve ser iniciado o mais precocemente possível, onde destaca-se a importância dos cuidados pré-hospitalares. Cabe à equipe de atendimento pré-hospitalar, intensificar esses cuidados com o objetivo de auxiliar na condução da independência funcional.

Descritores: Traumatismos da medula espinal; Medida de independência funcional; Enfermagem

RESUMEN

Objetivo:

Identificar la percepción de la persona con lesión medular por accidente sobre traumatismo, rescate y atención urgente y de emergencia.

Métodos:

estudio exploratorio, con abordaje cualitativo realizado con diez personas con lesión medular traumática entre septiembre y noviembre de 2014, residentes en Chapecó-SC. Para la recolección de datos, se utilizaron entrevistas semiestructuradas y los datos se enviaron a Análisis de contenido temático.

Resultados:

Se entrevistaron ocho hombres y dos mujeres de entre 18 y 35 años. Entre las categorías empíricas que surgieron del proceso de captura de datos están: el inicio de la discapacidad funcional: trauma; y el rescate y atención de urgencia y emergencia (Urgencias y Unidad de Cuidados Intensivos).

Conclusión:

El proceso de rehabilitación de la persona con lesión medular debe iniciarse lo antes posible, lo que resalta la importancia de la atención prehospitalaria. Corresponde al equipo de atención prehospitalaria intensificar esta atención para ayudar a llevar a cabo la independencia funcional.

Palabras clave: Lesiones de la médula espinal; Medida de independencia funcional; Enfermería

ABSTRACT

Objective:

To identify the perception of the person with spinal cord injury from the accident on trauma, rescue and urgent and emergency care.

Methods:

exploratory study, with a qualitative approach carried out with ten people with traumatic spinal cord injury between September and November 2014, residing in Chapecó-SC. For data collection, semi-structured interviews were used, and the data were submitted to Thematic Content Analysis.

Results:

Eight men and two women aged between 18 and 35 years were interviewed. Among the empirical categories that emerged from the process of apprehending the data are: the beginning of functional disability: trauma; and the rescue and urgent care (Emergency Room and Intensive Care Unit).

Conclusion:

The rehabilitation process of the person with spinal cord injury should be started as early as possible, which highlights the importance of pre-hospital care. It is up to the pre-hospital care team to intensify this care in order to assist in the conduct of functional independence.

Descriptors: Spinal cord injuries; Functional independence measure; Nursing

INTRODUÇÃO

A lesão medular (LM) é considerada um dos eventos incapacitantes mais graves e devastadores que pode atingir uma pessoa, com severas disfunções motoras, urinárias, intestinais, sexuais, entre outras, alterando a autonomia, a qualidade de vida, a satisfação e estilo de vida, além da participação na sociedade 1.

A deficiência física adquirida, advinda da LM, ocasiona transformações não somente da ordem física, mas também emocional, especialmente pela dependência de terceiros, o que situa o indivíduo num complexo universo de mudanças e alterações. Diversas questões permeiam o momento, como a busca sistemática da cura e como lidar com a incapacidade a partir do instante imediato após o trauma 2.

Os primeiros cuidados instaurados à pessoa com LM acontecem nas unidades de atendimento de urgência e emergência, direcionados ao suporte de vida. Em um segundo momento os cuidados vislumbram dimensionar a gravidade da lesão. O primeiro atendimento após o trauma raquimedular é fundamental para auxiliar no processo de prevenção das complicações 2. Após a LM preconiza-se que os pacientes sejam encaminhados para centros de reabilitação com o objetivo de potencializar a autonomia e maximizar a participação na sociedade, retorno para a vida laboral e, consequentemente melhora da qualidade de vida 3.

Para assegurar a eficiência desse processo, as orientações fornecidas nas instituições hospitalares precisam ser repassadas e trabalhadas de maneira multiprofissional e contar com acompanhamento no domicílio. Após o trauma, o indivíduo buscará formas de adaptação e lançará mão dos conhecimentos e orientações recebidas, uma vez que atividades simples como, caminhar, banhar-se, alimentar-se e as eliminações diárias terão alterações significativas.

No entanto, apesar da importância dos primeiros atendimentos após o trauma, são escassos os estudos que relatam o impacto inicial na perspetiva da pessoa que sofreu o traumatismo raquimedular. Nesse contexto, o objetivo deste estudo é identificar a perceção da pessoa com LM a partir do acidente.

MÉTODOS

Trata-se de pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa, extraída da tese intitulada: Independência funcional da pessoa com lesão medular: do trauma à primeira internação.

Participaram do estudo 10 pessoas com lesão medular traumática, residentes na cidade de Chapecó, no estado de Santa Catarina - Brasil. Os participantes foram selecionados por meio da técnica conhecida como snowball sampling (bola de neve). Esse método é uma amostragem não probabilística utilizada em pesquisas sociais onde os participantes iniciais de um estudo indicam novos participantes que por sua vez indicam outros e assim sucessivamente, até que seja alcançado o objetivo proposto ou “ponto de saturação”. O propósito é atingido quando os novos entrevistados passam a repetir os conteúdos já obtidos em entrevistas anteriores, sem acrescentar novas informações relevantes à pesquisa 4.

Para participar do estudo, foram selecionados adultos com lesão medular traumática com (01) um ou até (03) três anos de lesão. Foram excluídas pessoas que possuíam lesão cerebral associada.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de setembro e novembro de 2014, e o método utilizado foi a entrevista semiestruturada, validada com teste piloto para avaliar o conteúdo proposto da entrevista, não foi identificada necessidade de alterações. O instrumento empregado para a entrevista continha duas partes: uma com a caracterização dos participantes da pesquisa e uma segunda baseada nos conceitos utilizados pela escala Medida de Independência Funcional - FIM. Este instrumento tem o objetivo de quantificar o grau de solicitação de cuidados exigidos durante a realização de tarefas cotidianas. A classificação de uma atividade em termos de dependência ou independência é baseada na necessidade de ser assistido ou não por outra pessoa e, se a ajuda é necessária e em qual proporção 5.

As entrevistas foram gravadas e realizadas no domicílio dos participantes e tiveram duração média de 90 minutos. Durante a visita residencial foram explicados os objetivos da pesquisa e os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido para a participação da investigação. Os aspetos éticos foram respeitados conforme resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e recebeu aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina sob o nº 768.807 de 25 de agosto de 2014. As entrevistas findaram aplicando o critério de saturação teórica, que ocorreu quando os dados se repetiam não havendo acréscimo de novas informações ao tema estudado.

O material obtido por meio das entrevistas e observações registradas foi explorado utilizando a técnica de análise de conteúdo temático proposta por Bardin. Visando manter o anonimato dos participantes, as entrevistas foram codificadas com elementos alfanuméricos, sendo codificadas de P1 a P10. A análise de conteúdo respeitou as três fases do processo: pré-análise, fase de organização e sistematização das ideias. Assim, realizou-se a leitura flutuante do material, apreensão dos dados e organização em categorias com agrupamento de conceitos, na terceira fase após a interpretação dos resultados (categorias e subcategorias), obtidos das falas dos participantes com lesão medular, gerando as impressões do pesquisador, ou seja, a análise dos dados pelo mesmo 6. A data da coleta (2014), foi devido ao artigo fazer parte da tese apresentada a Universidade Federal de Florianópolis - UFSC em julho de 2015.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistados oito homens e duas mulheres com idades entre 18 e 35 anos. Quanto ao estado civil: 5 eram solteiros, 2 casados, 2 divorciados e 1 com união estável. Sobre a escolarização: 3 possuíam curso superior, 3 eram estudantes do ensino médio e 4 eram trabalhadores com formação no ensino médio. As etiologias do trauma raquimedular foram: três acidentes automobilísticos, três perfurações por arma de fogo e duas quedas de altura. Em relação à classificação da lesão seis participantes possuíam lesão medular completa, classificada pela ASIA (American Spinal Injury Association), como “A”, um com “B” e três não souberam informar. No tangente ao nível da lesão, três foram classificados como tetraplégicos e sete como paraplégicos.

Entre as categorias empíricas que surgiram do processo de apreensão dos dados e que serão discutidas nesse artigo estavam: o início da incapacidade funcional: o trauma; e o resgate e atendimento de urgência e emergência (Pronto Socorro e Unidade de Terapia Intensiva).

CATEGORIA 1 - O início da incapacidade funcional: o trauma

Para os entrevistados o impacto da LM se dá com a perceção da incapacidade para se movimentarem, seguida das impressões sobre os primeiros atendimentos e informações sobre condutas futuras para evitar sequelas secundárias. Nesta categoria 1, foram evidenciados aspetos das condutas cuidativas, sendo possível observar a preocupação dos participantes com os primeiros cuidados recebidos. A categoria reflete a perceção da incapacidade funcional, como algo marcante no processo da lesão medular.

Os relatos (P4 e P8) também contemplam a falta de preparo no atendimento inicial realizado por leigos até a chegada dos socorristas e traduzem a realidade vivida por estas pessoas no acidente e no atendimento imediato. “Eu acordei, acredito que uns minutos depois da queda já, mas eu já não sentia nada nas pernas e uma dor muito forte na minha coluna. ” (P4).

Eles tentaram me tirar de dentro do carro, depois chegou o resgate, o SAMU, mas a princípio eles tentaram me tirar, foi o que eu acho que me prejudicou mais, tipo, a lesão, devido a isso, o socorro. Quando as lesões eram graves, ou coisas graves, iam para esses Hospitais, aí eu fui para lá, apaguei, daí eu apaguei, desmaiei e acordei, eu estava lá no hospital. (P8).

Se não o fosse o SAMU ter me atendido rápido... não sei o que teria acontecido, foi o que me ajudou...senão teria sido muito pior. Quando eu vi já não sentia partes do meu corpoP2)

A maior parte dos entrevistados (oito participantes) adquiriu a lesão medular em decorrência de acidentes automobilísticos e com armas de fogo, como observado a partir dos relatos:

Ocorreu em 2011, foi assim, eu estava parada em um ponto de ônibus, e logo que eu cheguei estacionou um carro forte, aí teve um assalto nesse carro forte começou um tiroteio, daí eu levei uma bala perdida do tiroteio. Daí na hora já levei um tiro nas costas, já caí e já não senti mais as pernas. (P6).

O tiro foi no ambiente de trabalho que eu trabalhava de frentista, por volta de meia noite, houve uma situação que teve uma briga, de alguns indivíduos do outro lado da rua, e acabou que um dos disparos me atingiu no braço direito adentrou no corpo e pegou na medula. (P9).

Eu fui fazer uma decolagem, e no meio dessa situação eu tive na verdade uma dificuldade, ou na verdade não foi bem dificuldade, eu tive um colapso da vela e acabei entrando em rotação e caindo. Eu caí de uma maneira que era de costas próximo a um lago, então isso e ainda mais o equipamento que eu tinha que tinha o air bag, e tinha um monte de situações que ainda, me favoreceu, para não ter o óbito na hora. (P1).

Os dados da etiologia da LM encontrados neste estudo corroboram pesquisas anteriores, onde aproximadamente 80% das LM são de origem traumática, decorrentes principalmente de acidentes de trânsito, quedas, agressões por arma de fogo e práticas esportivas 7. Geralmente são causadas por flexão, compressão, hiperextensão do pescoço, mecanismos de flexão-rotação do corpo vertebral ou lesões penetrantes 8.

Os cuidados prestados à pessoa com lesão medular no momento do acidente podem evitar o segundo dano, ou a completude da LM. No Brasil esse atendimento inicial quase sempre é prestado pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência - SAMU ou Corpo de Bombeiros e posteriormente pela equipe multiprofissional da instituição de saúde para onde os casos são encaminhados. Os relatos a seguir denotam isto:

Então eu já tive todo preparo, na hora que que cai, o pessoal já tinha a maca, ambulância, colete, estava tudo certinho, então eles fizeram todo o procedimento correto, e imediatamente já me levaram para o hospital. Nesse hospital do interior foram feitos todos os tipos de exames, tudo mais para ver como eu estava. (P1).

Graças a Deus não tenho do que reclamar, tanto no hospital particular, fui muito bem atendido, como no hospital público, eles me atenderam muito bem, não tenho do que reclamar…assim, a orientação, cuidados de no máximo de duas horas, mudar de posição e ver a pressão. (P3).

O atendimento ao indivíduo com lesão medular constitui um desafio para os profissionais de saúde, e estes, por sua vez, devem envolver a família e a rede social de apoio no cuidado para que a qualidade de vida da pessoa seja restabelecida o mais breve possível, ampliando sua expectativa de vida 9.

A pessoa com lesão medular passa a conviver com a incapacidade gerada de uma maneira repentina, devido à natureza do evento etiológico. Nem sempre os sujeitos se dão conta da lesão no momento do acidente, como observado nos relatos dos entrevistados.

A perda da capacidade útil é marcada por alterações funcionais, sejam elas físicas, psicológicas ou sensoriais. A incapacidade seja ela momentânea ou permanente poderá ser influenciada pelos cuidados recebidos durante o atendimento. O trato inicial recebido após a lesão medular é crucial para a sequência do tratamento e o processo de independência no domicílio. Embora no primeiro momento o que se busca é a manutenção à vida, esse atendimento pode interferir de forma direta na aquisição da independência funcional.

No primeiro momento após o trauma raquimedular, a pessoa destina esse tempo para o autoconhecimento e aprender o básico dos cuidados para desenvolver as atividades que antes realizava 10.

Os cuidados recebidos durante o período de internação mostram o trabalho multiprofissional e as dificuldades iniciais que o paciente com lesão medular se depara, seja nas questões vesico-intestinais, ou nas lesões de pele como ilustrado abaixo:

Aos poucos a equipe de enfermagem, o médico e o fisioterapeuta que me acompanhava me orientaram sobre o que tinha acontecido comigo e como eu poderia cuidar da minha bexiga e do intestino…o que eu poderia comer para ajudar meu intestino funcionar…naquele momento não sabia como era importante aprender isso. (P4).

Eu tive muita dificuldade em relação ao banho, porque não tinha equilíbrio nenhum, eles me colocavam numa cadeira dessas de praia, de plástico aí, tive bastante dificuldade no hospital, tanto que tentava ao máximo evitar o banho porque era, além de ser doloroso era muito desconfortável, muito desconfortável. (P3).

As maiores dificuldades encontradas pelas pessoas com lesão medular são decorrentes dos problemas de adaptação, considerando que o autocuidado básico passa a ter dimensão muito maior em seu cotidiano. Isso denota a necessita de grandes ajustes e de uma relação de dependência com familiares e cuidadores, conforme o relato abaixo:

Antes eu fazia tudo sozinho, tomava banho, me alimentava, me vestia, enfim, era independente. Hoje já não consigo mais fazer quase nada, dependo de alguém para me ajudar até nas tarefas básicas, mas não tenho o que me queixar, pois minha filha e familiares me ajudam muito. (P10).

Aos poucos fui aprendendo a fazer o que ensinaram sobre o intestino a bexiga e as mudanças de posição, foi tudo diferente, nem imagina como seria isso, quando não podia fazer minha mãe ou outro familiar me auxiliava, é complicado depender dos outros. (P7).

Cabe destacar que essa nova realidade exige reestruturação considerável na família do portador da lesão medular, já que boa parte dos cuidados, agora necessários, precisa do aprendizado e do empenho de todos, tanto da pessoa com LM, quanto de quem cuidará e acompanhará o processo de reabilitação.

As orientações que recebi no hospital me ajudaram muito quando voltei para casa, mas minha mãe precisou ficar comigo. Agora ela mora aqui na minha casa, embora minhas irmãs e meu cunhado sempre me ajudam nas tarefas. ( P5 ).

Recebi orientações sobre o cateterismo, quando eu saí de lá ela foi novamente bem, como que eu posso dizer, bem trabalhada, foi bem explicada pela enfermeira. Que eu deveria fazer o cateterismo para evitar infeções ou dando problemas com rim ou bexiga depois. (P4).

Os depoimentos acima refletem a relevância do início precoce da reabilitação após o trauma, incluindo as orientações e o acompanhamento inicial para a adaptação às atividades diárias e autocuidado com a capacitação do indivíduo cm LM e também dos familiares e cuidadores.

CATEGORIA 2 - Resgate e atendimento de urgência e emergência (Pronto Socorro e Unidade de Terapia Intensiva)

O atendimento nas unidades de urgência e emergência e a condução realizada no instante da LM foram descritas minuciosamente pelos participantes, pois fazem parte do marco da lesão medular. Esse momento aponta para a importância do auxílio profissional, pois após o atendimento dos socorristas é nas unidades hospitalares que os cuidados em saúde são continuados e podem influenciar diretamente no andamento do tratamento e na prevenção das sequelas mais comuns nesse tipo de lesão.

Lá no hospital, no pronto socorro que realmente iniciaram os meus cuidados, fiz vários exames, fiz cirurgia de fixação da coluna. O tempo de internação me ajudou muito, pois eu aprendi coisas importantes para o meu dia a dia. (P9).

No período em que eu fiquei lá no hospital tudo era novo, desde o banho, até o cateterismo em si, e o cateterismo foi a primeira coisa que o pessoal me passou lá, que era necessário ser feito e que iria auxiliar minha bexiga. (P4).

Fui socorrido pelos bombeiros e fui para o hospital, lá o socorro foi bem tranquilo, dei entrada no hospital, na emergência, não fui mexido, não foi me dado nenhuma medicação antes de eu fazer um RX, mas enfim, fizeram todo o procedimento com muito cuidado. O médico especialista chegou bem rápido e depois de me atender fui medicado. Achei positivo (P8).

Em um segundo momento, após a pessoa ficar ciente do seu estado de saúde e ter a perceção da lesão medular, é necessário que os cuidados de saúde sejam ensinados e orientados diariamente permitindo o aprendizado de todas as atividades necessárias para a aquisição da independência funcional, respeitando as limitações impostas pela lesão.

Segundo os entrevistados, todos afirmaram de maneira geral, que foram cuidados de forma atenciosa e rápida durante o evento trauma raquimedular.

As práticas de saúde pelos diversos programas existentes na atenção básica precisam assegurar a proteção dos portadores de LM, com práticas de saúde solidárias e acolhedoras, que possibilitem a efetivação e resolutividade dos casos 11.

O caráter inesperado da lesão se apresenta de maneira marcante. A consciência da gravidade da lesão, que agora se faz presente marca o rompimento drástico entre a vida antes do trauma e a que se apresenta e cristaliza de maneira efetiva e significativa. A partir desse momento terá que procurar mecanismos para se readaptar a essa nova situação. Neste estudo encontramos a concordância das pessoas entrevistadas, principalmente no que diz respeito ao trauma e as mudanças percebidas a partir desse momento.

A pessoa se depara com uma condição completamente desconhecida, grave e incapacitante por um longo período de tempo, ou para o restante da vida, o que implica na autoimagem, no reconhecimento da nova condição física, na relação com o mundo e com as pessoas que a cercam, numa relação variada de significados e sentimentos no enfrentamento da nova vida.

A partir do trauma a pessoa pode apresentar um amálgama de sentimentos como “agressividade, insegurança, ansiedade, isolamento social, desespero, sentimento de inferioridade, raiva e medo”. Embora esses sentimentos possam se fazer presentes no início da lesão, encontramos neste estudo, principalmente os sentimentos ligados à ansiedade do novo e do desconhecido, o desespero de como a vida seguirá seu curso a partir da lesão e o sentimento negativo advindo da LM.

No traumatismo raquimedular é consenso na literatura que o processo de reabilitação e aquisição da independência funcional tenha início no momento do acidente, já que requer aprendizagem por parte dessa pessoa e de sua família diante de uma vida completamente diferente. A partir desse ponto, o maior desafio é a prevenção das complicações ou de incapacidades secundárias, em especial preservação da integridade da pele 12.

Os primeiros cuidados são fundamentais no sentido de garantir recuperação menos traumática e com qualidade significativa. A atenção em saúde abrange todo o cuidado prestado por membros da equipe interdisciplinar de saúde à pessoa com lesão medular sob seus cuidados 13. Portadores de LM apresentam risco de desenvolvimento de complicações que vão desde o período inicial do trauma podendo se estender ao longo da vida. Estas principais complicações podem ser bexiga e intestinos neurogénico, disreflexia autonômica, ossificação heterotópica, disfunção erétil, entre outras e estão relacionadas à maior taxa de mortalidade entre a população, além de aumentar a probabilidade de reinternação hospitalar e a necessidade dos cuidados com a saúde 14.

A combinação de várias estratégias terapêuticas pode ser empregada com o objetivo de permitir e minimizar as complicações e oferecer bem-estar ao portador da lesão. O paciente com lesão medular traumática possui comprometimento da sua qualidade de vida, em todos os seus domínios, principalmente no tangente aos aspetos sociais, considerando que em sua grande maioria, os indivíduos se isolam da sociedade, deixando de lado seus afazeres sociais e laborativas 15).

A literatura corrobora com os achados encontrados no estudo, principalmente em relação ao despreparo na condução após o acidente, o que poderá trazer dificuldades no processo de reabilitação, até o momento em que a pessoa consiga adquirir sua independência funcional e trazer novas possibilidades na sua vida. Diante de indivíduos que vivenciam essa repentina alteração de sua vida, a orientação e o acompanhamento após o acidente deve acontecer desde fase precoce de pós-trauma 16.

De acordo, com a gravidade da lesão cada pessoa terá um potencial de reabilitação, os profissionais devem fornecer meios de torná-la o mais independente possível para as atividades da vida diária, melhorando a qualidade de vida e sua participação social. Portadores de lesão medular traumática apresentam comprometimento do seu bem-estar em diversos aspetos, como os físicos e emocionais e principalmente na inserção social, haja vista esses sujeitos são propensos ao isolamento dos amigos, do grupo de trabalho, do convívio social, religioso e da participação na comunidade, pela própria limitação física 15. Contudo, neste estudo não foi relatado, no primeiro momento após a lesão medular, o afastamento da pessoa frente seu ciclo familiar e dos amigos próximos. Entretanto, é esperado que isso ocorra pela situação do afastamento devido a patologia e seu período longo de recuperação e incerteza, porém, em um segundo momento, a busca pela integração social se faz presente.

Cada pessoa possui uma história de vida com características próprias que podem determinar a maneira como realizará o processo de recuperação. Dessa forma, o programa de reabilitação deve ser específico para cada paciente, levando em consideração não apenas o nível da lesão, mas também suas necessidades e anseios 16.

Nesse sentido de conduzir uma vida cheia de mudanças após a LM, foi observado que a adaptação biopsicossocial após a lesão medular constitui um desafio com várias faces, não só para o indivíduo, mas também para sua família e profissionais da saúde e que lidar de maneira adequada com essa condição propicia uma melhora na qualidade de vida e reduz as complicações decorrentes do trauma 18. Após a lesão medular, embora a pessoa tenha o desafio de se reconstruir emocionalmente, pois o trauma é uma experiência traumática e inesperada, nem sempre oferece um sentido ruim à vida da pessoa 19.

A família exerce papel fundamental na readaptação do portador de lesão medular. Para isso é necessário o suporte da equipe de enfermagem, que deve ter amplos conhecimentos para auxiliar no processo de reinserção social, bem como deve conhecer a realidade local facilitando e informando sobre o acesso aos serviços de saúde 19. Assim como referenciado pelos autores, o presente estudo verificou que a família é fundamental no apoio diário e em especial no auxílio à readaptação ao contexto social. O estudo apontou sobre a necessidade do aspeto educacional da recuperação, além disso, a equipe de saúde deve informar e encaminhar o paciente para os serviços especializados, que possibilitem a reabilitação funcional 20.

As decisões do cuidado em saúde quando embasadas em teorias de enfermagem contribuem para a prática assistencial 21. Essas teorias pautadas no cuidado, tanto para o sujeito, como para a família ou cuidadores, revestem os sujeitos da capacidade de retomar seus projetos pessoais. A comunicação dentro do processo de cuidado, seja ela com a família, sujeito e rede de apoio têm um papel importante na forma de auxiliar na condução do programa de reabilitação, que deve ser individualizado 22.

Este estudo sugere que o atendimento hospitalar oferecido às pessoas com LM pode ser melhorado se as condutas tomadas frente a um trauma raquimedular seguirem os protocolos internacionais, com uma atenção especializada e padronizada. Cabe destacar, que esse atendimento de qualidade deve ocorrer desde o momento do trauma até a alta hospitalar, incluindo o processo de reabilitação precoce.

CONCLUSÃO

O processo de reabilitação para independência funcional do portador de lesão medular deve ser iniciado o mais precocemente possível. Este estudo evidenciou a importância dos cuidados no momento dos primeiros socorros, geralmente prestados pelo Corpo de Bombeiros ou pelo SAMU, até a condução a um hospital geral. Cabe à equipe de saúde intensificar esses cuidados e orientações de modo a auxiliar na condução da independência funcional após a alta hospitalar.

Pesquisas que o compreendam o processo de independência funcional do portador de LM a partir do acidente e dos primeiros cuidados prestados no ambiente hospitalar são necessárias, uma vez que o processo de reabilitação das pessoas com lesão é complexo e exige o envolvimento dos familiares, cuidadores e profissionais, em especial os enfermeiros de reabilitação.

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Recebido: 22 de Março de 2020; Aceito: 16 de Setembro de 2020

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