INTRODUÇÃO
A qualidade em saúde tem sido na sociedade uma temática com uma importância crescente, fazendo parte dos assuntos das várias agendas políticas. A procura pela melhoria dessa qualidade não é apenas um investimento reservado aos países mais desenvolvidos, mas uma inquietação mundial, visando uma cobertura universal de saúde a todos os cidadãos, com segurança e satisfação pelos cuidados prestados1. Reconhece-se que os cuidados de saúde de alta qualidade aumentam a probabilidade de resultados de saúde desejados, concordantes com a evidência científica mais atual2.
Neste contexto, destaca-se que a Enfermagem, na área da saúde, compõe a maior força de trabalho3. Os enfermeiros, independentemente do contexto de cuidados, deverão ser agentes facilitadores nos processos de transição, ao longo do ciclo vital, e, como tal, são os profissionais que passam mais tempo com as pessoas4.
Atendendo ao mandato social, que se traduz no que a sociedade espera dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação (EEER), o seu exercício profissional deve ser pautado por atividades que enfoquem na promoção dos projetos de saúde das pessoas, de forma a garantir segurança e qualidade dos cuidados de enfermagem prestados5.
Em Portugal, o EEER, de acordo com os conhecimentos especializados, as competências, e a experiência acrescida, sustenta a sua tomada de decisão em referenciais teóricos e instrumentos reguladores da profissão, tendo em vista a promoção da saúde, a prevenção de complicações, o tratamento e a reabilitação, permitindo a maximização do potencial da pessoa, que carece de cuidados de Enfermagem de Reabilitação (ER)6. A excelência do exercício profissional destes enfermeiros, que poderão intervir em todas as fases do ciclo vital, para além de produzir ganhos em saúde, influencia de forma positiva a qualidade dos cuidados7.
Entender a dinâmica do trabalho do EEER nos diferentes contextos de cuidados faz-se necessário, visando uma conceção e execução de cuidados seguros e centrados na pessoa8.
Cabe neste sentido, contextualizar o trabalho como sendo um processo no qual o ser humano, controla e modifica a natureza, com recurso às suas ações, tendo por finalidade um determinado fim e a produção de algo9. Na área da saúde, o trabalho difere de outros processos de trabalho, uma vez que é consumido imediatamente no momento em que é produzido, suprindo assim um bem ou valor que envolve a qualidade de vida das pessoas10.
Em particular, a Enfermagem é uma das ciências que marca o trabalho em saúde, com a necessidade de ser percebida como sendo um conjunto de atividades específicas e socialmente relevantes, no sentido de o resultado dessas atividades ser compreendido na complexidade que o acompanha11. De forma a explicitar o exercício profissional do EEER centramo-nos no referencial de Karl Marx9, que caracteriza o processo de trabalho do EEER na assistência à pessoa/ família/ comunidade, nas atividades de gestão nos diferentes contextos de cuidados, na pesquisa e educação, bem como na participação política, visando a produção de um serviço marcado pela interação humana e pelo trabalho afetivo12, em parceria com as ações de outros profissionais de saúde. O processo de trabalho é constituído pelas componentes: força de trabalho, finalidade, método e instrumentos e poderá ser influenciado por fatores como as condições de trabalho, a dotação de pessoal, as relações interprofissionais e interpessoais9, podendo comprometer a qualidade da assistência de enfermagem e segurança dos cuidados.
Face à relevância da temática para o exercício profissional, objetivou-se compreender o processo de trabalho dos EEER à luz do referencial de Marx.
METODOLOGIA
Estudo teórico-reflexivo sobre o Processo de Trabalho do EEER, sustentado no referencial de Karl Marx e na revisão da literatura em bases de dados e em documentos orientadores emanados pela Ordem dos Enfermeiros de Portugal.
Numa primeira fase do percurso metodológico procedeu-se à identificação de um referencial teórico que fosse concordante com o processo de trabalho, seguido de uma pesquisa nas bases de dados CINHAL, PUBMed e Scientific Electronic Library Online (SciELO), com recurso aos descritores “Rehabilitation Nursing”, “Work”, “Professional Practice” e “Organization and Administration”, bem como o operador boleano “and”. Definiram-se como critérios de inclusão todos os artigos nos idiomas de português, espanhol e inglês, disponíveis em texto integral e sem limite temporal. Por outro lado, foram excluídos todos os manuscritos que não contemplassem a área de especialização em ER.
Importa referir que, para a seleção dos achados relevantes para este artigo, percorreram-se as seguintes fases: leitura flutuante dos títulos e resumo dos artigos, para exclusão dos que não se integravam nos critérios definidos (etapa 1). Posteriormente, procedeu-se à leitura integral dos artigos a ser incluídos (etapa 2). Na etapa 1, foram encontrados 163 artigos e na etapa 2 foram selecionados cinco para leitura integral. Para a concretização deste percurso, dois revisores independentes realizaram a avaliação crítica, extração e síntese dos dados. Qualquer discordância foi resolvida, através de discussão ou recurso a um terceiro revisor. A colheita de dados ocorreu em fevereiro de 2021. No tratamento dos dados realizou-se análise temática, segundo o referencial de Bardin13. Para definição das áreas temáticas recorreu-se à Teoria Marxista9, tendo emergido as categorias “objeto de trabalho”; “produto final”; “elementos do processo de trabalho” do EEER e “dimensões do trabalho”.
RESULTADOS
Considerando o objetivo delineado e a necessidade da clarificação dos conteúdos explanados, optámos por dividir esta secção em três áreas temáticas. A primeira designamos por objeto de trabalho e produto final do processo de trabalho do EEER. Na segunda área temática, enquadramos os elementos do processo de trabalho do EEER, seguido das dimensões do processo de trabalho do EEER, apresentadas na terceira área temática.
O Objeto de Trabalho e o Produto Final do Processo de Trabalho do EEER
A Enfermagem, enquanto profissão e disciplina da área da saúde, integra uma componente expressiva do trabalho em saúde, pelo que deve ser entendida como um trabalho específico, com uma relevância social importante, permitindo alcançar resultados significativos para as pessoas, a partir das atividades desenvolvidas pelos profissionais de enfermagem11.
Atendendo à visão marxista, o objeto de trabalho corresponde à matéria que será transformada, através da ação do trabalhador, e no final do processo estará modificado14. Para tal, haverá a necessidade da apropriação de diversos conhecimentos das ciências biológicas, humanas e sociais8.
Particularizando para a ER, o objeto de trabalho dos EEER é constituído pela pessoa ou grupo de pessoas que necessitam de cuidados de ER, considerando toda a complexidade e subjetividade dos seres humanos11. Por outro lado, neste domínio, a conceção e a implementação destes cuidados, baseados num corpo de conhecimentos e procedimentos específicos, permite ao EEER sustentar decisões relativas à promoção da saúde, prevenção de complicações, tratamento e reabilitação, maximizando o potencial da pessoa6.
A intervenção sobre o objeto de trabalho permitirá a obtenção do produto final, podendo ser bens tangíveis (artefactos, elementos materiais que se pode apreciar com os órgãos dos sentidos) ou serviços (que não são tangíveis, mas que são percebidos pelo efeito que causam)9.
No contexto da área da saúde, consiste na própria assistência que é consumida, no momento que é produzida, ou seja, não há um produto separado do processo de produção e o resultado do trabalho não é materializável15. Na verdade, a prestação da assistência em saúde é o produto do trabalho, sendo que a Enfermagem constitui uma força de trabalho.
Face a este contexto e atendendo ao elevado nível de conhecimentos especializados e à experiência acrescida, o produto final do processo de trabalho do EEER, resultante da intervenção sobre o objeto, será a adaptação e capacitação das pessoas com doenças agudas/ crónicas ou com as suas sequelas, a maximização do potencial funcional, a melhoria da função, promoção da independência, a satisfação e preservação da autoestima da pessoa6.
Os Elementos do Processo de Trabalho do EEER
O exercício profissional do enfermeiro apresenta a sua génese estrutural no cuidado à pessoa, sendo esta a essência da prática profissional da Enfermagem. Neste sentido, a necessidade do cuidado constitui o “core” do processo de trabalho do enfermeiro16.
O trabalho na área da saúde e em específico na enfermagem, é caracterizado como a prestação de cuidados aos indivíduos e envolve a compreensão das práticas de saúde como práticas sociais, transcendendo a magnitude profissional e técnica17. Trata-se por isso de uma prática dinâmica, com necessidade de uma revisão constante dos seus componentes, face às mudanças na sociedade e aos modelos de assistência em saúde18.
Neste sentido, particularizando para a ER, identificaram-se como elementos do processo de trabalho a força de trabalho, a finalidade, o método e os instrumentos.
À luz da Teoria Marxista, a força de trabalho refere-se a todos aqueles que realizam o trabalho e advém da intenção de transformar a natureza em algo com um significado especial. Pode ser concomitantemente o produtor e consumidor daquele trabalho, assim como produzir um bem ou serviço para outra pessoa consumir9. No domínio da saúde, os profissionais de enfermagem constituem a maior força de trabalho nas organizações de saúde e no mundo, sendo essenciais para a prestação de uma assistência segura e de qualidade, subsidiando os sistemas de saúde com a produção de conhecimento e a construção de políticas públicas que garantam a satisfação das reais necessidades da população global19. No âmbito do processo de trabalho dos EEER, o elemento força de trabalho é composto pelos EEER, “produzindo” cuidados coerentes com as necessidades das pessoas com que se deparam, estando habilitados para o exercício profissional especializado pelo Órgão Regulador da Profissão6. Por outro lado, ao longo do desenvolvimento humano, fruto dos vários eventos da vida, os EEER poderão ser consumidores desses cuidados.
A finalidade do trabalho, mesmo que fragmentado e com consciência para a realização do mesmo, corresponde à razão pela qual é feito, procurando satisfazer as necessidades que lhe deram origem17. Desta forma, a principal finalidade do trabalho em saúde corresponde à ação terapêutica, especificamente a assistência à pessoa/ famílias/ populações, nos domínios da promoção da saúde, da prevenção de doença, da recuperação e reabilitação da condição de saúde11. Especificamente a finalidade do processo de trabalho do EEER prende-se com a prestação de cuidados de ER às pessoas com alterações motoras, sensoriais, cognitivas, cardíacas/ respiratórias, do foro alimentar e da sexualidade, assim como com necessidades especiais ao longo do ciclo de vida, independentemente dos contextos de cuidados e com deficiência ou limitação da atividade6.
O método, como parte integrante dos elementos do processo de trabalho, assume-se como as ações sistematizadas que pretendem responder à finalidade, modificando o objeto, sob a ação da força de trabalho. O recurso a instrumentos adequados e/ou disponíveis permitem a produção do bem ou a concretização do serviço. Por outro lado, pretende-se que seja uma ação intencional, programada e sistematizada, com enfoque no objeto do processo de trabalho, sendo o resultado final aquilo que foi idealizado pela força de trabalho9. Por conseguinte, faz-se necessário a definição de objetivos que permitam o desenvolvimento e a organização do trabalho. Desta forma, com o intuito de perceber as necessidades das pessoas, o EEER recorrerá ao processo de enfermagem, como estratégia de decisão para a prestação de cuidados. Por outro lado, trata-se de uma ferramenta intelectual representativa do trabalho do enfermeiro, que permite direcionar o racicínio clínico e a tomada de decisão acerca dos diagnósticos, das intervenções e dos resultados20 e, como tal, constitui uma das metodologias que permite sustentar cientificamente a organização do trabalho do EEER.
Efetivamente, o método representa a convergência entre teoria e prática e pretende definir a forma como os EEER organizam o trabalho num ambiente seguro. Não deve ser visto simplesmente como a atribuição de atividades, mas a forma adequada para desenvolver o exercício profissional destes enfermeiros21. Importa referir que os EEER poderão recorrer a vários métodos para organizar o trabalho, numa tentativa de dar resposta aos diferentes níveis de complexidade do cuidado nos diversos contextos de trabalho diferenciados21. Contudo face às competências específicas destes profissionais, a escolha pelos métodos de enfermeiro de referência e/ou gestor de caso serão os mais relevantes, no sentido da satisfação das reais necessidades das pessoas.
Os instrumentos de trabalho são considerados como os recursos usados pelo trabalhador, no sentido de realizar o seu ofício e transformar o objeto de trabalho9. Alguns autores entendem que os instrumentos de trabalho são os prolongamentos das próprias mãos, mas nem sempre são tangíveis, podendo não haver a possibilidade de serem experienciados pelos órgãos dos sentidos. Neste contexto, os instrumentos de trabalho correspondem, por um lado, aos equipamentos, máquinas, materiais de consumo, e por outro, aos conhecimentos, modelos e técnicas que orientam o exercício profissional dos enfermeiros, direcionado para as reais necessidades das pessoas e para o contexto singular que apresentam, determinando a forma como deverá ser executado esse trabalho17. Salienta-se também que o produto do trabalho de um trabalhador pode ser o instrumento de trabalho de outra pessoa ou dele próprio em momentos distintos17. O EEER, na sua atividade profissional, recorre a referenciais teóricos de enfermagem, a conhecimentos e a técnicas especializadas, assim como a equipamentos e recursos físicos, que permitam orientar a prática clínica e sustentar o seu trabalho, garantindo a satisfação das reais necessidades das pessoas.
Em relação aos referenciais teóricos de enfermagem, num estudo anterior, os autores concluíram que os EEER sustentam a sua prática clínica nas conceções de Afaf Meleis, Dorothea Orem, Callista Roy e Madeleine Leininger22.
Por outro lado, no que se refere aos equipamentos e aos recursos físicos, a utilização dos mesmos pelos EEER constituem-se estratégias fundamentais que permitem a maximização da funcionalidade e, como tal, a independência das pessoas23.
Dimensões do Processo de Trabalho do EEER
O modo como o trabalho é concebido e executado, nomeadamente, as atividades profissionais, designa o processo de trabalho, com características peculiares, sendo que a concordância entre essas particularidades é essencial para compreensão deste processo e atuação sobre o mesmo. O profissional de enfermagem, em particular o EEER, atua em diferentes dimensões, como assistir, gerir, ensinar, investigar e participar politicamente24.
A dimensão Assistir centra-se na resolução das necessidades de cuidados de natureza física, psicológica, social e espiritual, durante toda a vida, das pessoas, grupo de pessoas ou comunidades, estando para além do corpo biológico25. No âmbito da ER, os elementos que desenvolvem ações de assistir, são os EEER, que se encontram legalmente autorizados pelo órgão regulador da profissão, para este exercício profissional. Para a conceção e execução desses cuidados, recorrem a conhecimentos e habilidades que sustentam esta dimensão, juntamente com os recursos físicos, de que são exemplo os materiais, os equipamentos, o espaço físico e todas as condições materiais necessárias para um cuidado efetivo. Por outro lado, no âmbito do método de trabalho, o recurso ao processo de enfermagem permitirá a avaliação da condição de saúde das pessoas, bem como a definição e à posteriori a avaliação das intervenções de ER. Considerando o enquadramento do exercício profissional do EEER6, as ações desenvolvidas por este profissional nem sempre permitem às pessoas a recuperação plena da condição de saúde anterior ou a saúde como um bem-estar completo. Por conseguinte, o EEER neste domínio do assistir, poderá permitir às pessoas a melhoria da função, a promoção da satisfação, a maximização do potencial funcional e independência e, concomitantemente, preservar a autoestima6.
Na dimensão Gerir, estão abrangidas atividades de gestão que permitam a criação de condições para a conceção e execução de cuidados e o desenvolvimento de estratégias adequadas às necessidades das pessoas, objeto de trabalho, e os recursos utilizados na dimensão de assistir17. Importa ainda evidenciar que não é possível a execução do cuidado se não existir uma coordenação da dimensão assistir. Neste sentido, atendendo às Competências Comuns do Enfermeiro Especialista, o EEER assume um papel de destaque nas equipas que integra, nomeadamente na gestão dos cuidados, adequando os recursos às necessidades de cuidados, estimulando a otimização das respostas da equipa de saúde, promovendo a qualidade e segurança da assistência26.
A dimensão Ensinar refere-se ao processo de ensino-aprendizagem, com dois agentes o estudante/ enfermeiro em formação e o professor/ enfermeiro formador, sendo o objeto do trabalho os indivíduos que se querem tornar profissionais de enfermagem ou aqueles que pretendem aumentar o seu conhecimento e se desenvolver profissionalmente. Para tal, recorrem às teorias, métodos e estratégias de ensino-aprendizagem, cuja finalidade será formar, treinar e aperfeiçoar os enfermeiros. Os métodos usados correspondem às estratégias do ensino formal, e em concordância com o Órgão Regulador da Profissão da Enfermagem. Os produtos nesta dimensão são os enfermeiros, os enfermeiros especialistas, os mestres e os doutores em Enfermagem17. Neste contexto, fica evidente que a dimensão ensinar permite a formação especializada do enfermeiro, neste caso específico em ER, que, para além de ser uma necessidade da sociedade portuguesa, permite que muitos profissionais se possam qualificar, evidenciando posteriormente aptidão para a prática de cuidados especializados. Além disso, a formação contínua, na área da ER, permite ampliar o conhecimento, a competência, o raciocínio crítico e a tomada de decisão do EEER27.
No que concerne à dimensão Investigar, a realização de atividades de investigação, nomeadamente a reflexão sobre a prática clínica, constitui-se uma mais-valia para o exercício profissional do EEER. O recurso a conhecimentos relativos a métodos quantitativos e qualitativos da investigação, o uso do pensamento crítico e das ciências humanas apresentam-se como os instrumentos desta dimensão. O objeto desta dimensão centra-se nas lacunas de conhecimento, permitindo a descoberta de novas e melhores formas de assistir, gerir, ensinar e investigar em enfermagem. Desta forma, resultam novos conhecimentos, que podem ser usados para compreender e modificar o trabalho e também novas inquietações, que permitem sustentar a dimensão de investigar em enfermagem17. O EEER deverá reconhecer a necessidade de incorporar continuamente os achados decorrentes da investigação na sua prática, adotando assim uma prática baseada na evidência, e direcionada para os resultados sensíveis aos cuidados de ER. Desta forma, a inclusão do EEER em projetos de investigação na área da ER, permite sustentar a dimensão investigar, proporcionando o aumento do conhecimento e o desenvolvimento de competências e, como tal, uma prática segura e de qualidade6. Além disso, a necessidade dos EEER desenvolverem investigação nos diferentes contextos da prática clínica, constitui-se uma excelente oportunidade para mostrar os ganhos da sua intervenção junto das pessoas.
A dimensão Participar Politicamente permite uma intervenção no domínio político, recorrendo para tal ao conhecimento e às habilidades, que culminem na melhoria das condições do trabalho da Enfermagem, na obtenção de resultados mensuráveis e em cuidados seguros e de qualidade28. Por conseguinte, o envolvimento dos profissionais de enfermagem em cargos de decisão, seja dentro ou fora do contexto de trabalho, permitem a difusão das práticas já existentes ou as inovadoras, permitindo a expansão da importância e reconhecimento social da profissão de enfermagem28. Importa salientar que as dimensões assitir, gerir, ensinar e investigar requerem competências de liderança, negociação e decisão acerca da ação profissional do enfermeiro, sendo consideradas essenciais para esta dimensão do participar politicamente28. Salientando o Regulamento de Competências do Enfermeiro Especialista em ER6, a participação dos EEER em órgãos governamentais, no órgão regulador da profissão, nas associações profissionais e sindicais evidencia o contributo destes profissionais nos momentos de decisão, inerentes à prática profissional de ER, com ênfase nos aspetos relacionados com as condições de trabalho, as dotações de EEER e a necessidade da formação destes profissionais, conducentes a um exercício profissional seguro e de qualidade.
DISCUSSÃO
A evolução e as mudanças que vão ocorrendo, ao longo dos tempos no setor da saúde, carecem de profissionais capazes de acompanhar este movimento e, como tal, profissionais competentes para a conceção, o planeamento, a gestão e a assistência, baseado numa tomada de decisão sustentada e efetiva. Enquadra-se neste contexto o processo de trabalho do EEER que se caracteriza como sendo dinâmico, exigindo múltiplas competências para ser bem desenvolvido29. Apesar da formação do EEER, a preparação para o seu exercício profissional, nomeadamente para aquilo que a pessoa necessita e no que o profissional pode oferecer, como resposta às exigências do seu processo de trabalho28, implica a a procura de outros saberes profissionais com vista a um desempenho eficiente e eficaz.
O objeto de trabalho, considerado como aquilo que sofre transformação por ação dos elementos do processo de trabalho11, no caso do EEER centra-se na pessoa, grupo de pessoas que apresentam necessidades de cuidados de ER. O produto final, resultado da ação sobre o objeto de trabalho11, visa a maximização da funcionalidade, capacitação e independência das pessoas.
Relativamente aos elementos do processo de trabalho17, salienta-se: força de trabalho (os EEER), a finalidade (terapêuticas de ER), o método (métodos de trabalho e o processo de enfermagem, direcionado para a ER) e os instrumentos (conhecimentos e técnicas especializadas, referenciais teóricos de enfermagem e os padrões de qualidade dos cuidados especializados de ER). Por outro lado, a concretização do processo de trabalho engloba várias dimensões25: assistir (que visa a promoção, manutenção e recuperação da saúde das pessoas ou grupos de pessoas ou a readaptação à nova condição de saúde, através da conceção e da execução de cuidados de ER), gerir (recurso a estratégias de planeamento, coordenação e gestão dos cuidados e tomada de decisão), ensinar (atividades de formação do EEER significativas, acerca das atividades da prática clínica e das inovações que permitam sustentar o exercício profissional), investigar (atividades de investigação direcionadas para a ER e que permitam a descoberta de novos conhecimentos, assim como a sustentação das outras dimensões do processo de trabalho do EEER) e participar politicamente (inclusão dos EEER em espaços de decisão de matérias relacionadas com o exercício profissional e a especialidade em questão, aumentando a visibilidade social). Importa salientar que estas dimensões não são estáticas, relacionando-se entre ambas, o que se designa como sinergia, fazendo do processo de trabalho um todo17. A Figura 1 representa a dinâmica do processo de trabalho do EEER.
Face ao processo de trabalho é possível elencar aspetos considerados como facilitadores ou dificultadores da consecução das atividades de ER e influenciadores da organização dos cuidados, com uma repercussão direta na segurança e qualidade dos cuidados.
Os interesses e o envolvimento dos profissionais com a instituição poderá constituir-se como um aspeto relevante para o exercício profissional do EEER, no que concerne à definição de políticas de segurança determinantes para cuidados seguros30.
As condições de trabalho e as dotações dos EEER nos diferentes contextos de cuidados têm sido apontadas como fatores importantes para o processo de trabalho. Este facto é apresentado internacionalmente por alguns autores como influenciador, no que respeita à precariedade do ambiente de trabalho, carências nas estruturas físicas e falta de material, aquando da execução do trabalho31. No que concerne às dotações seguras na prestação de cuidados de ER, a Ordem dos Enfermeiros alertou para este aspeto, com a publicação do Regulamento n.º 743/2019, onde definiu o quantitativo de EEER para cada contexto de cuidados, no sentido de alcançar índices de favoráveis de segurança e de qualidade dos cuidados, tendo por base as reais necessidades de cuidados da população32. Esta problemática é também corroborada por estudo multicêntrico na Croácia, onde é realçada a necessidade da dotação adequada de profissionais de enfermagem especializados que, para além de potenciar índices positivos de satisfação profissional, promovem uma assistência de enfermagem de qualidade33.
É também de evidenciar que as relações estabelecidas entre profissionais são uma mais-valia para o processo de trabalho do EEER, contribuindo para uma assistência segura. As relações de colaboração entre os vários elementos da equipa multiprofissional, através de uma prática colaborativa, e não apenas na relação médico-enfermeiro-enfermeiro especialista22, facilitam o trabalho cooperativo com transformações no objeto de trabalho, favorecendo assim a qualidade do produto final.
Ainda no âmbito das relações, a relação terapêutica entre a pessoa ou o grupo de pessoas e o EEER poderá emergir como um fator facilitador do processo de trabalho deste profissional. Considerando os objetivos do exercício profissional dos EEER, uma relação terapêutica positiva entre os intervenientes do processo de trabalho do EEER, permitirá uma conceção de cuidados de ER que promova a capacitação, a maximização da funcionalidade e independência da pessoa6. Neste sentido, os cuidados desta especialidade, centrados na pessoa, facilitarão a adesão e o envolvimento no processo de reabilitação, assegurando a satisfação das reais necessidades, constituindo-se assim um desafio para estes profissionais, favorecendo uma lógica integral de cuidados de enfermagem.
Assume-se como limitação do estudo a parca produção de conhecimento, relativamente ao processo de trabalho dos EEER no contexto de Portugal, o que dificultou a comparação do processo de trabalho destes profissionais com os contextos internacionais.
CONCLUSÃO
Centrados no seu objeto de trabalho - pessoas com necessidades de cuidados de ER - os EEER (força de trabalho) sustentando a sua tomada de decisão nos referenciais teóricos e nos instrumentos reguladores do exercício profissional atuam de forma persistente e resiliente, no sentido de alcançar a capacitação, maximização da funcionalidade e a independência das pessoas (produto final). De modo a concretizar o referido, estes profissionais com recurso a uma metodologia científica (processo de enfermagem) concebem e implementam cuidados, bem como sustentam a organização do seu trabalho, com base num ou mais métodos, como resposta à complexidade de cuidados, visando a satisfação de todas as necessidades manifestadas pelas pessoas.
Além das dimensões assistir, gerir e ensinar, é de destacar a relevância dos EEER investirem nas dimensões investigar e participar politicamente, cruciais à demonstração dos ganhos obtidos com a sua atuação, bem como à visibilidade social.