INTRODUÇÃO
A articulação do joelho é considerada a mais complexa do corpo humano, sendo estruturalmente formada pelo fémur, tíbia e patela, por estabilizadores estáticos como ligamentos, meniscos, cartilagem e cápsula articular e por estabilizadores dinâmicos como músculos e tendões1. A articulação do joelho é norteada pela interação entre todos os componentes que a constituem e qualquer interferência sobre estes pode levar a um desequilíbrio da sua biomecânica natural e provocar degeneração do sistema articular2,3. É classificada como uma articulação sinovial do tipo bi-condilo-trocleartrose, sendo os seus principais movimentos a flexão e extensão, mas também possibilita uma pequena rotação interna e externa da perna se o joelho estiver em semi-flexão3,4. Geralmente, a flexão realiza-se numa amplitude de movimento de 160º, variando com a massa/volume muscular da área posterior da coxa e da perna30. É responsável pela sustentação do peso corporal, sendo indispensável para a funcionalidade do corpo humano, nomeadamente na locomoção, manutenção do ortostatismo e mobilidade na realização da maioria das atividades de vida diárias (AVD)5.
O aumento da esperança média de vida conduz ao envelhecimento cada vez mais acentuado da população, sendo um processo em que ocorrem alterações morfológicas e fisiológicas. Consequentemente, assiste-se a um crescimento das patologias degenerativas das articulações, como a osteoartrose, que levam a pessoa para estados incapacitantes, de menor funcionalidade e afetam a qualidade de vida6.
A osteoartrose é uma das doenças crónicas mais frequentes e a doença articular mais comum em todo o mundo, prevendo-se que a sua incidência continue a aumentar em paralelo com o envelhecimento da população8. Está mencionado que afeta entre 44% e 70% das pessoas com mais de 50 anos de idade, sendo que nas pessoas com idade superior a 75 anos, esse número eleva-se a 85%(7, 9). É considerada um problema de saúde pública por ser causadora de incapacidade funcional, levando a limitações na realização das AVD e a nível laboral, traduzindo-se pelo aumento do absentismo e de reformas antecipadas, para além de comprometer a qualidade de vida6,9.
Dados obtidos em 2015, revelam que a osteoartrose do joelho chega a afetar sintomaticamente 45% das pessoas idosas8. Tem uma incidência na população portuguesa de 12,4%, consideravelmente superior relativamente à osteoartrose da mão (8,7%) e da anca (2,9%). No que respeita à incidência por sexo, tem uma prevalência superior nas mulheres (15,8%) comparativamente com os homens (8,6%)10.
A gonartrose, caracteriza-se pela perda da homeostasia da unidade funcional constituída pelo menisco, cartilagem e osso subcondral, evoluindo progressivamente para perda de massa cartilaginosa até atingir perda de tecido ósseo11. Os principais fatores de risco para o seu desenvolvimento são a idade avançada, a obesidade, a sobrecarga mecânica articular e a fraqueza muscular1,5.
Relativamente à sintomatologia, a gonartrose origina dor articular, rigidez, edema, deformidade gradual em varo ou valgo, diminuição da amplitude de movimento, fraqueza muscular e marcha lenta e claudicante5,8. Estes sintomas conduzem a pessoa a experienciar limitações e incapacidades funcionais, como na deambulação, subir e descer escadas, sentar (agachamento) e levantar, que interferem gravemente nas AVD e de lazer, afetando o estado psicológico, a qualidade do sono, a rotina familiar e a interação social, ou seja, têm um impacto negativo na qualidade de vida5,8.
O tratamento cirúrgico de eleição da gonartrose é a artroplastia total do joelho (ATJ), que consiste na substituição das três superfícies ou compartimentos articulares (femorotibial medial, femorotibial lateral e femoropatelar) por uma prótese total, isto é, por implantes protésicos, constituídos por um componente femoral de metal, um componente tibial com base metálica que suporta uma base de polietileno e um componente patelar formado exclusivamente por polietileno6,11.
Os resultados da cirurgia podem ser influenciados por determinados fatores, nomeadamente, o grau de artrose, as doenças associadas, a técnica cirúrgica, o tipo de prótese, a reabilitação realizada e a amplitude articular no pré-operatório11,16.
Apesar da evolução da técnica cirúrgica e das próteses, a rigidez continua a ser um problema após a ATJ, afeta a capacidade da pessoa realizar as AVD, estando associada a dor17. Existem diversos fatores que estão associados ao desenvolvimento de rigidez após a ATJ, agrupando-se em pré-cirúrgicos (como défice de amplitude de movimento no pré-operatório, obesidade, baixa tolerância à dor, varismo acentuado), técnicos (incorreto posicionamento ou dimensão inadequada dos componentes protésicos, cicatriz operatória com elevada tensão no aparelho extensor ou tecidos moles, patela ínfera) e pós-cirúrgicos (dor, infeção, deiscência de sutura, fratura periprotésica, ossificação heterotópica, espasmo dos músculos isquiotibiais) (6,16.
A recuperação da amplitude articular do joelho é o indicador mais importante de sucesso da ATJ. Em média, é necessária uma flexão do joelho de 65º para a fase de balanço da marcha, de 75-83º para subir escadas, de 85-100º para descer escadas, cerca de 93° para sentar numa cadeira, de 105º para transferências da posição sentado para a posição em pé, entre 71°-117° para pegar um objeto do chão e 115° para determinadas atividades, como apertar os atacadores estando sentado13,18. O objetivo principal no momento da alta hospitalar é que a pessoa consiga realizar uma amplitude articular de 90º na flexão do joelho16.
A força muscular é também um fator essencial para um bom prognóstico e desempenho das capacidades funcionais da pessoa. Sem um plano de fortalecimento muscular, o défice de força pode atingir facilmente os 50 a 60% após a ATJ19. A complexidade do procedimento cirúrgico e a imobilidade, levam ao comprometimento da força muscular, especialmente devido a dor, falta de ativação muscular voluntária e atrofia muscular16.
Os objetivos da reabilitação no pós-operatório hospitalar são o alívio da dor, a diminuição do edema, a prevenção de fenómenos tromboembólicos, a recuperação da amplitude de movimento articular, o ganho da extensão da articulação do joelho, o fortalecimento muscular, a melhoria da mobilidade e da coordenação e o aumento da propriocepção12. O Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação (EEER) têm competência para conceber e implementar um plano de reabilitação, de modo a atingir estes objetivos. A sua intervenção deve começar no primeiro dia pós-cirurgia e prolongar-se até à alta clínica, principiando-se com exercícios na cama e progredindo para exercícios na posição de pé e treino de AVD21.
Em Portugal, perante o contexto atual dos cuidados de saúde hospitalares, em que se preconizam internamentos de curta duração e uma alta precoce, não há espaço temporal para uma recuperação integral da pessoa submetida a cirurgia ortopédica, tornando-se essencial e parte integrante do plano de reabilitação, que o EEER assegure a interligação entre o contexto hospitalar e comunitário através da referenciação às equipas da comunidade (Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados), de modo a que a continuidade de cuidados de reabilitação no domicilio seja garantida tendo em vista a total recuperação da funcionalidade da pessoa31).
A prevenção da rigidez, o aumento da amplitude articular e o fortalecimento muscular deve basear-se no ensino de:
- Posicionamento do membro inferior intervencionado [alinhado e com o joelho em extensão, sem colocar almofada por baixo do mesmo]21;
- Contrações isométricas dos músculos glúteos, quadricípite e isquiotibiais21;
- Exercícios isotónicos na posição de deitado, com progressão das mobilizações passivas para as ativas-assistidas e ativas-livres dos segmentos articulares do membro intervencionado21;
- Exercícios de elevação da cintura pélvica com extensão do membro intervencionado21;
- Exercícios isotónicos ativos-livres de flexão/extensão do joelho e da articulação coxofemoral do membro intervencionado, sentado na beira da cama e na cadeira, na posição de pé com apoio na base da cama ou outro dispositivo, e agachamentos21.
Para além dos exercícios isométricos e isotónicos, a intervenção do EEER deve abranger o ensino e o treino de transferência da cama/cadeira, o uso do chuveiro e do sanitário, o treino de marcha [de acordo com o dispositivo ensinar a inversão do sentido da marcha, subir e descer escadas] e entrar e sair do carro21. Esta intervenção educacional e treino que o EEER realiza, permite a promoção do autocuidado, a maximização da capacidade funcional e a reaquisição da autonomia nas AVD, preparando para a alta e para a reinserção familiar e social, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida14,21.
Perante o exposto, apresenta-se a questão norteadora do presente estudo de caso: “Qual o impacto dos cuidados de enfermagem de reabilitação no fortalecimento muscular e aumento da amplitude articular da pessoa submetida a ATJ?”. Este estudo de caso tem como objetivo geral, avaliar o impacto da intervenção do EEER no fortalecimento muscular e no aumento da amplitude articular da pessoa submetida a ATJ. Constituíram-se os seguintes objetivos específicos: identificar os ganhos sensíveis da intervenção do EEER nos focos movimento muscular e rigidez articular; descrever as intervenções do EEER nos respetivos focos.
METODOLOGIA
Utilizou-se a metodologia de estudo de caso, com o objetivo de explorar e aprofundar a sua compreensão, contribuindo para a visibilidade e melhoria das práticas dos cuidados de enfermagem, com as evidências produzidas22).
O presente estudo de caso foi elaborado de acordo com as guidelines CAse REport23. Desta forma pretende-se estruturar e organizar a sua apresentação, respeitando os itens sugeridos pelas guidelines com as devidas adaptações, de acordo com o caso específico a estudar.
Este estudo de caso está organizado nas seguintes etapas: definição do problema, fundamentação teórica, descrição do método do estudo, colheita de dados e avaliação, planeamento de intervenções para dar resposta ao problema, análise e discussão dos resultados, comparando-os com a literatura científica existente22). Relativamente à análise dos dados, é utilizada a abordagem qualitativa23. Para a revisão da literatura foram utilizados livros e as bases de dados eletrónicas de SciELO, ResearchGate e Google Académico.
Foi selecionada para este estudo de caso uma pessoa com gonartrose submetida a ATJ, internada num Serviço de Ortopedia, em que foi implementado o plano de intervenção pelo EEER desde o primeiro dia de pós-operatório até ao momento da alta hospitalar, com foco principal no fortalecimento muscular e aumento da amplitude articular. O plano de reabilitação foi executado diariamente, num total de 7 dias, com a duração das sessões entre 1h a 1h30. Estes cuidados não foram prestados apenas por um EEER, mas sim pela equipa.
A obtenção da informação relativa à pessoa em estudo ocorreu por consulta do seu processo clínico, entrevista, observação e exame físico.
A pessoa foi informada acerca da realização do estudo de caso, dos seus direitos, tendo dado consentimento verbal para a sua realização24. Foi informada acerca da garantia do seu anonimato verificando-se o respeito pelos seus direitos e confidencialidade.
A avaliação da pessoa foi realizada com recurso aos instrumentos de avaliação validados para a população portuguesa, nomeadamente a escala numérica da dor, escala de força muscular modificada da Medical Research Council (MRC), a goniometria para avaliação da amplitude articular, o Índice de Barthel para a avaliação das atividades básicas de vida diárias e o Timed up and go test (TUGT) para a avaliação do desempenho físico e marcha21. O plano de cuidados do enfermeiro especialista de reabilitação (CEER) foi estruturado com base na linguagem da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE) e fundamentado no “Padrão Documental dos Cuidados de Enfermagem da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação”26.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO
Homem de 78 anos de idade, caucasiano e de nacionalidade portuguesa. Casado, reside com a esposa e filha, num 4º andar de um prédio com elevador (tem 5 degraus para subir). Aposentado.
Orientado nas três dimensões, previamente ao internamento encontrava-se independente embora com limitação na mobilidade do joelho esquerdo, necessitando de auxílio de uma canadiana para deambular desde há cerca de 1 ano. Mantém vida social ativa com hábito de sair de casa e capacidade de conduzir o automóvel para pequenas distâncias.
Tem como antecedentes clínicos conhecidos: hipertensão arterial, diabetes tipo I, dislipidemia, cardiopatia isquémica, fibrilhação auricular, cirurgia de revascularização do miocárdio e implantação recente de prótese aórtica biológica, artroplastia total da anca esquerda há 12 anos e discectomia lombar há cerca de 20 anos. Desconhece alergias medicamentosas. Tem um peso de 86 kg, altura de 1.64 m e um Índice de Massa Corporal de 32, encontrando-se numa situação de obesidade classe I.
Seguido em Consulta de Ortopedia, desde há 3 anos. Internado eletivamente para ser submetido a ATJ esquerdo.
Foi submetido a um programa de reabilitação motora com início do levante no primeiro dia de pós-operatório e posterior treino de marcha com andarilho e carga no membro intervencionado, conforme tolerância.
Avaliação inicial de Enfermagem de Reabilitação
A avaliação realizada pelo EEER no primeiro dia de pós-operatório incidiu sobre25:
dor (com a escala numérica da dor questionou-se sobre a dor em repouso, de nível 2, e durante a mobilização passiva do joelho esquerdo, de nível 6);
força muscular dos segmentos articulares do membro inferior esquerdo (através de escala MRC modificada verificou-se: dorsiflexão e flexão plantar da tibiotársica com força grau 5, flexão/extensão do joelho com força grau 3 e flexão/extensão da coxofemoral com extensão do joelho com força grau 3-);
amplitude articular (usando o goniómetro constatou-se uma amplitude articular do joelho operado de 55º e do joelho contralateral de 105º);
atividades básicas de vida diárias (aplicando o Índice de Barthel no primeiro levante, apresentava score total de 60, dependência moderada, com evidência no uso da casa de banho, transferências, mobilidade, uso de escadas e tomar banho);
marcha (através do instrumento TUGT e com canadianas, obtendo um tempo de 1 minuto e 12 segundos, o que indica um desempenho físico de nível baixo e um risco de queda alto).
Este plano de cuidados está centrado apenas nos focos considerados sensíveis aos CEER, ou seja, no movimento muscular (Quadro 1) e na rigidez articular (Quadro 2).
Foco: Movimento muscular |
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Diagnóstico de Enfermagem (DE): Movimento muscular diminuído no membro inferior esquerdo |
Intervenções de Enfermagem de Reabilitação: • Monitorizar força muscular através de escala [MRC modificada, de todos os segmentos do membro inferior esquerdo]; • Executar técnica de exercício muscular e articular ativo-assistido [dos segmentos coxofemoral e joelho esquerdo: abdução/adução até à linha média do corpo e flexão/extensão da articulação coxofemoral com extensão do joelho, flexão/extensão da articulação do joelho, com 10 repetições cada, 3 séries, 1 vez dia]; • Incentivar a pessoa a executar os exercícios musculares e articulares ativos [contrações isométricas dos glúteos, quadricípites e isquiotibiais (contrações durante 10 segundos, 10 repetições, 2 séries, 3 a 4 vezes dia); exercícios isotónicos no leito com dorsiflexão/flexão plantar da articulação tibiotársica, abdução/adução até linha média e flexão/extensão da articulação coxofemoral com flexão e extensão do joelho (10 repetições, 3 séries, 3 a 4 vezes dia); elevação da cintura pélvica/ponte com extensão do joelho operado (8 repetições, 2 séries, 3 a 4 vezes dia); numa fase mais avançada, exercícios isotónicos de flexão/extensão do joelho intervencionado, sentado na beira da cama e na cadeira (10 repetições, 3 séries, 3 vezes dia); exercícios isotónicos de flexão/extensão do joelho e da articulação coxofemoral do membro operado e agachamentos, na posição de pé com apoio na base da cama (10 repetições, 3 séries, 3 vezes dia); treino de marcha com canadianas várias vezes ao dia; treino de subir e descer escadas 1 vez dia]; • Executar técnica de exercício muscular e articular ativo-resistido; • Supervisionar o movimento muscular. |
DE: Conhecimento sobre técnicas de exercício muscular e articular, não demonstrado |
Intervenções de Enfermagem de Reabilitação: • Avaliar conhecimento sobre técnicas de exercício muscular e articular; • Ensinar sobre técnicas de exercício muscular e articular [3 a 4 vezes dia: contrações isométricas dos glúteos, quadricípites e isquiotibiais; mobilizações ativas e ativas-resistidas dos segmentos articulares do membro inferior esquerdo; elevação da cintura pélvica/ponte com extensão do joelho intervencionado; flexão/extensão do joelho, sentado na beira da cama e na cadeira; flexão/extensão do joelho e da articulação coxofemoral e agachamentos, na posição de pé com apoio na base da cama; marcha com canadianas várias vezes ao dia; subir e descer escadas 1 vez dia]; • Providenciar material educativo [folheto cuidados a ter com a prótese do joelho]. |
DE: Aprendizagem de capacidades para executar técnicas de exercício muscular e articular, não demonstrado |
Intervenções de Enfermagem de Reabilitação: • Avaliar capacidade para executar técnicas de exercício muscular e articular; • Instruir sobre técnicas de exercício muscular e articular; • Treinar técnicas de exercício muscular e articular. |
Foco: Rigidez articular |
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Diagnóstico de Enfermagem (DE): Risco de rigidez articular [no joelho esquerdo] |
Intervenções de Enfermagem de Reabilitação: • Avaliar movimento articular; • Monitorizar amplitude do movimento articular através de goniómetro; • Executar técnica de exercício muscular e articular ativo-assistido [dos segmentos articulares coxofemoral e joelho esquerdo, com 10 repetições cada exercício, 3 séries, 2 vezes dia]; • Incentivar execução de exercício muscular e articular [contrações isométricas dos glúteos, quadricípites e isquiotibiais (durante 10 segundos, 10 repetições, 2 séries, 3 a 4 vezes dia); exercícios isotónicos no leito com abdução/adução até linha média e flexão/extensão da articulação coxofemoral com extensão do joelho e flexão/extensão do joelho (10 repetições, 3 séries, 3 a 4 vezes dia); numa fase mais avançada, exercícios isotónicos de flexão/extensão do joelho intervencionado, sentado na beira da cama e na cadeira (10 repetições, 3 séries, 3 vezes dia); exercícios isotónicos de flexão/extensão do joelho e da articulação coxofemoral do membro operado e agachamentos, na posição de pé com apoio na base da cama (10 repetições, 3 séries, 3 vezes dia)]; • Supervisionar exercícios musculares e articulares ativos. • Executar técnica de posicionamento |
DE: Conhecimento sobre prevenção de rigidez articular, não demonstrado |
Intervenções de Enfermagem de Reabilitação: • Avaliar conhecimento sobre condições de risco para a rigidez articular; • Avaliar conhecimento sobre técnicas de exercício muscular e articular; • Ensinar sobre condições de prevenção de rigidez articular [na posição de deitado deve manter o joelho em completa extensão e não colocar almofada ou rolo por baixo do joelho; nos decúbitos laterais manter membro operado alinhado e com extensão do joelho; na posição de sentado deve colocar membro inferior sobre uma cadeira para manter extensão do joelho; não deve permanecer muito tempo sentado ou com flexão do joelho]; • Ensinar sobre técnicas de exercício muscular e articular; • Providenciar material educativo [folheto sobre cuidados com a prótese do joelho]. |
DE: Aprendizagem de capacidades para executar técnicas de exercício muscular e articular, não demonstrado |
Intervenções de Enfermagem de Reabilitação: • Avaliar capacidade para executar técnicas de exercício muscular e articular; • Instruir sobre técnicas de exercício muscular e articular [contrações isométricas dos glúteos, quadricípites e isquiotibiais; mobilizações ativas dos segmentos articulares do membro inferior esquerdo com ênfase na flexão/extensão do joelho sentado na beira da cama ou na cadeira e na posição de pé com apoio na base da cama; agachamentos com apoio; marcha com canadianas; várias vezes ao dia conforme tolerância]; • Treinar técnicas de exercício muscular e articular. |
RESULTADOS
A avaliação dos resultados obtidos com as intervenções de EEER foi realizada no dia da alta.
Na escala numérica da dor, a pessoa referiu não ter dor (nível 0) em repouso, e dor nível 2 com a mobilização ativa do joelho esquerdo, sem necessidade de analgesia de resgate.
Relativamente à força muscular a pessoa apresentou uma melhoria da força na flexão da coxofemoral com extensão do joelho de grau 3- para grau 4 (escala MRC modificada). Na flexão e extensão do joelho, houve uma melhoria da força de grau 3 para grau 4+, verificando-se o suporte da articulação do joelho pelo músculo contra uma resistência de moderada a máxima. A articulação da tibiotársica manteve força muscular normal (grau 5). A pessoa demonstrou conhecimento sobre exercícios isométricos e isotónicos, bem como para executar técnicas de exercício muscular e articular na posição de deitado, sentado e em pé, de forma ativa e correta.
Para avaliar a amplitude articular do joelho recorreu-se ao goniómetro, verificando-se aumento de 55º para 85º. O joelho contralateral manteve amplitude de 105º. Durante esta avaliação constatou-se presença de discreto flexum, pois a pessoa tinha dificuldade em manter a extensão completa (0º) do joelho na posição de deitado. No dia da alta, a pessoa demonstrou conhecimentos sobre condições de prevenção da rigidez articular e sobre técnicas de exercício muscular e articular.
Quanto à avaliação das atividades básicas de vida diária, a pessoa progrediu de uma dependência moderada para uma dependência leve, atingindo um score de 95 no Índice de Barthel. Verificou-se a sua independência para todas as atividades exceto na transferência, pois ainda necessitava de pequena ajuda para colocar o membro inferior operado na cama. A pessoa conseguia satisfazer as suas atividades de vida através do uso de canadianas como auxiliar de marcha e de produtos de apoio como o alteador de sanita, a cadeira de higiene, as barras de apoio na casa de banho, a pinça e a calçadeira de cabo longo.
A pessoa cumpriu novamente o TUGT com o uso de canadianas, tendo obtido um tempo de 38 segundos. Durante a observação deste teste, apura-se que a pessoa não apresenta dificuldade na marcha, ostenta equilíbrio na posição ortostática e as transferências de posição de sentado para de pé e vice-versa são corretas. Apesar de ter apresentado uma diminuição do tempo, este resultado indica um alto risco de queda.
De salientar que outras intervenções de EEER não delineadas no plano de cuidados e que foram implementadas, nomeadamente o ensino, instrução e treino de autocuidados e de atividades como transferência da cama, sentar e levantar da cadeira/cadeirão e uso do chuveiro e do sanitário, foram importantes para a pessoa recuperar a sua independência e para melhorar a força e a amplitude de movimento articular.
DISCUSSÃO
O programa de reabilitação da pessoa submetida a ATJ deve iniciar-se o mais precocemente possível12,20, preferencialmente nas primeiras 24 horas de pós-operatório, pois permite que a pessoa execute uma marcha normal e readquira a sua independência funcional mais rapidamente21. Neste caso, este ponto foi conseguido pensando-se que teve uma influência positiva nos resultados obtidos.
A literatura confirma que a dor é um fator suscetível de atrasar a reabilitação na fase hospitalar, sendo essencial uma boa gestão da dor através de analgesia e crioterapia16,19. O facto da pessoa ter apresentado alívio gradual da dor ou dor controlada ao longo do plano de reabilitação, foi um fator importante na sua recuperação funcional, permitindo a implementação e o aumento da intensidade/frequência dos exercícios de forma progressiva.
A pessoa submetida a ATJ tem inevitavelmente diminuição da força muscular sendo o fortalecimento muscular fundamental19,20. Constatou-se a melhoria da força muscular dos segmentos articulares coxofemoral e joelho, através do plano de exercícios implementado e também pela gradual diminuição da intensidade da dor durante as mobilizações. Conclui-se que o tipo, intensidade e frequência dos exercícios isométricos e isotónicos efetuados, o treino de marcha com as canadianas livremente e o treino de subir e descer escadas, ajustados à condição e tolerância da pessoa, foram adequados e essenciais para o fortalecimento muscular. A intervenção do EEER nas dimensões do conhecimento e da aprendizagem de capacidades sobre técnicas de exercício muscular e articular, capacitou a pessoa para executar os exercícios de forma independente, conferindo ganhos na sua mobilidade e funcionalidade. Tal como está descrito e concluído por outros investigadores12,16, os ganhos obtidos no foco do movimento muscular, em conjunto com o ensino, instrução e treino de transferências da cama, sentar e levantar da cadeira, uso do chuveiro e sanitário e o ensino sobre os produtos de apoio efetuados pelo EEER, contribuíram para a pessoa recuperar a independência nas AVD.
A amplitude de movimento articular e a rigidez articular estão diretamente relacionadas, pois um menor grau de amplitude, a presença de flexum e a não extensão completa (0º) da articulação indicam a presença de rigidez articular13,18. No dia da alta, a pessoa em estudo apresentou uma flexão máxima da articulação do joelho, em movimento ativo, de 85º, verificando-se um aumento de amplitude articular de 30º em relação ao segundo dia. Esta melhoria pode ser fundamentada pela presença de dor e edema na articulação do joelho que podem ter enviesado o real valor de amplitude de movimento na primeira avaliação, e pela adesão ao programa de reabilitação em que a pessoa executou os exercícios isotónicos propostos, com melhoria gradual e cumpriu as condições de prevenção da rigidez. No entanto, apesar deste aumento da amplitude, o valor obtido (85º) não permite considerar-se um sucesso total, pois é um valor inferior ao que está descrito na literatura em que se define os 90º de flexão como o principal objetivo no momento da alta16. Ainda assim, a amplitude de movimento articular adquirida, permite à pessoa realizar em segurança a marcha, subir e descer escadas e outras atividades de vida essenciais13,16,18.
A capacidade da pessoa realizar a completa extensão do joelho (0º) também foi tida em consideração, pois é um fator importante para a prevenção da rigidez após a ATJ19. Constatou-se que a pessoa tem dificuldade em manter a extensão completa do joelho na posição de deitado, verificando-se discreto flexum. Como descrito na literatura, a definição de rigidez é variável, havendo estudos que admitem a presença de rigidez quando a flexão é inferior a 90º27. O tempo em que a pessoa deve adquirir a flexão mínima de 90º e a sua correlação com a definição de rigidez também não é consensual, estando descrito em determinada literatura que esta flexão de 90º deve ser conseguida até às 2 semanas de pós-operatório18. A pessoa ainda se encontra neste timing, 85º ao 8º dia de pós cirurgia, como tal, é extremamente importante que continue a manter as medidas de prevenção de rigidez e a execução dos exercícios musculares e articulares no domicílio, conforme consta do plano de cuidados (Quadro 2).
O fortalecimento muscular e o grau de amplitude articular alcançado permitiram à pessoa recuperar a sua independência funcional para a realização das AVD que se comprova pelo score total do Índice de Barthel de 95 no momento da alta.
O resultado do TUGT no dia da alta demonstrou uma boa evolução do desempenho físico e da marcha, constatando-se que a pessoa não apresenta dificuldade na marcha, equilíbrio e transferência de posição de sentado para de pé e vice-versa, no entanto, o resultado obtido atribui-se ao receio e insegurança que ainda apresenta na mobilidade e que conduzem a uma marcha lentificada.
As ilações deste estudo de caso vão de encontro a um estudo português que confirmou a melhoria da força muscular, da amplitude do movimento articular e do desempenho nas AVD com a implementação de um programa de reabilitação na pessoa submetida a ATJ29.
Perante o supracitado, com a implementação do plano de CEER delineado, verificaram-se ganhos ao nível da força muscular e da amplitude articular do joelho, que justificam a intervenção do EEER na reabilitação da pessoa submetida a ATJ, assumindo um papel relevante e de facilitador no seu processo de transição para o regresso a casa e na sua reinserção familiar, social e no exercício de cidadania.
CONCLUSÃO
Em resposta à questão norteadora do estudo de caso, o impacto dos cuidados de enfermagem de reabilitação no fortalecimento muscular e aumento da amplitude articular da pessoa submetida a ATJ foi benéfico e positivo. Como tal, estima-se que estes fatores, conseguidos pela intervenção do EEER, contribuíram para ganhos em saúde, como a reaquisição da sua autonomia nas AVD, maior independência funcional, reinserção familiar e social eficiente e melhoria da qualidade de vida.
Os dados apresentados neste estudo de caso poderão servir como comparativos para futuros programas de reabilitação a pessoas submetidas a ATJ.
Sugere-se a realização de estudos exploratórios e quantitativos com amostras maiores, e também estudos que validem instrumentos de avaliação específicos para as patologias ortopédicas.