Introdução
A obstrução nasal é uma queixa frequente em consulta de ORL, existindo vários questionários na literatura que permitem avaliar o seu impacto na qualidade de vida do doente.1-3 Todavia, a identificação das estruturas nasais responsáveis pela limitação do fluxo aéreo nem sempre é simples. É possível identificar desvio septal em 75-80% dos adultos o que pode direcionar a orientação cirúrgica do doente com obstrução nasal para a septoplastia convencional, com melhoria sintomática e nos resultados na rinomanometria em muitos casos. (4-6
No entanto, tanto o septo nasal como as válvulas nasais interna e externa desempenham importantes funções no fluxo aéreo nasal, pelo que o exame físico dirigido a estas estruturas é fundamental para uma correta decisão sobre eventual indicação para Rinosseptoplastia Funcional (RSP-F). 4),(7),(8
A válvula nasal externa é composta pela margem caudal da cartilagem alar inferior, columela e pavimento da fossa nasal. A válvula nasal interna é composta pela margem caudal da cartilagem alar superior, septo nasal, pavimento nasal e cabeça do corneto inferior. A válvula nasal interna normalmente está posicionada num ângulo de 10-15° (septo - margem caudal da cartilagem triangular) em indivíduos caucasianos, devendo ser tida em consideração a ampla variação dinâmica desta válvula em indivíduos assintomáticos. O colapso das válvulas nasais, descrito em até 13% da população, pode ser identificado na rinoscopia anterior, endoscopia nasal ou manobra de Cottle modificada após descongestionamento nasal. Várias das suas etiologias estão descritas na literatura, incluindo status pós-rinoplastia, resseção de neoplasias cutâneas, paralisia facial, trauma e defeitos congénitos. (9
Contrariamente ao doente de “rinoplastia estética”, o doente de "rinoplastia funcional" procura melhorias na obstrução nasal, sem mudanças na forma do nariz. Em todos os tipos de rinoplastia, mesmo nas cirurgias orientadas exclusivamente para alterações cosméticas no nariz, é essencial que o cirurgião informe o doente no pré-operatório que a preservação ou melhoria da respiração nasal é fundamental para alcançar resultados satisfatórios a longo prazo. O doente deve igualmente ser informado que certas alterações da forma do nariz não são exequíveis por comprometerem a função respiratória nasal e que certas alterações da pirâmide nasal com objetivos funcionais podem alterar a aparência da pirâmide nasal. Compreende-se assim que seja difícil dissociar os dois tipos de procedimentos por ambos terem impactos estéticos/funcionais, independentemente do seu propósito inicial. No decorrer do presente artigo consideraremos os procedimentos realizados com propósito inicial funcional como RSP-F. (8),(10
Apesar da abundância de literatura que descreve os efeitos positivos da RSP-F, há uma escassez de ensaios clínicos randomizados que comparem diretamente as técnicas. Várias técnicas estão descritas para correcção da diminuição do ângulo da válvula nasal interna (spreader graft, auto-spreader flap, butterfly graft, titanium butterfly implant, butterfly graft, upper lateral splay graft, flaring suture, lateral nasal wall suspension...), colapso da parede lateral nasal externa fixo (allar batten, butterfly graft, titanium butterfly implant, lateral crural strut graft, lateral crural cephalic turn in flap,...), colapso da parede lateral nasal externa dinâmico (implante absorvível da parede lateral nasal externa, radiofrequência da parede lateral nasal externa,...) e colapso/estreitamento da válvula nasal externa (alar rim graft, lateral crural strut graft,...). Desvios do septo nasal com envolvimento do L-Strut podem exigir RSP-F para interposição de spreader graft ou septoplastia extracorpórea se não for possível a sua correcção por uma abordagem de septoplastia convencional. (10-12
A RSP-F é um procedimento complexo com morbilidade acrescida e tempo operatório superior à septoplastia convencional. Epistáxis, deformidade estética nasal, infeção/extrusão de enxertos, agravamento da obstrução nasal pré-operatória, hematoma periorbitário, infecção/necrose cutânea, síndrome de choque tóxico, epífora ou fístulas de líquor na base do crânio anterior são algumas complicações descritas na literatura. (13),(14
Tratando-se de um procedimento cirúrgico com impacto estético facial, a definição conjunta médico-doente de objetivos estéticos adequados e realistas tem importância acrescida. Doentes com patologia psiquiátrica, nomeadamente perturbação dismórfica corporal, devem ser identificados previamente por se tratar de um subgrupo com piores resultados estéticos do ponto de vista subjetivo. (15),(16
Na literatura médica existem vários protocolos para avaliação de doentes candidatos a Rinosseptoplastia que visam tornar objectiva a orientação médica, simplificar a programação cirúrgica e prever os riscos e complicações mais prováveis em cada doente. (7),(8),(14),(17
Os autores propuseram-se a desenvolver um protocolo de auxílio ao diagnóstico e orientação cirúrgica destinado ao doente candidato a RSP-F.
Material e Métodos
Revisão bibliográfica e adaptação de algoritmos publicados na literatura.
Foi realizada pesquisa bibliográfica na plataforma PubMed, utilizando como palavras chave de pesquisa “functional rhinoplasty”; “functional rhinosseptoplasty”; “rhinosseptoplasty protocol”; “rhinoplasty protocol”; “nasal valve evaluation”: “rhinoplasty evaluation”; “rhinosseptoplasty evaluation”.
Para efeitos de elaboração do protocolo consideraram-se como indicações para RSP-F tanto a diminuição do ângulo da válvula nasal interna, o colapso da parede lateral externa nasal fixo ou dinâmico e colapso ou estreitamento da válvula nasal externa como os desvios do septo nasal com envolvimento do L-strut não corrigíveis com septoplastia convencional.
Foram excluídos todos os protocolos encontrados que não propunham formas de avaliação dos componentes funcionais da pirâmide. Os protocolos encontrados foram traduzidos e adaptados para a língua portuguesa.
Resultados
Identificámos 4 protocolos na literatura internacional. (4),(7),(8),(17 Com base nestes, foi elaborado um protocolo de abordagem do doente com obstrução nasal crónica e potencial candidato a RSP-F, no âmbito da consulta ORL (ver Imagem 1).
Foram definidos um conjunto de antecedentes pessoais e familiares com impacto nos resultados e técnicas cirúrgicas a adotar em doentes candidatos a RSP-F. Neste contexto, definiu-se como relevante questionar o doente sobre anomalias craniofaciais congénitas (fenda Palatina, outros síndromes dismórficos faciais) e trauma nasal, por se associarem a alterações da habitual anatomia da pirâmide nasal. (17-19 A discrasia hemorrágica e a hipertensão, pela sua conhecida associação a aumento do risco hemorrágico intra-operatório e pós operatório, podem complicar o procedimento cirúrgico e devem por isso ser do conhecimento prévio do cirurgião. (17),(20),(21
Doentes com patologia alérgica, nomeadamente rinite alérgica, podem melhorar após rinosseptoplastia funcional, embora tipicamente não atinjam os mesmos valores de melhoria subjectiva da obstrução nasal, quando comparados com grupo controlo saudável. (22),(23 Os hábitos tabágicos estão descritos na literatura como potencialmente associados a uma maior frequência de complicações pós operatórias, embora um estudo retrospetivo recente não tenha demonstrado piores resultados subjectivos a longo prazo. (24),(25 Hábitos toxicofílicos, nomeadamente o consumo de cocaína inalada por via nasal, associam-se a maior prevalência de perfuração septal ou nariz em sela e podem antever necessidades cirúrgicas especiais. (26 Patologia cardíaca ou intercorrências anestésicas prévias podem aumentar o risco anestésico do doente e obrigar a protelar a indicação cirúrgica em alguns casos. De igual modo considerou-se relevante uma documentação exata da medicação habitual do doente, incluindo antiagregação plaquetária, anticoagulantes, anti-inflamatórios não esteróides, corticóides, imunomoduladores e/ou produtos de ervanária (arroz vermelho, gengibre, alho, gingko biloba, entre outros), bem como das alergias medicamentosas prévias. (7),(14),(17),(21
Doentes submetidos previamente a rinosseptoplastia ou a septoplastia isolada representam casos desafiantes para o cirurgião plástico facial, devido à presença possível de fibrose e/ou alterações na anatomia nasal imprevisíveis, assim como à eventual necessidade de recorrer à colheita de cartilagem auricular, costal e/ou de dador de cadáver previamente irradiada. (27-29
Infiltrações na pirâmide nasal (seja qual for a sua natureza) são geralmente causa de resultados pós-operatórios imprevisíveis e planos de disseção mais aderentes em alguns casos. Pode ser necessário aguardar até 2-3 anos para que a reabsorção do produto infiltrado ocorra na totalidade. Nos casos de infiltração com ácido hialurónico, a infiltração com hialuronidase pode estar indicada em alguns casos na avaliação pré-operatória.
As incisões da Rinosseptoplastia associam-se raramente a cicatrização hipertrófica e/ou formação de quelóides. A formação de quelóides, embora rara, é mais frequente em doentes de raça negra mas não exclusivo, pelo que se considera relevante questionar o doente sobre formação de quelóides noutras intervenções cirúrgicas.
Com foco na entrevista clínica, o protocolo desenhado visa, em primeiro lugar, investigar as queixas nasossinusais, motivações e expectativas dos candidatos para o procedimento em causa e excluir aqueles com patologia psiquiátrica instável ou em casos de suspeita de perturbação dismórfica corporal. (7),(8),(14),(17
No exame objectivo, propõe formas de avaliação da válvula nasal interna e externa, septo nasal e cornetos inferiores. Permite igualmente descrever a pirâmide nasal do ponto de vista estético; o registo fotográfico protocolado dos doentes e o respetivo morphing facial, de forma a programar o acto cirúrgico. (7),(8),(14),(17
Os autores desenharam também um score decisional com base na literatura consultada e na avaliação das estruturas nasais responsáveis pelo quadro de obstrução nasal crónica, como ferramenta de avaliação para candidatura a RSP-F ou a septoplastia isolada. Considerou-se como determinante para indicação para RSP-F (em detrimento de septoplastia isolada) a presença de desvio septal com envolvimento do “L-Strut”, medialização ou lateralização das cruras da cartilagem alar inferior com obstrução ao fluxo aéreo nasal, ângulo da válvula nasal interna estreito (margem caudal da cartilagem triangular - septo nasal), colapso dinâmico da válvula nasal no exame endoscópico do vestíbulo nasal e melhoria da sintomatologia com manobra de Cottle modificada após descongestionamento nasal.
Discussão
A orientação cirúrgica da obstrução nasal passa, muitas vezes, pela correta identificação do subgrupo de doentes cuja sintomatologia pode beneficiar de RSP-F. Embora se trate de uma queixa frequente em consulta de ORL, a correta identificação das estruturas nasais responsáveis pela limitação do fluxo aéreo nasal nem sempre é simples. Considera-se que doentes com desvio septal anterior (com envolvimento do “L-Strut”), medialização ou lateralização das cruras da cartilagem alar inferior com obstrução ao fluxo aéreo nasal, ângulo da válvula nasal interna estreito (margem caudal da cartilagem triangular - septo nasal), colapso dinâmico das válvulas nasais no exame endoscópico ao vestíbulo nasal e melhoria da sintomatologia com manobra de Cottle modificada após descongestionamento nasal podem não beneficiar de septoplastia isolada.
A RSP-F, tratando-se de um procedimento cirúrgico com grau de complexidade, morbilidade e tempo operatório superior à septoplastia convencional, deve ser considerada em casos criteriosamente seleccionados. A decisão sobre este acto cirúrgico deve ser ponderada e objectiva, nomeadamente em serviços de saúde públicos onde a morbilidade e tempo operatório de procedimentos sem impacto funcional representam custos acrescidos, limitando investimentos noutras áreas médicas.
O presente protocolo propõe-se sistematizar indicações cirúrgicas para RSP-F na consulta de ORL, fornecer uma pormenorizada descrição de toda a pirâmide nasal e descrever a história clínica e antecedentes médico-cirúrgicos do doente candidato a RSP-F. Os autores propõem, no presente protocolo, a correta identificação do candidato a RSP-F e a exclusão de doentes com expectativas inadequadas para o procedimento cirúrgico, risco anestésico elevado, patologia psiquiátrica instável ou perturbação dismórfica corporal.
Todavia, o presente protocolo carece, ainda, de aplicação prática em consulta e registo dos respetivos resultados na população portuguesa com objectivo de validação.
Conclusão
O presente protocolo permite sistematizar indicações cirúrgicas para RSP-F na consulta de ORL. Carece, ainda, de aplicação prática em consulta e registo dos respetivos resultados na população portuguesa com objectivo de validação.
Agradecimentos
Agradeço à Filipa, à família e ao Serviço de ORL do CHULN: os pilares deste trabalho.
Conflito de Interesses
Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.