1.Introdução
Cuidados Paliativos (CP) é uma forma de abordagem em saúde que visa o cuidado integral ao indivíduo a partir do momento que se tem o diagnóstico de patologias que apresentam condições ameaçadoras da continuidade da vida. A abordagem em CP integra o saber tecno-científico à individualização do cuidado (Gomes & Othero, 2016) (Burlá, 2014). O processo de adoecimento e finitude decorrente de doenças crônicas, bem como de outros relacionados às doenças emergentes graves como, por exemplo, a epidemia do Ebola e da SARS-CoV 19, suscitam cada vez mais a introdução dos CP como filosofia e prática em saúde (Kelley, 2014)(The Lancet, 2020) (Twycross, 2000). As mudanças sociais como o aumento da longevidade e da prevalência de doenças crônicas complexas, levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a recomendar essa modalidade assistencial. Diante disso, a necessidade da inserção do ensino em CP na graduação tornou-se evidente (Daher et al, 2002)(World Palliative Care Alliance, 2014). O processo de ensino-aprendizagem em CP já está mais consolidado em escolas médicas europeias e norte americanas(Paes & Wee, 2008) (Castro et al, 2021). A literatura aponta que os graduandos devem desenvolver competências em CP consideradas intrínsecas ao papel do médico, como comunicação e relação médico-paciente, trabalho interprofissional e uma prática profissional autorreflexiva, além do entendimento dos aspectos ético-legais (Santos et al, 2020). Estes estão em congruência com os quatro pilares fundamentais preconizado pela OMS aos CP: a comunicação, a família, o manejo de sintomas e a equipe multiprofissional (Paes & Wee, 2008). No contexto brasileiro, essa forma de assistência ainda se concentra em alguns centros urbanos do país, e embora cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, somente 14% das EM possuem o ensino em CP (Castro et al, 2021) (Santos et al, 2020). Ressalta-se que, desde 2018, foram criadas diretrizes para a organização dos CP no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), adotadas por várias iniciativas estaduais (Comissão Intergestores Tripartite, 2018). No Brasil, as atuais Diretrizes Curriculares (DCN) que pautam os Planos Político-Pedagógicos dos cursos de Medicina, reforçam que o graduando seja formado a partir do respeito à ética profissional, cuidado centrado na pessoa e do reforço aos princípios do SUS (Pineli et al, 2016). As experiências brasileiras do ensino em CP ainda são pouco conhecidas, pois são escassas as escolas que contemplam a disciplina em suas matrizes curriculares. O objetivo deste estudo foi analisar como está ocorrendo o ensino em CP na percepção de seus docentes, os obstáculos enfrentados e os caminhos identificados como facilitadores do processo.
2.Método
Considerando a especificidade do objeto em estudo, a percepção de docentes sobre o ensino aprendizagem de CP, foi utilizada abordagem qualitativa, uma vez que é a que mais se adequa a responder questionamentos de natureza compreensiva (Correia et al, 2018). Aqui o conceito de percepção é compreendido como o efeito de apreender, perceber, apresentar e conhecer as significações que cada um carrega. Nesse sentido entendemos que o homem age a partir de suas representações, constituídas a partir de suas interpretações sobre o processo ensino-aprendizagem em CP, uma vez que esse está relacionado a proximidade da morte e do morrer, influenciando as atitudes perante essa etapa da vida. (Bifulco, 2009)(Geertz, 2017). Esse estudo baseia-se em recorte de pesquisa maior sobre o ensino de CP no Brasil em que foram mapeadas todas as Instituições de Ensino Superior (IES) de Medicina do Brasil e seus currículos para identificação daquelas que incluem esse ensino e a análise de como está sendo desenvolvido segundo a percepção de coordenadores, docentes e alunos. A técnica escolhida para a produção de dados foi a entrevista semiestruturada com os coordenadores dos cursos de Medicina e docentes das disciplinas em CP das escolas que a dispunham em sua grade curricular. Das 315 escolas médicas (EM) existentes até o final de dezembro de 2018, segundo o sistema e-MEC de Instituições de Ensino Superior (IES) e Cursos Cadastrados, apenas 44 dispunham de disciplina de CP em suas matrizes curriculares (Castro et al, 2021) (Sistema e-MEC, 2017). Dessas 44 escolas, em sete a disciplina era ministrada há menos de 6 anos, ou seja, não havia ainda nenhuma turma de médicos formada. Foi feito contato com as 37 escolas restantes e o convite aos seus coordenadores de curso e docentes em CP para participar do estudo. Somente 25 responderam e/ou aceitaram participar conforme ilustra a Figura 1.
O critério de inclusão da amostra foi ser coordenador do curso e/ou docente da disciplina em CP no período da busca e ter disponibilidade para participar. Para recrutamento dos docentes às entrevistas, foi feita a identificação da IES com a disciplina na matriz, contato telefônico e/ou por correio eletrônico, apresentação da pesquisa para o coordenador do curso, identificação do professor responsável pela disciplina, agendamento das entrevistas após esclarecimentos em relação à pesquisa e objetivos dela, e registro do consentimento deles. Utilizou-se um roteiro de entrevista com dados sociodemográficos como sexo, faixa etária, religião; e perguntas abertas sobre percepção dos CP, relevância do ensino, como foi iniciado e está sendo ministrado, facilidades, obstáculos, estratégias e desafios para o futuro. As entrevistas foram desenvolvidas presencialmente ou de forma remota em ambiente com privacidade e garantia de sigilo. Todas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra, apresentando uma média de duração de 46 minutos. O tamanho amostral foi definido pelo critério de saturação de conteúdo. Foram realizadas 38 entrevistas com os docentes, sendo 23 coordenadores do curso médico. Foi feita análise de conteúdo na modalidade temática dos dados coletados com apoio do software WebQDA de análise de dados qualitativos. As entrevistas gravadas foram transcritas na íntegra. O uso correto de ferramentas específicas para a análise de dados qualitativos credibiliza o projeto de investigação, sendo observadas vantagens como, por exemplo, a análise de grande quantidade de dados, possibilitando a definição de categorias em árvores segundo o perfil dos entrevistados, a codificação e recodificação, exploração e cruzamento de diferentes formatos de dados na análise. Na análise e interpretação dos resultados foram seguidos os passos: leitura e releitura compreensiva dos dados, para a visão do todo e suas particularidades, busca de semelhanças e diferenças nos relatos; classificação deles de acordo com os conteúdos que emergiram; identificação dos sentidos atribuídos pelos sujeitos às questões levantadas, buscando entender a lógica interna do grupo; diálogo comparativo com a literatura; e elaboração de síntese interpretativa. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em consonância com o Comitê de Ética em pesquisa humana.
3.Resultados
As informações sociodemográficas dos entrevistados estão apresentadas na Tabela 1. As entrevistas foram realizadas com docentes de escolas públicas e privadas em igual proporção. A maioria dos entrevistados foi de coordenadores de curso (23=60,5%), sendo que um deles também era professor da disciplina de CP. Houve predominância de docentes do sexo masculino (25=66%) e de profissionais acima de 35 anos, com mais de 10 anos de experiência. Quanto à religião, 71% relataram ser praticante, sendo a maioria católicos (70,3% dos religiosos). A disciplina era obrigatória em 59% das escolas.
Destaca-se que os coordenadores de curso contribuíram para uma visão mais ampla do processo de ensino-aprendizagem, e os professores das disciplinas complementaram com os conhecimentos específicos da temática. Não foram identificadas diferenças relevantes entre os relatos dos entrevistados de instituições públicas e privadas, nem em relação a outras variáveis como sexo, faixa etária ou religião. Desta forma, estes foram analisados conjuntamente. Os dados textuais deram origem a três categorias classificatórias que se relacionam a: (1) como era antes da implantação da disciplina (“Ontem”), qual era a necessidade do ensino em CP e como se iniciou esse processo; (2) como está a situação atual (“Hoje”), como ocorre o ensino e quais barreiras são identificadas; e (3) desafios para o futuro apontados (“Amanhã”), caminhos assinalados, benefícios que o ensino proporciona e como este deve ser inserido na formação médica.
3.1 Ontem - A origem da disciplina CP e o contexto nas escolas
Nesta categoria estão abordadas as origens da inserção da disciplina e o contexto propiciado para sua implantação. Os docentes relataram sobre as necessidades percebidas, a busca que fizeram para sua qualificação no campo, as iniciativas dos estudantes na temática e as adequações necessárias frente às exigências das DCN. Os entrevistados relatam que as mudanças sociais brasileiras, como o aumento da longevidade e da prevalência de doentes complexos e crônicos provocaram novas demandas em saúde. Desta forma, as escolas médicas tiveram que incorporar temas que estivessem em consonância com as necessidades da população, como relata o professor:
“Recebemos pacientes com nível de complexidade alto, regulados pela rede e a necessidade de discutir isso é muita alta”. (62 anos, coordenador, Nordeste)
As entrevistas evidenciam que a construção do ensino em CP, na maioria das escolas, ocorreu em função da iniciativa individual de alguns docentes, sensibilizados pelos conteúdos relacionados à temática ministrados nos cursos de preceptores da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) ou que fizeram especialização para sua capacitação profissional. Outros apontaram oportunidades de inserção do bloco de CP no movimento da mudança curricular ou projetos de extensão, tornando-se uma disciplina eletiva, e em seguida incorporada à matriz como obrigatória.
“Foi capilarizado pela minha pessoa! (..) Tem que ter um olhar e acreditar que isso faz a diferença.” (48 anos, coordenador, Sudeste)
Outra influência positiva partiu do protagonismo dos próprios estudantes por meio da atuação das Ligas Acadêmicas que promoveram discussões na temática. A atuação dos novos professores, dos docentes sensibilizados com o tema e dos estudantes levou à organização de seminários que fomentaram a mobilização da comunidade acadêmica e do corpo docente para a promoção das adequações necessárias no currículo médico e Planos Políticos-Pedagógicos (PPC) para a inclusão da disciplina em CP, tendo em vista as DCN de 2014, como revela o entrevistado.
“O primeiro PPC, já construíram em cima de incluir CP. Desde a primeira versão, que já foi feita, de 2013/14, e aí teve o primeiro concurso (...).” (42 anos, coordenador, Nordeste)
Houve destaque também por parte de alguns professores sobre a necessidade de mudança do currículo médico, do modelo predominantemente flexneriano para o da integralidade da atenção, a fim de contemplar as novas DCN. Contexto este que pode ser entendido como uma mola propulsora para as novas perspectivas no ensino da medicina.
“A gente estava no momento de uma mudança mais integradora, (...) mas estamos com um currículo híbrido (…).” (54 anos, coordenador, Centro-oeste)
3.2 Hoje - Como está ocorrendo o ensino em CP e desafios apontados
São apresentadas nesta categoria as características do ensino em CP nas escolas estudadas e as barreiras elencadas pelos docentes. Os professores destacam que o aprendizado em CP qualifica o cuidado, sendo uma estratégia que contribui na proporcionalidade terapêutica e humanização.
“Os cuidados paliativos é uma forma, uma possibilidade de humanizar. A assistência é desumana porque ela está permeada por receios, de uma prática médica judicializada [e] defensiva.” (56 anos, coordenador, Sul)
Destacaram que a disciplina deve abordar competências nucleares dos CP, tais como tomada de decisão compartilhada, abordagem da espiritualidade, comunicação de más notícias, enfoque na pessoa e na família, manejo dos sintomas e prevenção de complicações e o aprendizado da bioética.
“O CP visa reconhecer a morte como um processo natural, entender a pessoa como um todo, alívio da dor, o plano de cuidado e a equipe multidisciplinar, o registro, o cuidado com a família (...).” (48 anos, coordenador, Sudeste)
Uma das estratégias apontada pelos docentes no ensino em CP foi o caráter interprofissional e interdisciplinar, sendo destacado a importância de postura reflexiva para o aprendizado.
“(...) o médico vai se tornar mais preparado para diferentes visões (...), quando estiver convivendo nos espaços de interdisciplinaridade." (35 anos, professora, Sudeste)
Os cenários de ensino apontados pelos professores incluem toda a rede de atenção, aliado ao trabalho conjunto com equipe interprofissional e em disciplinas integradas.
“(...) tem o momento prático, no eixo da AP fazem visita e no eixo clínico, na oncologia, [no] ciclo de vida, tem a integração e alguns [temas] mais específicos”. (45 anos, professor, Nordeste)
No processo de aquisição das competências consideradas nucleares, é necessária a estruturação de um sistema de avaliação formativa, sendo destacados tanto os métodos observacionais, como os relatos de experiências até os mais estruturados como portfólio online, em que o saber fazer, ressignificar a aprendizagem e aplicar o que aprende pode ser valorizado na avaliação.
“A parte prática tem muito peso, o feedback... a prova, por ex. [comunicar uma] má notícia. Temos o OSCE, que é uma avaliação mais prática (…)”. (40 anos, professor Sudeste)
As narrativas enfatizam que o ensino seja realizado em cenários práticos e esteja inserido em diversas disciplinas integradas, reforçando a importância deste aprendizado nos diversos níveis do sistema de saúde, embora muitas vezes, esteja restrito a apenas um dos níveis do sistema. Somado aos obstáculos da fragilidade da rede de atenção, são observados ambiguidades --e embates culturais em relação às mudanças de modelo, como presente nas falas:
“(...) [existem] dois grupos de alunos: um que acredita no Plano Político Pedagógico e outro que não. É o hospital, na beira do leito, que assim é melhor para aprender: centrado na doença”. (50 anos, coordenadora Sudeste)
Os entrevistados evidenciam como entraves ao ensino a escassez de docentes capacitados e a dificuldade do rompimento com o modelo de ensino tradicional, tanto pela instituição quanto pelos docentes. Dessa forma, os docentes destacaram a necessidade de profissionalização dos mesmos em relação à temática:
“Minha formação mesmo não tive, foi necessário buscar por fora”. (55 anos, professor, Sudeste)
3.3 Amanhã - Caminhos apontados para o ensino
Nesta categoria serão elencados os temas percebidos pelos docentes como necessários no aprimoramento do ensino em CP, sua valorização no desenvolvimento das competências emocionais e na formação humanista do médico, como preconizado pelas DCN. Os docentes ressaltaram a importância e o sentido da prática para o aprendizado e compreensão das necessidades nos diversos estágios da doença. Isso favorece a valorização do cuidado do doente em detrimento do foco na doença, implicando na formação de valores de vida que o médico precisa ter em sua valise para a compreensão do processo saúde-adoecimento na formação médica.
“Se quisermos que seja valorizado, [deve]estar em todos os espaços, na APS ou onde quer que seja, ser centrado na pessoa, além da doença, tem que começar na graduação!” (30 anos, professor, Sudeste) “Desde o primeiro período. Parece precoce, mas para entender que o paciente é um todo, a parte social, o financeiro, a família. Tudo envolve, é humanização”. (41 anos, professor, Sudeste)
As falas demonstram que, ao se depararem com a temática dos CP e o contato com o paciente, os alunos iniciam um processo de autorreflexão e desenvolvem transformações que irão acarretar o desenvolvimento de competências emocionais e promoção da resiliência.
“Começar a olhar que quando você toca o outro, você também é tocado.” (50 anos, professor, Sudeste)
Segundo os entrevistados, as disciplinas necessitam estar integradas desde os primeiros anos, através de um eixo humanista e calcado no modelo da integralidade. A inclusão de uma disciplina em CP deve abordar as especificidades desse campo.
“Um ponto forte [é que] colocamos desde o primeiro [ano] os determinantes sociais e, quando vai chegando nos outros anos, na disciplina em CP, vem numa sequência: Bioética no quinto junto com Semiologia, depois vai numa crescente (…) CP no sétimo e oncologia no oitavo período (...) onde o aluno pudesse ter não em blocos, mas transversal.” (41 anos, coordenador, Nordeste)
O ensino de CP deve ser ministrado ao longo da formação, desde os primeiros anos, num sistema modular em diferentes períodos.
“O ideal seria que fosse transversal, ao longo do curso. (...) que pudesse ser aprofundado em cada ano.” (43 anos, professora, Sudeste)
4.Discussão
A motivação dos docentes ao ensino em CP deu-se em decorrência do avanço das doenças crônicas- degenerativas e a presença de pacientes complexos no contexto clínico. Segundo Conceição et al (Conceição et al, 2019), a medicina, mesmo sem garantia da cura, deve melhorar a qualidade de vida e possibilitar uma morte digna. Correia et al (Correia et al, 2018) corroboram os dados desse estudo, ao afirmarem que há escassez da temática no ensino, mas existe interesse em vê-la incluída como disciplina no currículo médico. Conforme pesquisa realizada por Figueiredo e Stano (Figueiredo & Stano, 2013), pouco se ensina ao futuro médico a cuidar do doente que não pode ser curado, o que gera uma insatisfação de médicos, doentes e familiares, incentivando-os a buscar qualificação e experiência. Quanto ao contexto das escolas, é relatado pelos entrevistados que a implantação do ensino em CP é um processo vigente em diversas escolas médicas brasileiras. A importância do ensino do cuidado no fim da vida, averiguada nesse estudo, é corroborada por outros autores (Toledo, 2012) (Letho et al, 2017). A inserção da disciplina em CP no Plano Político Pedagógico aproxima, progressivamente, o discente à prática profissional do médico com foco na pessoa, comprometida com a integralidade do cuidado, com o trabalho em equipe profissional e pautado por princípios éticos, humanísticos e socialmente comprometidos (Pastrana et al, 2016). Essa aproximação é favorecida pela transição do modelo tradicional para o da integralidade proposta nas DCN, juntamente com a mobilização estudantil e os projetos de extensão universitária, de acordo com as especificidades de cada escola médica (Oliveira, 2013), e o contexto dos fatores social, econômico e cultural (Floriani, 2013). Em relação às competências consideradas importantes na formação médica, os docentes elencam as habilidades de comunicação que favorecem a tomada de decisão compartilhada, a elaboração de diretivas antecipadas de vontade em respeito à autonomia do paciente, abordagem da espiritualidade, a comunicação de notícias difíceis. Também destacam a abordagem integral, trabalho interdisciplinar e interprofissional; o adequado manejo dos sintomas e a prevenção de complicações do tratamento e do processo do adoecimento. Segundo Caldas et al (2018), a ementa da disciplina deve ser organizada em módulos, abrangendo os princípios básicos dos CP, manejo de sintomas, trabalho em equipe, questões éticas e legais, e assistência à família e pacientes nos últimos momentos de vida Existem congruências apontadas por Pineli et al (2016) quanto às orientações gerais das DCN e os princípios do CP, as quais evidenciam seu potencial espaço formador. Destacam-se a formação humanística, a priorização de pacientes em vulnerabilidade, a valorização da dignidade humana, as questões bioéticas, o respeito à autonomia do paciente, e a abordagem centrada na pessoa. Neste sentido, Oliveira et al (2016) ressaltam que a reflexão destes valores pelos preceptores e estudantes possibilitariam a interlocução com a bioética clínica aplicada e sensibilização quanto à assistência humanitária. De acordo com Floriani (2013), CP são atravessados pelos dilemas bioéticos e sua inserção no sistema de saúde tem sido crescente, respondendo às necessidades técnica e moral diante das situações de abandono ou excesso de tecnologia, respectivamente mistanásia ou distanásia, aos pacientes que necessitam de recursos para alívio do sofrimento evitável. O caminho de mudança paradigmática, do modelo biomédico para o modelo da integralidade, em consonância com as mudanças sociais e as DCN, pode ser um facilitador para o ensino em CP ao longo da formação médica. Segundo Bifulco e Lochida (2009), uma nova forma de relação médico com o binômio paciente-família requer a transformação do olhar e novos domínios de intervenção no social, psicológico e espiritual, em busca da qualidade de vida na finitude. De acordo com Brito et al (2020), é necessária a criação de espaços na matriz curricular que forneçam apoio não apenas teórico-prático, mas também afetivo das questões envolvendo a terminalidade, lapidando a confiança e atitude dos futuros profissionais perante o cuidado integral. Os desafios do ensino em CP requerem um contato continuado, um aprendizado construído através de módulos sucessivos de famílias de situações vivenciadas ao longo da formação (Schillerstrom et al, 2012) (Schaefer et al, 2014) (Smith et al, 2019) Todo o processo de ensino-aprendizagem necessita estar acompanhado por docentes, a partir de uma postura reflexiva, no contexto clínico com interfaces teóricas e avaliação formativa, através de uma individualização dos percursos da formação, numa crescente complexidade nos diversos cenários de ensino. Tal concepção é reafirmada por Calvalcanti Aguiar et al (2021), que estabelecem o aprendizado articulado pelo mundo da prática por meio do desenvolvimento da competência profissional em seus aspectos atitudinais e procedimentais, a fim de fomentar uma formação crítica, reflexiva, humanista e capaz de responder às demandas reais de saúde da população.
5.Considerações Finais
O estudo evidencia, segundo a percepção de seus participantes, que o perfil do egresso de medicina deve estar em sintonia com as necessidades atuais da sociedade brasileira e, para isso, o ensino em CP é essencial. Seus resultados revelam que o aprendizado em CP contribui para a promoção de competências humanistas e reflexivas, em convergência com as DCN, no ensino do modelo da integralidade (Romano, 2005). Nesse sentido, o conhecimento em CP torna-se imprescindível para uma boa assistência em saúde, uma vez que traz o paciente para o centro do cuidado, devendo estar integrado por um eixo humanista ao longo da formação (Centeno & Rodríguez-Núñez, 2015). Ressaltam-se as limitações deste estudo, restrito a uma parcela dos docentes e coordenadores dos cursos médicos que dispõem de ensino em CP. Contudo, seus resultados fornecem subsídios para as políticas de educação e saúde ao evidenciar não apenas a relevância e necessidade do ensino em CP, mas também alternativas para implementar a temática nas escolas médicas.