1.Introdução
O crescente envelhecimento da população mundial tem contribuído para o aumento do número de pessoas idosas com progressiva dependência funcional (WHO, 2015). Contudo, o envelhecimento humano é um processo normal, progressivo e irreversível que ocorre ao longo da vida (WHO, 2015; Galado, 2018), associado ao surgimento de doenças crónicas que podem incapacitar (Rozin et al, 2017) e ao declínio das capacidades físicas e mentais do indivíduo (WHO, 2015). Abrange perda de autonomia e independência e limita a capacidade de autocuidado, compromete a qualidade de vida e desencadeia relações de dependência que interferem nos processos de interação social do idoso (Moraes, 2012). Esta realidade está presente na Europa, e Portugal não é exceção (INE, 2020). Dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a 2019 indicam que, em Portugal, 2.280.424 pessoas são idosas, com 65 anos e mais anos, representando 22,10% da população e denunciam a inegabilidade de que a sociedade portuguesa está experimentando um progressivo envelhecimento demográfico. Isto é, enquanto em 1961 o índice de envelhecimento em Portugal era de 27,50% (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2020), atualmente, este índice situa-se nos 163,20%, sendo o índice de dependência de 34,50% (INE, 2020). Projeções de população residente em Portugal no período de 2018-2080, indicam a hipotética intensificação acelerada do processo de envelhecimento demográfico nos próximos anos, revelando-se previsível o denominado envelhecimento da população idosa. Isto representa o crescimento das pessoas que ultrapassam os 80 anos (INE, 2020). Especificamente a Região Autónoma da Madeira, um território insular português com 254.000 habitantes, também se confronta com envelhecimento demográfico, acentuada taxa negativa de crescimento natural (-0,31) e aumento de pessoas idosas. Nesta região, a população com 65 anos e mais anos é de 17% (N= 43 177), o índice de dependência dos idosos é de 24,30%, sendo o índice de envelhecimento de 129,50% (INE, 2020). Esta evidência sugere a probabilidade de, na região, existir um número elevado de idosos dependentes que, no seu dia-a-dia, no domicílio, necessitam do suporte de um cuidador. À medida que as pessoas mais velhas permanecem nos seus domicílios, membros da família, amigos e vizinhos, não remunerados economicamente pelos cuidados que prestam, assumem cada vez mais o papel de cuidadores informais (Alves & Teixeira, 2016). A relação entre o cuidador e a pessoa cuidada é maioritariamente filial e conjugal (Castro et al., 2016; Galado, 2018; Landeiro, Peres & Marlins, 2015; Martinez, Cardona, & Gomez-Ortega, 2016; Pereira & Duque, 2017), onde perdura a desigualdade de género e a ausência de remuneração (Ceccon et al., 2021; Sousa et al., 2021), sendo que, no geral, o cuidador tem cinquenta ou mais anos, proximidade física e afetiva com o idoso, presta cuidados de forma ininterrupta e solitária, não se beneficia de apoio de serviços públicos, sofre restrições na sua vida pessoal, sobrecarga de trabalho, adoecimento, desemprego e diminuta interação social e afetiva (Ceccon et al., 2021; Sousa et al., 2021). Embora, advenham benefícios tanto para o cuidador como para a pessoa cuidada, os desafios da função podem precipitar problemas de saúde física e mental dos cuidadores, reduzindo a produtividade no trabalho e, concomitantemente, a renda do cuidador (Castro et al., 2016; Areosa et al., 2014). A multiplicidade de tarefas executadas quotidianamente no apoio à pessoa em situação de dependência severa traduz-se em níveis de sobrecarga intensa, imprime impacto negativo na vida do cuidador, designadamente sobre a sua saúde, trabalho, atividades sociais prejudiciais ao seu bem estar (Kong, et al., 2021), abrangendo a prestação de cuidados, a relação interpessoal, as expectativas face ao cuidar e a perceção de autoeficácia dos cuidados prestados (Mónico et al., 2017). Neste sentido, o cuidado integral disponibilizado à díade - idoso dependente e respetivo cuidador, requer recursos assistenciais específicos do sistema de saúde centrados na atenção domiciliar, facilitadores do acesso ao apoio interprofissional qualificado, promotor de saúde e preventivo de doenças (Brasil et al., 2021; Ceccon et al., 2021) e, ainda, suporte emocional e aprendizagem de processos adequados (Couto, Caldas & Castro, 2019) fundamentais para quem cuida e para quem é cuidado. Recentemente, em reconhecimento ao papel de cuidador, vários países criaram legislação com o objetivo de mitigar as vulnerabilidades atinentes ao processo de cuidar. Por exemplo, o Reino Unido sustenta o aconselhamento, registo e capacitação do cuidador, exigindo que os hospitais identifiquem os cuidadores familiares, os quais são informados sobre os planos para alta do paciente familiar e formados para a prestação de cuidados (The National Archives UK, 2014). Também Portugal e suas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, em 2019, aprovaram normativos relativos à criação do Estatuto do Cuidador Informal, que regulam os direitos e os deveres do cuidador e da pessoa cuidada, e estabelecem as respetivas medidas de apoio (Lei n.º 100/2019; Decreto Legislativo Regional n.º 22/2019/A; Decreto Legislativo Regional n.º 5/2019/M). Porém, a subsequente regulamentação final será publicada somente após términus dos projetos-piloto em curso, indiciando que apenas uma exígua franja da população está a ser abrangida por tal Estatuto. Perante as considerações apresentadas, um conjunto de cuidadoras informais de idosos dependentes foram questionadas, tendo em vista a necessidade de se conhecer as representações inerentes à sua práxis quotidiana. Face à relevância do papel de cuidador informal na vida das famílias e da sociedade, o presente estudo tem como objetivo investigar as perceções do cuidador informal sobre a experiência quotidiana vivenciada no cuidado ao idoso dependente.
2.Método
Este é um estudo exploratório, descritivo, de natureza qualitativa e de carácter fenomenológico. A fenomenologia visa compreender e identificar a essência dos fenómenos a partir das experiências vivenciadas e relatadas pelos participantes (Fortin, 2009), cuidadores de idosos dependentes. A componente qualitativa, no seu âmbito, ampara-se nos valores, nas crenças e nas representações dos participantes. Logo, o comportamento humano não pode ser compreendido sem referência aos significados e intenções dados pelos indivíduos às suas ações (Guba & Lincolm, 1994). Assim sendo, a metodologia qualitativa revela-se adequada porque considera e patenteia a essência dos fenómenos e a significação que os participantes lhe atribuem. Como se trata de investigar e compreender um fenómeno tal como é vivido e descrito pelos cuidadores informais, foram consideradas as seguintes questões de resposta aberta:
Quais foram os motivos que o (a) levaram a tornar-se cuidador(a) de idoso dependente?
Quais são os principais cuidados que presta ao idoso dependente?
Quais são os principais benefícios do “cuidado informal” para o idoso dependente?
Qual é o suporte ou o apoio necessário e desejável que precisa para poder prestar os melhores cuidados ao idoso dependente?
Este estudo recorreu a uma amostra não probabilística, constituída a partir da estratégia Bola de Neve (Bockorni & Gomes, 2021), quando um informante-chave indica outros participantes que se alinham aos critérios de inclusão do estudo. O número de cuidadoras informais é de dez, todas do sexo feminino e posicionadas na faixa etária de 35 a 79 anos (M= 53,60; DP= 11,52), cujo tempo de prestação de cuidados aos idosos dependentes varia de 1 a sete anos (1 ano-1; 2 anos - 1; 3 anos - 3; 5 anos - 3; 7 anos - 2). Por ter sido atingida a saturação dos dados, considerou-se desnecessário continuar a aplicar mais entrevistas. Realizou-se um primeiro contacto social com uma informante-chave para apresentar o estudo e solicitar indicações de outros cuidadores para compor a amostra. Devido aos constrangimentos associados à situação pandémica do COVID-19, que obrigaram ao confinamento, o questionário foi enviado aos participantes identificados por e-mail, em dezembro de 2020, com questões sociodemográficas sobre sexo, idade, estado civil, profissão do cuidador informal; e sexo, idade, tempo de dependência e grau de dependência do idoso. As respostas ao questionário, bem como o consentimento livre e esclarecido foram devolvidas até ao final de janeiro de 2021, num mesmo envelope, devidamente cerrado. O estudo empírico teve lugar numa região insular portuguesa, demograficamente envelhecida, concretamente, na Região Autónoma da Madeira, tendo sido adotado como critérios de inclusão dos participantes: ser o principal familiar cuidador de idoso dependente, ter idade superior a 18 anos, residir na Ilha da Madeira, Portugal, e estar disponível para participar do estudo. Os participantes foram convidados a responder ao instrumento de recolha de dados após assinarem um termo de consentimento livre e esclarecido. Foram cumpridos procedimentos éticos, designadamente, proteção dos participantes relativamente a danos físicos ou mentais, direito à privacidade do seu comportamento, participação integralmente voluntária e informação prévia dos objetivos do estudo (Feldman, 2001). Para garantir o anonimato e a confidencialidade dos dados, os questionários foram identificados pela letra Q seguida da numeração relativa ao número de participante (Q1 a Q10). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, sob o parecer n.º 1.326.631. Os dados obtidos foram tratados de forma anónima e confidencial, protegidos ao abrigo do Regulamento (EU) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, e a Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto de 2019, que garante a sua execução na ordem jurídica nacional. O tratamento dos dados qualitativos foi efetuado com base na análise de conteúdo (Bardin, 1995), a partir do testemunho das participantes. Esta técnica toma em consideração as significações (conteúdo) ordenadas e classificadas, tendo sido analisadas segundo os pressupostos da hermenêutica-dialética. As descrições das participantes colocaram em evidência quatro temas ou categorias (temáticas), que estão exploradas nos resultados e discussões deste estudo, e, após reflexões, levaram as conclusões. No respeitante à codificação, foi usada uma abordagem indutiva, tendo como unidade de análise a frase. Como o número de participantes é pequeno, não houve recurso a artefactos tecnológicos. As técnicas de análise de dados englobaram a leitura atenta de todas as descrições para apreensão do sentimento que nela é retratado, destaque das frases que estão diretamente associadas ao fenómeno, obtenção de significações de cada enunciado relevante, busca das unidades de significado e exposição, de forma exaustiva, dos elementos que revelam a essência do fenómeno. A validade interna implicou releitura compreensiva e exaustiva entre investigadores, que reexaminaram as respostas dadas pelas participantes e extraíram, por fim, a significação de cada uma delas. Foi importante abranger uma visão o mais completa possível do assunto emergente, existindo a necessidade de triangular múltiplas perceções e interpretações dos autores para clarificar cada significado. O processo abarcou uma construção interpretativa singular, procedente da conjugação do contacto com o contexto empírico particular e do olhar subjetivo de quem investiga em concreto. Numa fase inicial, o estudo forneceu um manancial de categorias que foram aglutinadas para uma maior facilidade de gestão e deram lugar às subcategorias descritas nos resultados que se seguem. Concomitantemente, os achados sintetizados, alinhados com as questões de pesquisa e o objetivo do estudo, foram comparados com o referencial teórico-metodológico, procurando outorgar um suporte fidedigno ao estudo. Adicionalmente, a validade do constructo da investigação realizada consistiu numa revisão acurada por parte dos participantes bem como dos coautores, do relatório redigido em relação ao respetivo fenómeno em estudo. As asserções extraídas neste estudo, para obterem validação externa, necessitam de replicação através de novos estudos individuais e respetiva aplicação em diferentes contextos sociais, geográficos e globais.
3.Resultados e Discussão
Os resultados mostram que, dentre as 10 cuidadoras informais, 4 têm idade menor ou igual a 50 anos; 4 de 51 a 60 anos; 1 com 61 anos; e 1 com 79 anos. Cinco das participantes vivem com par; 6 têm atividade profissional (1 Bancária; 2 professoras; 2 Técnicas Superiores; 1 Designer Gráfico; 1 assistente operacional); 2 estão desempregadas; 1 é aposentada; 5 referem ser portadoras de doença crónica; e 6 coabitam com o idoso. Conforme os critérios de inclusão elegidos, a relação do cuidador informal com o idoso dependente é familiar, colocando em primeiro lugar as filhas (9), que cuidam das mães, e, por fim (Q1, Q3-Q10), a esposa (1), que cuida do marido (Q2). Os idosos dependentes assistidos pelas cuidadoras sob investigação são 9 mulheres e 1 homem, encontram-se no escalão etário de 65 a 95 anos (M= 82,90; DP= 7,68); 3 deles enquadram-se no grau de dependência moderada; 3 na severa; e 4 são totalmente dependentes. A análise qualitativa incidiu sobre todos os dados obtidos a partir da aplicação do questionário utilizado, tendo em conta o objetivo do estudo. Numa narrativa analítica, subjetiva, num nível de análise de conteúdo, passa-se a expor, sequencialmente, nas quatro temáticas definidas, a apreciação dos depoimentos das participantes.
3.1 Motivos que levaram a tornar-se cuidador de idoso dependente
A tarefa de cuidar é eminentemente feminina (Kobayasi et al., 2019; Sousa et al., 2021), principalmente assumida por filhas e esposas, algumas já longevas, assumida voluntariamente (Mónico et al., 2017). Essa tarefa é invisível, não remunerada, mas afeta a sociedade como um todo (Areosa et al., 2014; Ceccon et al., 2021; Melo et al., 2019; Minayo, 2020; Souza et al., 2015). Neste estudo, observa-se que a relação familiar próxima com o idoso dependente, maioritariamente filial (9 filhas cuidam das mães e 1 esposa cuida do marido), sendo este o principal motivo para tornar-se cuidador do familiar idoso dependente, conforme explicita a literatura internacional (Ceccon et al., 2021; Mónico et al., 2017; Pereira & Duque, 2017): “Assumi essa função porque sou filha e vivo muito próximo da minha mãe.” (Q1); “Porque [a idosa] tornou-se dependente total de terceiros.” (Q6) A assunção do papel de cuidador informal pode estar relacionada com fatores inerentes ao idoso, como o estado de saúde e rejeição de institucionalização, ou com fatores ligados ao cuidador, como o dever e obrigação, gratidão ou retribuição, dependência financeira, grau de parentesco, género, proximidade física e afetiva, estado civil, situação laboral e respeito pela vontade do idoso; e, ainda, fatores associados com a família, como a tradição familiar e ausência de outra resposta (Cruz et al., 2010). O testemunho seguinte reitera o facto de ser filha e estar disponível para prestar cuidados à mãe: “Pelo fato de ser minha mãe e eu ter mais disponibilidade [para cuidar dela].” (Q9) Portanto, os achados do presente estudo apoiam a noção de que a maioria dos cuidadores são predominantemente do sexo feminino, principalmente filhas e esposas, de meia-idade, ou idosas (Areosa et al., 2014; Ceccon et al., 2021), sendo o principal motivo para se manter cuidador respeitante à obrigação familiar/pessoal (Areosa et al., 2014; Mónico et al., 2017). Neste âmbito, os cuidadores alegam que o papel é favorecido pela relação forte e de confiança existente, e respeito pelo cumprimento dos desejos do idoso dependente: “Porque sou filha, por termos uma relação muito forte e de grande confiança.” (Q5); “Porque o desejo da minha mãe foi passar a sua velhice na sua casa.” (Q7) A tendência de manter o idoso no domicílio desponta como uma aquiescência do próprio desejo, embora oculte a delegação de competências do Estado para a família (Minayo, 2020). Nesse cenário, diversas famílias vivenciam contextos de fragilidades física, financeira e social, acrescidas de implicações na saúde mental do cuidador (Camargo, 2010): “... porque não era possível colocar a idosa num lar devido ao preço estipulado.” (Q3); “... não existirem instituições que possam acolher pessoas com patologias severas e manifestações de demência e delírios noturnos a preços suportáveis.” (Q4) A carência económica e financeira, e a assunção da função de cuidar de modo precário e não renumerado (Ceccon et al., 2021), emergem como fortes motivos para a manutenção do cuidado domiciliar. Os depoimentos denunciam que, apesar do reconhecimento da importância do seu papel na prestação de cuidados ao idoso dependente, plasmado no Estatuto do Cuidador Informal, as cuidadoras participantes neste estudo, continuam a fazer parte da face oculta da sociedade.
3.2 Principais cuidados prestados ao idoso dependente
A função de cuidador informal vai muito além do auxílio, da prevenção e da vigilância de doenças (Castro et al., 2016). Realiza-se em função do grau de dependência e respeita, principalmente, à medicação, higiene, alimentação e companhia (Mónico et al., 2017). Neste âmbito, as participantes acrescentaram a hidratação, a tranquilidade, o entretenimento, a limpeza do domicílio e a promoção da autonomia, indispensáveis à satisfação das necessidades básicas humanas e à manutenção de uma vida com dignidade:
“Higiene pessoal, alimentação, administração de medicamentos, companhia e tranquilizar o idoso quando está com delírios noturnos.” (Q4)
“Atender e respeitar os seus interesses (...) cumprimento do esquema terapêutico, promover a autonomia, promover um ambiente confortável e tranquilo e assegurar uma boa alimentação e hidratação.” (Q5)
“... monitorização, cuidados médicos (consultas) e outros” (Q6); “... apoio emocional.” (Q7)
“... companhia, pernoitar...” (Q8)
“Todos os cuidados prestados possíveis com um grau de dependência total, acamada e sem falar, tomar banho, comer na cama, beber água de seringa, esmagar toda a medicação, servir a 100%, porque não ajuda em nada, paralisia total.” (Q10)
A atitude adotada perante os desafios que a função de cuidador informal obriga é fundamental. Neste âmbito, a aceção de que a “a calma é a base para bons cuidados” (Q9) sugere a invocação à importância que a atenção à saúde mental do cuidador requer para benefício do próprio e, concomitantemente, do idoso dependente.
3.3 Principais benefícios do “cuidado informal” para o idoso dependente
O cuidador informal é considerado um pilar essencial de apoio ao idoso em situação de dependência (Mónico et al., 2017). Ao criar melhorias na qualidade de vida, facilitar a estadia na própria residência e até na sua indispensabilidade para a sobrevivência, através dos cuidados prestados, o cuidador informal aporta benefícios ao idoso dependente:
“O idoso dependente tem a possibilidade de usufruir apoio direto, mais rápido e beneficiar da ajuda de um familiar.” (Q1)
“Manter-se no seu lar, com os seus recursos / bens pessoais e o seu conforto.” (Q5)
“Neste caso, os cuidados providenciados facultam a sobrevivência da dependente, sem ela não poderia sobreviver, uma vez que é dependente na totalidade.” (Q3)
Na aceção das participantes, cabe ao familiar cuidador “Proporcionar uma vida equilibrada, tranquilizadora e preventiva, bem como evitar a solidão (Q5). As participantes também realçaram a importância dos afetos, do conforto e da companhia do familiar em quem o idoso confia:
“Estando a acompanhá-lo permanentemente e por ser parente próximo, há maior afinidade e dedicação com o idoso.” (Q6)
“Os filhos estarem sempre presentes na vida da minha mãe; o conforto, o sorriso; as conversas.” (Q7)
“Está no seio da família onde há reciprocidade de afetos e confiança.” (Q4)
“É, com certeza, estar junto dos nossos, e o que fazemos por amor, não chamaria benefícios, mas sim, companheirismo.” (Q9)
Os trechos fulcrais, acima expostos, inerentes aos valores da família e da humanização dos cuidados à pessoa idosa (Mateus & Fernandes, 2019), expressam claramente as perceções das participantes. Contudo, apesar de a prestação de cuidados a idosos dependentes continuar a constituir um valor fundamental, Pereira & Duque (2017) advogam a necessidade de ser assegurada a qualidade de vida quer da pessoa cuidada, quer do cuidador.
3.4 Suporte ou apoio necessário e desejável que o cuidador necessita para prestar os melhores cuidados ao idoso dependente
As dificuldades enfrentadas pelo cuidador informal decorrem, essencialmente, da exigência que o cuidado impõe, da insuficiência das respostas formais e informais, de problemas financeiros e da restrição da vida pessoal (Cruz et al., 2010). As participantes destacam a imprescindibilidade do apoio domiciliário diário disponibilizado pelos serviços públicos de segurança social e, ainda, de outro cuidador “profissional”: “Usufruir diariamente de apoio domiciliário” (Q1); “Apoio da segurança social e da empregada” (Q3). Portanto, a atividade de cuidar tende a erodir a vida do cuidador (Camargo, 2010). Os cuidadores evidenciam a necessidade de apoio ancorado nas políticas de saúde, pois a sobrecarga do cuidado vulnerabiliza-os para o surgimento de doenças (Rozin et al., 2017). Neste âmbito, os desafios que envolvem o cuidado ao idoso dependente e as iniquidades sociais em saúde ampliam as vulnerabilidades do cuidador e do idoso, sobretudo quando a dependência funcional é total. Logo, confrontadas com os múltiplos e complexos desafios da função (Cardoso et al., 2018; Couto et al., 2019; Melo et al., 2019), emersa em situações de conflito, tensões, desgaste físico e emocional, alterações de planos de vida, isolamento social e sobrecarga de trabalho (Areosa et al., 2014), também invocam a necessidade de institucionalização do idoso num lar ou, por outro lado, apontam dificuldades laborais e reclamam apoio monetário para suprir as despesas com um profissional de saúde:
“Conciliar a atividade profissional com a prestação de cuidados.” (Q5)
“Devido ao grau de severidade da dependência, que requer pelo menos uma pessoa por dia para ajudar a prestar os cuidados que são permanentes, dia e noite, é necessário e desejável incluir o idoso numa instituição onde pudesse auferir cuidados adequados e permanentes, com dignidade.[...] Apoio financeiro para pagar uma trabalhadora ou uma enfermeira e manter o idoso na sua casa.” (Q4).
As participantes apontam a importância de manter aptidão física e psicológica como veículo para a disponibilidade no enfrentamento das adversidades conexas ao ato de cuidar do idoso dependente: “É necessário haver um suporte psicológico. Muitas das vezes, o cansaço físico e emocional é muito desgastante e/ou por vezes insuportável” (Q7); “Estar apto física e psicologicamente.” (Q2) Embora muitas das necessidades dos cuidadores de idosos dependentes pudessem ser sanadas através de apoio monetário, atenção à sua saúde física e psicológica, os depoimentos relatam outros determinantes intrínsecos ao próprio cuidador, alicerçados na sua disponibilidade, na manutenção do foco, incluindo a pausa no cuidar: “Equilíbrio emocional e físico; disponibilidade...” (Q8); “Manter-se focado, é a base.” (Q9). “A necessidade de haver períodos de descanso.” (Q5) Este estudo assinala desafios vivenciados pelos cuidadores informais, que podem condicionar o seu bem- estar e a qualidade de vida do idoso dependente. Concretamente, a compatibilização entre o papel de cuidador de idoso dependente e a necessidade de capacitação para a prestação de cuidados corrobora o seguinte testemunho: “Receber formação para desenvolver capacidade e adquirir competências para a prestação adequada de cuidados de saúde” (Q5). Confrontados com os familiares idosos que perdem a sua autonomia física e independência, cognitiva, mental, emocional e social (Minayo, 2020; WHO, 2015), os cuidadores desenvolvem sobrecarga, desgaste emocional e minoração na qualidade de vida, reclamam atenção, apoio e capacitação (Couto et al., 2019). Esta evidência apoia a literatura de referência quando aponta a necessidade de cuidar de quem cuida de idosos dependentes como um imperativo que urge promover (Minayo, 2020), porque, em suma, a qualidade de vida do cuidador contribui para a qualidade de vida do idoso dependente (Rocha, 2015- 2016). Logo, sendo o cuidador informal um elemento fulcral na vida do idoso dependente, urge a existência de políticas de saúde capazes de promover o desenvolvimento de competências conducentes à superação das dificuldades e dos desafios inerentes ao cuidar. Por exemplo, recorrer a tecnologia educacional sobre cuidados a idosos a partir das necessidades, dificuldades e interesses manifestados pelos cuidadores, pode derivar num contributo profícuo, enquanto instrumento dinamizador que visa a orientação e a informação do cuidador, da população e de profissionais que atuam no cuidado ao idoso. Além disso, Rocha, (2015-2016) assevera que a relevância de um projeto educacional, com a inclusão do tema envelhecimento nos currículos escolares, pode colaborar para o respeito pela pessoa idosa e a promoção e prevenção de saúde em todas as idades, desconstruindo, assim, a ideia de que o envelhecimento é só dor e sofrimento, preparando todos os envolvidos para o processo de envelhecimento, longevidade e cuidados.
4.Conclusões
Evidenciar as perceções de cuidadoras informais sobre as experiências vivenciadas perante a dependência funcional dos seus familiares idosos leva a compreender que o seu quotidiano é embrenhado por enormes e complexos desafios para os quais não se sentiam habilitadas. Na verdade, o envelhecimento crescente da população idosa levou a que a assunção dos cuidados seja prestada por cuidadoras com vínculo familiar, na maioria, com relação filial, algumas longevas e com dificuldades económicas para suprirem o acréscimo de despesas com a supressão das necessidades do idoso. A metodologia qualitativa permite aceder a uma visão ampla de um fenómeno presente na sociedade hodierna e que requer muita atenção. Nesse sentido, foi possível identificar fragilidades decorrentes da prestação de cuidados que assinalam implicações negativas a nível da saúde física e psicológica das cuidadoras, as quais, além de sentimentos positivos, benéficos e gratificantes, vêm-se, numa ambivalência, assolados por um extenso manancial de sentimentos e emoções negativas. Os principais cuidados prestados ao idoso dependente compreendem o atendimento e a satisfação das necessidades básicas humanas. Desta forma, o idoso é beneficiado por cuidados mais humanizados, no próprio lar e, sobretudo, numa relação de confiança e afeto. Por outro lado, este estudo, que parte do diálogo e da interpretação fenomenológica, também descortina a importância do apoio domiciliário estatal, a conciliação da vida profissional e de cuidador, a dificuldade financeira, a necessidade de coadjuvação e de apoio psicológico e a importância de educação para a saúde, sobretudo para o cuidado e relações de cuidado para com o idoso dependente. Os achados apresentados emergiram de uma amostra de cuidadoras informais residentes numa localidade insular, não podendo ser generalizados nem considerados representativos da população portuguesa. Identificam situações que são corroboradas por referenciais internacionais e podem ser transferíveis para contextos semelhantes em países demograficamente envelhecidos, onde os serviços públicos de saúde são escassos ou inexistentes. Considera-se que um quantitativo maior de participantes residentes noutros contextos geográficos acresceria informação e contributos para a construção teórica em curso. Adicionalmente, este estudo foi conduzido numa única região insular portuguesa, junto de cuidadoras que ainda não beneficiaram da aplicação do Estatuto do Cuidador Informal, mas deu voz a um grupo fundamental, emerso na face oculta da sociedade, podendo confluir para a criação, desenvolvimento e implementação de políticas sociais destinadas a potenciar a capacitação de cuidadores informais com saberes e recursos para lidarem de modo eficaz com a prestação de cuidados ao familiar idoso dependente.