1.Introdução

Um dos principais desafios da modernidade, especialmente para o campo da saúde, trata-se do processo de envelhecimento que vem ocorrendo em decorrência do aumento da expectativa de vida da população e da diminuição das taxas de natalidade. O aumento da população idosa é uma realidade mundial; estima-se que a população acima de 65 anos, no Brasil, em 2060, será de aproximadamente 25% do total de habitantes. Com a mudança, novas necessidades foram explicitadas, dentre elas as enfermidades sociais relacionadas aos idosos e os conflitos intergeracionais (^{Alarcon et al., 2021}; ^{Miranda, Mendes, & Silva, 2016}; ^{Castro, Rissardo, & Carreira 2018}). Segundo a Organização Mundial da Saúde, indivíduos com 60 anos ou mais em países subdesenvolvidos, como o Brasil, são considerados idosos. Constitui-se como envelhecimento a involução morfofuncional irreversível que leva à perda de capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, tornando-o exposto às agressões internas e externas. A maior vulnerabilidade da pessoa idosa frente à sociedade constitui um notável fator para a violência contra o idoso (^{Alves, Faria & Meirelles Junior 2016}) . A violência é um fenômeno multicausal profundamente enraizado no tecido social, cultural e econômico da vida e aquela praticada contra a pessoa idosa caracteriza-se como: “um ato único, repetido ou a falta de ação apropriada, ocorrendo em qualquer relacionamento em que exista uma expectativa de confiança que cause dano ou sofrimento a uma pessoa idosa” (^{World Health Organization [WHO], 2002}). Esta pode proceder-se de diversas formas, sendo as mais recorrentes: (1) violência física, quando se utiliza da força para gerar lesões e sofrimento; (2) violência sexual, relacionado às relações sexuais ou ainda toque nas regiões íntimas sem consentimento; (3) violência psicológica, englobando atos e ações verbais com a intenção de gerar angústia; (4) abuso financeiro, onde há o uso indevido dos bens da pessoa idosa sem consentimento, e (5) negligência, caracterizado pela falta de ações, intencionais ou não, relacionadas às necessidades básicas da pessoa (^{Brownell, 2016}; Castro, Rissardo, & Carreira 2018). Devido à subnotificação de casos de abuso contra o idoso, os reais dados de incidência e prevalência não são conhecidos (^{Micheletti, Garcia, Melicchio, & Vagostello, 2011}). A subnotificação é reflexo do desconhecimento da sociedade sobre os sinais de abuso e sobre os direitos da pessoa idosa. Nesse quesito, há relevância de estratégias educativas relacionadas à saúde do idoso serem implementadas em currículos durante a graduação, visto que a violência contra a pessoa idosa é uma questão de saúde pública que pode ser evitada e seus danos reduzidos por meio de processos educativos. Para a proteção do idoso e para o combate da violência, é preciso respaldar a sociedade com o acesso às informações e reflexão acerca do tema; contudo, isso só será possível a partir de pesquisas que contemplem processos educativos para identificação e prevenção da violência contra o idoso, ressaltando-se a necessidade do desenvolvimento de produções científicas, visto que o tema é escasso na literatura científica nacional. A violência é um processo tão complexo na humanidade que as intervenções educativas que abordam essa temática são imprescindíveis na busca de uma sociedade mais segura e justa. ^{Bauman e Donskis (2014}) refletem que na modernidade as pessoas estão, muitas vezes, indiferentes aos acontecimentos ao seu redor, o que Bauman denomina de “adiaforização da conduta humana” e, desse modo, parando de reagir aos horrores das guerras, assassinatos e conflitos em geral, e que todo esse fenômeno se deve à banalização da violência e das desigualdades sociais nas diversas sociedades e culturas.

2.Objetivo

Analisar como vêm sendo realizados os processos educativos sobre a violência contra a pessoa idosa, a partir de uma revisão integrativa da literatura.

3.Método

Dentre as diferentes técnicas da Pesquisa Qualitativa, utilizou-se a Revisão Integrativa da Literatura (RIL) que se caracteriza pela análise de diferentes documentos de domínio científico, visando a síntese dos resultados de diferentes estudos sobre um determinado tema com ampla abrangência, incluindo pesquisas experimentais e não-experimentais. Portanto, consiste na análise sistemática e ordenada para compreensão absoluta do evento analisado (^{Canuto & Oliveira, 2020}; ^Souza, ^{Silva & Carvalho 2010}). Assim, a RIL visa construir conclusões gerais sobre determinada temática a partir da análise ampla da literatura científica, além de identificação de lacunas de conhecimento que demandam a realização de novos estudos (^{Mendes, Silveira & Galvão, 2008} ). Optou-se por essa técnica metodológica, pois o presente estudo constitui a primeira fase de um projeto maior que visa o desenvolvimento de uma estratégia educativa para combate da violência contra o idoso e validação de um instrumento de rastreio com o mesmo intuito. Para isso, seguimos as seis etapas descritas por Mendes, Silveira & Galvão (2008): a) identificação do tema e seleção da hipótese, ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa; b) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem ou busca na literatura; c) definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; d) avaliação dos estudos inclusos na revisão integrativa; e) interpretação dos resultados; e f) apresentação da revisão/síntese do conhecimento (Mendes, Silveira & Galvão, 2008, 761-763). A primeira etapa constituiu na definição da pergunta norteadora, a partir da qual identificamos e empregamos os dados relevantes para o desenvolvimento da pesquisa, além de definirmos o público-alvo da pesquisa e os resultados a serem julgados. Portanto, utilizamos a referida pergunta norteadora: “Como vêm sendo realizados os processos educativos sobre violência contra a pessoa idosa voltadas para os adultos jovens?” Posteriormente, prosseguiu-se com a busca dos documentos científicos, no período de agosto de 2021, nas seguintes bases de dados: Scopus, Web of Science, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), com os descritores de assunto “idoso”, “violência”, “envelhecimento”, “saúde do idoso”, “educação”, “maus- tratos ao idoso”, “educação em saúde”, “adulto jovem”, ”conhecimento” e “descoberta do conhecimento”. Em relação aos critérios de inclusão, não foram limitados idioma e período de publicação dos estudos, visto a especificidade da pergunta de pesquisa. Foram excluídos os estudos que tratavam de revisão da literatura e as reflexões teóricas sobre o tema, manuais, dissertações e teses. Como resultado da busca, obteve-se um total de 1211 documentos, sendo 516 da base de dados Medline, 456 da Scopus, 183 da Web of Science e 11 da LILACS. O passo seguinte foi a leitura de todos os títulos e verificação dos tipos de estudo, excluindo-se aqueles que não respondiam à pergunta de pesquisa. Após utilizar os critérios acima descritos, foram excluídos 1172 documentos. Dos 39 artigos selecionados, dois foram excluídos por estarem duplicados, e foram lidos todos os 37 resumos. Nesta etapa, 11 foram excluídos por não responderem à pergunta da pesquisa. Logo, 26 foram selecionados para leitura do artigo na íntegra e fichamento. Após o fichamento, 14 foram eliminados por não evidenciarem estratégias educativas e o seu impacto na identificação e combate da violência contra o idoso. Segue fluxograma com os critérios utilizados para seleção dos artigos. Em todas as etapas foi realizada revisão por pares, buscando, assim, validar cada tomada de decisão em relação à inclusão ou exclusão. As avaliações foram realizadas por consenso, após dupla checagem e independente de análise, conduzidas por dois componentes da equipe de pesquisa, formada pela aluna e orientadora, e as discordâncias foram averiguadas pelo terceiro pesquisador (Doutoranda).

Figura 1. Fluxograma com os passos utilizados para a seleção dos artigos

Para a terceira fase do estudo, utilizou-se como ferramenta de análise qualitativa dos resultados o software NVIVO Plus, versão 11. Neste, inicialmente foram inseridos os 12 artigos selecionados; em seguida, cada artigo foi classificado conforme ano de publicação, base de dados, público-alvo e país de desenvolvimento do estudo. E depois foram criados códigos referentes a cada núcleo de sentido encontrado. Para compreensão e sistematização dos dados, foram elaborados mapas conceituais dentro do software que auxiliaram na organização dos dados e análise. O uso de softwares em pesquisa qualitativa vem sendo fortemente recomendado, uma vez que eles contribuem para que o processamento das informações ocorra a partir de um conjunto de regras que lhes conferem um maior rigor científico, objetividade e facilitam a sua replicabilidade. Embora existam diferentes tipos de softwares de análise qualitativa no mercado, sobre o Nvivo, aponta-se que ele agrega características importantes contidas em outros pacotes (^{Costa, 2018}). Para a análise dos dados no NVIVO Plus, seguiu-se os pressupostos teóricos da análise de conteúdo, na modalidade temática, por permitir a representação dos elementos das mensagens a partir da sua classificação ou codificação em categorias e subcategorias, ou seja, identificando as ideias contidas em cada artigo, formulando os núcleos de sentido e as categorias temáticas (^{Minayo, 2013}; Costa, 2018). Os estudos foram avaliados, ainda, segundo o Nível de Evidência (NE), considerando a seguinte classificação: nível I - revisões sistemáticas e metanálise; nível II - estudos randomizados controlados; nível III - estudos controlados sem randomização; nível IV - estudo caso-controle ou coorte; nível V - revisão sistemática de estudos descritivos ou qualitativos; nível VI - estudos qualitativos ou descritivos; nível VII - consenso e opinião de especialistas (^{Stillwell, Fineout-Overholt, Melnyk, & Williamson, 2010}). Na presente revisão integrativa da literatura, foram respeitados os princípios nacionais e internacionais de ética em pesquisa, que orientam que o desenvolvimento de revisões de literatura deve prezar pela manutenção das ideias dos autores das publicações.

4.Resultados

Quadro1. Dados referentes aos artigos selecionados para a RIL 

Dos 12 estudos (Quadro1) incluídos na pesquisa todos são internacionais, sendo os Estados Unidos da América o país com o maior número de estudos (7/12), os demais foram realizados na Inglaterra (2/12), a mesma quantidade no Canadá e um na Austrália. As ações educativas foram destinadas a estudantes de enfermagem, de psicologia e odontologia; além disso, alguns deles foram destinados a profissionais de saúde de diferentes categorias, médicos residentes, psiquiatras iniciantes e cuidadores de idosos. A metade dos estudos encontra-se na modalidade de relato de experiência. Nos demais estudos, participantes passaram por um processo de intervenção por meio de estratégias educativas sobre a violência contra a pessoa idosa, alguns deles com avaliação antes e após a mesma. Depreende-se, assim, que metade dos estudos apresenta nível II e a outra metade nível VI. Na análise dos dados, foi possível definir a temática das estratégias educativas evidenciando aquelas que possibilitam a proatividade e protagonismo dos participantes, bem como aquelas que são potencializadas por partirem da realidade da prática profissional e, portanto, por meio da utilização de estratégias como a simulação em realidade virtual (Figura 1).

Figura 1 Categoria temática- Estratégias Educativas sobre violência contra a pessoa idosa, NVIVO Plus, 2022 

5.Discussão

Os estudos abordam diferentes estratégias de ensino e aprendizagem, entretanto, observa-se que, embora alguns deles (A3, A4, A5) ainda mantenham o método tradicional de ensino por meio de aulas didáticas e uso de slides, eles buscam diversificar as estratégias, articulando-as em estratégias mistas (A3) visando uma aproximação com o cotidiano das pessoas idosas, considerando os riscos e vulnerabilidades advindos do processo de envelhecimento, bem como o fenômeno da violência contra a pessoa idosa. Destaca-se a utilização da simulação de situações reais, conforme os estudos A1, A2 e A7. A simulação é uma estratégia educacional potente que proporciona o conhecimento prévio e a aquisição de habilidades comunicacionais, afetivas e técnicas para que se aprenda a lidar com situações que necessitam de competência, com supervisão, apoio e sem colocar pessoas em risco. O artigo A7 explora a simulação por meio da Realidade Virtual como uma estratégia educacional e tecnológica para o ensino sobre abuso e negligência contra a pessoa idosa, ressaltando a potencialidade desta ferramenta. Nos cenários de simulação, acertos e erros fazem parte do processo de ensino e aprendizagem, auxiliando na construção de conhecimentos, práticas e atitudes (^{Mazzo et al., 2017}). Em pesquisa com estudantes de medicina, as experiências de simulação promoveram também gatilhos para a autorreflexão na aprendizagem visando a competência profissional que se almeja, desde o início da formação (^{Feldman et al., 2022}). Aprender com situações reais previamente organizadas para oportunizar o aprendizado é outro destaque abordado no artigo A6. As situações da prática profissional médica em conjunto com os serviços de saúde e comunidade engajada são utilizadas para ensinar jovens que estão estudando medicina na identificação de abuso contra a pessoa idosa, como devem proceder em cada caso, com apoio dos seus professores e comunidade. Os resultados deste estudo mostraram que os alunos de diferentes níveis de programas foram capazes de obter experiências valiosas no cuidado geriátrico, particularmente em questões de maus-tratos a idosos. Corroboram com os estudos que utilizam as metodologias ativas, articulando teoria e prática das situações reais, por meio da aprendizagem significativa no processo de ensino-aprendizagem, o que também favorece a autonomia, responsabilidade e habilidades para enfrentamento de problemas de maiores complexidades. Ademais, amplia a responsabilidade social para uma educação com valores e comprometida com a formação de cidadãos que militam por um mundo mais digno e justo (^{Marin et al., 2010}; ^{Marques, 2018}). Nos artigos A8, A10, A11 e A12, verifica-se a utilização do estudo de caso como estratégia educacional, que dentre os métodos de ensino e aprendizagem, representa um importante recurso para destacaras especificidadesde determinada situação em um dado contexto (^{Graham, 2010}). Os resultados destes estudos demonstram que a utilização do Estudo de Caso nos treinamentos melhora o conhecimento sobre os maus-tratos a idosos e a capacidade de fornecer cuidados adequados ao abuso de idosos, considerando, portanto, premissas da justiça social frente às populações vulneráveis (^{Shahzad, Younas, & Ali, 2022}). Verificou-se a utilização do treinamento para o ensino da temática da violência contra a pessoa idosa, nas modalidades on-line. Os treinamentos caracterizam-se como atividades de ensino e aprendizagem que têm como finalidade o ensino de uma nova habilidade ou aprofundar capacidades e conhecimentos. São realizados em locais controlados e, em muitas ocasiões, ocorrem de maneira isolada das situações reais, proporcionando uma vivência fictícia, contudo muito próxima da realidade (^{Alderson, Darken, Eisenberg, & Seager, 2022}). Os estudos A9 e A12 trabalham com o ensino online, apresentando a viabilidade de ensino sistematizado e em módulos de aprendizagem sobre a violência contra a pessoa idosa. Os treinamentos on-line ou e-learning são realizados pela integração dos conhecimentos de educação e tecnologia da informação, e a sua utilização vem proporcionando maior equidade educacional (^{Qiu et al., 2022}).

6.Considerações Finais

O envelhecimento populacional e a violência contra a pessoa idosa são realidades presentes no mundo todo, que precisam ser cada vez mais discutidas, principalmente em países que estão vivendo uma rápida transição demográfica, como o Brasil. Compreender quais e como cada estratégia educacional sobre violência contra a pessoa idosa tem sido utilizada no mundo auxilia na construção de conhecimento e de novas propostas educacionais que abordem a temática de modo eficaz. Os estudos selecionados corroboram a importância do trabalho da temática com o público adulto jovem, destacando que a aquisição de conhecimento, as mudanças de percepção e atitude exigem intervenções específicas, complexas e com sucessivas aproximações. Ressalta-se, por fim, que a investigação do objeto de estudo estratégias educativas para violência contra a pessoa idosa foi exitosa, pois utilizou o método da Revisão Integrativa de Literatura, associado à utilização de softwares em pesquisa qualitativa, como o NVIVO. Este apresenta potencialidades, visto que auxilia na compreensão dos dados por meio da sistematização do conteúdo, auxiliando o pesquisador na imersão nos dados, e na visualização dos resultados.