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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.13  Oliveira de Azeméis set. 2022  Epub 08-Set-2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.13.2022.e705 

Artigo original

Pesquisa netnográfica sobre espiritualidade/religiosidade e o diagnóstico de câncer de mama

Netnographic research on the importance of spirituality and religiosity after the diagnosis of breast cancer

Cristina de Santiago Viana Falcão1 
http://orcid.org/0000-0001-9773-2301

Ana Maria Fontenelle Catrib1 
http://orcid.org/0000-0002-2088-0733

Christina César Praça Brasil1 
http://orcid.org/0000-0002-7741-5349

Patrícia Maria Santos Batista1 
http://orcid.org/0000-0003-4606-7246

Isabelle Cerqueira Sousa1 
http://orcid.org/0000-0002-5131-3395

Juliana Carneiro Melo1 
http://orcid.org/0000-0003-1734-3352

1Universidade de Fortaleza, Brasil


Resumo:

Introdução: O câncer de mama acomete mulheres de diversas faixas etárias, gerando nelas sentimentos de medo, angústia e insegurança diante do diagnóstico. Nesse contexto, a espiritualidade e a religiosidade auxiliam no enfrentamento da doença. Objetivo: Analisar a percepção de mulheres sobre a importância da espiritualidade e religiosidade após o diagnóstico do câncer de mama. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa netnográfica realizada no site “Oncoguia”, por meio da leitura de depoimentos das pacientes diagnosticadas com câncer de mama, que,no relato de sua vivência, apresentavam alguma palavra ou frases breves que remetessem a espiritualidade e/ou religiosidade. A coleta de dados ocorreu por meio da leitura de vários depoimentos, excluindo aqueles que não contemplavam o objeto de estudo da presente pesquisa. Utilizou-se análise de conteúdo na modalidade temática para analisar os depoimentos selecionLados, possibilitando a identificação de duas temáticas. Os dados foram interpretados, numa perspectiva netnográfica, a partir das teorias que versam sobre espiritualidade/religiosidade no enfrentamento de doenças, emergindo as temáticas: “sentimentos no momento do diagnóstico” e “espiritualidade/religiosidade e a adesão ao tratamento”. Resultados: Foram selecionados 20 relatos. As temáticas de análise versam sobre sentimentos no momento do diagnóstico e espiritualidade/religiosidade para não desistir do tratamento. Observou-se que a fé e a espiritualidade auxiliam no enfrentamento da doença, ampliando a fortaleza e a esperança na cura, tamto para as mulheres como para suas famílias. Conclusões: A espiritualidade/religiosidade devem ser melhor exploradas e fortalecidas no processo de enfrentamento do câncer de mama. O conhecimento dessa perspectiva auxilia nas estratégias de tratamento em oncologia.

Palavras-chave: Câncer de mama; Espiritualidade; Religiosidade; Netnografia; Internet.

Abstract:

Introduction: Breast cancer affects women of different age groups, generating feelings of fear, anguish and insecurity in the face of the diagnosis. In this context, spirituality and religiosity help in coping with the disease. Objective: To analyze the perception of women about the importance of spirituality and religiosity after the diagnosis of breast cancer. Methodology: This is a netnographic research carried out on the website “Oncoguia”, by reading the testimonies of patients diagnosed with breast cancer, who, in the report of their experience, had some word or brief phrases that referred to spirituality and/or or religiosity. Data collection took place through the reading of several testimonies, excluding those that did not contemplate the object of study of this research. Content analysis in the thematic modality was used to analyze the selected statements, allowing the identification of two themes. The data were interpreted, from a netnographic perspective, from theories that deal with spirituality/religiosity in coping with diseases, emerging the themes: feelings at the time of diagnosis and spirituality/religiosity and adherence to treatment. Results: Twenty (20) reports were selected. The analysis themes are about "feelings at the time of diagnosis" and "spirituality/religiosity and adherence to treatment". It was observed that faith and spirituality help in coping with the disease, increasing strength and hope in healing, both for women and for their families. Conclusions: Spirituality/religiosity should be better explored and strengthened in the process of coping with breast cancer. Knowledge of this perspective helps in oncology treatment strategies.

Keywords: Breast Cancer; Spirituality; Religiosity; Netnography; Internet.

1.Introdução

O câncer de mama acomete mulheres de diversas faixas etárias, gerando nelas sentimentos de medo, angústia e insegurança diante do diagnóstico. No Brasil, segundo o Inca (2020), o câncer de mama está em primeiro lugar no acometimento de mulheres, tendo sido registrados 66.280 (29,7%) novos casos e 18.068 (16,4%) óbitos no ano de 2019. Países da América Latina e Caribe apresentaram maior tendência de aumento da taxa de mortalidade por câncer de mama durante os anos de 1990 a 2015, com taxas de mortalidade pela doença que ultrapassou os 1,48 por 100.000 mulheres (Bushatsky, Lima, Moraes, Gusmão, Barros, & Figueira Filho, 2014; Silva, & Riul, 2016; Oliveira, Michelini, Spada, Pires, Costa, & Figueiredo Filho, 2019). De acordo com o Programa Nacional de Registro de Câncer da Índia e Globocan, 2018, a taxa de mortalidade por câncer de mama na Índia foi de 17,1 por 100.000 mulheres, apesar da baixa taxa de incidência da doença. Isto se explica pela detecção tardia da doença, com estágios avançados ou metastáticos (Nilcpr, 2018). Nesses locais, faz-se necessário que as campanhas de educação em saúde incentivem cada vez mais o rastreio e a detecção precoce do câncer de mama (Assis, Santos, & Migowski, 2020), uma vez que as pesquisas evidenciam que, em países socioeconomicamente desenvolvidos, o índice de mortalidade por esse tipo de câncer é considerado baixo, devido a detecção precoce; e, nos subdesenvolvidos, esse índice tende a ser maior, pela demora na detecção. A descoberta do câncer de mama na fase inicial da doença amplia as chances de tratamento e cura, uma vez que oportuniza intervenções mais conservadoras e contribui para a melhoria da qualidade de vida da mulher, diante da preservação total ou parcial da estética corporal. Por outro lado, nos estágios avançados da doença, os prognósticos são reservados e a mastectomia total ou parcial acomete a paciente física e mentalmente (Oliveira, Michelini, Spada, Pires, Costa, & Figueiredo Filho, 2019). Muitas são as ações de prevenção do câncer de mama previstas nas políticas públicas brasileiras, que envolvem exames periódicos, especialmente a mamografia, para mulheres a partir de 35 anos, e uma ampla abordagem relacionada a campanhas de educação em saúde. A comunicação sobre as estratégias preventivas do câncer de mama são vistas como uma das principais ferramentas para o enfrentamento da doença (Oliveira, Michelini, Spada, Pires, Costa, & Figueiredo Filho, 2019; Assis, Santos, & Migowski, 2020). Reis, Panobianco, & Gradim (2019) realizaram uma pesquisa qualitativa amparada no Interacionismo Simbólico para uma aproximação da história de 13 mulheres que receberam diagnóstico do câncer de mama e que estavam sendo submetidas à quimioterapia. Os resultados evidenciam que as mulheres reconhecem a necessidade de enfrentamento para superar a doença, o que envolve adaptação e experiência de vida. A resiliência frente aos problemas vivenciados na família, no trabalho e na sociedade também emergiu nos eixos que definem a teoria elaborada pelos autores. Estudos revelam que pacientes com câncer buscam amparo nas suas convicções pessoais (valores) e/ou crenças para o enfrentamento do problema. Gobatto & Araújo, (2013) e Rocha, Lima, Dias, Paiva, & Rocha, (2016) apontam que a espiritualidade e a religiosidade oferecem forças que auxiliam os pacientes oncológicos nos processos de tratamento, a partir da obtenção de melhores resultados em relação àqueles que não acreditam na sua força de superação e/ou em um poder “superior”. Soratto et al., (2016) relatam que, no difícil momento do diagnóstico do câncer de mama, muitas pacientes recorrem à espiritualidade e/ou à religiosidade para conseguir superar o processo de adoecimento, buscando fortaleza e resistência para si e seus familiares. Importante destacar que os termos “religiosidade” e “espiritualidade”, apesar de serem usados amplamente em contextos semelhantes, apresentam diferenças conceituais conforme os estudos de Pinto, (2009) e de Giovanetti, (2005), os quais consensuam que a “espiritualidade” está dissociada da crença religiosa e consiste em uma aproximação da pessoa consigo mesma. Já a “religiosidade” versa sobre a relação ou vinculação espiritual da pessoa com um superior. Esses dois aspectos ampliam as possibilidades de redução dos sentimentos negativos e trazem conforto às pessoas. Nessa perspectiva, muitos veículos de comunicação, incluindo os meios eletrônicos (sites, redes sociais, Facebook, Instagram, WhatsApp, e outros) oportunizam acesso a informações importantes para a população em geral sobre cuidados com a saúde (França, Teixeira, & Magnago, 2019). Nesses ambientes, ocorrem compartilhamentos de experiências, dicas de saúde, informações sobre serviços e locais de atendimento à população, além de dicas e orientações que abordam a espiritualidade e a religiosidade, no intuito de apoiar aqueles que estão adoecidos ou têm um membro da família nessa situação. Essas fontes, porém, precisam ser bem indicadas e selecionadas pelos usuários para evitar que informações distorcidas causem transtornos maiores aos pacientes e familiares. No contexto do câncer, o Portal Oncoguia foi criado em 2003 por um grupo de profissionais de saúde e ex-pacientes de câncer. Essa ferramenta eletrônica, que também está ligada a uma Organização Não Governamental (ONG), tem como objetivo auxiliar pessoas com câncer a buscarem uma melhor qualidade de vida. Para isso, oferece informações, apoio, orientações, educação em saúde, dentre outros serviços. Nessa perspectiva, a equipe do Oncoguia preocupa-se em reduzir a má-informação e seus efeitos danosos que, muitas vezes, prejudicam o paciente nos processos de descoberta do câncer, tratamento e cura. Além dos pacientes, familiares e cuidadores também são beneficiados pelo material apresentado de forma responsável, fidedigna e amparado cientificamente (Oncoguia, 2021). O referido Portal apresenta um local com orientações para os familiares e os pacientes, em que esses últimos podem entrar em contato, por meio do canal “Ligue câncer”, de forma gratuita, e, ainda, podem ter acesso a depoimentos de outras pessoas que passaram ou estão em tratamento dos mais variados tipos de câncer. Relatos sobre as experiências dos pacientes oncológicos, desde o momento que descobriram a doença, as dificuldades enfretadas, além das contribuições advindas do apoio familiar, da espiritualidade e da religiosidade são alguns dos assuntos abordados nesse espaço (Oncoguia, 2021). A existência de um espaço destinado aos depoimentos de pacientes com câncer de mama no Portal Oncoguia e a leitura do material instigou as pesquisadoras ao desenvolvimento deste estudo, que se justifica pelo interesse na análise dos relatos de pacientes que versam sobre a importância da espiritualidade e da religiosidade após o diagnóstico de câncer de mama. Assim, a seguinte questão norteou a investigação: Qual a importância atribuída por mulheres com câncer de mama à espiritualidade e à religiosidade? Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar a percepção de mulheres sobre a importância da espiritualidade e da religiosidade após o diagnóstico de câncer de mama.

2.Métodos

Trata-se de uma pesquisa netnográfica realizada em outubro de 2021, no site “Oncoguia”, a partir da sessão Depoimentos, no Espaço do Paciente. Nesta sessão, pacientes com diferentes tipos de câncer publicam os seus depoimentos por escrito, relatando seus sentimentos e experiências. Cada depoimento é apresentado por uma frase relevante, tendo acima desta o nome do(a) paciente e o tipo de câncer. Para este estudo, foram selecionados apenas depoimentos de mulheres com câncer de mama. A netnografia ou “etnografia na internet” corresponde a uma adaptação da etnografia que viabiliza os estudos online (Kozinets, 2002; Kozinets, 2014).Outros termos foram mencionados em uma revisão sistemáticaconduzida por Tavakoli & Wijesinghe, (2019), quais sejam: “etnografia virtual”, “etnografia on- line”, “etnografia mobile virtual”, “etnografia cibernética”, “etnografia da internet” e “etnografia digital”. Nessa estratégia, o ambiente de coleta de dados são sites, portais, redes sociais (p.ex. Instagram, Facebook), grupos de WhatsApp, dentre outros (Soares & Stengel, 2021). Importante ressaltar, que essa estratégia de pesquisa tem ganhado força nos últimos anos, principalmente quando a ampliação das relações pessoais e sociais mediadas pela internet instiga cientistas a adentrarem este mundo para melhor compreendê-lo (Ferraz, 2019; Soares, & Stengel, 2021). A pesquisa netnográfica tem caráter qualitativo e requer rigor científico para que o alcance dos objetivos ocorra de forma a oferecer credibilidade ao estudo. Nessa perspectiva, Kozinets, (2002; 2016) e Gondim, Bolzán, Espínola, & Alexandre, (2020) recomendam que os investigadores que utilizam este método considerem de forma efetiva alguns elementos essenciais: 1) “entrada cultural” - fase de pré-análise em que são identificadas as comunidades online ou grupos que se alinham às questões de pesquisa e aos critérios de inclusão estabelecidos no estudo, além de favorecer a compreensão das formas de interação e comportamento dos participantes; 2) “coleta e análise de dados” - o pesquisador faz registro das informações publicadas nos grupos (material escrito, audiovisuais, iconográficos e outros), organização e interpretação dos achados, a partir de um referencial teórico; e, em caso de grupos interativos, realiza- se, ainda, a criação de um espaço de fala, manifestação e/ou relatório para o grupo ser informado e tomar ciência dos resultados. Essa questão também constitui um aspecto ético, quando os grupos são restritos ou limitados a determinado perfil de participante (Correia, Alperstedt, & Feuerschutte, 2017). As etapas da pesquisa netnográfica seguiram os seguintes passos: seleção do site a ser pesquisado (Oncoguia), definição do público-alvo (depoimentos de mulheres com diagnóstico de câncer de mama), definição dos dados de interesse (depoimentos com abordagem de espiritualidade/religiosidade). O primeiro passo para iniciar a coleta de dados foi uma visita ao site Oncoguia, para conhecer as informações acessadas pela comunidade, em geral. Após esse momento, devido às menções feitas no site Oncoguia às campanhas do “Outubro Rosa”, optou-se pelo câncer de mama, a partir da leitura de alguns depoimentos disponíveis na aba “Aprendendo com você - Depoimentos de pacientes”. No Brasil, outubro é o mês em que se intensificam as campanhas de educação em saúde e prevenção do câncer de mama (Assis, Santos, & Migowski, 2020). Foram considerados para análise depoimentos de mulheres diagnosticadas com câncer de mama (já curadas ou em tratamento) que apresentavam alguma palavra ou frases breves que remetessem à fé, religiosidade e/ou espiritualidade, tais como: Deus, graças a Deus, tenho fé em Deus, espiritualidade, Jesus, fé, dentre outras. Foram excluídos trechos que não abordavam os temas “espiritualidade e/ou religiosidade” de forma direta ou em que as palavras mencionadas estavam utilizadas em sentido figurado. Dessa forma, identificaram-se 20 textos escritos (recortes das narrativas) que se alinham à questão de pesquisa, que foram considerados para análise. Utilizou-se a análise de conteúdo na modalidade temática (Minayo, Deslandes, & Gomes, 2013), por se tratar de um método que busca organizar em categorias os sentidos estabelecidos e extraídos do material da coleta de dados. Para isso, perpassam-se três etapas, que constituem a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Destaca-se que a leitura dos depoimentos foi realizada por duas investigadoras, seguida da análise, organizando por similaridade das ideias temáticas, emergindo as seguintes categorias temáticas: sentimentos no momento do diagnóstico do câncer de mama e a espiritualidade/religiosidade e a adesão ao tratamento. Com o intuito de preservar os nomes das mulheres, adotaram-se letras seguidas de números, onde RM1 significa relato da mulher 1 e, assim, sucessivamente. Esse cuidado foi tomado, apesar do ambiente de pesquisa ter sido um site de livre acesso, em que as depoentes compartilham seus nomes, iniciais e/ou codinomese tendo ciência da forma como as informações ficam disponíveis para a comunidade. Portanto, não é requerido parecer do Comitê de Ética para esse tipo de investigação. Os dados foram interpretados, numa perspectiva netnográfica, a partir das teorias que versam sobre espiritualidade e religiosidade no enfrentamento de doenças, seguindo-se os preceitos de autores como Gobatto, & Araújo, (2013), Rocha, Lima, Dias, Paiva, & Rocha, (2016) e Reis, Panobianco, & Gradim, (2019).

3.Resultados e discussão

Após a leitura dos depoimentos no site, elegeram-se 20 relatos que contemplavam os critérios de inclusão estabelecidos para esta investigação. Entretanto, a caracterização da amostra foi limitada, pois nem todas as depoentes informaram a idade, o estado civil, o tempo de diagnóstico, dentre outros aspectos importantes para o conhecimento pleno do perfil das mulheres que postaram seus depoimentos no Espaço do Paciente, sessão Depoimentos do site Oncoguia. Mesmo assim, aquelas que informaram a idade têm de 29 a 43 anos, e seis delas afirmaram ser mães. Com essa temática emergiram as categorias: “sentimentos no momento do diagnóstico” e “espiritualidade/religiosidade e a adesão ao tratamento”.

3.1 Sentimentos no momento do diagnóstico

O primeiro sentimento que aflorou após o diagnóstico do câncer de mama foi a importância delas estarem bem para fortalecer a si mesmas e aos seus familiares. Dúvidas e angústias perpassam a busca pela estabilidade emocional das pacientes que recebem o diagnóstico de câncer de mama, pois vêem-se diante de uma notícia complexa e que, para muitas, remete à finitude, mutilação e incertezas diante da vida e das relações (Saegrov, Halding, 2004; Epping-jordan et al., 1999; Rossi, Santos, 2003; Ferreira, Almeida, & Rasera, 2008). Assim, os relatos revelam a busca da força interior e/ou de um Ser Superior, na tentativa de mostrar que irão enfrentar o problema e que a família vai ficar bem.

“Meus filhos, minha mãe, meu marido... Como dar a notícia [do diagnóstico do câncer de mama] e como eles irão lidar com isso? Nesse instante, você percebe que tem que ser forte não só por você, mas por todos, para que não vejam que você sofre e para que não sofram também.” (RM1)

“Era hora de decidir que tipo de mulher eu seria diante disso [diagnóstico do câncer de mama]. Decidi que eu seria o melhor que pudesse ser.” (RM2)

“Essa luta [contra o câncer de mama] não é fácil, mas vou vencer. Tenho uma família que me fortalece e um Deus esplêndido. #Avante!” (RM18)

A confirmação do diagnóstico de câncer é um fato que altera a vida das pessoas. Por ser uma doença com tratamento complexo, ocasiona várias dificuldades, percalços e enfrentamento durante o processo de busca por cuidado, trazendo, na maioria das vezes, consequências negativas para a vida de quem o vivencia, seja o/a paciente, seus familiares e/ou cuidadores (Oliveira, Reis, & Silva, 2018). Nessa perspectiva, buscar amparo nas relações humanas (Ferreira, Almeida, & Rasera, 2008) e em Seres Superiores (Benites, Neme, & Santos, 2017) é um ato natural e que ajuda no fortelecimento emocional, ampliando as possibilidades de superação.

“(...) Aprendi que minha força vinha de Deus, do presente que Ele me deu, de minha família e dos meus amigos.” (RM19)

De acordo com Honório et al., (2015) e Benites, Neme, & Santos, (2017), o histórico do modo como os familiares se relacionam afeta as formas desse grupo encarar situações inesperadas, como a descoberta do câncer em um de seus membros. A necessidade de reorganizar as relações familiares evoca histórias de dificuldades nos relacionamentos e sentimentos que influenciam na forma como o cuidado será realizado. Os aspectos apresentados reforçam a importância das redes de apoio (Ferreira, Almeida, & Rasera, 2008; Vargas, Ferreira, Vacht, Dornelles, Silveira, & Pereira, 2020), sejam elas familiares e/ou de amigos. De acordo com os relatos analisados, as atitudes apresentadas pelas pacientes frente ao diagnóstico/tratamento do câncer de mama refletem a forma com a família vai vivenciar (também) esse momento. Observou-se, ainda, que os sentimentos negativos, nos relatos, são amenizados quando existe uma maior espiritualidade e religiosidade dessas mulheres, uma vez, que, parafraseando alguns relatos, essas mulheres expressam que a fé, a crença em Deus e a força interior vão ajudá-las a vencer a doença (“Sei que vou sair dessa. Meu Deus é maior!”). Outras também evidenciam a importância da rede de amigos, familiares, além dos grupos terapêuticos de que participam nas unidades de saúde onde são ou foram tratadas.

3.2 Espiritualidade/religiosidade e a adesão ao tratamento

Religiosidade e espiritualidade são importantes recursos utilizados no enfrentamento ao câncer em todo o mundo, embora seja um assunto pouco explorado em diferentes culturas (Nejat, Whitehead, & Crowe, 2017). Esses aspectos foram apresentados nos relatos das participantes selecionadas, após a leitura dos depoimentos, como fundamentais para mantê-las firmes no tratamento. Destaca-se que diante da disposição dos depoimentos do site do Oncoguia, não se obtem a infomação sobre a espiritualidade e religiosidade, antes da adesão ao tratamento do câncer de mama. O apoio de amigos e de familiares também figura como essencial nesse percurso. Entretanto, em alguns momentos, mesmo emergindo questionamentos como “Por que [o adoecimento por câncer de mama] está acontecendo comigo?”, as pessoas revestem-se de fé e, a partir daí, passam a ter melhores condições de enfrentamento.

“Me armei de fé, coragem e bom humor." (RM1)

“Tive muitos momentos de angústia, dor na alma, medo do amanhã, mas Deus e minha família me deram força a todo momento e em nenhum momento eu perdi a minha fé!” (RM5)

Martins, Cunha, Biondo, & Mendes, (2021) ressaltam a importância de ressignificar a vida por meio da religiosidade, relacionando-a ao bem-estar físico e emocional, e da espiritualidade, na construção da resiliência.

“Naquele momento, eu tive muito medo da morte, mas, após reavivar a minha fé em Deus e em Nosso Senhor Jesus Cristo, aliado à psicoterapia, pude perceber que situação nenhuma na vida, nenhum diagnóstico, nenhuma doença é uma sentença de morte e que deveria (e deverei) lutar atém o fim, quando Deus, somente Deus, pode sentenciar a minha saída do palco da vida!” (RM16)

Honório et al., (2015) apontam que as relações entre família e religiosidade geram redes que apoiam pacientes diagnosticados com câncer de cabeça e pescoço, pois a religiosidade é apontada como uma estratégia central de enfrentamento, considerando que, quando funciona como influência positiva, pode ajudar na aceitação da doença e no processo de tratameto. Abordam ainda que a família é um elemento fundamental no tratamento do paciente com câncer. Sentimentos de raiva, desespero foram despertados e relatados pelas participantes, mas confortadas pelo amor de Deus que proporcionou, segundo seus depoimentos, melhores formas de compreender e aceitar o momento que estavam vivenciando, destacando a valorização da vida. Freitas et al., (2020) reafirmam esses sentimentos e compreende a espiritualidade e a religiosidade como estratégias de enfrentamento, proporcionando conforto e resiliência.

“Depois de ‘fazer as pazes com Deus’, resolvi então aceitar e encarar [o câncer de mama]. Ainda mais eu que sempre acreditei que não passamos por nada que não tenhamos que passar em nossa vida.” (RM6)

“Depois da doença, sou mais forte e feliz, pois dou mais valor às pequenas coisas e a cada dia que este Deus triplamente positivo me dá!” (RM2)

“[...] as alternativas também não eram muitas e, então, o que me resta é sim ter gratidão, fé e acreditar que tudo vai passar.” (RM20)

A principal estratégia de enfrentamento abordada na pesquisa de Honório et al., (2015) foi a religiosidade, tendo em vista que, quando influencia positivamente o indivíduo, pode favorecer a aceitação da condição vivenciada pelo paciente. Embora os termos “religiosidade” e “espiritualidade” sejam, frequentemente, usados como sinônimos e estejam intimamente relacionados, eles têm significados diferentes. A religiosidade envolve um conjunto de crenças dogmáticas, linguagem e práticas que são baseadas em uma tradição acumulada com símbolos, rituais, cerimônias e explicações de vida e morte. No entanto, a espiritualidade é universal e não se limita às práticas religiosas. Envolve valores pessoais e íntimos, constituindo o que move a vida e, como tal, promove o crescimento pessoal e a ressignificação das experiências vividas e existenciais, orientando o sentido da vida (Sampaio, & Siqueira, 2016). De acordo com Fornazari, & Ferreira, (2010) religiosidade/espiritualidade tem demonstrado grande impacto sobre a saúde física, considerada como possível fator de prevenção ao desenvolvimento de doenças, e eventual redução de óbito ou impacto de diversas doenças. Destaca-se que os depoimentos mostram com clareza a elevada importância atribuída pelas mulheres à espiritualidade e à religiosidade após o diagnóstico do câncer de mama, mostrando que esses aspectos são determinantes para o enfrentamento positivo.

4.Conclusões

A literatura especializada, em consonância com o demonstrado nos depoimentos citados, traz a espiritualidade/religiosidade como temas recorrentes e influenciadores no enfrentamento de patologias graves como o câncer., destacando o câncer de mama, vivenciado, na maioria dos casos, por mulheres. O presente artigo possibilitou verificar a importância da espiritualidade e da religiosidade no transcorrer da descoberta, aceitação, tratamento e cura da neoplasia, incluindo também a importância das redes familiares e de amigos nesse percurso. A influência positiva da religiosidade e da espiritualidade no enfrentamento do câncer de mama evidencia-se quando os sentimentos negativos são amenizados e ocorre o fortalecimeto das pacientes e de seus familiares. A netnografia, como estratégia de pesquisa qualitativa, possibilitou uma aproximação com os depoimentos das mulheres que decidiram compartilhar suas experiências no site Oncoguia e evidenciaram que a espiritualidade e a religiosidade foram mencionadas e significadas como fundamentais no enfrentamento da doença. As visitas ao site Oncoguia, a partir da netnográfica, favoreceu às pesquisadoras um mergulho no ambiente em que a troca de experiências amplia o olhar e favorece a compreensão de sentidos e significados do câncer de mama para aquelas pessoas que o vivenciam. Importante destacar que este é um artigo com resultados ainda preliminares, pelo fato deste estudo estar em evolução. Isto permitirá a ampliação da quantidade de depoimentos e o detalhamento do perfil das participantes, além da busca de aprofundamento nas análises dos relatos expressos. Dessa forma, os resultados, mesmo preliminares, já possibilitam que, em parceria com instituições que cuidam de mulheres com câncer de mama, sejam implementadas ações voltadas a discussão sobre espiritualidade/religiosidade nas pautas dos grupos de apoio e no suporte a essas pacientes.

5.Referências

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Recebido: 11 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Abril de 2022

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