1. Introdução
A Educação a Distância (EaD) tem sido um desafio para os estudantes que optam por esta modalidade, muitas vezes por condições de conexões (internet), pelo tempo demandado para realização de atividades que muitas vezes é dividido com a jornada de trabalho, pela interação online com colegas, professores e tutores, entre outros. Para os responsáveis pelos Cursos EaD, quer seja professores e/ou tutores, a aprendizagem dos estudantes é uma preocupação constante.A aprendizagem no panorama da EaD está dividida em duas possibilidades: a da informação que deve ser acessada em ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) e a do conhecimento que deve ser construído pelo sujeito. Sendo assim, a EaD necessita criar situações para que a aprendizagem ocorra nessas duas maneiras. Para Moran (2015) às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) permitem a aprendizagem em rede, ou seja, trazer para a sala de aula online, em tempo real, as múltiplas ideias, pessoas e acontecimentos numa troca intensa, rica e ininterrupta. O autor também pontua que as tecnologias “ampliam as possibilidades de pesquisa online, de trazer materiais importantes e atualizados para o grupo, de comunicar-nos com outros professores, alunos e pessoas interessantes, de ser coautores, ‘remixadores’ de conteúdos e de difundir nossos projetos e atividades, individuais, grupais e institucionais muito além das fronteiras físicas do prédio” (Moran, 2015, p. 81).
Ainda segundo Moran (2015b), os desafios bem planejados, em cursos a distância, contribuem para mobilizar as competências intelectuais, emocionais, pessoais e comunicacionais. “O uso de metodologias ativas exige pesquisar, avaliar situações, pontos de vista diferentes, fazer escolhas, assumir alguns riscos, aprender pela descoberta, caminhar do simples para o complexo” (Moran, 2015b, p. 34).
Na área da saúde, o aprendizado por meio da problematização de situações vividas pelos trabalhadores é importante, tendo em vista os grandes e constantes desafios do campo, além da incorporação de tecnologias no cotidiano dos serviços de saúde. Nesse sentido, os cursos na modalidade EaD na formação profissional em saúde podem ser considerados como estratégias para ações educativas dinâmicas, colaborativas, flexíveis e de qualidade, que possam contribuir de forma efetiva para a transformação das práticas nos serviços de saúde (Tomazini et al, 2018).
Mill et al. (2019) referem que a recente e contundente expansão da EaD, tanto no Brasil como no mundo, com diferentes propostas pedagógicas e organizacionais, se coloca como fértil terreno para investigações, destacando para pesquisas que envolvem esses aspectos. Entretanto, uma das facetas pouco exploradas em torno da EaD é analisar o crescimento das pesquisas sobre a modalidade no Brasil e no mundo.
Anjos et al. (2018) apontam que o “cenário da cibercultura” vem provocando novas formas de pensar e organizar os processos educacionais, em especial ao considerar o uso intenso e crescente de tecnologias digitais pelos estudantes na atualidade e defende modelos que ultrapassem uma presença física e uma aprendizagem apenas em sala de aula, para uma presença virtual em diversos espaços da internet.
Com a pandemia de COVID-19, muitas das atividades que eram presenciais tiveram de ser realizadas de maneira online por conta do distanciamento e do isolamento social.
A pesquisa qualitativa (IQ) também sofreu algumas modificações com novas implementações. Dentro deste panorama, muitas publicações buscam aprofundar o tema, como o volume 10 da revista New Trends in Qualitative Research que dedica-se a pensar e refletir sobre a pesquisa qualitativa na era digital.
A migração temporária (durante a pandemia) dos pesquisadores qualitativos para o ambiente virtual representou um grande desafio à reestruturação ontológica, epistemológica e metodológica daqueles estudos em andamento. Novas perguntas foram formuladas e desenhadas para serem realizadas na modalidade online, levando a adoção de recursos, diferentes estratégias e considerações éticas atinentes ao ambiente virtual. A IQ online exigiu consciência de que o ambiente virtual é um novo mundo de abertura, possibilidades e oportunidades, mas também de limitações para a investigação em geral e a qualitativa em particular (Baixinho, Linhares & Cabral, 2022, p.V).
No presente artigo, os resultados apresentados referem-se a um dos objetivos do projeto de pesquisa Aprendizagem na educação a distância (EaD): Curso de Extensão de Formação de Tutores e Supervisores, subprojeto do Projeto “A formação no programa Saúde com Agente: análises sobre processos de trabalho, indicadores de saúde nas comunidades, perfil sociodemográfico e desenvolvimento de habilidades e competências para ACS e ACE, coordenados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul”.
O programa Saúde com Agente1é uma parceria do Ministério da Saúde do Brasil com o CONASEMS e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para a realização de dois cursos técnicos para Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate às Endemias (ACE). Os cursos técnicos para os Agentes de Saúde aconteceram de maneira híbrida, e foram ofertados pelo período de 10 meses, com início em agosto de 2022. Os tutores e supervisores acompanham a carga horária desenvolvida em um ambiente virtual de aprendizagem (modalidade EaD)e um outro conjunto de profissionais da área da saúde (denominados nos cursos técnicos de preceptores) acompanham as atividades de campo (dispersão) com atividades práticas, realizada no local de trabalho dos estudantes. Os estudantes dos Cursos Técnicos são trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS). A metodologia dos cursos técnicos incorpora a carga horária de trabalho do estudante à carga horária do curso. A valorização das atividades que o estudante desenvolve no seu processo de trabalho diário permite que sua formação esteja voltada para o seu território de atuação, com ênfase na problematização do cenário de prática e da prática profissional destes agentes de saúde. Os tutores e supervisores selecionados para atuar nos cursos técnicos realizaram um curso de extensão concomitantemente com sua tutoria ou supervisão. Foram selecionados por edital público 400 profissionais de nível superior das áreas da saúde e da educação para atuarem como supervisores de tutoria e outros 4000 de mesmo perfil para atuarem como tutores dos cursos técnicos.
Como parte obrigatória para o exercício das atividades de tutoria, ambos supervisores e tutores realizaram o Curso de Extensão de formação de tutores e supervisores na modalidade EaD. Suas atividades nos cursos técnicos compreenderam a interação no Ambiente Virtual dos estudantes, interagindo e mediando fóruns, avaliando atividade do tipo questionário de escolha simples com feedback dos tutores aos estudantes como forma de acompanhar a formação técnica ACS e ACE. O estudo teve como objetivo compreender as aprendizagens dos cursistas (supervisores e tutores) no curso de formação. A questão que norteou a investigação foi: Como os cursistas percebem suas aprendizagens no curso de formação de supervisores e tutores na modalidade a distância?
A proposta pedagógica do curso de formação de supervisores e tutores é baseada em metodologias ativas com a utilização de fóruns de discussão, problematização de temas, júri simulado, produção de vídeos e podcast. Cada módulo ocupa-se de uma etapa desta formação e traz conteúdos que abordam: Projeto Pedagógico dos cursos técnicos, compreensão do Guia do Tutor e Guia do Supervisor, organização do tempo na EAD, fundamentos da educação a distância, histórico da Ead, papel do tutor e a sua importância na mediação e na busca ativa dos estudantes (combate à evasão), tipo de presenças nos ambientes a distância, avaliação e relatórios, metodologias ativas, ferramentas digitais e aprendizagem e comunicação na EaD.
A prática pedagógica do Curso de formação de supervisores e tutores é estruturada nos pilares do construtivismo e, conforme os cursistas avançam nos módulos, estes assumem mais responsabilidades sobre as tarefas que se tornam coletivas, ou seja, um trabalho em equipe realizado na construção das atividades propostas a distância por meio de fóruns de discussão e por construção de vídeos e encontros nas salas de webconferência. Para Piaget (1998), o trabalho em grupo é essencialmente ativo e está fundamentado em interesses intrínsecos a partir de relações de cooperação.
2. Método
É um estudo descritivo com abordagem qualitativa. Os resultados apresentados fazem parte de uma pesquisa de maior abrangência sobre o curso de formação de tutores e supervisores, desenvolvido no segundo semestre de 2022. Na abordagem qualitativa não há neutralidade, no processo da mesma o pesquisador influencia e é influenciado por ela. A lógica da pesquisa qualitativa é a indutiva, partindo do específico para geral, além disso a pesquisa qualitativa busca a compreensão e interpretação dos resultados (Patias & Hohendorff,2019).
O cenário do estudo foi o AVA Moodle Acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil), do Curso de Extensão de formação de tutores e supervisores do Programa Saúde com Agente que se desenvolve em todas as regiões brasileiras. O curso de formação engloba os quatro mil tutores e quatrocentos supervisores, um total de 4400 cursistas, que desenvolvem atividades de tutoria nos cursos técnicos ofertados pela Universidade.
Destes 4400 cursistas, 4190 responderam ao instrumento COLLES (Constructivist On-Line Learning Environment Survey).
O questionário é composto por 24 questões objetivas e uma questão aberta na qual os cursistas tiveram a possibilidade de deixar comentários complementares. Os textos resultantes destes comentários compõem o material para análise com interpretação qualitativa. Dos 4190 que responderam ao questionário, 639 fizeram comentários na questão aberta e as respostas foram classificadas de acordo com a ordem que apareceram no instrumento (P: participante; 1,2,3 … 639).
A análise dos dados foi realizada através da análise temática (Souza, 2019; Bardin, 2016), que se caracteriza por ser um método que demanda aos pesquisadores uma atitude circular, com movimentos de vaivém, conforme a necessidade, através de todas as fases. As fases que compõe a análise temática neste estudo são as seguintes (Souza,2019):
1.Familiarização com os dados que consiste em contato prévio com os mesmos, posto que alguma das seguintes ações, senão todas, envolveram o pesquisador: coleta dos dados, transcrição e sua revisão;
2.Geração de códigos iniciais que consiste na análise, porque os dados estão sendo organizados em grupos que congregam significados;
3.Busca por temas, com análise abrangente pois trata-se de categorizar os diferentes códigos em temas possíveis. Os pesquisadores analisam os códigos e consideram de que modo códigos diferentes podem combinar para formar um tema abrangente;
4. Revisão dos temas. A principal característica desta fase é o aprimoramento dos temas.
Ficará manifesto que alguns pretendentes a temas não são, de fato, temas. Isso ocorre quando não há dados suficientes para apoiá-los, ou se estes são muito heterogêneos. Também pode ocorrer que dois temas aparentemente separados formem um único tema.
A constatação de redundância e recorrência de dados foi concretizada a partir da análise dos textos produzidos com aproximadamente 200 respostas, apesar de não existir nenhum parâmetro que pudesse assegurar ou garantir sua medida (Ribeiro & Lobão,2018).
A seguir serão descritas como foram realizadas as etapas deste estudo:
1. As pesquisadoras realizaram análise temática dos dados antes da codificação. A leitura e releitura como parte da familiarização gerou novas ideias e a identificação de respostas pertinentes com o objetivo do estudo. Assim, foram excluídos os itens que não tinham nenhuma resposta como aqueles que tinham apenas a resposta “não”, “sem comentários” e em branco. A seguir foi realizada a leitura das respostas que tinham ao menos uma palavra ou frase estruturada. De 639 respostas foram considerados válidos 200 compatíveis com o objetivo do estudo.
2.A partir da leitura e releitura das 200 respostas, foram organizadas categorias por semelhança de conteúdos que agrupavam significados/códigos semelhantes. Dentre as respostas as que mais definiam as percepções dos cursistas foram organizados separadamente.
3.Nesta etapa foram selecionados os temas mais abrangentes. Aqueles que foram encontrados com maior frequência foram: aprendizagem (48%) e educação permanente em saúde e EaD (43%).
Vale salientar que todo o processo de análise dos dados se apoiou na sistematização proporcionada pelo software N’Vivo por facilitar o processo de organização e construção das categorias temáticas. A pesquisa atendeu todos aspectos éticos da resolução n.466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS,2012) e foi aprovada por um Comitê de Ética da Plataforma Brasil sob o número CAAE 60867922.6.0000.5347.
3. Resultados e discussão
Vale destacar, de maneira geral, que o perfil dos participantes, neste estudo, se caracteriza: quanto a função 80% são tutores e 20% são supervisores; quanto a formação: a maioria tem curso de pós-graduação Stricto Senso; quanto ao gênero: 82% é do sexo feminino, 16% do sexo masculino e 2% não binário. Para obtenção de temas e subtemas, respostas semelhantes foram agrupadas e numeradas em ordem crescente. Resultando em três significados/códigos. Na tabela 1 são descritos os mesmos, como seus percentuais relativos e alguns exemplos de comentários semelhantes com o número do participante (1 a 200).
Na perspectiva da tabela 1, resultados quantitativos foram acrescentados ao estudo como ilustração, pois é preciso desconsiderar o caráter opositor das pesquisas qualitativas e quantitativas e sim, agregar e associá-las na construção do conhecimento científico e na ampliação da informação com vistas à integração e cooperação metodológica ( Faria Rodrigues, Oliveira & Santos,2021). A partir dos três significados/códigos surgiram dois temas, sendo que um deles foi refinado em dois subtemas. Já o outro tema não resultou em subtemas a partir de seu refinamento. Os mesmos estão descritos na tabela 2 .
3.1 Aprendizagem: aprendizagem em EAD & aprendizagem e prática
Aprendizagem é um processo de transformação de comportamento obtido por meio da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais (Silva et al, 2013). O processo de aprendizagem fica especificado na medida em que o sujeito motivado por uma ação, provocada por uma necessidade seja ela fisiológica, afetiva ou intelectual, será encaminhado a um certo tipo de conduta, que em especial no caso da função intelectual, será de encontrar uma explicação para a situação (Araujo, 2020).
Os subtemas a seguir descrevem a percepção dos tutores/supervisores em relação à aprendizagem. São apresentadas algumas escritas dos cursistas no questionário para contribuir para a discussão.
3.1.1 Aprendizagem em EaD
A aprendizagem em EAD é mediada ou não por meios de comunicação social tecnológicas, que possibilita a ocorrência de diferentes formas de interação entre tutor-aluno e aluno-aluno. As características da educação a distância são a separação física entre aluno e tutor e a utilização das TDICs como mediadoras da relação ensino-aprendizagem (Andrade & Zerbini,2020).
Considera-se o tutor com características inerentes a sua função tais como: lidar com ritmos individuais de aprendizagem, apropriar-se das TICs, dominar técnicas e instrumentos de avaliação, ter habilidade para investigação, formular esquemas mentais para facilitar a fixação dos conteúdos, entre outras. O tutor a distância é mediador e não simples transmissor do conhecimento (Santos & de Souza, 2020).
O curso de formação de supervisores e tutores do Programa Saúde com Agente ocorre concomitantemente com as atividades de tutoria nos cursos técnicos ofertados pela Universidade. A proposta foi a criação de ambiente ativo de ação-reflexão-ação para possibilitar uma educação significativa.
Dentre várias escritas dos participantes, os extratos apresentados a seguir ilustram algumas das percepções dos cursistas sobre a aprendizagem em EaD:
“Estou gostando do curso e acho que os conteúdos são importantes para aperfeiçoar a prática da tutoria EaD”(P36).
“O curso tem sido muito proveitoso para a minha aprendizagem como tutora em EaD”(P 39);
“O curso tem proporcionado grandes aprendizados, sobretudo como se organizar, disciplina e apoio pedagógico em EAD” (P79).
“Para mim esse curso de extensão traz muita reflexão sobre a educação à distância, considero bem interessante os processos de mediação e feedbacks nos fóruns e nas tarefas, e tenho aprendido os tipos de mediação possíveis de se fazer nessa modalidade de educação” (32).
Os exemplos apresentados demonstram que a metodologia ativa do curso e os conteúdos tratados nos módulos contribuíram para a aprendizagem dos cursistas, como no aperfeiçoamento de suas práticas, na aprendizagem de como se organizar, ter disciplina e apoiar pedagogicamente os estudantes dos cursos técnicos. O curso também foi estruturado com dinâmicas interativas, nas quais os cursistas aprendem a mediar e dar e receber feedbacks. Por exemplo, em uma das atividades os supervisores com seus tutores discutiam em fóruns ou em webconferências sobre metodologias ativas e ferramentas digitais e, como resultado, construíram um vídeo coletivo do grupo sobre o trabalho.
4. Considerações Finais
O presente artigo analisou a percepção dos cursistas sobre suas aprendizagens no curso de formação de supervisores e tutores na modalidade a distância a partir de uma pergunta aberta no questionário COLLES. Pelas respostas dos participantes pode observar-se que o Curso trouxe como um dos desafios a utilização das metodologias ativas, pois exigiu que cada participante tivesse uma postura pró-ativa.
O curso iniciou com a proposta de que o tutor e o supervisor se apropriassem de suas funções e foi seguindo com várias dinâmicas interativas utilizando discussões em fóruns, espaços de webconferências, construção de vídeos, podcast, dinâmica de júri simulado. As propostas pedagógicas privilegiaram a construção de conhecimento e o início da formação de redes de aprendizagem a partir do trabalho em equipe utilizando as metodologias ativas.
Percebeu-se a importância da formação deste grupo para a qualificação do trabalho prático no Ava dos cursos técnicos. O curso de formação possibilitou diversas aprendizagens, dentre elas aprimorou a qualidade dos processos de mediação e feedbacks nos fóruns e nas atividades propostas. Dentro de uma proposta de construção de conhecimento, as mediações e os feedbacks são de suma importância, pois estes regulam e desafiam o sujeito a novas construções de conhecimento.
A aprendizagem na modalidade a distância apresenta-se muitas vezes como um desafio, porém gradualmente os tutores e supervisores avançaram na superação desses desafios, seja pelo apoio das equipes do Curso, por um maior conhecimento da realidade e das necessidades dos estudantes, pela análise dos resultados das propostas em ação ou mesmo por essa conjunção de fatores.
Os limites deste estudo estão associados ao fato da análise ter um foco específico, outros estudos devem ser realizados com vistas a subsidiar o desenvolvimento e a formação de supervisores e tutores na utilização das inúmeras possibilidades que as tecnologias digitais de informação e comunicação proporcionam e poderão proporcionar à formação permanente.