1. Introdução
A preocupação com o aumento do tempo médio de permanência hospitalar está relacionada tanto à qualidade da assistência ao paciente quanto ao aumento dos custos da instituição de saúde (Silva et al., 2014). A identificação dos problemas que levam a uma hospitalização prolongada é a primeira etapa na busca de soluções. Além dos riscos a que está exposto o paciente, soma-se a isso o afastamento do convívio familiar, da comunidade, do trabalho e das atividades sociais nas quais está rotineiramente envolvido (Machado & Machado, 2019).
É relevante ratificar que o Sistema Único de Saúde (SUS) ampliou significativamente o acesso aos cuidados de saúde para grande parte da população brasileira, promoveu a conscientização da população sobre o direito à saúde vinculado à cidadania e investiu na expansão de recursos humanos e da tecnologia em saúde. No entanto, as transformações demográficas e epidemiológicas da população brasileira obrigam a transição de um modelo centrado nas doenças agudas para um modelo baseado na promoção intersetorial da saúde e na integração dos serviços de saúde (Paim et al., 2011).
O acesso aos serviços de saúde, garantido a todos os brasileiros pelo SUS, fundamenta-se nos princípios da universalidade, integralidade e participação social. Prevê uma atenção à saúde de forma integral, e não apenas como a ausência de doenças (Machado & Machado, 2019; Paim et al., 2011). Contudo, muitos desafios são enfrentados, principalmente quando a demanda supera a oferta de serviço e o acesso se torna limitado, o atendimento aos pacientes é demorado, ocasionando longas filas de espera, para procedimentos regulados e para os leitos hospitalares (Silva et al., 2015).
Considerando-se o cenário do serviço público, de pouca oferta para grande demanda (Fogaça et al., 2022), mudanças nos processos de trabalho podem impactar positivamente no tempo de permanência hospitalar, na utilização adequada do leito, na otimização dos custos assistenciais, na assistência ao paciente, na prevenção dos eventos adversos e dos riscos de infecção relacionada a saúde que fica exposto o paciente (Machado & Machado, 2019). Assim, esse estudo se justifica pela importância de pontuar os fatores que prolongam desnecessariamente o tempo de permanência hospitalar e, impedem a alta hospitalar precoce de pacientes com quadro clínico estabilizado.
Este estudo teve como objetivo identificar os fatores que contribuem para aumentar o tempo de internação hospitalar na unidade de clínica médica de um hospital público.
2. Methodology
2.1 Caracterização do Estudo
Estudo do tipo exploratório-descritivo, de abordagem qualitativa. Os estudos descritivos procuram especificar as características e os perfis importantes de pessoas, grupos, comunidades ou qualquer outro fenômeno que se submeta a análise (Sampieri et al., 2013).
A abordagem qualitativa, além de permitir desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos, propicia a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias durante a investigação e pode conduzir a resultados importantes sobre a realidade social (Minayo, 2014).
2.2 Cenário do Estudo/Participantes
A pesquisa foi realizada em um hospital público do Distrito Federal, caracterizado como de atenção secundária, com um total geral de 304 leitos ativos, sendo 187 destinados a internação, 64 destinados a leitos de Pronto Socorro e 53 são leitos complementares (Unidade de Terapia Intensiva adulto, Neonatal e de Cuidados Intermediários). Atualmente, a Unidade de Clínica Médica conta com 36 leitos ativos, sendo 4 destinados aos pacientes da Nefrologia.
Foram convidados todos os profissionais da equipe multidisciplinar, de nível médio e superior, que atuam na unidade de clínica médica, o que caracteriza a amplitude da pesquisa. Como critério de inclusão foi considerado: atuar na equipe multiprofissional da unidade de clínica médica no período da coleta de dados; e como critério de exclusão: estar afastado do serviço por motivo de férias, licença médica, ou qualquer afastamento legal. A amostra foi não probabilística e adotou critérios de conveniência (Vergara, 2009). Utilizou-se, como parâmetro da saturação amostral, o esgotamento de novos assuntos no discurso dos respondentes (Flick, 2009). A amostra foi composta por 4 enfermeiras, 1 farmacêutica, 1 psicóloga, 1 fonoaudióloga, 1 fisioterapeuta e 7 técnicos de enfermagem, totalizando uma amostra de 15 respondentes.
Aos participantes foi assegurado o sigilo, a privacidade, a proteção da imagem, e a confidencialidade dos dados coletados, de forma a manter a privacidade. Cada entrevista foi codificada utilizando a denominação “Respondente” seguido do algarismo arábico 1, 2, 3, 4, 5, 6, e assim por diante. As entrevistas foram gravadas após leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e assinatura do participante. As respostas foram transcritas e armazenadas no computador do pesquisador principal com senha única e pessoal.
2.3 Coleta de Dados
A coleta de dados das entrevistas ocorreu no período de 10 de outubro a 30 de novembro de 2021. Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada com questões abertas, de acordo com os objetivos do estudo. Cada colaborador foi entrevistado uma única vez, não sendo estabelecido tempo limite para a duração da entrevista. O questionário contemplou a seguinte pauta: 1. Na sua opinião, quais são os maiores gargalos que dificultam o giro de leitos? O que prende o paciente mais tempo no leito? 2. Na sua opinião, o que você pode fazer como profissional de saúde para amenizar essa situação? 3. E na sua percepção, quem você acha que poderia resolver essa situação para o leito girar mais rápido?
Os participantes foram instruídos sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo pesquisador que fez a coleta de dados, em momento oportuno, conforme agendado previamente para a realização da entrevista.
Foram efetuados adequadamente os esclarecimentos, considerando, para isso, as peculiaridades do convidado a participar da pesquisa e sua privacidade. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio, e as transcrições serão mantidas pelo coordenador do estudo, pelo período de cinco anos. Não foi estabelecido um tempo determinado para as entrevistas. No entanto, o tempo médio foi de 15 minutos, sendo a menor duração em torno de 5 minutos e a maior duração em torno de 25 minutos.
2.4 Análise de Dados
Os dados foram analisados segundo a análise de conteúdo de Bardin (2011). A análise temática tem como objetivo verificar hipóteses e/ou interpretar o que está por trás de cada conteúdo manifesto, pois leva em consideração o contexto em que a situação analisada está inserida e desdobrou-se em três etapas: a pré-análise; a exploração do material; o tratamento dos dados obtidos e interpretação. Dessa forma, a análise ocorreu de acordo com esses três polos, para facilitar a compreensão e a organização dos dados obtidos na entrevista, permitindo fundamentar as interpretações feitas na discussão e interpretá-las de acordo com a produção científica. (Minayo, 2014). Não houve utilização de software.
2.5 Considerações Éticas
Foram respeitados todos os conceitos éticos e de confidencialidade relacionados às informações dos participantes. Os participantes foram informados dos riscos decorrentes da pesquisa, relacionados ao próprio desconforto/constrangimento que as respostas à entrevista podem gerar. Buscou-se minimizar tais riscos, garantindo a realização da entrevista em local reservado e liberdade para não responder questões constrangedoras. Foi assegurado o sigilo, a privacidade, a proteção da imagem e a confidencialidade dos dados coletados, de forma a manter a privacidade do respondente. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal - CEP/SES/DF e aprovado com Parecer Substanciado nº 5.189.602 CAAE: 21157119.0.0000.5553, de 29 de dezembro de 2021.
3. Resultados e Discussão
Em relação à caracterização dos participantes, 80% são do sexo feminino. Os técnicos de enfermagem foram a categoria que mais respondeu (46,6%), seguido dos enfermeiros (26,6%). Entre as demais categorias, estavam presentes uma psicóloga, uma fisioterapeuta, uma farmacêutica e uma fonoaudióloga. A idade dos participantes variou de 31 a 63 anos, com média de 40 anos. Com relação ao tempo de atuação no setor, 60% têm de 1 a 5 anos na Unidade de Clínica Médica e 40% têm de 6 a 10 anos, sendo que a média de tempo na SES/DF foi de 9 anos.
O processo de análise dos dados resultou na organização de três categorias temáticas: Fatores que contribuem com o aumento do tempo de internação; Necessidades de aprendizagens da Equipe Multiprofissional; e Aprimoramento do processo de gestão em saúde.
3.1 Fatores que contribuem com o aumento do tempo de internação
Esta primeira categoria apresenta os significados atribuídos pelos participantes sobre os principais fatores que contribuem para o aumento do tempo de internação. A demora na realização dos exames foi um dos principais motivos percebidos por eles, como revelado pelos depoimentos:
“Eu acho que a gente tem alguns gargalos, é o atraso pra fazer alguns exames, ou responder parecer, ou consulta, ou alguns procedimentos que são essenciais para desospitalização, isso costuma ser um problema, (...) se eu não tenho um especialista tal pra responder um parecer vai ter que ir pra outra regional, às vezes falta ambulância para esse transporte, atrasa fica pra outra semana, então isso atrasa sim o processo”. (R4)
Na percepção dos respondentes, a demora na realização dos exames regulados pelo Sistema de Regulação (SISREG) é um dos fatores que mais contribui para o aumento do tempo de permanência hospitalar, bem como a demora para agendar parecer de outra especialidade, importantes para discussão do caso e nas condutas médicas. Essa compreensão da equipe multiprofissional vai ao encontro ao descrito na literatura, que identificou na longa permanência dos pacientes a necessidade da realização de exames complementares e especializados ainda durante a internação (Silva et al., 2014; Machado & Machado, 2019; Belarmino, 2020; Grala et al., 2020).
Na pesquisa, foi identificada uma preocupação com a perda dos exames já agendados, mas que não são realizados por falta de motoristas e de transporte no Núcleo de Remoção e Apoio ao Paciente (NARP), núcleo este ligado à Gerência Interna de Regulação. Os exames são agendados em tempo oportuno; no entanto, o paciente não comparece ao local agendado, devido à falta de transporte ou de motorista. Semelhantes resultados também foram encontrados por Silva et al. (2014): os fatores que geraram o aumento do tempo de permanência estavam relacionados tanto com o perfil do paciente quanto com os recursos disponíveis na instituição.
“Então, muitas vezes a gente perde exames, exames difíceis de serem regulados por um detalhe que é falta de uma ambulância ou algum problema no transporte desses pacientes”. (R6)
“A questão das ambulâncias que muitas vezes não flui, né? O hospital inteiro com a demanda do NARP, que não consegue dar conta dessa demanda, o NARP também está muito sobrecarregado, eu percebo isso”. (R9)
De maneira geral, percebe-se certa preocupação com os pacientes idosos com indicação de institucionalização, pois a falta de amparo de familiares corrobora a ocupação do leito por tempo indeterminado, até o surgimento de uma vaga em Instituições de Longa Permanência:
“Pacientes que são de instituições, que não têm família, né? Que não tem pra onde mandar, principalmente, é um dos gargalos que dificulta”. (R10)
“(…) o que a gente percebe é que a gente tem vários tipos de paciente. Então a gente tem o idoso acamado, que tem família. A gente tem o idoso acamado que não tem família, que às vezes chega aqui por uma instituição. A gente tem o idoso acamado que não tem família e que não tem instituição. Então acaba que a gente tem que ir atrás de uma instituição para acolher. E hoje para se acolher um idoso numa instituição, principalmente acamado, leva em torno de dois anos”. (R3)
A dificuldade de direcionar esses idosos com indicação de institucionalização é um problema social que acarreta custos à instituição e riscos ao paciente, pois, segundo os relatos, as vagas demoram a surgir, obrigando o idoso a ficar mais tempo internado. O tempo de internação é comumente visto como fator de risco para ocorrência de eventos adversos, considerando que existe maior predisposição do idoso às limitações físicas, ao declínio cognitivo, à perda sensorial, aos sintomas depressivos, às quedas e ao isolamento social, potencializando o prejuízo funcional e contribuindo para a dependência dele nas atividades básicas e instrumentais de vida diária (Martins et al., 2020). As consequências desses eventos durante a permanência do paciente idoso são diversas, incluindo a menor rotatividade de pacientes no serviço, mantendo-se os custos associados a uma internação prolongada de uma pessoa que não necessita mais de cuidados agudos (Carvalho et al., 2018).
3.2 Necessidades de aprendizagens da Equipe Multiprofissional
A segunda categoria temática abordou as necessidades de aprendizagem da equipe multiprofissional para promover a desospitalização em tempo oportuno. Essas necessidades foram divididas em desenvolver maior interação entre os membros da equipe, desenvolver comunicação efetiva e cuidado integral.
“(...) você percebe que não há uma conexão de avaliação de cada profissional. Então se você olhar lá tem a evolução do psicólogo, a evolução do médico, do enfermeiro, mas parece que assim… um não lê o do outro. Isso dificulta o paciente sair, entendeu?”. (R3)
Conforme exposto, os respondentes colocam que há falta de interação entre os membros da equipe multiprofissional. Cabe esclarecer que o cuidado, nas organizações de saúde, no hospital em particular, é necessariamente multidisciplinar, ou seja, depende da conjugação do trabalho de vários profissionais. Assim, uma complexa trama dos atos, de procedimentos, de fluxos, de rotinas, de saberes, num complexo dialético de complementação, mas também de disputa, vão compondo o que entendemos como cuidado em saúde (Cecílio & Merhy, 2003). Em consonância com esses achados, estudos apontam que a falta de comunicação entre a equipe multiprofissional corrobora a falta de planejamento da alta hospitalar, que interfere diretamente no tempo de desospitalização, tendo como resultado o aumento expressivo na média de permanência (Machado & Machado, 2019; Biasibetti et al., 2019 ).
A falta de comunicação eficaz sobressaiu de forma enfática como uma das maiores dificuldades relatadas por eles e como necessidade de resgate para melhor conduzir os processos internos, relacionados ao cuidado ao paciente. Cabe salientar que a comunicação efetiva faz parte das Metas Internacionais de Segurança do Paciente, motivo pelo qual é fundamental em todos os processos de assistência ao paciente e à família (ANVISA, 2017). A comunicação ineficaz está relacionada às principais causas de eventos adversos na assistência e repercute em cuidado inseguro, contribuindo para desfechos desfavoráveis (Biasibetti et al., 2019).
“(...) eu acho que a grande questão é ser ouvido, né? A enfermagem precisa ser ouvida, o fono precisa ser ouvido, o físio precisa ser ouvido, o psicólogo precisa ser ouvido, né? A gente tem aqui a reunião de PTS e a gente não tem o STAFF participando para discutir quais são os pacientes que vão ter alta, isso é um complicador”. (R3)
“(...) falta comunicação efetiva. Por exemplo, o médico tem uma conduta, ele não considera ou não tem tempo de escutar outros profissionais. Então tem uma equipe multi aqui totalmente desarticulada”. (R6)
No que diz respeito à necessidade de comunicação, eles colocaram a carência em serem ouvidos. Pontuaram que a equipe precisa interagir, sendo que a enfermagem, o psicólogo, a fonoaudióloga, e os demais integrantes da equipe multiprofissional necessitam ser ouvidos. No entanto, os respondentes colocam que os médicos não têm tempo para ouvir os outros profissionais; que a equipe multi é totalmente desarticulada; e que o médico continua decidindo as condutas sem conversar com os demais profissionais de nível superior da equipe multi. A questão do modelo de atenção centrado no médico e na doença se perpetua e dificulta o processo de desospitalização. Sabe-se que a comunicação é fundamental entre os profissionais de saúde, seja para a transição do cuidado, as passagens de plantão, a orientação aos pacientes, enfim, a comunicação está diretamente ligada à qualidade e segurança na assistência prestada. O preparo e a capacitação dos profissionais são primordiais para a construção da comunicação eficaz, de modo a ocorrer a troca de informações de forma adequada, evitando assim a ocorrência de erros (Biasibetti et al., 2019).
“Dificilmente a gente olha para o paciente como um todo, com um olhar único, de forma integral. Aqui é um hospital-escola, então a gente tinha que ter pelo menos uma ferramenta prática, rápida, eles não têm tempo pra isso, pra gente definir prioridades. ‘esse paciente tem isso de dependência’, ‘qual a visão da farmácia’, ‘fono, qual a sua pendência?’. (...) Quando a gente fala em conjunto, quando a gente vê como um todo, a gente vê outras possibilidades, a gente articula mais fácil e mais rápido”. (R6)
Os participantes colocam a predominância de uma atenção segregada e desarticulada. Não há ferramentas para discussão conjunta dos casos e verificação das pendências de todas as áreas e, quando há um estudo de caso, o staff médico não participa das reuniões e fica, de certa forma, faltando esse olhar para complementar a avaliação integral que o paciente necessita. Agregado a este processo, tem-se o cenário hospitalar, fortemente marcado pelo modelo verticalizado, focado na doença e no tratamento, permeado por pactuações para o desenvolvimento do trabalho que colocam os médicos em posição privilegiada, com baixa interlocução com outras áreas (Leal & Castro, 2017). Busca-se, nesse contexto, a combinação de saberes, ou seja, composições híbridas que permitam compreensões ampliadas, capazes de ações de maior efetividade (Ribeiro & Ferla, 2016).
Infelizmente, em pleno século XXI, não avançamos na proposta do cuidado horizontal. Ainda predomina o modelo de atenção à saúde centrado no médico, como profissional central na lógica vigente, na doença como foco das intervenções, no consumo de procedimentos de alta tecnologia e no uso excessivo de medicamentos, ou seja, no modelo biomédico hegemônico. Para Ribeiro e Ferla (2016), um cuidado que pretenda produzir saúde para a população precisa ter como meta a integralidade em saúde, a qual depende de um trabalho interdisciplinar que considere os diversos contextos socioculturais dos que demandam cuidado e tenha em seu núcleo as relações e o vínculo entre profissionais e pacientes.
No que concerne à integralidade da atenção, esta é posta por Cecílio e Merhy (2003) como um balizador da gestão hospitalar. Pensar a gestão de um hospital é tentar estabelecer os mecanismos de coordenação dos distintos processos das unidades produtoras de cuidado. Sendo que o processo de coordenação do cuidado se faz por meio de alguns mecanismos, o primeiro deles é a criação de pontes de contato entre as lógicas da profissão: médicos e enfermeiros e os outros profissionais precisam conversar para que o cuidado se realize. E o segundo deles é o papel da prática da enfermagem, no cotidiano, de garantir todos os insumos necessários ao cuidado. A proposta de se fazer gestão a partir da integralidade do cuidado tem a pretensão de criar mecanismos que facilitem a coordenação das práticas do hospital de forma mais articulada, leve, com canais de comunicação mais definidos, mais solidária e menos ruidosa, com todos profissionais envolvidos no cuidado.
3.3 Aprimoramento do processo de gestão em saúde
Para os participantes, a gestão local deveria atentar-se para esses fatores que seguram o paciente por mais tempo no hospital, como a demora na realização dos exames, o reagendamento de exames e procedimentos por falta de transporte e motorista, e ocupar leito para completar tempo de antibioticoterapia. Segundo relataram, o Núcleo de Apoio e Remoção de Pacientes (NARP) é um serviço-chave no processo de desospitalização; no entanto, é dos núcleos da Gerência Interna de Regulação que funciona praticamente com horas-extras por não ter servidores estatutários lotados. Somado à escassez de recursos humanos, esse núcleo ainda lida com o número insuficiente de ambulâncias e motoristas do hospital, que são para atender as demandas de todo o hospital. A sugestão dos entrevistados é que a Gestão do hospital direcione esforços para resolver a logística das ambulâncias e motoristas.
“Eu penso que talvez a direção poderia ter um olhar maior para esses gargalos, Núcleo de Apoio e Remoção do Paciente - NARP, subsidiar a equipe do Atendimento Domiciliar, né? Talvez com dimensionamento de pessoal, como uma estrutura melhor. (...) Porque tem situação que a gente tem o problema, posiciona o problema e a resposta que a gente tem é “não tem o que fazer”. Então assim, se eu não resolvo aqui, vai passar para instâncias superiores para ver o que pode fazer, o que não pode é o problema ficar parado. Eu penso dessa forma, né? Porque assim, quem perde é só o familiar e o paciente”. (R9)
“A gente precisa, na verdade, que a direção esteja mais presente nas unidades, vendo as dificuldades de cada unidade. Que o NRAD também participe mais, que o serviço social esteja mais integrado, que haja uma união das equipes multi, né?” (R10)
“Ah, mas aí é uma questão da direção na verdade. Eles irem atrás ou da secretaria mesmo, ir atrás dessa questão dos transportes, questão das equipes do NRAD mesmo”. (R13)
Outra sugestão direcionada aos gestores locais é que encaminhem a outras instâncias, os problemas que não conseguem gerenciar em nível local. A partir dos relatos dos sujeitos, percebe-se o grande desafio que, por si mesmo, traz inscrito no seu cerne a ação dos trabalhadores em relação consigo mesmos, com os usuários dos serviços de saúde e com os processos organizacionais (Merhy & Franco, 2005).
Faz-se necessária a articulação entre os pontos de atenção, entre os diversos níveis de gestão para que as demandas que não encontram solução neste nível de atenção sejam direcionadas para conhecimento e providências de outros atores. Problemas relacionados a manutenção dos leitos hospitalares, falta de cama para o domicilio, contrato de oxigênio domiciliar, transporte sanitário, toda a logística que a direção já conhece mas não tem resolutividade, devem ser encaminhados às esferas superiores. O principal aspecto do trabalho em saúde é que o mesmo se desencadeia com base em necessidades que são gestadas nas relações sociais, portanto, são diferentes ao longo do tempo. Pode-se dizer que os serviços de saúde criam e atendem a necessidades (Missel et al., 2017; Merhy & Franco, 2005).
Os problemas identificados têm retardado o processo de desospitalização dos pacientes. Sendo assim, precisam da atenção e do envolvimento de quem tem a governança e os recursos para resolver. Esses processos de trabalho operam em relações intercessoras entre trabalhadores, usuários e gestores, na medida em que ambos formam um encontro no qual se colocam como atores/sujeitos para a produção do cuidado. Ressalte-se que o uso inadequado dos recursos e a gestão inadequada das relações de trabalho dificultam o alcance dos propósitos. Por isso, isso é necessário repensar todo o processo à luz das condições concretas em que acontece o trabalho (Missel et al., 2005).
A investigação qualitativa foi determinante para o êxito deste estudo, pois conseguiu identificar, por meio da percepção dos servidores, os principais fatores que seguram o paciente por mais tempo no leito hospitalar. Revela-se nos discursos dos respondentes um olhar micro, voltado para as necessidades locais de cada setor, de cada serviço. Embora os discursos tenham como foco apenas o processo de trabalho interno do cenário pesquisado, as observações são fundamentais para fortalecer as discussões locais, alinhando cuidado e gestão no processo de melhoria interna do cenário investigado.
4. Considerações Finais
Neste estudo foi possível identificar os principais fatores que colaboram para o aumento do tempo de internação na unidade de clínica médica de um hospital público. A demora na realização dos exames deu-se tanto pela demora no agendamento pelo sistema de regulação quanto pela falta de logística do Núcleo de Apoio e Remoção do Paciente, que deixa de levar o paciente por falta de transporte e motorista, os quais podem ser melhorados por intervenção dos gestores.
Os resultados desta pesquisa podem subsidiar ações locais direcionadas às necessidades da equipe multiprofissional na busca de melhorar a interação entre os seus membros na condução dos casos clínicos conduzidos de forma compartilhada, principalmente no planejamento de planos terapêuticos para os pacientes mais complexos que requerem maior interlocução com a equipe multiprofissional.
Destaca-se que esta pesquisa apresenta limitações, especialmente por não ter entrevistado todas as categorias da equipe multiprofissional, bem como não conhecer a percepção dos gestores sobre as questões desveladas. Entretanto, colabora para que se tenham mais subsídios sobre a temática, principalmente diante da observação de que a investigação a respeito do assunto é incipiente no Brasil.
Sugere-se, por fim, investir em pesquisas futuras ampliando o foco para a questão do financiamento do Sistema Único de Saúde, bem como para o contexto dos direitos do cidadão à assistência à saúde, garantidos de forma expressa na Constituição Federal.