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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.18  Oliveira de Azeméis out. 2023  Epub 30-Nov-2023

https://doi.org/10.36367/ntqr.18.2023.e869 

Artigo Original

A Utilização de Entrevistas Auto-Referenciadas na Investigação de Trajetórias Ocupacionais de Trabalhadores de Comida de Rua

The Use of Self-Referenced Interviews in Investigating Occupational Trajectories of Street Food Workers

Eveline Nogueira Pinheiro de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-9702-0352

Cássio Adriano Braz de Aquino1 
http://orcid.org/0000-0001-8651-1634

Lia Silveira Adriano2 
http://orcid.org/0000-0002-7329-6178

1 Universidade Federal do Ceará, Brasil

2 Universidade de Fortaleza, Brasil


Resumo

Introdução: O mundo do trabalho contemporâneo engloba novos tipos de trabalhos alternativos no cenário brasileiro, em que a informalidade e o empreendedorismo se destacam como marcas do modo de organização laboral. Objetivos: compreender e analisar trajetórias ocupacionais de trabalhadores de comida de rua. Métodos: Este trabalho é fruto de um percurso de pesquisa mais amplo que busca compreender alguns dos movimentos mais recentes do capitalismo: a precarização laboral, o empreendedorismo, a flexibilização e a incorporação da informalidade nos novos modos de vida. Produz-se a partir de um viés dos estudos sobre trabalho e da Psicologia Social do Trabalho (PST). Em um estudo de inspiração longitudinal, fez-se o resgate de entrevistas já realizadas com trabalhadores de comida de rua no ano de 2017, realizadas em percurso de investigação anterior. Considerando a velocidade com que o trabalho tem se transformado e a crise pandêmica que se desenvolve, questionou-se como estaria organizada a vida laboral daqueles mesmos trabalhadores entrevistados à época. Nesse sentido, foram realizadas entrevistas auto referenciadas: o objetivo foi ir em busca novamente desses sujeitos e rememorar a entrevista realizada anteriormente para a compreensão das trajetórias laborais nesse intervalo temporal. Resultados: A análise das trajetórias de vida laboral, a partir do viés analítico das trajetórias ocupacionais, serviu para a compreensão de um movimento mais amplo na história de vida desses trabalhadores: o que poderia ser chamado de movimento empreendedor, que se traduz em precarização e volatilidade na realidade dos trabalhadores. Conclusões: O que parece compreensível é que foram criadas condições para uma ampliação da referência ao empreendedorismo como política de enfrentamento a um Estado frágil na condução da relação capital-trabalho e como mecanismo de difusão do individualismo e da precarização difundidos na esfera laboral.

Palavras-Chave: Condições de Trabalho; Informalidade; Empreendedorismo; Trajetória laboral; Comida de rua.

Abstract

Introduction: The world of contemporary work encompasses new types of alternative work in the Brazilian scenario, in which informality and entrepreneurship stand out as marks of the way of work organization. Objectives: to understand and analyze occupational trajectories of street food workers. Methods: This work is the result of a broader research path that seeks to understand some of the most recent movements of capitalism: job insecurity, entrepreneurship, flexibility and the incorporation of informality in new ways of life. It is produced from a bias of studies on work and the Social Psychology of Work (PST). In a study of longitudinal inspiration, interviews already carried out with street food workers in 2017, carried out in the course of a previous investigation, were carried out. Considering the speed with which work has been transformed and the pandemic crisis that is developing, it was questioned how the working life of those same workers interviewed at the time would be organized. In this sense, self-referenced interviews were carried out: the objective was to go in search of these subjects again and remember the interview carried out previously to understand the work trajectories in that time interval. Results: The analysis of working life trajectories, based on the analytical bias of occupational trajectories, served to understand a broader movement in the life history of these workers: what could be called an entrepreneurial movement, which translates into precariousness and volatility in the reality of workers. Conclusions: What seems understandable is that conditions were created for an expansion of the reference to entrepreneurship as a policy to confront a fragile State in the management of the capital-work relationship and as a mechanism for the dissemination of individualism and precariousness spread in the labor sphere.

Keywords: Working Conditions; Informality; Entrepreneurship; Work trajectory; Street food

1. Introdução

O mundo do trabalho contemporâneo, em um movimento efêmero e rotativo, presencia um número cada vez maior e diversificado de novos tipos de trabalhos alternativos. A ideia dos trabalhos empreendedores e os discursos de protagonismo e meritocracia convivem, contraditoriamente, com as taxas de desemprego e com as condições esdrúxulas a que são submetidos os trabalhadores brasileiros, buscando se sustentar em falácias sedutoras e ilusórias, distantes da realidade laboral concreta.

Em geral, essas novas e alternativas modalidades laborais se afastam de uma tradicional formalidade e se aproximam de uma perspectiva flexível e bem marcada temporalmente. Esses movimentos parecem nascer de uma forma intensa e aparentemente revolucionária, mas sua involução acontece antes mesmo que se estabeleça uma perenidade, no momento em que surge um novo movimento de maior força no mercado, como outrora foi o processo de automação e hoje é o da uberização, por exemplo. Essas novas tipologias laborais, impostas e forçosas, acabam modificando a vida de incontáveis indivíduos que, acompanhando o movimento, veem nascer e morrer inúmeras perspectivas de identidade e carreira profissional recortadas durante a vida.

Um desenho bastante representativo da realidade atual são os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontam 38,8 milhões de brasileiros na informalidade, atingindo um recorde de 41,4% de trabalhadores sem carteira assinada ou trabalhando por conta própria (Amorim, 2019). Esses são números apontados no trimestre encerrado em setembro de 2019 que sugerem uma intensa desestruturação do mundo do trabalho e mantém relação com os níveis de desigualdade de renda e a elevação acelerada da pobreza (Pochmann, 2019). Na soma do quadro, em meados de 2019 e avançando em 2020 a pandemia do Covid-19 trouxe transformações que agravaram ainda mais esse cenário, destruindo 7,8 milhões de postos de trabalho no Brasil até o mês de maio (Garcia, 2020). O País chegou a alcançar índices em que apresentou mais pessoas em idade ativa fora do mercado do trabalho do que dentro dele (Gimenes, 2020), sendo nefastos os efeitos sociais da crise pandêmica.

Na atualização destes dados, o Brasil havia ganhado 1,42 milhão de trabalhadores informais no primeiro trimestre de 2022. No trimestre supracitado, o número de trabalhadores informais foi o maior para esse período desde 2015 (Gavras, 2022). Os dados resultantes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE apontam que até maio de 2022, 39,129 milhões de pessoas trabalhavam na informalidade.

Nesse cenário, portanto, a informalidade, a atividade denominada empreendedora e outros modos de trabalho, sem excluir a vinculação entre todos esses fenômenos, surgem como alternativas possíveis ao concorrido e, principalmente, reduzido mercado de trabalho formal. Especificamente no cenário brasileiro, a informalidade se destaca de forma importante, sendo marca representativa da vida laboral dos trabalhadores no País. Em geral, modelos de trabalho denominados empreendedores são apontados como atraentes, personalizados e, por isso, ideais, pois propagam a possibilidade de um trabalhador ‘comum’ se tornar um empreendedor/detentor do próprio capital e do próprio processo de trabalho.

Os trabalhadores informais participam hoje da economia urbana e contribuem largamente com o processo de reprodução do capital, assumindo os custos relativos dessa reprodução e submissão enquanto força de trabalho envolvida em um processo de auto exploração, entendido como um negócio próprio e sem grandes custos para o capital (Gonçalves, 2002). Portanto, essa dinâmica faz parte de um processo mais amplo em que “[...] a sociedade civil organizada deve absorver para si os investimentos sociais historicamente de responsabilidade do Estado” (Sabino, 2010). Isso constrói a teia de desproteção e responsabilização (Castel, 2005) sobre esse sujeito, à mercê de sua própria iniciativa, muitas vezes incapaz de suprir aquilo que deveria lhe ser direito assegurado.

O trabalho que aqui se constrói é fruto de um percurso de pesquisa mais amplo que busca acompanhar e compreender alguns dos movimentos mais recentes do capitalismo e suas consequências na vida dos trabalhadores: a precarização laboral, o empreendedorismo, a flexibilização, a desregulamentação e a incorporação orgânica da informalidade nos novos modos de vida no trabalho. Em meio a essa realidade, acreditamos que a noção de empreendedorismo surge, justamente, da necessidade de produção de emprego e renda, e acaba construindo subsídios para um ambiente cultural apropriado a uma nova era do capital, adaptando-se à manutenção de situações informais e precárias de trabalho. Construímos um desenho de pesquisa, portanto, que localiza nos estudos da precariedade a lente de observação do trabalho contemporâneo, e a prática empreendedora como ícone desse contexto.

2. Informalidade e Precarização Laboral no Trabalho com Comida de Rua

Compreendemos que, aliado à ideia neoliberal, cada vez mais difundida na contemporaneidade, que exige que todos se apresentem socialmente como empreendedores (Costa, Barros, & Carvalho, 2011), outro fenômeno é representativo da proliferação de trabalhos alternativos e informais no Brasil: a expansão e reconfiguração da comida de rua. Embora não seja uma atividade de história recente em nosso país, esse modelo de comércio começou a inovar a partir da primeira década do século XXI, e hoje, fomentado pela própria dinâmica urbana, muitos consumidores buscam a alimentação vendida nas ruas. Nesse processo, também há uma ampliação do espectro de trabalhadores desse setor, para além dos ambulantes e vendedores de barracas de comida informais, dando espaço a vendedores fixos, formalizados e até de porte de negócio maior, como é o caso de trailers e dos mais recentes food trucks. Assim, é possível que a análise deste tipo de atividade possa nos fornecer indícios de compreensão de fenômenos próprios do neoliberalismo e da consolidação da precarização.

O espaço da rua, esse não-lugar (Sá, 2014), portanto, passou a ser habitado, dividido e concorrido entre trabalhadores da alimentação que guardam entre si consideráveis diferenças, em termos econômicos e de condição laboral, fundamentalmente. A comida de rua dos grandes centros urbanos brasileiros abriga grandes abismos e nuances, todos ‘empreendedores em potencial’, formando um leque muito diversificado de características e possibilidades de exploração desse cenário composto por protagonistas tão singulares. Nesse sentido, as atividades ditas empreendedoras desse setor se mesclam com modos informais e alternativos de trabalho, aproximando trabalhadores formais ou informais, de grande ou menor porte, fixos ou ambulantes, em termos de configuração do que se chamaria trabalho precário.

Na compreensão e caracterização da precarização laboral estão inseridos dois aspectos fundamentais: “[...] a ausência ou redução de direitos e garantias do trabalho e a qualidade no exercício da atividade” (Cattani, & Holzmann, 2006). Esse processo se mostra numa sucessão de retrocessos como a perda de possibilidades de um planejamento ou carreira laboral e a exclusão de uma série de direitos e garantias como folgas remuneradas, férias, licenças de saúde, aposentadoria, dentre outros. Para além desses aspectos, outros como a insegurança e a instabilidade laboral, as jornadas laborais extensas e a dissolução das fronteiras temporais também compõem esse cenário. Assim, o processo de precarização do trabalho se caracteriza, para além da deterioração das condições laborais, da desregulamentação e do não acesso à determinados direitos, pela precarização da condição de vida dos trabalhadores, em níveis mais amplos e complexos que o estritamente laboral, se constituindo em um processo de incerteza sobre a própria vida em “[...] buracos estruturais” (Sennett, 2011).

Em um momento anterior, a precarização era principalmente evidenciada no contexto dos empregos e contratos formais. Todavia, diante do fenômeno de sustentação do neoliberalismo, ela extrapolou esse cenário. Esse é um dado importante de ressaltar, pois a precarização era tomada exatamente como aquilo que escapava à formalização, mas, em função da complexidade do mundo laboral na contemporaneidade, ela precisa ser (re)situada (Filgueiras, Druck, Amaral, 2004). E, nesse sentido, ela é pensada inclusive como um processo que impacta trabalhos precários e aqueles que estão para além da formalização, mesmo que movimentem uma capacidade de geração de renda alta. Tomando como exemplo o setor de comida rua, esse é um processo que parece perpassar desde trabalhadores ambulantes até os mais recentes e modernos food trucks.

Outro aspecto também interessante de pontuarmos, e que mantém relação com a precariedade, é a velocidade, a flexibilidade, a fluidez com que as perspectivas laborais de alguns trabalhadores são modificadas. Na perspectiva deste trabalhador chamado empreendedor ou do trabalhador informal, a vida no trabalho é um fluxo incerto e momentâneo, muitas vezes ‘pulando’ de um tipo de negócio para outro, na busca incessante de manter uma sobrevivência. A precarização, portanto, é um processo em constante transformação, assim como os ditames de trabalho.

Esse é o mote central que nos guia: investigar como os processos de precarização laboral se desenvolvem em trabalhadores envolvidos na comida de rua, com enfoque no percurso metodológico que utilizamos nesse processo. Em estudos anteriores pudemos nos deter sobre a experiência laboral de trabalhadores ambulantes e de barracas de comida, sendo nosso foco nesta pesquisa aqui apresentada a investigação sobre as trajetórias de trabalhadores nesse âmbito, dentre ambulantes, vendedores de barracas de comida, mas também de trailers e de food trucks. Neste sentido, buscamos construir uma proposta metodológica que pudesse dar conta de investigar esses processos e transformações ao longo de determinado período na vida desses trabalhadores, tendo acesso ao que nos foi relatado sobre suas trajetórias ocupacionais.

3. Desenho de Pesquisa: Entrevistas Auto-Referenciadas e Trajetórias Ocupacionais

Assim, em um estudo de inspiração longitudinal no ano de 2021, foi feito o resgate de entrevistas já realizadas com trabalhadores de comida de rua no início do ano de 2017, com o objetivo de compreender e analisar suas trajetórias de trabalho. Desenhamos uma estratégia de pesquisa que pressupunha, portanto, a participação do maior número de trabalhadores que estivessem dispostos a compartilhar conosco suas histórias e cotidianos, dentre aqueles já entrevistados anteriormente, em meio a um período conturbado de cuidado extremo com a saúde, tendo em vista a pandemia que se desenhava. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFC (CEP UFC - Universidade Federal do Ceará / PROPESQ-UFC) sob Número de Parecer 1.862.106 e CAAE-Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 61315416.7.0000.5054.

O desenho metodológico, de natureza de inspiração longitudinal, biográfica e histórica (Carreteiro, 2017), a partir do qual nos inspiramos neste caminho de pesquisa, pressupõe um intervalo temporal entre uma entrevista e outra. Portanto, consideramos o intervalo entre os anos de 2017 e 2021, período no qual muitas transformações na esfera macro trouxeram diversas repercussões. Ressaltamos, no entanto, que este não é precisamente um estudo longitudinal, apenas se desenvolve sob uma inspiração, já que não segue rigorosamente sua metodologia. Nos utilizamos deste intervalo temporal não para estudar determinadas variáveis em seu decorrer, mas para, a partir das entrevistas anteriores, explorar as trajetórias laborais vividas no decorrer dos anos indicados. Nesse sentido, inclusive, as variáveis diversas que interfeririam negativamente em muitos estudos longitudinais rigorosamente traçados muito nos são caras na compreensão desse processo.

Do mesmo modo, não realizamos aqui um estudo rigorosamente relacionado ao método de história de vida no trabalho, muito embora nosso desenho metodológico se aporte em uma abordagem biográfica. Isso porque também assumimos um compromisso com a história, através do processo de rememorar. O sujeito vai revisitando sua trajetória, em um resgate de memória em que esse indivíduo é “[...] possuidor de seu próprio ponto de vista, suas interpretações, que muitas vezes colocam as do pesquisador em xeque” (Silva, Barros, Nogueira, & Barros, 2007). Através desse processo, o próprio sujeito acaba por ressignificar o percurso, sendo sua narrativa uma produção de si. Na construção das narrativas, podemos ter acesso aos processos que se encadeiam na vida laboral do sujeito, inclusive as fraturas que são compreendidas como rupturas das trajetórias de vida no trabalho (Carreteiro, 2017).

No que se refere ao roteiro dessas questões anteriores, utilizadas na entrevista de 2017, as perguntas giravam em torno do seu cotidiano de trabalho, horários, renda, plano de carreira, dentre outros aspectos ligados à vida laboral. Algumas das questões norteadoras foram: “Relate sua história de vida no trabalho”; “De onde surgiu a ideia de montar um negócio próprio? Como foi esse processo?”; “Relate como é o seu cotidiano/rotina de trabalho (horários, percurso/deslocamento, alimentação, contatos, etc)”; “Quais são as vantagens e desvantagens do seu trabalho?”; “Se pudesse, o que você mudaria no seu trabalho?”; “Qual a sua perspectiva de trabalho no futuro?”.

Realizamos, portanto, novas entrevistas com os trabalhadores no ano de 2021, tendo como principal dificuldade o contato com estes e o aceite de alguns deles, visto, principalmente, questões como o receio e o cuidado com a saúde no período da pandemia. Mesmo lhes oferecendo outras possibilidades não presenciais, não conseguimos efetivar as entrevistas com todos eles. As análises aqui apresentadas foram conversações que ocorreram de formas variadas, da maneira que foi possível e confortável para cada um dos trabalhadores, de modo previamente acordado. Algumas entrevistas ocorreram de forma presencial, no ambiente de trabalho, mantendo todos os cuidados necessários, enquanto outras foram realizadas por vídeo conferência via Google Meet ou aplicativo de mensagens. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente seus conteúdos de análise aqui transcritos.

Na dinâmica da entrevista nos utilizamos de um recurso por nós denominado de entrevista auto-referenciada.

Essa ferramenta de manejo da conversação foi inspirada em uma técnica utilizada por Yves Clot dentro do campo da Clínica da Atividade chamada de Autoconfrontação simples. Nesse método, de modo resumido, Clot (2010) realiza uma experiência dialógica que coloca os trabalhadores em contato com seu próprio fazer ocupacional. Se caracteriza como uma ferramenta de intervenção e pesquisa que permite a coanálise de um ofício pelos próprios trabalhadores, mediados por um pesquisador. Por meio da gravação em vídeo da atividade laboral do trabalhador e, posteriormente, por intermédio da exibição de trechos do vídeo, faz-se a confrontação do profissional com a sua própria atividade, seguida do diálogo entre ele e o pesquisador. Ou seja, o trabalhador assiste, junto ao especialista, a si próprio realizando sua atividade e tece comentários sobre, em um processo que faz emergir questões importantes em seu fazer profissional.

Enfatizamos, no entanto, que não realizamos, de fato, uma autoconfrontação nos moldes da Clínica da Atividade, tampouco fizemos aporte em sua teoria, apenas a utilizamos como dispositivo metodológico de inspiração para a condução de nossa entrevista. Isso porque compreendemos este como um importante recurso interventivo que faz emergir múltiplos discursos e perspectivas em torno de uma atividade, de modo que favorece a construção de um movimento dialético de produção de saberes. Na dinâmica da entrevista auto-referenciada, fizemos uma leitura conjunta com o trabalhador da transcrição de sua entrevista anterior, utilizando deste mote enquanto disparador da conversação. Esse foi um recurso muito interessante nas entrevistas realizadas, visto que, dado o intervalo temporal entre as conversações, foi possível resgatar acontecimentos e lembranças do momento exato em que se encontrava o indivíduo à época. Isso tornou muito mais simples e fácil retomar sua trajetória laboral e, pouco a pouco, costurar os percursos e reconstituir as trajetórias laborais.

Como aporte metodológico de análise, nos inspiramos no instrumental analítico das trajetórias ocupacionais (Malaguti, 2001). Nessa perspectiva, compreende-se que, dentro das trajetórias dos trabalhadores, não tem como haver postulados estáticos e tradicionais no que se refere às suas diferentes atuações ao longo da história de vida, enquanto assalariados, independentes ou pequenos empresários. Para o autor, não há como considerar uma sucessão de mudanças de status sem considerar os fatos que os antecederam, já que toda experiência anterior traz uma série de valores, saberes e lógicas. Segundo Malaguti, (2001) “[...] seria forçoso concluir, então, que os trabalhadores agem como ‘assalariados’ quando se empregam; como ‘independentes’ quando trabalham por conta própria; e como ‘pequenos patrões’ assim que possuem os meios de produção necessários para abrir um negócio”. Não há, portanto, uma cadeia de acontecimentos apartados das ideias, insatisfações e representações construídas ao longo da vida no trabalho. Nesse sentido, não é possível discorrer sobre a trajetória laboral de determinados trabalhadores observando apenas aspectos aparentes e observáveis de seu cotidiano, de seu status e de sua jornada de trabalho. Não se pode desprezar o que esse trabalhador pensa, como ele se identifica ou quais suas representações e opiniões sociais.

Esse instrumental analítico busca, portanto, recuperar não apenas a sucessão de atividades e acontecimentos desenvolvidos ao longo de uma vida, como também suas repercussões “[...] no espírito dos trabalhadores” (Malaguti, 2001), isso porque “[...] para obter todas as informações necessárias a apreender as dimensões ideais e materiais da existência dos trabalhadores, devemos liberar todo o potencial das trajetórias como método.

Este processo transforma as trajetórias ocupacionais em trajetórias de vida” (Malaguti, 2001). Em nosso caso, nos utilizamos dessa técnica na compreensão da trajetória dos trabalhadores nesse intervalo temporal, buscando também rememorar resquícios do início de suas vidas no trabalho e de suas experiências de vida como um todo. Faremos isso também na busca de destacar e discutir aspectos que mantenham relação com nossas problematizações anteriores referentes à informalidade, à atividade empreendedora e à precarização do trabalho.

Em nosso trabalho, analisamos as trajetórias ocupacionais de 6 trabalhadores, cujas informações iniciais podemos trazer abaixo, enfatizando que nos utilizamos de nomes fictícios.

1. João Jaques, atualmente com 32 anos, é graduado em Gastronomia. Em 2017 era sócio de um food truck itinerante de hambúrgueres. A empresa era registrada como MEI.

2. Dora tem 34 anos de idade e ensino médio completo como grau de escolaridade. Em 2017 era dona de um food truck itinerante de açaí. Atuava de modo informal.

3. Angelita, hoje com 49 anos de idade, tem ensino médio como maior grau escolar. Em 2017 era dona de um trailer móvel e de um food truck de sanduíches. Atuava de modo informal.

4. Maria Moura, 44 anos, hoje cursa Enfermagem. Em 2017 trabalhava no food truck de hambúrgueres que era negócio da família, que se encontrava em um food park fixo. O negócio era formalizado como Micro-Empresa (ME).

5. Dona Inácia, 66 anos, tem como grau de escolaridade ensino fundamental incompleto. Em 2017 tinha uma barraca de lanches no mesmo bairro onde mora. Atuava informalmente.

6. Lourdinha, hoje com 54 anos de idade, também tem ensino fundamental incompleto como grau de escolaridade. Em 2017 trabalhava como ambulante na venda de salada de frutas.

Não traremos aqui dados mais extensos sobre as trajetórias em si, sendo nosso foco neste trabalho a apresentação do desenho metodológico proposto.

4. Resultados: Recursos Metodológicos e Trajetórias Ocupacionais

A utilização do que chamamos de entrevistas auto-referenciadas nos serviu de um bom disparador para a conversação que se seguiu, já que o tempo entre uma entrevista e outra foi longo. Em geral, ao acessarmos novamente os trabalhadores depois de um período de quase 4 anos, eles alegavam não lembrar de todos os eventos que se passaram em suas vidas desde então. Assim, ao lermos a entrevista anterior, pesquisador e entrevistado juntos recosturavam e rememoravam cada acontecimento através de uma análise atenciosamente de cada resposta dada pelo trabalhador em 2017.

Foi interessante notar as mudanças, profundas ou sutis, de cada trabalhador nesse intervalo temporal. Alguns permaneceram na mesma atividade, outros haviam passado por várias outras desde então.

Alguns mudariam totalmente as respostas que haviam dado em 2017, outros permaneceram com a mesma perspectiva. De todo modo, sendo um período demarcado pela pandemia do Covid-19, todas as trajetórias foram perpassadas por esse fio comum que afetou tantos trabalhadores pelo mundo todo.

A utilização das Trajetórias Ocupacionais de Malaguti (2001) procurou fazer uma harmonia com a utilização das Entrevistas Auto-Referenciadas, pois através desse recurso analítico a memória disparada pela entrevista tornou possível o resgate das histórias narradas. Nesse sentido, houve perfeita adequação à inspiração longitudinal que propomos e à análise das trajetórias laborais, considerando que as entrevistas puderam resgatar aspectos processuais das vidas dos trabalhadores entrevistados.

Nesse processo de resgate, a narrativa produzida pelo sujeito que fala de sua história acaba também por repercutir nesse indivíduo novos modos de significar os acontecimentos de sua trajetória. Nesse sentido, reconhecer, assumir e compreender a precariedade que desenha a realidade de tantos trabalhadores implica também entendê-la como uma forma de organizar um coletivo, e em novas formas de se pensar uma luta coletiva, solidária e política através da construção de identidades simbólicas e novas sociabilidades relacionadas à experiência precária (Gill & Pratt, 2008). Assim, acreditamos que a Entrevista Auto-Referenciada aplicada no contexto do trabalho pode ser um recurso metodológico que permite alimentar ou restabelecer o potencial de ação de um coletivo de profissionais em suas atividades ocupacionais e de vida.

Observamos então que a autorreferenciação foi propulsora da auto-reflexividade, a partir de elementos discursivos da primeira entrevista. Para Risso & Jubran (1998), a retomada verbal de elementos discursivos como objeto de focalização possibilita momentos de processamento verbal da interação e favorecem as condições de enunciação, apontando para as instâncias elaboradoras do discurso. Além disso, a interação face a face se ancora no entorno espaço-temporal, favorecendo que o discurso seja produzido de forma momentânea e dinâmica.

A auto-reflexividade foi possível e contribuiu para o resgate da história de vida dos participantes da pesquisa nesse recorte temporal, pois autoreferenciando-se, as trajetórias ocupacionais foram resgatadas e externalizadas em discurso durante as entrevistas. Assim, consideramos que a Entrevista Auto-Referenciada mostrou-se um recurso metodológico para avaliar aspectos de histórias de vida com foco em determinado ângulo, no caso de nossa pesquisa, a trajetória ocupacional. Para Carreteiro (2017), a mediação da narração, nesses casos, deve imprimir um delineamento na reflexão a partir de polos mediadores entre o sujeito e o que é narrado. Um dos polos mediadores é o objeto a partir do qual a narrativa será construída e o segundo é o profissional que irá contribuir na delimitação do campo narrativo por sua presença e escuta.

No desenlace da análise das entrevistas, além da tentativa de retomarmos os marcos iniciais e avaliarmos o trabalho realizado no percurso, inevitavelmente, também nos questionamos sobre o que esta pesquisa apresentou de inaudito e sobre em que medida ela possa ter sido de fato comprometida com a noção de transformação coletiva. Assim, voltamos à questão das singularidades, e à noção de sentido que delas emergem, acreditando estar nesse aspecto aquilo que pode ser considerado de mais valedouro.

As histórias de vida no trabalho analisadas, suas particularidades, suas trajetórias e seus descaminhos evidenciaram o potencial do percurso metodológico adotado por nós. Destacamos ainda a generosidade dos trabalhadores que narraram suas histórias, a partir das quais pudemos tecer nossas análises e considerações. Afirmamos ainda que este foi um trabalho coletivo nesse sentido e, muitas vezes, na tessitura dos textos de análise, seguimos apenas costurando, alinhavando, entrelaçando os pormenores, a fim de construir um produto conciso.

5. Considerações Finais

Inesperados, os caminhos da pesquisa nos levaram a arranjos metodológicos e descobertas que não conseguimos prever. Depois de realizarmos as primeiras entrevistas em 2017, investigando trabalhadores de comida de rua, e retomando contato com eles após 4 anos, não tínhamos noção de como esses trabalhadores estariam hoje. Ressalvando as particularidades e as especificidades das trajetórias por eles seguidas, a história de vida desses sujeitos nos fornecem pistas para compreender repercussões das transformações que ocorrem em uma dinâmica macrossocial e a uma velocidade que traz desafios permanentes para a classe trabalhadora, principalmente desprovida dos direitos e garantias próprias da sociedade salarial. As trajetórias acabam por acompanhar diversos momentos econômicos, políticos e sociais do contexto brasileiro.

Assim, destacamos as potencialidades da entrevista auto-referenciada como um modelo de abordagem biográfica, uma vez que permitiu a auto-reflexividade quanto a aspectos de constituição individual e quanto as relações entre o indivíduo e seu entorno social, cultural, histórico, político e econômico; entre o indivíduo e sua dimensão temporal e as representações que faz de suas relações com os outros e de si próprio, sendo essas questões inscritas na pesquisa biográfica, conforme Delory-Momberger (2012).

“Ao contar sua vida, o sujeito fala de seu contexto - fala do processo por ele experimentado, intimamente ligado à conjuntura social onde ele se encontra inserido” (Silva, Barros, Nogueira & Barros, 2007). Assim, temos acesso à sua cultura, ao seu meio social, aos seus valores, dentre outros aspectos na compreensão do que ele elege como prioridade nas suas escolhas e decisões de vida. Ao acessarmos as narrativas partilhadas, percebemos as inúmeras descontinuidades da esfera laboral desses indivíduos.

Enquanto pesquisadores, a curiosidade sobre as realidades laborais cotidianas, subjacentes aos discursos acadêmicos e políticos, foi guia neste caminho. Acreditamos que a curiosidade seja “[...] uma característica social ubíqua do dia a dia e é uma das pedras fundamentais da noção coletiva de mudança; do pressuposto que as coisas podem ser diferentes” (Spink, 2003). Nesse sentido, na contramão das falácias socialmente produzidas, nossa curiosidade esteve comprometida com a crença de que as coisas podem ser diferentes, acreditando também que, enquanto pesquisadores, assumimos um viés político bem definido, já “[...] que toda pesquisa é política, pois à medida que o(a) pesquisador(a) escolhe algo do real para ser estudado, deixa, possivelmente, de lado outras realidades” (Groff, Maheirie, & Zanella, 2010).

Nesse sentido, tecer reflexões sob uma perspectiva qualitativa, como em nosso caso, se constrói enquanto estratégia de nos distanciarmos de uma pesquisa que aponte apenas para indicadores quantitativos.

Quando focamos os números e as estatísticas, deixamos de nos aproximar do real contido nos percursos de vida cotidianos, muitas vezes compreendendo que esse tipo de fazer pesquisa não é científico (Druck, 2011). É preciso considerar, no entanto, que, no que se refere a essa pesquisa de cunho qualitativo, “[...] as informações obtidas, interpretadas e analisadas, são todas dotadas de representações conceituais e ideológicas e, portanto, estão sendo construídas pelos homens que pesquisam e pelos pesquisados” (Druck, 2011). Assim sendo, a pesquisa diz tanto dos sujeitos da pesquisa quanto daquele que os investiga.

6. Referências

Amorim, D. (2019) Brasil tem recorde com 41,4% dos trabalhadores na informalidade. Estadão, São Paulo. 31 out. 2019. Disponível em: Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-recorde-com-41-4-dos-trabalhadores-na-informalidade,70003071073?fbclid=IwAR33CON1LsB3oCITUAMxrlMMSekleNOFNJ-gdfYbsIh32F9Ma4NRziOx7lQ . Acesso em: 06 março 2020. [ Links ]

Carreteiro, T. C. (2017). História de vida laboral e aposentadoria: uma metodologia em discussão. Psicologia em revista, 23(1), 430-441. https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2017v23n1p430-441 [ Links ]

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Recebido: 30 de Março de 2023; Aceito: 30 de Setembro de 2023

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