SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18Implementação do Projeto ApiceOn: Desenvolvimento e Prática do EnfermeiroO Cuidado Emocional de Familiares e Cuidadores de Pessoas com Cancêr no Hospital índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.18  Oliveira de Azeméis out. 2023  Epub 30-Nov-2023

https://doi.org/10.36367/ntqr.18.1023.e841 

Artigo Original

Mapeamento da Rede de Socioassistencial e de Saúde para Atendimento da Pop Rua em Salvador (BA)

Maping of the Social Assistance and Health Network for Pop Rua Service in Salvador (BA)

1 Universidade Federal da Bahia, Brasil


Resumo

Introdução: Como reflexo da desigualdade econômica e social no Brasil, o quantitativo de pessoas em situação de rua vem aumentando a cada dia. A vida dessas pessoas tem sido marcada por reiteradas violações de direitos. Diante disso, o Estado tem um papel decisório na gestão de políticas públicas. Esse estudo se justifica a partir da importância da visibilidade do tema e do comprometimento social da academia com as populações vulneráveis. Questão de Investigação/Objetivos: A partir da questão de pesquisa: “quais são os serviços de saúde e de assistência social que atende a POP RUA em Salvador?” este estudo tem o objetivo de mapear e identificar qualitativamente os serviços da rede de saúde e de assistência social destinados ao atendimento da POP RUA em Salvador - BA. Métodos: A metodologia empreendida neste estudo foi exploratória de cunho qualitativo, dividida em dois momentos. Inicialmente, 3 documentos públicos foram utilizados como ponto de partida. Em seguida foram realizadas buscas em sites governamentais e análise de novos documentos e notícias acerca da temática estudada. Organização do artigo: Os documentos, portarias e notícias encontrados nos sites anteriormente citados foram analisados, compilados e organizados a partir de uma matriz de análise criada tendo como base os níveis de complexidade do SUAS e do SUS. Ao todo foram localizados e analisados 5 tipos de serviços específicos para a POP RUA. Considerações Finais: Verifica-se que no Brasil houve um avanço na promulgação de leis para garantia de direitos para a POP RUA. Entretanto, aspectos ainda precisam ser melhorados para que haja uma melhor efetividade da política na prática e, assim, a garantia de direitos dessa população. Ademais, sugere-se que mais estudos sejam feitos nessa área e que possa haver mais investigações acerca da aplicabilidade das políticas na realidade das cidades.

Palavras-Chave: População em situação de rua; SUS; SUAS; Rede de atenção

Abstract

Framework: As a reflection of economic and social inequality in Brazil, the number of homeless people is increasing every day. The lives of these people have been marked by repeated violations of rights. Therefore, the State has a decisive role in the management of public policies. This study is justified based on the importance of the visibility of the theme and the social commitment of the academy with vulnerable populations. Research Question/ Goals: From the research question: “What are the health and social assistance services that POP RUA serves in Salvador?” this study aims to map and qualitatively identify the services of the health and social assistance network destined to POP RUA in Salvador - BA. Methods: The methodology used in this study was exploratory with a qualitative nature, divided into two moments. Initially, 3 public documents were used as a starting point. Next, searches were carried out on government websites and analysis of new documents and news about the subject studied. Chapter organization: The documents, ordinances and news found on the sites were analyzed, compiled and organized from an analysis matrix created based on the levels of complexity of SUAS and SUS. Altogether, 5 types of specific services for POP RUA were located and analyzed. Final Considerations: It appears that in Brazil there has been progress in the enactment of laws to guarantee rights for POP RUA. However, aspects still need to be improved so that there is a better effectiveness of the policy in practice and, thus, the guarantee of the rights of this population. In addition, it is suggested that more studies be carried out in this area and that there may be more investigations about the applicability of policies in the reality of cities.

Keywords: Homeless people; Health services; Social assistance

1. Introdução

O Brasil é um país extremamente desigual. Essa realidade faz parte do legado deixado pela violenta colonização portuguesa, pela escravização e a ausência de medidas reparatórias após o seu fim (Paixão, et al.,2021; Calmon; 2020). Acrescenta-se a isso o racismo institucional, a discriminação de gênero, a precarização das instituições públicas, a negação de direitos à população e um modelo de Estado neoliberal que contribuem para a perpetuação da desigualdade social e econômica neste país.

Como reflexo dessa desigualdade econômica e social, a população que vive em situação de rua vem aumentando a cada dia. Calmon (2020) aponta que a pobreza extrema e a falta de amparo social são as principais condições que fazem as pessoas viverem das/nas ruas. A partir de dados obtidos no Censo SUAS e no Cadastro Único, o Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA, 2020) estima que em março de 2020 existiam 221.869 pessoas vivendo em situação de rua no Brasil.

É urgente ampliar a visão que se tem sobre quem é a população em situação de rua (POP RUA), deixando de lado a ideia de que esse grupo é formado apenas por pessoas que dormem nos logradouros e praças públicas. Segundo a Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR), a POP RUA “vive e se sustenta, de forma temporária ou permanente, em logradouros públicos e áreas degradadas ou em unidades de acolhimento para pernoite temporário ou moradia provisória. Além disso, também apresentam vínculos familiares interrompidos ou fragilizados” (Brasil, 2009, art. 1º). Nesse sentido, compreende-se que essas pessoas podem possuir um local físico fixo para passar a noite, entretanto fazem da rua o seu principal espaço de sustento e socialização.

A trajetória de vida da POP RUA tem sido marcada por reiteradas violações de direitos. Elas estão submetidas a intempéries ambientais, expostas a violências - familiar ou institucional, insegurança alimentar, prisões arbitrárias, são vítimas de operações de limpeza social, dentre outras situações que representam um grande risco. O uso de substâncias psicoativas muitas vezes aparece como um recurso para lidar com os medos e sofrimentos (Genonádio et al., 2021; Calmon, 2020).

Diante disso, o Estado tem um papel decisório na gestão de políticas públicas e no cumprimento do seu dever constitucional em garantir a liberdade, a dignidade humana, a cidadania, o acesso à saúde e à assistência social (Brasil, 1988). Entretanto:

A realidade encontrada nas ruas é a da dificuldade para o acesso a direitos básicos como moradia, alimentação e direito à saúde - retraimento do Estado -, e, por outro lado, o Estado se torna incisivo ao perpetuar a criminalização da pobreza, o controle social, a repressão policial, o isolamento das favelas e o genocídio e encarceramento em massa da juventude negra (Genonádio et al, 2021, pp. 434).

Uma importante conquista para a transformação desse cenário foi a organização do Movimento Nacional da População em Situação de Rua que construiu um papel central na articulação com o governo federal. Destaca-se aqui a PNPR (2009) e o I Censo e Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua (2009), ambos documentos muito importantes para auxiliar a estruturação de políticas nas áreas da saúde e da assistência.

Assim, mesmo que aquém da necessidade, o Brasil conseguiu estruturar a partir do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) uma rede para o atendimento à POP RUA. Esses sistemas oferecem ações e serviços cuja gestão é descentralizada e participativa, contando com a esfera federal, estadual, municipal e iniciativa privada (Brasil, 1993; Brasil, 1990). Desse modo, com práticas territoriais e uma visão integrada do ser humano pretende-se garantir o “bem-estar e da qualidade de vida, a proteção e o asseguramento de direitos do cidadão; a redução de danos e da desigualdade social, bem como o acesso à justiça - por vias não criminalizatórias” (Alves et al, 2020, pp. 123).

Para este estudo será analisada a realidade soteropolitana. Salvador (BA) é a 4ª maior capital brasileira (IBGE, 2016), em índices populacionais e, segundo censo, realizado em 2017 pelo Projeto Axé e Movimento Nacional da População em Situação de Rua, estima-se que existam entre 14 - 17 mil pessoas em situação de rua. A expectativa é que esse número esteja muito maior, principalmente após a pandemia de COVID - 19. Especificamente, neste estudo nos interessa saber quais são os serviços de saúde e de assistência social que atende a POP RUA em Salvador.

Assim, este estudo tem o objetivo de mapear e identificar qualitativamente os serviços da rede de saúde e de assistência social destinados ao atendimento da POP RUA em Salvador-BA.

2. Metodologia

A metodologia empreendida neste estudo foi exploratória de cunho qualitativo, dividida em dois momentos. No primeiro momento foram utilizados três documentos como ponto de partida, sendo eles a Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004), a Portaria nº 4.279 que estabelece as diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS (Brasil, 2010) e a Portaria nº122 que define as diretrizes de organização e funcionamento das Equipes de Consultório na Rua (Brasil, 2011), ambos disponíveis em sites governamentais . Estes documentos foram escolhidos por serem os pioneiros na implantação dessas políticas no país. A partir da leitura foi possível compreender como se organiza a rede de atendimento socioassistencial e de saúde para a POP RUA em nível nacional.

Entretanto, como o objetivo aqui proposto é compreender a realidade municipal da cidade de Salvador, foi feito um filtro para este campo. O segundo momento, então, consistiu em compreender como se organizam estes serviços nesta cidade. Para tal foram empreendidas novas buscas, novamente em sites governamentais , entretanto pertencentes à esfera municipal. Neste site foi feita uma busca com o descritor “população de rua” e foram encontrados 255 registos de legislações, leis e notícias. Além disso, foi realizada também uma busca na base de dados da S3 - Serviços em Saúde, empresa privada que gerencia as iniciativas dos serviços de saúde pública voltados para a POP RUA em Salvador. Neste site foi possível identificar outras ações além das encontradas no site da prefeitura.

A partir da leitura dos documentos e notícias encontrados nestas buscas foi possível verificar que o acesso à assistência social por parte da POP RUA ocorre através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O SUAS foi estruturado e regulamentado a partir de uma série de normativas públicas, destacam-se aqui: a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993) e a Política Nacional da Assistência Social (PNAS, 2004). Assim, a organização do SUAS se dá a partir dos níveis de complexidade do atendimento:

- Proteção Social Básica: Tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do acolhimento e desenvolvimento de potencialidades, buscando o fortalecimento de vínculos comunitários e familiares. A unidade de referência é o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) (PNAS,2004).

- Proteção Social Especial de Média Complexidade: Tem como objetivo o atendimento a indivíduos que estão tendo seus direitos violados, entretanto ainda possuem vínculos familiares e comunitários. A unidade de referência é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) (PNAS,2004).

- Proteção Social Especial de Alta Complexidade: Com objetivo de proteger aqueles que estão em situação de violação de direitos e têm seus vínculos sociais e comunitários interrompidos, esses serviços garantem proteção integral. Ofertando, por exemplo, moradia, alimentação, produtos de higiene e espaço para guarda de seus pertences (PNAS, 2004). O quadro foi retirado da Tipificação Nacional de Serviços Socio assistenciais (MDS, 2004) e apresenta os serviços existentes e seus níveis de complexidades.

No que tange a assistência em saúde, o acesso ocorre a partir dos serviços do SUS. A Portaria nº 4.279 (2010) estabelece as diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS. Semelhante ao encontrado no SUAS, também existe uma classificação por nível de atenção.

- Atenção Primária em Saúde (APS): Tem como objetivo estar próximo das pessoas, prevenindo doenças e promovendo saúde e qualidade de vida, garantindo a atenção integral à saúde nos territórios. Comumente, pode ser representada pelas Unidades Básicas de Saúde que ofertam consultas de rotina, exames, práticas integrativas em saúde, oficinas, dentre outras práticas. Formada por equipes multiprofissionais, a APS conta com diversas estratégias que não se limitam ao espaço físico institucional podendo, inclusive, serem desenvolvidas em locais públicos das comunidades (Ministério da Saúde, 2010).

- Atenção Especializada: É composta pela atenção secundária (média complexidade) e terciária (alta complexidade). Na média complexidade encontramos serviços especializados presentes em ambulatórios e hospitais - psiquiatra, neurologista, oncologia, dentre outras. As Unidades de Pronto Atendimento e policlínicas também se encaixam aqui. Na alta complexidade temos hospitais de grandes portes, que possuem tecnologia de ponta e desenvolvem pesquisas (Ministério da Saúde, 2010).

O quadro abaixo foi elaborado pelas próprias autoras (2023) e demonstra a organização dos serviços de saúde conforme a Portaria nº 4.279 (2010):

Ao pensarmos na POP RUA, no que tange o acesso a saúde, cabe destacar a execução das Políticas de Promoção da Equidade em Saúde no âmbito do SUS. A equidade é um dos princípios do SUS e visa garantir a redução das desigualdades, a partir de ações específicas para determinados públicos. Compreende-se que determinantes sociais em saúde são condições de vida que interferem diretamente no processo de saúde-doença dos sujeitos. São exemplos de determinantes sociais: escolaridade, renda, acesso a água potável e saneamento básico, homofobia, racismo, acesso a lazer, dentre outros (Ministério da Saúde, 2013).

Percebe-se que no contexto brasileiro algumas populações estão mais vulneráveis e precisam de um cuidado específico de modo a diminuir os impactos dos determinantes sociais em saúde. Encontram-se incluídas nesse grupo, a população negra, indígena, privada de liberdade e, dentre outras, a POP RUA.

3. Resultados

Os documentos, portarias e notícias encontrados nos sites anteriormente citados foram analisados tendo como referencial a análise de conteúdo. Seguindo as fases de organização do material, separação e tratamento qualitativo é possível verificar hipóteses e/ou questões (Minayo, 2002). Para compilação e organização dos dados obtidos foi criada uma matriz de análise tendo como base os níveis de complexidade do SUAS e do SUS, descritos na seção anterior, no município de Salvador como pode ser observado no seguinte quadro de autoria própria:

3.1 A) Consultório na Rua

Serviço de abrangência nacional, composto por equipes multiprofissionais que têm o objetivo de lidar com os problemas e necessidades de saúde da POP RUA. A equipe do Consultório na Rua (eCR) integra a atenção básica da Rede de Atenção Psicossocial e caracteriza-se por realizar busca ativa, atividades, atendimento e cuidado in loco, ou seja, nos logradouros onde as pessoas estão vivendo. As ações podem ser compartilhadas com outros serviços da rede de saúde, tais como Centro de Atenção Psicossocial, serviços de urgência e emergência, ambulatórios, dentre outros (Brasil, 2011).

Após passar por um processo de privatização em 2020, atualmente, Salvador dispõe de 5 eCR. As equipes desempenham o trabalho de campo em áreas vulnerabilizadas da cidade, sendo estas: Brotas, Gamboa, Itapagipe, Pelourinho e Itapuã (S3 Gestão em Saúde, 2023).

3.2 B) Ponto de Cidadania

O Ponto de Cidadania é uma iniciativa municipal. Trata-se de containers que dispõem de 3 espaços - atendimento, banho e banheiro. Além disso, conta com uma equipe multiprofissional formada por assistente social, psicóloga, enfermeira, educador físico, arte educador, sanitarista, redutor de danos, além da equipe administrativa.

A equipe oferta atendimentos, encaminhamentos para serviço de referência da rede, rodas e conversas e outras atividades para as pessoas em situação de rua e de extrema vulnerabilidade (Prefeitura de Salvador, 2022).

Geridos por uma empresa privada através do processo de terceirização existem, atualmente, duas unidades em Salvador. Uma localizada na região de Itapagipe e outra no Aquidabã - ambas regiões contam com grande concentração de pessoas em situação de rua (Prefeitura de Salvador, 2022).

3.3 C) Serviço Especializado para pessoas em situação de rua (CENTRO POP)

O Centro POP é a porta de entrada para a rede socioassistencial. Caracterizado por ser um serviço de baixa exigência - não é necessário agendamento ou encaminhamento para ser atendido, assim como não é preciso a posse de documentos de identificação.

Tendo como público-alvo a POP Rua, este serviço é caracterizado por ser um espaço de convivência grupal e social onde fomenta-se o desenvolvimento de relações de solidariedade, afetividade e respeito com atendimentos e atividades que buscam a construção da autonomia, da participação social e de novos projetos de vida (SEMPRE,2023).

A partir do Centro POP os usuários podem ser encaminhados para retirar documentos, acessar benefícios eventuais (auxílio aluguel, por exemplo), abrigamento em unidade de acolhimento, geralmente recebem alimentação, podem tomar banho e guardar os seus pertences. Além de participar de espaços grupais como oficinas, dentre outras possibilidades.

Atualmente Salvador possui 04 unidades do Centro POP, localizada nos seguintes bairros: Itapuã, Mares, Sete Portas e Dois de Julho (SEMPRE, 2023). Estas são geridas pela Prefeitura Municipal através da SEMPRE - Secretaria de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer.

3.4 D) Serviço Especializado em Abordagem Social

A Abordagem Social possui como função a identificação de situações de violações de direitos - por exemplo: trabalho infantil, exploração sexual e situação de rua. Através da busca ativa e da abordagem de pessoas nessas condições, os profissionais visam garantir direitos com a solução de necessidades imediatas e a inserção na rede socioassistencial e demais serviços (Secretaria Nacional de Assistência Social, 2014).

Geralmente, as equipes voltam sua atuação para áreas comerciais, entroncamento de estradas, rodoviárias e outros espaços com grande circulação de pessoas. Sendo o objetivo primordial a retirada das pessoas das ruas e a construção de possibilidade de acesso a demais serviços da rede (Secretaria Nacional de Assistência Social, 2014).

Em Salvador existem diversas equipes que fazem uma ampla atuação em territórios vulnerabilizados da cidade. A Prefeitura Municipal realiza a gestão através da SEMPRE.

3.5 E) Serviço de Acolhimento Institucional

Este tipo de serviço é voltado para indivíduos e famílias que estão em situação de violação de direitos e vínculos sociais e comunitários rompidos e/ou fragilizados. As unidades buscam prestar atendimento integral aos usuários, estando localizadas em bairros residenciais, preferencialmente atendendo pequenos grupos, respeitando a individualidade, autonomia e diversidade dos sujeitos - raça/etnia, ciclo de vida, orientação sexual, gênero, dentre outros (Secretaria Nacional de Assistência Social, 2014).

O ambiente deve ser acolhedor e funcionar do modo mais semelhante possível a uma casa, oferecendo condições de moradia, alimentação, segurança, higiene, acessibilidade de modo a contribuir para organização da vida desses sujeitos, inserção na vida social e comunitária, assim como, o acesso a direitos sociais, políticos e jurídicos (Secretaria Nacional de Assistência Social, 2014).

Salvador possui 10 unidades de acolhimento, apresentadas no site da SEMPRE e que são voltadas para pessoas adultas e famílias. Estas unidades estão espalhadas por todo o território municipal. E destas, 4 são específicas para homens, 2 para homens e mulheres, 1 para casal, 1 mulheres com filhos, 1 família e 1 para idosos de ambos os sexos. A gestão destas unidades é feita em parceria com OSCIP’s - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

4. Discussão

É a partir da Constituição de 1998 que a saúde e assistência social assumem um novo papel no cenário brasileiro. Se até então elas eram compreendidas como filantropia ou acessadas a partir das condições socioeconômicas individuais, a partir da promulgação da constituição cidadã, elas passam a ocupar a tríade da Seguridade Social - juntamente com a Previdência Social (Brasil,1998).

No que tange ao âmbito da saúde, ocorre a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988. A saúde passa a ser um direito de todos e um dever do Estado (Brasil, 1998). O SUS se constitui como um sistema de saúde que garante o acesso universal e igualitário a suas ações e serviços (Paim, 2009). Isso quer dizer que qualquer pessoa, em território brasileiro, independente de raça/etnia, idade, gênero, classe social, religião, profissão, origem poderá acessar o SUS, sem discriminação ou preconceito.

De modo similar, na assistência social é promulgada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993) e, posteriormente, o Plano Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) que criam e sedimentam um novo funcionamento, lhe fornecendo o caráter de política de Proteção Social, sendo marcada pela garantia das seguranças de sobrevivência (rendimento e autonomia), de acolhida, de vivência ou convivência familiar (PNAS,2004). Tudo isso ofertado através dos serviços do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Apesar destas garantias, a realidade da POP RUA ainda é de bastante marginalização e vulnerabilidades. Isso se reflete nos grandes centros urbanos, assim como, na cidade de Salvador.

É reconhecido que as pessoas em situação de rua estão tendo os seus direitos violados e isso traz diversas consequências para sua cidadania e saúde, sendo necessária a criação de serviços especializados no seu atendimento.

É comum que estas pessoas estejam submetidas à violência, a alimentação incerta, sem acesso a condições de higiene ou com o acesso precário, pouca disponibilidade de água potável e privação de sono (Brasil, 2012). Além disso, existe um estigma socialmente construído acerca desse grupo e que, muitas vezes, impacta na forma como os profissionais as atendem (Genonádio et al, 2021). Sendo comuns os relatos de negação de atendimentos e proibição de entrada em hospitais e unidades de saúde (Brasil, 2014).

É importante ressaltar que, em Salvador, estima-se que a POP RUA seja composta por 88,9% de pessoas negras (Carvalho, Santana e Vezedek, 2017). Considerando o racismo estrutural que organiza o nosso país, Calmon (2020) aponta que os territórios habitados por pessoas negras são mais empobrecidos e criminalizados, assim como, existe uma ineficácia na gestão das políticas públicas de direitos sociais.

Essa conjuntura tende a afastar essas pessoas dos serviços públicos, aumentando os agravos à saúde e impedindo-as de acessar garantias de direitos sociais como o bolsa família, auxílio aluguel e a emissão gratuita de documentos. Nesse sentido, ratifica-se a importância de serviços especializados, políticas e campanhas que pensem as especificidades desse público, como uma forma de produção de cuidado contra-hegemônico a essas pessoas, assim como, a possibilidade de transformação dos espaços que perpetuam essas violências.

A rede do SUS e do SUAS devem atuar em conjunto para erradicação dessas vulnerabilidades e promoção de saúde, cidadania e direitos. Para isso, é necessário o fortalecimento das políticas e serviços que as compõem. Assim como, capacitação e melhoria das condições trabalhistas para seus funcionários.

Até o ano de 2020 havia em Salvador apenas 03 equipes de Consultório na Rua, com a pandemia da COVID-19 e mobilizações populares houve a reestruturação e ampliação das equipes. É importante destacar que essas mobilizações ocorreram pela ausência de serviços e o aumento de demandas que não solucionadas aumentam os processos de vulnerabilidade da POP RUA (Genonádio et al, 2021). A realidade dos serviços de assistência social é semelhante, estando estes sempre lotados e, muitas vezes, com a impossibilidade de atender todas as solicitações.

Com isso, muitas vezes a privatização de alguns serviços - como ocorre em Salvador- é uma alternativa. Assim como, a criação de programas especiais pelo governo e iniciativas de caridade promovidas pela sociedade civil são organizadas. Entretanto, sabe-se da importância do financiamento adequado, ampliação e manutenção das políticas públicas. Só através delas é que os direitos podem ser garantidos a longo prazo e com maior estabilidade.

5. Considerações Finais

Esse estudo teve como objetivo mapear e identificar qualitativamente os serviços da rede de saúde e de assistência social destinados ao atendimento da população em situação de rua em Salvador-BA. Para tal, foi utilizada uma metodologia exploratória de cunho qualitativo. Documentos públicos foram usados como ponto de partida para a pesquisa, além disso, foram realizadas buscas em sites governamentais (federais e municipais) e, consecutivamente, a leitura e análise de novos documentos e notícias.

Acredita-se na relevância desta pesquisa por dar visibilidade a um tema pouco discutido na área acadêmica e apresentar uma sistematização da rede de saúde e de assistência social que atende a POP RUA.

Os serviços analisados foram agrupados de acordo com a sistematização preconizada pelo SUAS e SUS - o nível de complexidade. Foi percebido que pelas particularidades vivenciadas pela POP RUA, no SUAS, os serviços específicos para o seu atendimento estão na média e alta complexidade. Já no SUS, os serviços específicos fazem parte da atenção básica (baixa complexidade) e são garantidos a partir do princípio da equidade.

Verifica-se que no Brasil, a nível de legislação, houve um avanço na garantia de direitos para a POP RUA. Entretanto, aspectos ainda precisam ser melhorados para que haja uma melhor efetividade da política na prática e, assim, a garantia de direitos dessa população.

É importante salientar que os serviços específicos para atendimento da POP RUA surgem diante das vulnerabilidades a que esse público é exposto como um modo de garantir a equidade em saúde, assim como, o acesso e a garantia de direitos sociais. Ressalta-se que o SUS se constitui enquanto um sistema universal de saúde e como tal toda pessoa possui o direito de ser atendida em qualquer serviço, sem distinções ou preconceitos.

Ademais, sugere-se que mais estudos sejam feitos nessa área e que possa haver mais investigações acerca da aplicabilidade das políticas na realidade das cidades, assim como, a condição dos serviços em funcionamento. Salienta-se a importância de que o público atendido nesses espaços sejam ouvidos e possam ser protagonistas nas discussões acerca das condições que atravessam suas existências.

6. Referências

Alves, A. F. S., Rocha, R. V. d. S., & Rodrigues, I. L. S. (2020). “Diz em que cidade que você se encaixa, cidade alta ou cidade baixa?”: gentrificação e a população em situação de rua de Salvador/BA. Boletim de Conjuntura, 4(12), 114-130. https://doi.org/10.5281/zenodo.4281458. [ Links ]

Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htmLinks ]

Brasil. (2009). Decreto n. 7.053 de 23 de dezembro de 2009. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7053.htmLinks ]

Brasil. (1990). Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htmLinks ]

Brasil. (1993). Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htmLinks ]

Brasil. Ministério da Saúde. (2012). Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdfLinks ]

Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Saúde da População em Situação de rua - um direito humano. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_populacao_situacao_rua.pdfLinks ]

Brasil. (2011). Portaria nº 122, de 25 de janeiro de 2011. Define as diretrizes de organização e funcionamento das Equipes de Consultório na Rua. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0122_25_01_2012.htmlLinks ]

Calmon, T.V.L. (2020). As condições objetivas para o enfrentamento ao COVID-19: abismo social brasileiro, o racismo,e as perspectivas de desenvolvimento social como determinantes. Revista NAU Social, 11 (20), 131-136. https://doi.org/10.9771/ns.v11i20.36543 [ Links ]

Carvalho, M.A.C, Santana, J.P., Vezedek, L. (2017). Cartografias dos desejos e direitos: Mapeamento e contagem da população em Situação de Rua na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Projeto Axé. http://www.projetoaxe.org/brasil/axemedia/sumario_executivo_cartografia_desejos_direitos_mapeamento_contagem_pop_rua/Links ]

Genonádio, A., Tedesqui, N. S.B., Aires, S. (2021). COVID-19 e a população em situação de rua: práticas e cuidados desenvolvidos em Salvador - Ba. In Lima, M., Coutinho, D., Bustamante, V., Aires, S. & Patiño, R. Pensar junto/ fazer com (pp. 425 - 439). Edufba. [ Links ]

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2016). IBGE divulga as estimativas populacionais dos municípios em 2016. https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3244&busca=1&t=ibge-divulga-estimativas-populacionais-municipios-2016Links ]

Instituto de Pesquisa Aplicada. (2020). Estimativa da população em situação de rua no Brasil (setembro 2012 a março de 2020). Diretoria de Estudos de Políticas Sociais, 73, 7-13. https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10074/1/NT_73_Disoc_Estimativa%20da%20populacao%20em%20situacao%20de%20rua%20no%20Brasil.pdfLinks ]

Minayo, M. C. S. (org.). (2002). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade (18º ed.). Vozes. [ Links ]

Ministério da Saúde. (2013). Políticas de Promoção da Equidade em Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_prococao_equidade_saude.pdfLinks ]

Ministério da Saúde. (2023). Políticas de Promoção da Equidade em Saúde. https://aps.saude.gov.br/ape/equidade/oqueeLinks ]

Ministério da Saúde. (2010). Portaria 4.279. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.htmlLinks ]

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). (2004). Tipificação nacional dos serviços socio assistenciais. 4-58. [ Links ]

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). (2011). Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua - Centro POP - SUAS e População em Situação de Rua. 3-116. [ Links ]

Paim, Jairnilson. (2009). O que é o SUS?. Fiocruz. [ Links ]

Paixão, D. S. da, Rocha, R. V. de S., & Rodrigues, I. L. S. (2021). A psicologia da libertação e o aquilombamento da população em situação de rua em Salvador/BA: reflexões através do Programa Corra Pro Abraço. Boletim De Conjuntura (BOCA), 5(14), 09-20. https://doi.org/10.5281/zenodo.4506472. [ Links ]

Prefeitura de Salvador. (2022). Pontos de Cidadania levam serviços para a população em situação de rua. https://comunicacao.salvador.ba.gov.br/pontos-da-cidadania-levam-servicos-para-populacao-em-situacao-de-rua/Links ]

S3 Gestão em Saúde. (2023). Girassóis de rua - transparência. http://s3saude.org.br/girassois-de-rua-transparencia/Links ]

Secretaria de Promoção Social, Combate a Pobreza, Esportes e Lazer (SEMPRE). (2023). Centro POP. Centro POP - SEMPRE (salvador.ba.gov.br) [ Links ]

Secretaria Nacional de Assistência Social. (2014). Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. 4-58 https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/tipificacao.pdfLinks ]

Chen Jr, M. S., Lara, P.N., Dang, J. H. T., Paterniti, D. A. & Kelly, K. (2014). Twenty years post-NIH Revitalization Act: Enhancing minority participation in clinical trials (EMPaCT): Laying the groundwork for improving minority clinical trial accrual. Cancer, 120(7 suppl), 1091-1096. http://dx.doi.org/10.1002/cncr.28575 [ Links ]

Colling, A. M. (2011). As primeiras médicas brasileiras: Mulheres à frente de seu tempo. Fronteiras, 13(24), 169-183. [ Links ]

Filardo, G., Da Graça, B., Sass, D. M., Pollock, B. D., Smith, E. B., & Martinez, M. A. (2016). Trends and comparison of female first authorship in high impact medical journals: Observational study (1994-2014). BMJ, 352, i847. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.i847 [ Links ]

Haraway, D. (2004). Gênero para um dicionário marxista: A política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu, 22, 201-246. [ Links ]

Hayashi, C. R. M. (2013). Apontamentos sobre a coleta de dados em estudos bibliométricos e cientométricos. Filosofia e Educação, 5(2), 89-102 [ Links ]

1 Os sites utilizados foram: https://www.mds.gov.bre https://planalto.gov.br.

Recebido: 28 de Fevereiro de 2023; Aceito: 30 de Março de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons