1. Introdução
O transtorno do espectro do autismo (TEA) está relacionados a uma condição de início precoce, cujas dificuldades são relacionadas à ausência ou limitações: no uso da linguagem, na interação social e das atividades imaginativas, bem como padrões restritos/repetitivos de comportamento (Li Q et al., 2022).
Geralmente, as primeiras manifestações do TEA aparecem antes dos 36 meses de idade, o que envolve a adoção de medidas de detecção precoce de sinais de alerta já nesses primeiros meses de vida. Atualmente, estima-se que 1 em cada 30 crianças nos Estados Unidos, com idade entre 3 e 17 anos, esteja dentro do Transtorno do Espectro do Autismo (Li Q et al., 2022).
Estudos apontam que a detecção precoce dos sinais de alerta pode ser fundamental para o diagnóstico e tratamento adequado do TEA na infância, podendo melhorar significativamente o prognóstico e a qualidade de vida das crianças com autismo e de seus familiares. É importante destacar que esses sinais de alerta podem estar presentes em outras condições de saúde, o que reforça a importância da avaliação clínica adequada e da detecção precoce para a realização do diagnóstico diferencial. Além disso, a detecção precoce também pode reduzir o tempo de espera para o diagnóstico e tratamento, minimizando o impacto emocional e financeiro sobre as famílias (Pedersen at al., 2017).
Ressalta-se que o diagnóstico tem caráter clínico e multidisciplinar, devendo ser iniciado pelos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), que fazem o acompanhamento regular do crescimento e desenvolvimento da criança, nas consultas de puericultura. A detecção dos sinais de TEA e se dá por meio de observação direta, escuta qualificada para coleta de informações com a familia, bem como através da aplicação de escalas, questionários e protocolos padronizados de observação do comportamento (Pedersen at al., 2017).
Nesse sentido, a percepção dos enfermeiros é fundamental para a identificação precoce desses sinais, visto que são os responsáveis pelas consultas de puericultura. No acompanhamento de crescimento e desenvolvimento, conseguem conversar com os pais e familiares e ter acesso privilegiado as características das crianças de até 36 meses de idade, o que pode revelar casos de TEA (Peters & Matson, 2020).
No âmbito da APS, os enfermeiros realizam estimativas periódicas do desenvolvimento infantil, observando indicadores importantes como a interação social, a comunicação e o comportamento. Além disso, podem estreitar o relacionamento interpessoal com os pais, através de orientação sobre a importância de observar os sinais de alerta em casa, e buscar ajuda profissional em caso de dúvidas ou preocupações. As consultas de puericultura são, por pressuposto, o momento oportuno para o desenvolvimento de um relacionamento interpessoal que possa favorecer a deteção precoce dos sinais de alerta dos TEA (Pitz, Gallina & Schultz, 2021).
Estudo de revisão integrativa, aponta lacuna do conhecimento acerca da detecção precoce dos sinais de autismo em crianças pelo enfermeiro.
Esta revisão, concluiu que existem barreiras que podem comprometer a qualidade e eficácia da identificação precoce de sinais de atraso no desenvolvimento infantil, bem como a falta de coordenação do cuidado, a falta de tempo e de diretrizes de prática, além do déficit na qualificação para cuidar desse público. Sendo assim, é necessário o desenvolvimento de novos estudos com rigor metodológico que retratem a prática assistencial de enfermagem no cenário da atenção primária, bem como investimentos na qualificação profissional, planejamento e desenvolvimento de protocolos e diretrizes que orientem a prática clínica do cuidado (Magalhães, et al. 2020).
Assim, delimitou-se a seguinte questão de pesquisa: Como o enfermeiro, durante a realização das consultas de puericultura, identifica sinais de alerta em crianças para o transtorno do espectro do autismo? Para o desenvolvimento deste estudo definiu-se o seguinte objetivo: descrever as percepções de enfermeiros sobre detecção precoce dos sinais de alerta do TEA nas consultas de puericultura.
Adotou-se o Referencial Teórico de Hildegard Peplau, e a Teoria da relaçoes interpessoais, que a busca por uma relação terapêutica positiva entre enfermeiros e pacientes durante a experiência do cuidado (Franzoi et al., 2016). Ela aborda a Enfermagem como um processo interpessoal, terapêutico, significativo e educativo capaz de estabelecer, por meio da comunicação, a construção/evolução de uma dinâmica interativa com o seu usuário, valorizando a participação do mesmo na sua situação de saúde e demandando autoconhecimento do profissional (Pinheiro et al., 2019).
2. Metodologia
Trata-se de estudo de abordagem qualitativa e, para tanto, está relacionado ao aprofundamento dos significados das ações e relações humanas, assim como no caso de percepççoes de enfermeiros sobre a detecção precocoe dos sinais de autismo na APS. Esta abordagem ainda ocupa-se do registro e da análise de interações reais entre pessoas, e entre pessoas e sistemas (Minayo & Costa, 2019).
A abordagem qualitativa é geralmente atribuída a uma pesquisa de cunho interpretativo, se relacionada aos significados que as pessoas atribuem às suas experiências do mundo social e a como as compreendem nesse mundo, almejando interpretar os fenômenos sociais (interações e comportamentos) em termos dos sentidos que as pessoas lhes dão, e buscando refletir sobre estes. Nesse sentido, a pessoa que se dedica à pesquisa de abordagem qualitativa assume o papel de sujeito cognoscente; um sujeito que necessariamente pensa, percebe, reflete, sente, contra-argumenta, demonstrando interesse pelo tema que almeja investigar (Minayo & Costa, 2019).
Este estudo é de tipologia exploratória, por isso envolveu entrevistas com profissionais enfermeiros com experiências práticas relacionadas ao problema de pesquisa, a fim de estimular a compreensão, procurar padrões, ideias e novas descobertas.
Com efeito, a pesquisa exploratória é um dos tipos de pesquisa científica que consiste na realização de um estudo para a familiarização do pesquisador com o objeto de estudo, sendo aplicada de modo que o pesquisador tenha uma maior proximidade com o campo do objeto (Minayo & Costa, 2019).
Os cenários do estudo foram as 12 Clínicas da Família (CF) do município do Rio de Janeiro, no Brasil. A população atendida nestas unidades de saúde, são famílias vulneravéis socioeconomicamente, em sua maioria sem plano de saúde privado, e dependentes do sistema unicio de saúde brasileiro. As unidades foram definidas a partir da identificação daquelas que possuíam o maior número de crianças cadastradas para atendimento. Compreende-se que este cenário compôs os requisitos básicos para a coleta de dados, e caracterizou-se como local propício para o desenvolvimento da pesquisa, inclusive por atender famílias mais carentes e, a princípio, com maiores dificuldades de detecção precoce dos sinais de alerta dos TEA (Minayo & Costa, 2019).
Os participantes de estudo foram 27 enfermeiros que realizavam consulta de puericultura, nas unidades de saúde supramencionadas. A captação desses participantes foi desenvolvida por meio de indicação dos gestores de cada uma dessas unidades, que integraram o estudo. Foram incluídos profissionais enfermeiros que atuassem em Clínicas da Família da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, cujas práticas estivessem dirigidas ao atendimento de crianças e que possuíssem experiência de pelo menos um ano na assistência a esses pacientes.
Adotou-se como critérios de exclusão os profissionais enfermeiros que estivessem em licenças ou férias para tratamento de doença durante a fase de coleta de dados e incluídos todos os enfermeiros que realizam consulta de puericultura há mais de 6 meses.
Como estratégia de coleta de dados foram operacionalizadas entrevistas semiestruturadas, combinando 10 perguntas fechadas e abertas. Para caracterização dos participantes foi aplicado um instrumento previamente estruturado, compreendendo dados demográficos, de formação e de capacitação profissional. O período de coleta de dados ocorreu entre agosto e novembro de 2022; e tempo de entrevista com cada enfermeiro variou de 11 a 38 minutos (média de 19,9 minutos). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, antes da realização da entrevista, de acordo com as normas do Conselho Brasileiro de Ética em Pesquisa. A coleta de dados encerrou-se com a saturação teórica do tema, onde constatou-se repetição de ideias e nenhuma nova informação foi registrada (Nascimento, et al.2018).
Após o término das entrevistas que foram realizadas pela primeira autora deste artigo, foram realizadas as transcrições de todo o material empírico coletado, a fim de se obter o corpus documental para análise lexical. O material sofreu dupla checagem na preparação do corpus textual, na garantia do anonimato, confiabilidade e viabilidade dos dados, e antes de serem inseridas para análise do software, pelas duas primeiras autoras deste artigo. A validade interna dos dados foi assegurada pela análise dos dados, por 3 pesquisadoras do grupo de pesquisa “Crianças com necessidades especiais de saúde” do Conselho Nacional de Pesquisa do Brasil (CNPq), o qual as autoras estão vinculadas e é composto por pesquisadores experientes em abordagem qualitativa.
O corpus textual foi tratado por meio do software Iramuteq® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Trata-se de um software gratuito criado pelo francês Pierre Ratinaud, que foi desenvolvido de acordo com a lógica open source e está licenciado pela General Public Licence (GPLv2). Seu fundamento estatístico ancora-se no software R e na linguagem Python. No estudo foi utilizada a versão 0.7 alpha 2, licença 2008/2014, disponível no site responsável pela divulgação do software (http://www.iramuteq.org/).
O Iramuteq® desenvolve método informatizado para análise quantitativa de dados textuais pautado em contextos e classes de conteúdo, com base na similaridade de vocabulário, estruturando e organizando o discurso, e informando as relações entre os léxicos mais frequentemente enunciados pelos participantes.
As vantagens deste software dizem respeito a sua agilidade, facilidade, oportunidade de análises mais consistentes e confiáveis e rigor estatístico. Além disso, tal software possibilita que se recuperem, no corpus original, os segmentos de texto associados a cada classe, momento em que se obtém o contexto das palavras estatisticamente significativas, evidenciando uma análise mais qualitativa dos dados (Acauan et al., 2020). Constitui-se em ferramenta relevante para os diferentes processamentos e análises estatísticas de textos produzidos, uma vez que permite empregar cálculos estatísticos sobre dados qualitativos, oportunizando um olhar criterioso sobre o material coletado e, consequentemente, dos resultados do estudo, potencializando a pesquisa qualitativa (Kami et al., 2016).
O programa viabiliza diferentes tipos de análise de dados textuais. Para o desenvolvimento desta pesquisa optou-se pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD) - Método de Reinert, que classifica os segmentos de texto em função dos seus respectivos vocabulários, e o conjunto deles é repartido com base na frequência das formas reduzidas (palavras já lematizadas).
Em relação à classificação hierárquica descendente, o Iramuteq® operacionalizou o processamento do texto a fim de serem identificadas classes de vocabulários, viabilizando a inferência de quais ideias o corpus textual transmitiu. A CHD desenvolve uma análise de categorias por léxico, estruturando classes. Assim, os segmentos de texto foram classificados de acordo com os seus vocabulários respectivos, e o conjunto deles foi repartido em função da frequência das formas reduzidas. A partir de matrizes, cruzando segmentos de textos e palavras em repetidos testes do tipo χ² (qui-quadrado), aplicou-se o método de CHD com o propósito de se obter uma classificação estável e definitiva (Almico & Faro, 2014).
Assim, o Iramuteq, identificou 5 classes na Classificação Hierárquica Descendente, de acordo com a organização dos léxicos. A taxa de aproveitamento das entrevistas no software identificou a retenção de segmentos: 1.086 segmentos classificados de 1.395 (77,85 %) e tempo de análise de: 0h 0m 33s, sendo considerado um bom aproveitamento do material empírico das entrevistas.
Neste artigo, será apresentado a Classe 2, que teve 220 Seguimentos de Texto (20,3%) e foi intitulada: As consultas de puericultura nas Clínicas da Família como estratégia de identificação de sinais de alerta do TEA.
As palavras com maior prevalência nesta classe foram: desenvolvimento, caderneta_da_criança, avaliar, gráfico, marco.
Nenhum dos resultados gerados por meio do software produz análises dos dados. Com efeito, o pesquisador é o elemento central neste processo. É ele quem opera a interpretação do material gerado, buscando nexos com o texto original, a fim de compreender os discursos e identificar as conclusões mais plausíveis a partir desses dados. Logo, apesar de o programa viabilizar a codificação e categorização de um significativo volume de informações, o mesmo não substitui a responsabilidade do pesquisador na interpretação substantiva e conclusiva dos resultados (Smallman, 2016).
A partir dos resultados brutos obtidos por meio do software, procurou-se torná-los significativos e válidos com o apoio do referencial teórico, o que oportunizou a codificação e categorização das informações advindas dos dados textuais, a interpretação substantiva dos resultados e a discussão dos dados da pesquisa articulada às fontes técnico-científicas sobre o tema.
Enfim, neste estudo o software Iramuteq® favoreceu uma análise criteriosa sobre o corpus textual estruturado, qualificando o processo de categorização e da apresentação dos resultados próprios desta pesquisa de abordagem qualitativa.
A pesquisa foi aprovada em abril de 2022 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery - Hospital Escola São Francisco de Assis - UFRJ- Brasil, sob o número de parecer 5.370.466 (CAAE: 57924722.0.0000.5238); e em 01/06/2022 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro - SMSDC/RJ, sob o número de parecer 5.443.956 (CAAE: 57924722.0.3001.5279) (Brasil, 2012).
3. Resultados e Discussão
Dos 27 enfermeiros participantes da pesquisa, 24 foram mulheres (88,9%) e 3 homens (11,1%), com idades variando entre 25 e 50 anos (média de 36,3 anos). Todos os enfermeiros possuíam especialização (curso de pós-graduação Lato Sensu), mas nenhum com Mestrado e/ou Doutorado (curso de pós-graduação Stricto Sensu). A seguir serão apresentados os dados emergentes da Classe 2, da Classificação Hierárquica Descente do software Iramuteq®.
3.1 As consultas de puericultura nas Clínicas da Família como estratégia de identificação de sinais de alerta dos TEA
A partir da análise dos segmentos de texto foi evidenciado as percepções de enfermeiros sobre detecção precoce dos sinais de alerta do TEA nas consultas de puericultura. Durante a puericultura, ocorre a construção de uma relação dialógica entre este profissional e a família, o que facilita e favorece a troca de informações e a identificação de atrasos no desenvolvimento.
Ressalta-se que algumas ações podem ser realizadas pelos enfermeiros durante as consultas de puericultura para promover a interação dialógica, na identificação dos sinais de alerta dos TEA, a saber: acolhimento, escuta ativa, diálogo aberto e orientações claras. Indubitavelmente, a interação dialógica entre a família e o enfermeiro pode ser uma estratégia importante para a promoção da saúde infantil e prevenção de doenças, permitindo se sintam mais envolvidas e preocupadas sobre a saúde de seus filhos.
Os segmentos de texto a seguir evidenciam aspectos relacionados especificamente às consultas de puericultura, destacando técnicas procedimentais, mas também a percepção do enfermeiro no processo de detecção precoce dos sinais de alerta dos TEA:
A consulta de puericultura tem o objetivo de averiguar os marcos de desenvolvimento e crescimento da criança. A gente faz todo o registro de peso e altura, as medidas antropométricas e também os marcos de desenvolvimento estabelecidos pelo ministério da_saúde na atenção à saúde da criança e do adolescente (Enf 15).
Por exemplo, em uma consulta normal, vemos basicamente como é que a criança está se comportando. Observamos o desenvolvimento dela, inclusive o desenvolvimento escolar, o seu rendimento escolar, e vemos se ela está interagindo (...) (Enf 01).
Nós já temos nosso próprio prontuário aqui para sinalizar se a criança tem algum déficit de algum desses marcos de desenvolvimento (...) (Enf 18).
(...) A partir do momento que eu identifico algum dos sinais_de_alerta do autismo, eu faço uma interconsulta com a psicóloga e faço peço avaliação da criança por outrso profissionais, que é uma reabilitação intelectual (Enf 07)
Então, se a gente não tiver essa sensibilidade, esse olhar diferenciado, e não souber direito quais são os sinais_de_alerta do autismo, sintomas, não dá para perceber, e essa criança vai passar, e não vai chegar na equipe multiprofissional (Enf 12).
Os casos de suspeita de sinais_de_alerta do autismo nunca passam direto para eles (membros da equipe multiprofissional), e depois vem para a gente. Ao contrário. Nós, enfermeiros é que percebemos o problema, e passamos o caso para eles (Enf 15).
A seguir, apresentados segmentos de texto que expressam práticas de relacionamento interpessoal entre os enfermeiros e membros da família das crianças com sinais de alerta dos TEA:
Perguntamos para a mãe como é a rotina da criança, se está demorando muito a alcançar tal marco. Preconizamos ver como é a rotina porque, às vezes, é falta de estímulo (Enf 15).
Quando a criança é acompanhada aqui na clínica_da_família é mais fácil, porque a gente está sempre alertando. Então, a própria mãe também já nos dá isso. Ela já sabe, ela já observa e ela já traz essa demanda para a gente (Enf 11).
O relacionamento interpessoal com as famílias é muito bom. A gente cria vínculo. Não chega a ser uma questão de amizade, mas também não é uma questão técnica somente. A gente acaba sendo a referência (Enf 17).
Neste sentido, a interação dialógica pode ser compreendida, na perspectiva da Teoria das Relações Interpessoais, como uma premissa da fase de identificação, que determina um processo em que o enfermeiro e a família recebem informações, experiências e conhecimentos, permitindo a construção conjunta de soluções para os problemas de saúde das crianças.
Os segmentos de texto a seguir demonstram a dificuldade de percepção do profissional de enfermagem em relação ao seu papel na identificação de sinais de alerta dos TEA:
A mãe muitas das vezes procura a gente para vacina e para consulta. Às vezes, não dá para fazer essa identificação dos sinais_de_alerta do autismo como a escola, que fica ali diariamente com a criança (Enf 02).
O papel como enfermeira na identificação dos sinais_de_alerta do autismo é de comunicar ao médico da equipe (Enf 06).
Por exemplo, se eu identifiquei uma criança como enfermeira, eu vejo que eu preciso de uma avaliação de um profissional médico, correto? Eu não posso nem fechar diagnóstico, eu somente identifiquei os sinais_de_alerta do autismo (Enf 10).
Enfermeiros devem ser capazes de identificar sinais precoces do TEA e colaborar de forma positiva no acompanhamento da criança durante a consulta de puericultura, não se restringindo a análise do crescimento e desenvolvimento. Nessa perspectiva de acolhimento e integralidade do cuidado a equipe de enfermagem deve saber como atuar perante a criança, família e comunidade. Assim, é importante importante a capactação de profissionais de saúde para o diagnóstico precoce e a instalação de intervenções junto as crianças e familias. Tem-se que para melhorar o atendimento a esses indivíduos, uma das formas é a atualização ou treinamento adequado desde o início da formação universitária dos profissionais de saúde (Díaz- Agea, Macías-Martínez, Leal-Costa, et al, 2022; Li Q, Li Y, Liu B, et al. 2022)
Embora seja um distúrbio de desenvolvimento comum, os profissionais de saúde da atenção primária apontam déficit no diagnóstico precoce, em especial os enfermeiros de consulta de puericultura. Entretanto, eles têm um papel vital na detecção precoce do TEA, o que garante uma melhora ideal para as crianças e reduz o estresse dos cuidadores, favorecendo a comunicação interpessoal ente família e equipe de saúde.
Muitos instrumentos de diagnóstico estão disponíveis para TEA, que inclui escalas validadas, subescalas e listas de verificação. Idealmente, o diagnóstico do TEA requer uma equipe multidisciplinar com pediatra, psiquiatra infantil, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e comportamental. Entretanto, No Brasil, a identificação dos sinais precoce do autismo, muitas vezes é feita nas consultas de puericultura, através da identificação de atrasos no desenvolvimento.
Em contra partida, dentre os Enfermeiros, estudos apontam, que muitos não se sentem preparados para cuidar de crianças com transtorno do espectro do autismo em ambientes clínicos normais, incluindo a atenção primária em saúde (Cashin et al., 2022).
As limitações impostas pelo TEA, associada as relações familiares, em que a falta de conhecimento e compreensão, assim como a estimulação tardia e os sentimentos de superproteção levam a maiores atrasos no desenvolvimento, que podem ser evitadas com a identificação dos sinais precoces, a intervenção adequada pelo enfermeiro na Atenção Primária em Saúde e estreitamento das relações com a família.
As crianças com transtorno do espectro autista vivenciavam comprometimentos no autocuidado capazes de interferir na autonomia e no grau de independência, levando ao desinteresse e à falta de motivação para a realização de atividades básicas de vida. Assim, precisam de suporte para realizar suas atividades cotidianas e de uma rede de apoio especializada na perspectiva da intersetorialidade e interdisciplinaridade, para promover e proporcionar a evolução das limitações (Magalhães, et al, 2022).
Estudo desenvolvido na America Saúdita identificou que a demora no diagnóstico e a disponibilidade de vagas nos serviços de terapia de intervenção precoce são cruciais para diminuir o estresse dos pais. Algumas crianças com atraso no desenvolvimento demoraram até dois anos para ter um diagnóstico oficial e iniciar a intervenção. Isso pode ocorrer porque os profissionais, da atenção primária à saúde não tem experiência no diagnóstico de TEA. Esse achado foi apoiado por estudos anteriores que relataram que o TEA é difícil de definir, diagnosticar e os profissionais de saúde não conseguem traduzir seu conhecimento teórico do TEA em sua prática clínica, demostrando falta de experiência no diagnóstico e identificação dos sinais precoces (Al-Mazidi & Al-Ayadhi, 2021).
As limitações deste estudo foram entrevistar enfermeiros de um mesmo território (área programática) na cidade do Rio de Janeiro- Brasil, o que pode ter gerado homogêniedade dos dados devido a similaridade de caracteristicas socioeconômicas no território de trabalho, apesar do software de análise lexical ter apresentado classes analíticas distintas e com robustez.
4. Conclusões
No contexto da APS, as consultas de puericultura permitiram a relação interpessoal entre profissionais de saúde, crianças e famílias especialmente em relação à detecção precoce de sinais de alerta de transtornos do desenvolvimento, como o autismo. Nesse sentido, as percepções e experiências dos enfermeiros que atuam nesse contexto contribuiu para um olhar mais atento e cuidadoso com possibilidades de diagnóstico e intervenção precoce.
À adoção de metodologia qualitativa para o desenvolvimento deste estudo, permitiu maior aprofundamento do objetivo. O uso do software Iramuteq, identificou os lexos de maior repetição, bem como a maior prevalência de palavras e a formação de classes analíticas, sendo apresentado aqui somente uma das cinco classes geradas ao longo da pesquisa. Assim, foi possível explorar as percepções dos enfermeiros sobre os benefícios e desafios da realização de consultas de puericultura para a detecção precoce de sinais de alerta do autismo. Por meio de entrevistas e observações, é possível capturar nuances e detalhes importantes sobre a forma como esses profissionais percebem e interpretam as interações com pacientes e suas famílias durante as consultas de puericultura.
Além disso, a metodologia qualitativa permitiu a análise dos dados em sua complexidade, destacando temas e padrões emergentes que podem ser relevantes para o desenvolvimento de políticas e práticas de saúde mais eficazes. Essa abordagem também favoreceu a colaboração e o engajamento dos enfermeiros no processo de pesquisa, incentivando a co-criação de conhecimento e a valorização das suas perspectivas e experiências.
Em resumo, a metodologia qualitativa é uma abordagem valiosa para investigar as percepções dos enfermeiros sobre a importância estratégica das consultas de puericultura na detecção precoce de sinais de alerta do autismo na Atenção Primária à Saúde. Essa metodologia permite uma compreensão aprofundada e rica de fenômenos complexos, favorece a colaboração e o engajamento dos enfermeiros no processo de pesquisa, e pode fornecer insights valiosos para o desenvolvimento de políticas e práticas de saúde mais eficazes.