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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.18  Oliveira de Azeméis out. 2023  Epub 30-Nov-2023

https://doi.org/10.36367/ntqr.18.2023.e907 

Artigo Original

Agentes Comunitários de Saúde na Atenção ao Idoso: Singularidades e Desafios

Community Health Agents in Elderly Care: Singularities and Challenges

Christina César Praça Brasil1 
http://orcid.org/0000-0002-7741-5349

Marla Samara de Carvalho Leal2 
http://orcid.org/0000-0003-2798-4794

Ellen Synthia Fernandes de Oliveira3 
http://orcid.org/0000-0002-0683-2620

Raimunda Magalhães Silva1 
http://orcid.org/0000-0001-5353-7520

Maria Regina Teixeira Ferreira Capelo4 
http://orcid.org/0000-0003-0423-8676

1 Universidade de Fortaleza, Brasil

2 Secretaria Municipal de Saúde de Simões Piauí, Brasil

3 Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal de Goiás, Brasil

4 Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL), Polo da Madeira, Portugal


RESUMO

Introdução: O programa de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) foi institucionalizado em 1991 pelo Ministério da Saúde brasileiro. Em 2003, foi organizado o perfil de competências desses profissionais. Objetivos: Verificar os conhecimentos e perceções dos Agentes Comunitários de Saúde sobre a atuação na atenção à saúde do idoso. Métodos: Estudo descritivo, exploratório e com abordagem mista, realizado no município de Picos, Piauí, Brasil, com a participação de 98 ACS. Os ACS foram identificados como a população-alvo deste estudo por serem profissionais estratégicos na Atenção Básica e com atuação na promoção da saúde em todo o ciclo de vida. Para coleta de dados utilizou-se um questionário na plataforma Google Forms com questões sobre o perfil socioeconômico e a perceção dos Agentes Comunitários de Saúde sobre o processo de formação para trabalhar na saúde do idoso. Resultados: Após a análise de conteúdo das respostas dadas pelos participantes, ressaltaram duas temáticas: dificuldades na realização das visitas, nomeadamente problemas com o autocuidado, negligência e abandono por parte da família e do cuidador, solidão, diminuta comunicação, carência emocional e condições socioeconômicas precárias; e medidas necessárias para melhorar a atuação dos ACS na atenção à saúde do idoso como formação para cuidar do idoso, capacitação de familiares e de cuidadores, melhoria das condições de trabalho, facilitação do acesso do idoso ao serviço, criação de programa e espaço para o idoso, ampliação de visitas, entre outros. Conclusões: O ACS desempenha um papel importante nos cuidados ao idoso uma vez que conhece as reais condições do contexto onde o idoso se encontra inserido e respetivas necessidades nos domínios pessoal, familiar, social e comunitário, mas que almeja formação, capacitação e reconhecimento pelo trabalho que presta.

Palavras-Chave: Idoso; Agente Comunitário de Saúde; Atenção à Saúde.

ABSTRACT

Introduction: The Community Health Agents (ACS) program was institutionalized in 1991 by the Brazilian Ministry of Health. In 2003, the skills profile of these professionals was organized. Goals: Verify the knowledge and perceptions of the Community Health Agents about the action in the health care of the elderly. Methods: Descriptive, exploratory study with a mixed approach carried out in the municipality of Picos, Piauí, Brazil, with the participation of 98 CHAs. The CHAs were identified as the target population of this study because they are strategic professionals in Primary Care and active in health promotion throughout the life cycle. For data collection, a questionnaire on the Google Forms platform was used with questions about the socioeconomic profile and the perception of Community Health Agents about the training process to work in the health of the elderly. Results: After analyzing the content of the responses given by the participants, two themes were highlighted: difficulties in carrying out the visits, namely problems with self-care, negligence and abandonment by the family and caregiver, loneliness, poor communication, emotional deprivation and precarious socioeconomic conditions; and necessary measures to improve the performance of the ACS in the health care of the elderly, such as training to care for the elderly, training of family members and caregivers, improvement of working conditions, facilitating access of the elderly to the service, creation of a program and space for the elderly, expansion of visits, among others. Conclusions: The CHA plays an important role in caring for the elderly, as they are aware of the real conditions of the context in which the elderly person is inserted and their needs in the personal, family, social and community domains, but who aim for training, qualification and recognition for the work they provide. format.

Keywords: Elderly; Community Health Agent; Health Care.

1. Introdução

O programa de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), no Brasil, foi instituído em 1991 pelo Ministério da Saúde (MS), através de parcerias com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. No entanto, apenas em 2003, foi estabelecido o perfil de competências desses profissionais. Desde esse momento, os ACS passaram a ser reconhecidos como trabalhadores da interface dos campos da saúde e da ação social (Brasil, 2016).

No cenário dinâmico e em constante transformação da saúde pública brasileira, diversos problemas sociais e de saúde existentes nas comunidades têm vindo a conduzir a um progressivo acréscimo das atribuições e das responsabilidades dos ACS, desencadeando a necessidade de desenvolvimento e implementação de processos formativos contínuos tendentes a uma melhor assistência à população. Porém, nessa categoria os investimentos políticos e governamentais cruciais são limitados (Yin et al., 2023) e, consequentemente, nem sempre conduzem à obtenção de níveis de formação e capacitação desejáveis para a intervenção no território. Portanto, existem lacunas nas atividades formativas dos ACS para a sua atuação no domínio da saúde da pessoa idosa e de populações cada vez mais envelhecidas seja adequada (Silva et al., 2022). Esta realidade evidencia a necessidade de um processo educativo e formativo continuado para que o ACS possa intervir adequadamente perante a complexidade que envolve a saúde do idoso.

Estudos recentes argumentam sobre a importância dos ACS na comunidade como transmissor de informações, perceção de trabalho mais individual e burocratização da função (Bandeira & Gonçalves, 2021), como estando altamente ciente das múltiplas barreiras e desafios, da falta de treinamento profissional, da carga de trabalho aliadas aos recursos e apoio financeiro limitado (Yin et al., 2023). O ACS emerge como facilitador do acesso do idoso dependente na rede de atenção em saúde, mas existem lacunas no domínio da educação (Autores - inserir após avaliação do trabalho), tornando-se imperativo o reconhecimento deste profissional especialmente pelo seu potencial comprovado no enfrentamento das adversidades laborais (Silva et al., 2022).

Os ACS são considerados profissionais fundamentais para as mudanças das estratégias de atenção à saúde (Bandeira & Gonçalves, 2021). Contudo, esses trabalhadores ainda estão submetidos a formas diversificadas de vínculos laborais (concurso público, seleção pública e contratos temporários) e níveis de remuneração. Nesse sentido, a existência de formação/educação continuada torna-se desejável e imperiosa, tendo em vista o nivelamento remuneratório dos ACS e a melhoria da qualidade dos serviços prestados à população (Simas & Pinto, 2017).

Gestores de Minas Gerais, reconhecem de modo coerente as atribuições previstas ao ACS, designadamente, no respeitante ao estabelecimento do elo entre as equipas de saúde e a comunidade, as facilidades por residir na localidade, a falta de reconhecimento da população, os desafios da deslocação, a falta de capacitação e de equipamentos adequados (Caçador et al., 2021).

Na complexidade do cuidado à saúde da pessoa idosa emergem questionamentos tanto dos idosos como dos seus cuidadores, sobretudo no recurso às estratégias de enfrentamento das fragilidades existentes. Neste âmbito, é possível pressupor que, apesar de muitos avanços, a formação profissional dos ACS permanece um desafio (Silva et al., 2022b).

A sobrecarga laboral a que o ACS está sujeito, patenteada no instrumento validado sobre as Atividades dos Agentes Comunitários de Saúde (Fernandes et al., 2022), reflete a realidade do trabalho destes profissionais, a saber: reconhecimento da área e da população adstrita, ações de atenção à saúde, processo de regulação a partir da atenção básica, informações para fins de planeamento e acompanhamento das ações implementadas na saúde e programas, vigilância na saúde, sistemas de informação na saúde, gerenciamento de insumos necessários para o adequado funcionamento das unidades básicas de saúde, procedimentos, trabalhos transdisciplinares e em equipa e, ainda, outras atividades de acordo com as necessidades locais.

Face à relevância da ação do Agente Comunitário de Saúde em territórios demograficamente envelhecidos, o objetivo deste estudo consiste em verificar os conhecimentos e perceções dos Agentes Comunitários de Saúde sobre a atuação na atenção à saúde do idoso.

Face à relevância da ação do Agente Comunitário de Saúde em territórios demograficamente envelhecidos, o objetivo deste estudo consiste em verificar os conhecimentos e perceções dos Agentes Comunitários de Saúde sobre a atuação na atenção à saúde do idoso.

2. Metodologia

2.1 Tipos de Estudo

Elegemos a realização de um estudo exploratório, descritivo e de natureza qualitativa por permitir aceder e identificar a forma como as pessoas pensam, sentem e agem perante determinada situação. Esta abordagem leva essencialmente à exploração mais detalhada do fenómeno social em estudo (Fortin, 2009) a partir das experiências vividas e desvendadas pelos participantes.

A metodologia de investigação qualitativa assenta nas crenças e numa abordagem holística dos seres humanos, as quais orientam a investigação. Ela desenrola-se no meio natural dos participantes, faz a descrição das caraterísticas de determinada população, põe em evidência categorias de análise de dados, dá lugar à interpretação e à extração de conclusões e proporciona uma nova visão do problema.

Destaca-se que o presente estudo também traz dados quantitativos, no sentido de ampliar o olhar sobre questões que precisam ser mensuradas e, de forma complementar, ampliar a compreensão do objeto sob investigação.

2.2 Contexto de Estudo

O estudo empírico realizou-se no município de Picos, Estado do Piauí, Brasil. No que tange à região administrativa, a localidade emerge como referência na saúde e também como modelo de assistência à saúde.

As 36 Equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) de Picos, junto às quais o estudo foi desenvolvido, são formalmente cadastradas e credenciadas no Ministério da Saúde, sendo alocadas em diferentes Unidades Básicas de Saúde (UBS) situadas na zona urbana e zona rural do município.

Os participantes foram 98 ACS (52,40%) das zonas urbana e rural de Picos, Piauí, Brasil. A amostra constituiu-se a partir do universo de 187 ACS que integram as 36 equipas da Estratégia Saúde da Família (ESF). A seleção dos participantes foi por conveniência em decorrência da pandemia da COVID-19.

Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: ser profissional cadastrado na ESF e estar em plena atuação nas atividades profissionais por, no mínimo, seis meses. Excluíram-se os que estavam afastados do serviço por licença médica ou de outra natureza; em gozo de férias durante a coleta de dados, ou afeto a outra função.

2.3 Coleta de Dados

Devido à pandemia da COVID-19 e às restrições sanitárias de isolamento social vivenciadas no Brasil a partir de março de 2020, houve uma significativa mudança na condução da recolha de dados, sendo necessário usar os meios de comunicação remotos (e-mail e WhatsApp) para o recrutamento dos ACS e a obtenção dos mesmos.

Obtida a anuência do gestor da Secretaria Municipal de Saúde para o desenvolvimento do estudo realizou-se uma reunião preliminar pelo Google Meet para explicar aos gestores das Unidades Básicas de Saúde os procedimentos a serem realizados na coleta de dados.

Os ACS, convidados pelo WhatsApp, receberam por meios eletrônicos o link de acesso ao Termo de Consentimento e Livre Esclarecido (TCLE) e o questionário atinente ao “Perfil socioeconômico e questões sobre a perceção dos Agentes Comunitários de Saúde relativas ao processo de formação para trabalhar na saúde do idoso", a fim de ser assinado e preenchido no Google Forms. Neste processo contribuíram as sensibilizações efetuadas pelos gerentes e enfermeiros das Unidades Básicas de Saúde (UBS) na mobilização dos ACS para colaborarem no estudo.

Após a flexibilização do isolamento social, em julho de 2020, os ACS com dificuldade de utilização de meios remotos e que se dispuseram a participar, assinaram o TCLE e responderam ao questionário em formato papel. A coleta de dados encerrou no final do mês de outubro de 2020.

O questionário utilizado “Perfil socioeconômico e perceção dos Agentes Comunitários de Saúde sobre o processo de formação para trabalhar na saúde do idoso" incluiu um conjunto de questões elaboradas com base nas referências que compõem a base teórica-metodológica de um projeto mais amplo intitulado “Conhecimento dos agentes comunitários de saúde sobre o processo de formação para atuar na saúde do idoso”. Como recorte, inclui questões fechadas - sócio demográficas, económicas - idade, sexo, estado civil, nível de escolaridade, renda familiar, situação conjugal, tempo de serviço; e profissionais - tempo de atuação como ACS; e questões abertas relativas à perceção dos ACS sobre a sua atuação profissional na linha de cuidado da pessoa idosa.

2.4 Análise de Dados

As respostas dadas às questões abertas do questionário foram transcritas e categorizadas por meio da análise de conteúdo na modalidade temática porque permite uma descrição objetiva e sistemática do conteúdo extraído e da respetiva interpretação (Bardin 2016). As teorias que embasam o estudo, conforme a fundamentação teórico-metodológica, amparam a análise e a interpretação das narrativas. Para preservar as identidades dos participantes, eles foram denominados pelas letras ''ACS'' seguidos de um número, como por exemplo - ACS 1 e assim sucessivamente.

Em conformidade com Bardin (2016), a estratégia de análise de conteúdo decorre em três fases: a pré-análise, a exploração do material, e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A primeira etapa ou pré-análise, busca sistematizar as ideias iniciais de forma a extrair um esquema condutor das fases seguintes. A segunda fase correspondente à exploração do material, inclui a codificação dos dados e a identificação das unidades de sentido. A terceira fase incide sobre o tratamento dos dados, as categorizações e subcategorizações que aglutinam as unidades de sentido anteriormente definidas. Na busca de respostas para o objetivo do estudo, esta etapa envolveu interpretações à luz do referencial teórico estabelecido. Por fim, com o intuito de atestar a veracidade dos dados, a análise de conteúdo foi reapreciada por todos os elementos do grupo investigador.

Os dados quantitativos foram analisados por meio da estatística descritiva e são apresentados em tabelas para facilitar a compreensão dos dados mensuráveis, que oferecem suporte aos dados subjetivos.

2.5 Aspetos Éticos

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética de uma instituição no Nordeste brasileiro, sob o parecer n. 4.209.829. Foram cumpridos todos os aspetos éticos e legais que tangem a pesquisa, a partir da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, conforme preconizam as Diretrizes e Normas Regulamentadoras da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Resolução 466, 2012).

3. Resultados e Discussão

Participaram 98 ACS. Oitenta e sete por cento eram do sexo feminino, 73% na faixa etária predominantemente compreendida entre os 41 e 60 anos (M= 71; 73,2%; M=48; DP= +/-9,6). Cinquenta e cinco por cento são casados, 39% possuem o ensino médio completo e 21,4% concluíram o ensino superior. Os 30 ACS com ensino superior completo são 9. A renda familiar referida pela maioria dos participantes (n=55; 56,1%) corresponde à faixa de 2 a 4 salários-mínimos.

A nível profissional, 80,5% dos ACS estão enquadrados no vínculo empregatício "concursados municipais"; 80,7% têm tempo de serviço na UBS de 10 a mais de 20 anos. Quanto à formação profissional, 62,2% possuem o curso auxiliar/técnico de enfermagem e 87,8% realizaram o curso técnico para ACS. Noventa e dois por cento dos participantes conhecem o curso técnico para agente comunitário de saúde, mas somente 61,6% efetuaram a etapa formativa III. Em relação à capacitação direcionada à saúde do idoso, 45% indicam percecionar aptidão para atuar nessa área em contraponto com os 35,7% que não se consideram aptos. No respeitante ao nível de conhecimento do ACS sobre a saúde do idoso, 43,9% classificam como “bom” e 32,7%, como razoável.

Após análise de conteúdo das respostas abertas dadas ao questionário foi possível extrair duas categorias temáticas alusivas às perceções dos participantes quanto a sua atuação nas visitas domiciliares aos idosos: I) dificuldades identificadas pelos agentes comunitários de saúde na realização das visitas; e II) medidas necessárias para melhorar a atuação dos agentes comunitários de saúde na atenção à saúde do idoso.

3.1 Dificuldades identificadas pelos agentes comunitários de saúde na realização das visitas

Os ACS, 40,8% denunciam que a população idosa apresenta dificuldades na aplicação do autocuidado, 36,7% dos idosos são negligenciados e abandonados por familiares e cuidadores, 23,5% mora só, 15,3% apresenta dificuldades na comunicação, no fornecimento de informações fidedignas sobre o seu estado de saúde, carência emocional e privação de convívio social (Tabela 1).

Tabela 1 Dificuldades identificadas pelos agentes comunitários de saúde na realização das visitas aos idosos (N= 98). 

Fonte: Elaboração própria.

Os participantes reportaram 185 dificuldades constadas durante as visitas aos idosos. Os percentuais foram calculados com base no número de vezes que as dificuldades identificadas foram mencionadas. As dificuldades identificadas pelos agentes comunitários de saúde na realização das visitas aos idosos são ilustradas nos seguintes testemunhos:

[...] Às vezes, a família não respeita o [idoso], situação de abandono e não conseguem se virar pra cuidar da própria saúde (ACS_93).

[...] Idoso que mora só, não sabem tomar a medicação, não têm como ir ao posto para consulta e exames. Também vejo idosos sofrendo maus tratos dentro de casa, falta de respeito, falta de higiene... (ACS_73).

[...] A maioria [dos idosos] mora sozinho. A maioria quem toma conta é um filho, que não liga [para o idoso]. Só liga para o salário... Muitos idosos passam até fome (ACS_90).

[...] Vejo muitos idosos usando medicamentos incorretamente. Eles [os idosos] se queixam que quase não têm com quem conversar. Mas as teimosias dos idosos também chamam a minha atenção... (ACS_82)

[...] Vejo muitos problemas nas visitas aos idosos, com os quais precisamos de capacitação para sabermos como lidar. Vejo as limitações e dificuldades na realização de atividades cotidianas, o abandono familiar que não é brincadeira! Perda auditiva que dificulta a comunicação e a falta interação Social. Isso me preocupa muito. (ACS_43)

[...] A primeira dificuldade é quando o idoso mora sozinho e sem família. A segunda é quando a família pega o cartão deles, faz empréstimos e os mesmos passam até necessidades. E o terceiro é que o pouco que eles ganham mal dá para comprar seus medicamentos e, aí, falta alimentação. O que eu devo fazer como ACS, meu Deus! (ACS_54)

Os depoimentos dos ACS revelam similaridades com as conclusões obtidas em diversas investigações sobre as suas dificuldades (Bandeira & Gonçalves, 2021; Beckert et al., 2022; Autores - inserir após avaliação do trabalho), especificamente, no tocante à falta de cuidados físicos, ambientais, psicológicos, socioculturais, agravados na população idosa, a qual, muitas vezes, vive sozinha, sem o apoio de familiares ou de cuidadores. Além disso, surgem as incapacidades funcionais próprias desta etapa do ciclo vital, limitação a realização de atividades cotidianas do autocuidado. Neste âmbito, as conclusões do estudo de Autores - inserir após avaliação do trabalho (2021) enaltece a atuação dos ACS junto dos idosos e respetivos cuidadores, valorizam a sua participação na Estratégia Saúde Família, mas apontam os conhecimentos deficitários e as dificuldades para suprirem a quantidade de tarefas de atenção à saúde e, sobretudo na assistência ao idoso dependente.

3.2 Medidas necessárias para melhorar a atuação dos agentes comunitários de saúde na atenção à saúde do idoso

Os resultados evidenciaram 156 medidas sugeridas pelos ACS tendes à melhoria da sua prática na atenção à saúde do idoso. Sobressai a urgente ampliação da formação dos profissionais que atuam junto da população idosa apontada por 53% dos participantes, a capacitação para os cuidadores e familiares (35%); melhoria das condições de trabalho do ACS (24%), a facilitação do acesso do idoso aos serviços de saúde (13,3%) e a criação de programas e espaços destinados ao bem-estar do idoso (13,3%), entre outros, são sugestões que se alinham com o preconizado pelas políticas públicas de atenção à saúde do idoso no Brasil e noutros países (tabela 2).

Tabela 2 Medidas necessárias para melhorar a atuação dos agentes comunitários de saúde na atenção à saúde do idoso (N= 98) 

Fonte: Elaboração própria.

Foram apontadas 156 medidas necessárias à melhoria da atuação dos ACS na atenção à saúde do idoso. Os percentuais foram calculados com base no número de unidades de sentido obtidas. Seguem alguns testemunhos ilustradores das medidas propostas pelos ACS:

[...] Sinto falta de mais capacitação em saúde do idoso para o ACS. Seria muito bom se o município fornecesse aos ACS e famílias de idoso aparelho de pressão e de diabetes para facilitar o acompanhamento da saúde dos idosos. Os cuidadores também precisam e capacitação. (ACS_96)

[...] Capacitação periódica para os ACS, maior vínculo com cuidadores e maior facilidade de acesso dos idosos às unidades de saúde. (ACS_87)

[...] Ajudaria muito o nosso trabalho se houvesse a utilização de táticas, como a apropriação de espaços no território, para a realização de atividades com idosos; capacitações dos ACS para o atendimento aos idosos também estão muito escassas[...] (ACS_46)

[...] O ACS precisa estimular a participação ativa da família no cuidado ao idoso. Por isso, qualificar a formação do agente comunitário de saúde no cuidado ao idoso na atenção primária é fundamental para buscar a Humanização na atenção à saúde do idoso. (ACS_86)

[...] Sinto falta de um treinamento especial voltado à pessoa idosa. Essa capacitação também é necessária para cuidadores para dar informação sobre enfermidades mais prevalentes na velhice. (ACS_44)

[...] A pessoa que cuida do idoso não deve ser tão desinformada. Sei que eu, como Agente de Saúde não posso fazer muita coisa. Queria dar mais informação ao cuidador. (ACS_90)

[...] Para melhorar a nossa atuação de ACS na saúde do idoso, é importante integração multidisciplinar com o ministério público, pastoral do idoso, conselho do idoso e terapeutas. (ACS_55).

As narrativas revelam que a formação para atuar junto do idoso e na capacitação em educação para a saúde dos cuidadores e dos familiares é escassa. Estes dados apoiam estudos prévios desenvolvidos noutros contextos (Autores - inserir após avaliação do trabalho; Silva et al., 2022) e revelam a consciencialização dos ACS para a importância da função que desempenham, acreditando que se dispuserem de formação qualificada em saúde do idoso poderão multiplicar esse conhecimento junto dos familiares, cuidadores e comunidade local. Nesse domínio pode ser incluído um processo mediado pela aplicação de uma Tecnologia Educativa (TE) assente na Teoria das Necessidades Básicas de Maslow (Osternet al., 2021). A aplicação dessa tecnologia desencadeia mudanças no atendimento prestado pelo cuidado domiciliar, nomeadamente na compreensão do processo de envelhecimento, adaptação do ambiente físico, adequação da alimentação, tolerância, resgate da autonomia e envolvimento da família.

A melhoria das condições de trabalho também assinalada neste estudo posiciona-se nas prioridades dos ACS. Contudo, os ACS não têm sido reconhecidos pelo seu potencial como força de trabalho capaz de lidar com as adversidades laborais, esuscetíveis ao adoecimento (Silva et al., 2022). Além disso, a valorização desejada parece não encontrar eco nas condições de trabalho desses profissionais viabilizadas pelos gestores municipais (Caçador et al., 2021).

No estudo acrescem a referência a domínios alusivos ao bem-estar do idoso, à importância da integração e intervenção das equipas multidisciplinares, das acessibilidades, entre outras necessidades, permitindo concluir que o ACS detém um conhecimento profundo sobre a realidade dos idosos e do contexto onde estão inseridos. Porém, a agregação progressiva de atribuições ao ACS tem contribuído para o aumento das dificuldades e dos desafios no cotidiano laboral deste grupo profissional importante e imprescindível para a sociedade envelhecida.

4. Considerações Finais

Os resultados alertam-nos para a existência de uma considerável fração da população idosa vulnerável, negligenciada, abandonada, solitária, em condição socioeconómica precária, com problemas no autocuidado, entre outras situações problemáticas. Também revelam as dificuldades vivenciadas pelos agentes comunitários de saúde na sua prática quotidiana frente à complexidade dos problemas inerentes ao envelhecimento, como por exemplo as lacunas da própria formação inicial e contínua, da capacitação dos familiares e cuidadores e a necessária melhoria das condições de trabalho.

Neste domínio, o estudo de natureza qualitativa, permitiu descortinar múltiplas singularidades e desafios prementes na importante intervenção do ACS junto da população idosa. Dessa forma foi possível aceder às perceções dos profissionais sobre as demandas laborais e, até porque o número de idosos está a aumentar, refletir sobre as possibilidades de enfrentamento dos problemas apontados para que o envelhecimento possa ser assegurado com dignidade. Nesse seguimento tecnologias educativas para apoio, parcerias interprofissionais, família e cuidador, avaliação da necessidade ou possibilidade de institucionalização, formação científica e profissionalizante obrigatória para admissão à profissão de ACS, formação contínua para os ACS em exercício tendentes à superação das lacunas formativas, ações de formação e de sensibilização para as famílias e cuidadores de idosos, acompanhamento e cuidado humanizado ao idoso e harmonização remuneratória ao agente, podem contribuir para minimizar as dificuldades e valorizar a profissão ACS.

Acredita-se que, a partir de um diagnóstico situacional da perceção do ACS sobre a sua atuação no cuidado à saúde do idoso, será possível instrumentalizar os gestores para o desenvolvimento e a implementação de estratégias que viabilizem uma melhor atenção e cuidado à saúde do idoso, tendo sempre presente o respeito pelas complexidades e peculiaridades contextuais. Desta pesquisa poderão emergir subsídios para o norteamento e elaboração de ações resolutivas, as quais, por meio de um diagnóstico situacional, venham a concorrer para a reformulação das políticas públicas que incluam a capacitação e a atuação dos ACS junto dos idosos e dos seus familiares e, consequentemente, proporcionem condições de vida digna junto da população idosa.

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Recebido: 30 de Março de 2023; Aceito: 30 de Setembro de 2023

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