1. Introdução
A pessoa idosa no Brasil é considerada aquela com 60 anos ou mais (Brasil, 2022). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil em 2025 será o 6º país com maior número de pessoas idosas do mundo (Ibge, 2020).
O envelhecimento da população brasileira é decorrente da redução da taxa de natalidade. Por consequência, ocorre uma inversão da pirâmide etária e a partir disto o país necessita de planos para o apoio e cuidado da população idosa, como aposentadoria, cuidados relacionados à saúde, incluindo prevenção e promoção à saúde, para uma melhor qualidade de vida destas pessoas (Alves, Faria & Meirelles Junior, 2016; Miranda, Mendes & Silva, 2016).
O envelhecimento se dá por mudanças morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas (Porto & Porto, 2019) que podem levar a perda da autonomia, da independência para as Atividades da Vida Diária (AVD). Desta forma, as pessoas idosas se tornam mais vulneráveis por estarem expostas aos fatores de riscos, doenças, internações, conflitos sociais, familiares, intergeracionais e a violência (Alarcon et al., 2021).
A violência é um fenômeno mundial, multicausal e complexo, que pode levar a sofrimento psíquico ou físico, privação de liberdade ou até mesmo a morte. Ela se manifesta em diversos tipos conhecidos como negligência, violência autoinfligida, abuso físico, violência sexual, violência financeira, abandono e violência psicológica ou emocional (Minayo & Almeida, 2016).
A violência contra a pessoa idosa é evidenciada quando ocorre alguma ação, ou omissão, de modo individual ou coletivo, podendo ter ocorrido apenas uma vez, numa relação em que haja uma relação de confiança e que tenha como consequência prejuízos ou angústias à pessoa idosa (World Health Organization [WHO], 2002). O tipo mais comum da violência contra a pessoa idosa é a negligência, que ocorre quando os responsáveis pela pessoa idosa deixam de oferecer cuidados básicos como higiene, medicação, proteção etc. Nesta categoria também existe o abandono, que é considerado uma forma extrema de negligência e acontece quando há ausência ou omissão dos responsáveis na prestação de socorro a um idoso que precisa de proteção. A violência física ocorre quando há uso da força para pressionar a pessoa idosa a fazer o que não quer, causando ferimentos, provocando dor, incapacidade e até a morte. A inclusão da pessoa idosa em ato ou jogo sexual com objetivo de obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças caracteriza-se como violência sexual (Taveira & Oliveira, 2020).
A violência psicológica ou emocional pode ser menos percebida, mas acontecem com muitas pessoas idosas, ela inclui comportamentos que prejudicam a autoestima e bem-estar, como xingamentos, sustos, constrangimentos, destruição de propriedade ou impedimento de que se socializem. Finalizando, a violência material ou financeira é aquela na qual acontece a exploração imprópria ou ilegal das pessoas idosas, ou ainda o uso sem consentimento de seus recursos financeiros e patrimoniais (Taveira & Oliveira, 2020).
A violência contra a pessoa idosa é considerada como um importante problema de saúde pública e os profissionais de saúde reconhecem que os idosos se encontram em contextos de vida complexos.
Entretanto, para eles muitas situações estão além de suas capacidades de intervenção, expressaram medo e insegurança na realização da denúncia e desconhecem o papel dos demais serviços, tornando a abordagem ainda mais complexa (Alarcon et al., 2021). No que se refere à formação dos profissionais para abordagem da violência contra grupos vulneráveis, se observa a que a temática não é contempla nas matrizes curriculares no campo da saúde (Aguiar et al., 2020). Dessa maneira, a pergunta de pesquisa elaborada para esta investigação foi: Como jovens universitários dos cursos de enfermagem e medicina vivenciam a violência contra a pessoa idosa?
2. Objetivo
Interpretar as vivências de jovens universitários dos cursos de enfermagem e medicina sobre a violência contra pessoa idosa.
3. Método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que utilizou a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) para compreender a experiência dos estudantes de medicina e enfermagem com a temática, sua ação e os significados atribuídos. A TFD é construída por meio da interação entre o próprio dado e o pesquisador, que fomenta a análise dos dados (Strauss & Corbin, 2008).
O trabalho utilizou como técnica de coleta de dados as entrevistas semiestruturadas. Sendo estas adequadas para este tipo de investigação, pois auxilia amplamente no conhecimento de um fenômeno social e o modo como ele é apreendido por cada indivíduo (Minayo, 2013).
Em relação aos participantes, foram convidados estudantes dos cursos de medicina e enfermagem, de uma Instituição de Ensino Superior (IES) localizada no Centro Oeste do Estado de São Paulo- Brasil. Nesta IES, são ofertados anualmente 80 vagas para a medicina e 40 vagas para enfermagem. Os cursos funcionam em período integral, com processo de aprendizagem baseado na integração básica clínica e metodologias ativas de ensino. Os dois cursos trabalham em conjunto durante os dois primeiros anos, e a partir do terceiro ano eles se dividem para o desenvolvimento das especificidades de cada núcleo de saber e fazer. Desde o primeiro ano os estudantes são inseridos nos cenários de prática, desenvolvendo uma formação articulada com o mundo do trabalho.
O critério de inclusão estabelecido foi ser um estudante regularmente matriculado no curso de enfermagem ou de medicina onde o estudo foi desenvolvido, independente do ano de graduação e utilizou-se a saturação dos dados como critério para a decisão do número de participantes. Sendo que, para este trabalho, a saturação ocorreu na quarta entrevista para os estudantes da enfermagem, e na quarta da medicina. O contato com os estudantes dos cursos de enfermagem e medicina foi realizado via WhatsApp e agendado a data e horário das entrevistas, as quais foram realizadas por meio de encontros da plataforma google meet, considerando a situação epidemiológica do momento.
Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as entrevistas foram gravadas com prévia autorização dos universitários.
As entrevistas foram conduzidas por uma estudante de Enfermagem e uma Doutoranda, que previamente se prepararam para a condução. Foi utilizado um roteiro com informações sociodemográficas (idade, sexo, estado civil, raça/cor, ano de ingresso na graduação e curso), além da seguinte questão norteadora: Nessa entrevista vamos conversar sobre o tema da violência contra a pessoa idosa. O que você saberia sobre esse tema para nos contar? Quando necessário, foram utilizadas algumas perguntas abertas descritas no roteiro: Qual a sua percepção sobre a violência contra a pessoa idosa na sociedade? Esse tema já foi tratado durante a sua formação? Conte um pouco sobre como isso aconteceu. Qual é a importância desse tema ser abordado durante a graduação para a sua formação profissional e pessoal? O que sugere para melhoria da formação em relação à abordagem da temática da violência contra a pessoa idosa. Em relação às suas experiências pessoais teria alguma sobre violência contra pessoa idosa? Como você acha que as pessoas devem manter a independência com o envelhecimento? Como manter e/ou melhorar a qualidade de vida com o envelhecimento? Como fortalecer políticas de prevenção e promoção à saúde, aquelas voltadas para o idoso? Qual a importância desse tema para você? O que você faria para ajudar em uma situação dessas?
As entrevistas tiveram uma duração média de 20 minutos, posteriormente foram transcritas e inseridas no software de análise qualitativa NVIVO, o que vem sendo amplamente recomendado na pesquisa qualitativa, visto que contribuem no processamento e sistematização de dados além de atribuir ao trabalho um maior rigor científico, objetividade e replicabilidade (Costa& Amado, 2018). No NVIVO foram realizadas as etapas de análise: microanálise, codificação aberta, codificação seletiva, codificação axial e modelo teórico, seguindo o referencial da TFD (Strauss & Corbin, 2008).
Após a inserção das 08 transcrições, cada uma foi classificada conforme os atributos, idade, sexo e graduação. Seguindo os pressupostos da TFD, inicialmente foram criados códigos referentes a etapa da microanálise, linha por linha. Na segunda etapa, da codificação aberta, foram identificados os conceitos. Na terceira etapa, de codificação seletiva desenvolveu-se as categorias e na quarta etapa, realizou-se a codificação axial para formação da categoria central. Importante destacar que as ferramentas disponíveis no NVIVO relacionam cada entrevista aos códigos elaborados pela pesquisadora e que cada etapa foi validada por outro pesquisador da equipe.
Para a identificação dos estudantes foi realizada da seguinte forma: as três letras correspondem às iniciais do curso seguido do número que representa a ordem de realização da entrevista.
Cabe ressaltar que, esta pesquisa está inserida em um projeto maior intitulado “A violência contra idoso: uma análise a partir do uso de instrumentos de rastreio na Atenção Primária à Saúde e intervenção com universitários" e obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob parecer n. 5.144.186, para o seu desenvolvimento.
4. Resultados e Discussão
Foram entrevistados oito estudantes, sendo sete do sexo feminino e um do sexo masculino, sendo quatro do curso de medicina e quatro do curso de enfermagem.
A presente pesquisa destaca nove categorias. Para cada categoria foi construído um mapa no NVIVO, no qual é apresentada a sua relação com os participantes, conforme segue:
Na Categoria 1, emergiu a percepção de que a violência contra a pessoa idosa existe e é prevalente, de que a pessoa idosa é esquecida e negligenciada especialmente no contexto familiar, porém ela também ocorre nas instituições e nos serviços de saúde, sendo assim, há falta de respeito da sociedade por essa população, que acabam deixando a mesma de lado, podendo se depreender a partir disso que suas necessidades não são atendidas.
ENF2.
“então, é uma população muito muito negligenciada e a violência contra o idoso acredito, pelo menos o que eu escuto, aparentemente é muito é...acaba acontecendo muito também dentro do âmbito familiar né, assim, é... acontece entre parentes né, situações de violência, acho que além da violência que o idoso sofre institucionalmente né, às vezes no serviço de saúde[...]”
MED1.
“Ah[…] na sociedade como um todo eu vejo mais desde como um esquecimento do idoso né, um isolamento de…” [...]“Eu acho que é mais uma cultura de deixar o idoso meio de lado, sabe? [...]
Os dados acima corroboram com o artigo de Alves, Faria e Meirelles Júnior (2016) que abordam a violência contra a pessoa idosa como uma realidade velada, pois está presente na sociedade mundial e brasileira, mas sem ainda uma discussão ampla para seu combate e prevenção.
Na pesquisa de Leite, Hildebrandt, Massariol et al., (2016) os universitários entrevistados também compreendiam que a pessoa idosa é discriminada na sociedade, contudo traziam a percepção que essa tendência pode diminuir com mais conhecimentos acerca do processo de envelhecimento.
Cunningham, Cunningham e Foote (2020) estimam em 11,4% a prevalência de maus tratos nos Estados Unidos, contudo, apenas 40% dos casos devidamente notificados, sendo necessário que todas as profissões de saúde sejam capazes de reconhecer e denunciar o abuso de idosos.
Os participantes relataram que a aproximação que têm com a temática vêm principalmente da mídia, das reportagens, que denunciam as situações de violência contra a pessoa idosa. Além disso, já vivenciaram situação de violência na própria família e apontam para a estratégia de filmagem utilizada pela família para revelar a situação.
MED3.
“É, eu tenho uma avó acamada há oito anos, ela tem 80 anos e nesse período já passaram várias cuidadoras... A gente descobriu que uma cuidadora tava... violentando a minha avó, né? Ela aparecia no final do dia com marca roxa é... no corpo e é... minha tia, né? Que mora com a minha avó instalou câmera e viu, né? Que na hora do banho ela era é... mais agressiva assim né? Fazia movimentos muito bruscos e a minha avó tem pouca mobilidade né?”
ENF4.
“Sobre violência contra o idoso? É... já ouvi casos, assim... grande parte na mídia, que é bastante prevalente essa questão de violência contra idosos.”
Na análise de duas reportagens jornalísticas sobre os sentidos da violência contra as pessoas idosas destaca-se que a mídia auxilia na compreensão do envelhecimento humano, no que tange a sensibilização social para a temática e o reconhecimento dos direitos da pessoa idosa, mas que estes trabalhos ainda apresentam marcas de estereótipos da sociedade sobre a velhice, como a que naturaliza a relação entre velhice e fragilidade (Agra do Ó, Souza, Costa et al., 2010).Quanto a filmagem, embora relevante para comprovar a situação de violência contra a pessoa idosa, é importante estar atenta à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Destacando-se que a pessoa que está sendo filmada precisa estar ciente da ação e sua intimidade precisa ser preservada (Brasil, 2018).
Evidencia-se, na categoria 3 que os participantes identificam diversos tipos de violência que ocorre contra a população idosa, tais como a violência física, por meio de agressões ou maus tratos, a violência psicológica, a negligência, o abandono, a violência financeira e a violência sexual. Discorrem sobre os locais onde ocorrem essas violências, tais como: casa, espaços públicos e instituições de longa permanência. Lembram que muitas vezes o agressor é um familiar ou cuidador. Uma situação de falta de cuidados adequados por parte do profissional de saúde, no caso de um médico, também é um tipo de violência para ele.
ENF1.
“Imagino que essa violência pode ser tanto física, quanto verbal né? Psicológica, emocional, nesse sentido, e que ela traga algum agravo para o idoso, então ela pode acontecer de todos os âmbitos, em todos os lugares né? Dentro da casa ou até mesmo nas ruas, em meios públicos.”
MED4.
“É... da minha experiência pessoal foi minha avó né. Ela tem um pouco de perda de audição, ela não ouve muito bem, ela tem um quadro de diabetes que não era muito bem controlado e assim, [...] consultas os médicos, assim, eles não se importam se ela escutou, se ela entendeu o que o médico tava falando, a conduta, tratamento... não olha muito bem na cara dela, sabe? Não leva em consideração as limitações dela [...] ela sai das consultas...é insuficiente as consultas assim para ajudar ela, sabe? Então eu acho que isso é uma violência grave pra mim, assim.”
Cunningham, Cunningham e Foote (2020) destacam que é preciso conscientização dos profissionais de saúde para que busquem reconhecer sinais e sintomas de abuso, bem como ensiná-los para identificar as características definidoras.
Em revisão sistemática da literatura, realizada por Ranabhat, Nikitara e Latzourakis et al., (2022) evidenciou-se o quão fundamental são os processos de treinamento e educação sobre a violência contra a pessoa idosa para enfermeiros, destacando que esses processos auxiliam no aumentoda identificação dos casos, notificações e no conhecimento.
A inserção da temática do abuso de idoso nos currículos de medicina, na disciplina de geriatria, também tem sido proposta, visto que o profissional médico precisa ter conhecimento acerca das implicações legais e éticas relacionadas à confidencialidade e também na necessidade de tomadas de decisão compartilhadas com outros profissionais, de modo especial, com o Serviço Social (Masud, Ogliari e Lunt et al.,2022).
Na Categoria 4, destaca-se um importante reconhecimento dos participantes acerca das necessidades de saúde da população idosa, por meio da identificação de aspectos que auxiliam na busca da integralidade do cuidado em saúde, tais como a valorização da escuta qualificada, da formação de vínculo entre usuário e profissional da saúde, no incentivo ao aumento dos graus de autonomia, na preocupação com o acesso oportuno aos serviços de saúde e com as condições de vida de cada pessoa idosa.
ENF2.
“Criar um vínculo dessa população com a unidade de saúde, por exemplo, porque a partir do vínculo se consegue muita coisa. Então, eu acho que além de financiamento, eu acho que um preparo também das equipes de saúde pra lidar com, com a população, com os indicadores que são específicos dessa população e ações de cuidado mesmo com a população específica,[...] É... [...]eu acho que, minimamente, essa escuta mais qualificada para as queixas que são dos idosos.”
MED3.
“As pessoas querem muito é preservar o idoso, querem ajudar bastante, só que acaba coibindo um pouco a autonomia que a pessoa tem, mesmo em pequenas coisas.”
Os resultados corroboram com o estudo de Nonato, Kobashikawa e Pio et al., (2020), no qual evidenciou-se que a perspectiva do estudante de Medicina e de Enfermagem sobre as necessidades de saúde apresentam como elementos essenciais o vínculo e a integralidade do cuidado e que estes aspectos são dependentes da articulação teórico-prática e dos cenários de ensino-aprendizagem.
Na Categoria 5, os participantes identificam o processo de envelhecimento da população como um processo natural, que deve ser considerado ao longo da vida, no qual as ações preventivas devem ser pensadas para um envelhecimento mais ativo e saudável. Além disso, outro aspecto abordado é que culturalmente, a pessoa idosa deveria ser mais valorizada e respeitada, assim como nas sociedades orientais.
ENF4.
“Então, eu acho importante a gente assegurar a saúde dessa pessoa, o respeito, empatia, não só enquanto profissional,né? mas quanto ser humano também, porque um dia todos nós iremos envelhecer, de qualquer forma. E esses idosos um dia também já foram crianças, jovens, adultos e querem envelhecer de uma forma saudável e de uma forma digna também na nossa sociedade.”
MED4.
“Eu acho que o idoso ele é muito importante, assim como...teria que ser cultural, assim como nas sociedades orientais em que você valoriza a figura do idoso...é... valorizam a experiência dele e tudo o que ele viveu, tudo o que ele pode trazer[...]”
A pesquisa de Leite, Hildebrandt, Massariol et al. (2016) sobre as concepções de universitários sobre o envelhecimento também demonstrou que os participantes entendem o envelhecimento como uma fase na qual os jovens poderiam aprender mais com a sabedoria e conhecimento das pessoas idosas.
Na Categoria 6, os participantes propõem ações que podem ser promovidas para diminuir a violência contra a pessoa idosa: a efetivação das políticas públicas na prática, ampliação das campanhas de conscientização, intensificação do tema na formação dos profissionais da saúde, melhoria da rede de apoio da pessoa idosa; maior ação do governo municipal, mais fiscalização nas instituições de longa permanência, mais denúncias e mais ações educativas nas escolas e faculdades.
MED2.
“Ai eu acho que não só campanhas de conscientização, né? Porque assim eu vejo muito que “há dia do idoso” aí faz uma semana de campanha e pronto, todo mundo esquece do assunto, então eu acho que nos cursos de atenção à saúde é... enf., méd., fisioterapia, nutrição é... agentes, técnicos de enfermagem, todos ter essa formação muito bem intensa sobre, muito bem formado sobre [...]violência contra o idoso”
ENF4.
“Eu acho que divulgando, tentando inserir isso na educação, principalmente em escolas [...] mas acho importante ter esse ensino de educação com os mais velhos, levar esse tema para as escolas, para as faculdades também de ensino superior”
Na investigação de Santos et al., (2022) sobre os fatores de risco para a violência contra a pessoa idosa, assim como no presente estudo, constatou-se que o apoio social, a independência financeira e a busca por um envelhecimento ativo são aspectos que auxiliam na prevenção da violência contra a pessoa idosa.
Lopes e D´Elboux (2021), em uma análise temporal da violência contra a pessoa idosa no município de Campinas - SP, em consonância com os resultados desta pesquisa, sugerem o fortalecimento: das ações preventivas, de modo especial, às que se aproximam das famílias, nos serviços de Atenção Primária à Saúde, das políticas públicas e das redes de proteção às vítimas.
Na Categoria 7, os participantes refletem sobre como agiriam frente uma situação de violência contra a pessoa idosa, enfocando nos seguintes aspectos: a importância da investigação de cada situação, o diálogo, a proteção da pessoa idosa, a paralisação, a notificação, a denúncia, a busca pela polícia para intervir.
MED2.
“Ah, [...], eu acho que a primeira coisa seria levar o idoso para um ambiente seguro para ele, sabe? Tipo que ele seja bem cuidado, bem amparado, que ele consiga fazer suas necessidades diárias, comer, dormir, ser bem cuidado mesmo, sabe? E aí depois disso eu acho.... eu acredito que depois dele estar em um ambiente saudável para ele é... a penalizar a pessoa responsável por essa violência sabe? [...] Punir e além disso ensinar o restante da população e os malefícios da violência contra o idoso.”
ENF3.
“Eu realmente não sei. Eu acho que a gente tende a ficar mais quieto, dependendo do grau de violência e do que relatar. Eu acho assim, a gente realmente deveria relatar, né? mas não é algo que acontece. Então eu acho que dependendo, eu não ia fazer nada.”[...] “Talvez. Assim, eu estou falando como pessoa e não como profissional da saúde... eu como enfermeira, no posto ou no hospital, vê alguma suspeita de violência, né? porque aí a gente tem que notificar. Mas, eu estou falando assim como estudante, presenciar fora da minha área de serviço.”
Os aspectos mencionados acima sobre como agir frente a uma situação de violência contra a pessoa idosa, corroboram com as contribuições de Rocha, Côrtes, Dias et al.,(2018). Estes, ressaltam a importância das notificações compulsórias pelos profissionais de saúde, tanto de serviços públicos como privados, ao Serviço de Vigilância Epidemiológica.
Na Categoria 8, os participantes verbalizam que a oportunidade da entrevista, possibilitou a ampliação do olhar sobre a problemática, que provavelmente estará presente durante a prática profissional.
MED1.
“Ah de modo geral eu confesso que quando você me falou do tema da violência contra o idoso na área da saúde eu fiquei pensando no que seria .”
ENF2.
“Eu acho que muito importante porque eu acho que ao longo de toda a minha vivência profissional eu vou me deparar o tempo todo com pessoas idosas[...]
Thompson-McCormick; Jones; Cooper, et al.,(2009) analisaram o reconhecimento da violência contra a pessoa idosa por estudantes de medicina do quarto ano de duas universidades do Reino Unido, e verificaram que muitos foram incapazes de detectar abuso e negligência nas vinhetas utilizadas na pesquisa, o que reforça a importância da ampliação do olhar do universitário para essa problemática.
Na Categoria 9, os estudantes referem que consideram bem viável e importante a inclusão da temática da violência contra a pessoa idosa dentro da grade curricular da instituição na qual estão inseridos no ensino universitário.
MED3.
“Ai eu acho que ficou faltando é... eu acho assim muito, muito superficial a forma como foi dada né?”
ENF4.
“Ah, eu acho que... que acaba sendo uma falta de conhecimento, né? porque pensando em nós assim, como futuros profissionais de saúde, em algumas situações a gente vai lidar com alguma ocorrência de maus tratos contra um idoso. E saber identificar isso, né? como que é o vínculo familiar daquela pessoa... Talvez se ela tá num estado de tristeza ali ou até mesmo com alguma lesão corporal e como abordar, eu acho que isso faz diferença, né? ter um contato mais próximo sobre a violência.”
No estudo de Thompson-McCormick, Jones, Cooper, et al., (2009) também evidenciou- se que a resolução de problemas em situações de cuidado é uma modalidade mais eficaz para ensinar os alunos a detectar o abuso. Eles descobriram que os estudantes que frequentavam a universidade onde havia palestras sobre abuso de idosos no currículo formal, não eram mais propensos a se recordar de terem sido ensinados sobre a temática. Verificou-se que, para muitos estudantes, apenas ensinar, era muito pouco. Esse resultado reforça as considerações realizadas pelos estudantes deste estudo, bem como da potencialidade das metodologias ativas de ensino e aprendizagem.
Şentürk, et al., (2021) investigaram o conhecimento de estudantes de Enfermagem de sete universidades da Turquia, sobre negligência e abuso de idosos, e os dados ratificam os resultados da presente pesquisa., que os estudantes identificam os riscos e vulnerabilidades desta população, contudo a formação profissional ainda é insuficiente para uma detecção e manejo adequados de situações de violência contra a pessoa idosa.
Estudo realizado na Coréia do Sul, com 324 estudantes de graduação em enfermagem, corroboram com os achados da presente investigação, na qual evidenciou-se a importância de inserção de temas educativos sobre o abuso de idosos durante a formação dos profissionais de saúde, tais como, a compreensão das leis sobre maus-tratos a idosos, as formas de denúncia, direitos humanos dos idosos e tipos e casos de maus-tratos a idosos (Ha & Park, 2021).
Na China, em 2009, foi realizada uma investigação com 245 estudantes de enfermagem para verificar a percepção e a compreensão deles sobre os maus tratos em relação à pessoa idosa. Destes, 55% (136) perceberam que não estavam bem treinados para identificar ou lidar com o abuso de idosos, ou seja, constatou-se que a maioria dos estudantes não se encontravam adequadamente preparados para cumprir essa responsabilidade profissional. Os resultados também propuseram que é necessário que o currículo de enfermagem tenha um conteúdo mais abrangente sobre abuso de idosos, para preparar melhor os futuros enfermeiros, aumentando sua compreensão básica do abuso de idosos (Lo; Lai &Tsui, 2010).
Após a análise minuciosa de cada Categoria da experiência chegou-se no modelo teórico, tendo como categoria central: a pouca visibilidade da violência contra a pessoa idosa na formação de profissionais da Enfermagem e Medicina.
5. Conclusão
Os estudantes que participaram dessa investigação auxiliaram na compreensão e na elucidação de lacunas do conhecimento referente a temática, bem como, na proposição de conteúdos e discussões no que podem ser inseridos na matriz curricular e, consequentemente contribuir para uma formação profissional e pessoal que valorize o papel da pessoa idosa na sociedade.
A Categoria Central apresentada no modelo teórico evidencia a pouca visibilidade da pessoa idosa na sociedade, demonstrando quão imprescindíveis são ações e intervenções educativas para o reconhecimento desse grande problema de saúde pública e posteriormente buscas de soluções para a sua diminuição.
Contudo, verificou-se nas categorias que, dentro de uma Instituição de Ensino Superior na qual o seu Projeto Político Pedagógico articula a teoria com a prática, por meio de metodologias ativas de ensino e aprendizagem essa visibilidade necessária da violência contra a pessoa idosa é um passo possível e viável em um prazo de tempo muito rápido.
A investigação qualitativa por meio da Teoria Fundamentada nos Dados, de fenômenos complexos e sensíveis, tais como a violência, demonstrou a potencialidade dessa estratégia metodológica no alcance do objetivo da pesquisa. Além disso, a utilização do software NVIVO possibilitou uma codificação e sistematização das categorias de modo bastante didático, claro e reprodutível.