Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
ISSN 2182-5173
CLUBE DE LEITURA
Impacto da adesão terapêutica nos custos dos cuidados de saúde
Impact of therapeutic compliance on health care costs
Diana Ferreira
Interna de Medicina Geral e Familiar, UCSP da Mealhada, ACES Baixo Mondego
Iuga AO, McGuire MJ. Adherence and health care costs. Risk Manag Healthc Policy. 2014;7:35-44.
Introdução
Em 2010, os custos associados aos cuidados de saúde nos EUA ultrapassaram 2.700 biliões de dólares, tendo sido responsáveis por 17,9% do produto interno bruto (PIB). Estima-se que, em 2020, esse valor atinja 20% do PIB. Cerca de 20 a 30% dos gastos em saúde nos EUA foram considerados desperdício, pelo que os administradores das várias unidades de saúde têm sido incentivados a reduzir custos, reduzindo o desperdício e melhorando a eficácia da assistência prestada. A não adesão à terapêutica medicamentosa está associada a piores resultados, maior progressão da doença e aumento dos custos na prestação de cuidados de saúde.
Definição e medição de adesão à medicação
Considera-se que um doente adere à terapêutica quando toma os fármacos prescritos pelo profissional de saúde, nas doses e horários indicados pelo mesmo e acordados previamente. A adesão pode ser medida de forma direta ou indireta. As duas principais medidas indiretas de adesão são a taxa de posse de medicamentos (medication possession ratio – MPR) e a proporção de dias cobertos (proportion of days covered – PDC). Ambas as medidas dependem diretamente dos registos de pedidos nas farmácias, pelo que não têm em consideração o uso de amostras gratuitas e são insensíveis às mudanças de terapêutica. As medidas diretas incluem a observação direta da toma de medicação na própria unidade de saúde e a pesquisa do fármaco através de amostras de sangue e/ou urina.
Otimizando os gastos e os resultados
A não adesão medicamentosa varia consoante a doença, características do doente e cobertura de seguro, com taxas de 25 a 50%. As consequências adversas da maioria das doenças crónicas surgem apenas ao final de alguns anos, pelo que se pensa que a despesa adicional para aumentar a adesão à medicação pode não ser economicamente atraente para os contribuintes. Em contraste, aumentar a adesão em doenças ligeiras poderá não significar uma diminuição de custos. Se o custo da medicação é relativamente alto, enquanto a taxa de referência de hospitalizações e deslocações aos serviços de emergência é baixa, os custos totais de saúde podem aumentar com o aumento da adesão.
Adesão à medicação e custos de cuidados de saúde
A baixa adesão medicamentosa origina piores resultados, aumento da utilização de cuidados de saúde com consequente aumento de custos associados e de co-pagamentos para o doente. Assim, existe alguma pressão financeira através da imposição de co-pagamentos mais elevados. Para além dos fatores diretamente relacionados com a não adesão medicamentosa existem outros bastante importantes, como a redução da produtividade, absentismo e aumento da incapacidade dos empregadores/sociedade. Estima-se que os custos da diminuição da produtividade relacionada com a saúde são 2 a 3 vezes superiores aos custos diretos de cuidados de saúde, sendo os benefícios resultantes da maior adesão ainda maiores quando observados sob uma perspetiva social.
Durante a última década, o impacto de adesão foi avaliado em associação com numerosas doenças crónicas. Aproximadamente 50% dos pacientes com doenças cardiovasculares apresentam baixa adesão medicamentosa; no entanto, ainda pouco se sabe sobre a associação entre a adesão à medicação e os custos de cuidados de saúde associados em doentes com patologia cardiovascular. Relativamente à Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), Depressão e Diabetes, vários estudos foram realizados e observou-se que a baixa adesão à terapêutica está associada a maiores custos totais em saúde. Contrariamente a estas patologias, no caso específico da Asma constatou-se que a melhor adesão à terapêutica em doentes com asma leve está associada a maiores custos totais de saúde, sendo de referir que nos casos mais graves esta tendência se inverte. Quanto ao VIH/SIDA, estudos demonstraram que a maior adesão à medicação antirretroviral foi associada à menor utilização de cuidados de saúde; no entanto, devido aos custos elevados da medicação aumentaram também os custos médicos totais.
Determinantes da adesão do doente
A fim de melhorar a adesão à medicação é fundamental os clínicos entenderem o que motiva os doentes a abandonarem a medicação. Os determinantes da adesão à medicação podem estar diretamente relacionados com o doente (demográficos, socioculturais, comportamentais), com o prestador de cuidados de saúde (relação médico-doente, comunicação e concordância cultural) ou com fatores externos (doença, medicação e sistema de saúde). Estudos revelaram que a razão apontada como mais frequente para a não adesão à medicação é o esquecimento, seguida das reações adversas, custos e da perceção de que a medicação teria pouca eficácia sobre a sua patologia. Uma relação médico-doente eficaz aumenta o envolvimento do doente na tomada de decisão e, consequentemente, aumenta a adesão.
Estratégias que visam aumentar a adesão do doente
As estratégias que podem ser utilizadas para aumentar a adesão à medicação prescrita baseiam-se fundamentalmente na abordagem dos fatores determinantes da adesão mencionados anteriormente. Existe uma relação linear entre a magnitude da partilha de custos do doente e o nível de adesão, sendo que essa relação mantém-se baixa em doentes com rendimentos mais altos, resultando em reduções globais dos cuidados de saúde menos claras.
Caminho a percorrer
É necessário trabalho adicional para elucidar acerca dos custos e impacto dos esforços para melhorar a adesão dos doentes, dado que muitos estudos nesta área são observacionais retrospetivos, sendo complicado verificar a causalidade entre as mudanças na adesão à medicação e os efeitos correspondentes sobre os custos dos cuidados de saúde. A prescrição eletrónica constitui outra intervenção importante, sendo cada vez mais utilizada na prática clínica.
Conclusão
A não adesão à medicação fornece um contributo importante para os gastos de saúde evitáveis nos EUA. Apesar de o impacto da adesão na evolução da doença ser mais pronunciado em algumas doenças do que noutras, todas as partes interessadas concordam que o aumento da adesão irá melhorar os resultados em saúde e economizar biliões de dólares. Em última análise, a colaboração entre os doentes, contribuintes, políticos e prestadores de serviços e a reestruturação de sistemas de trabalho em equipa, utilizando medicamentos de custo inferior e mantendo o alvo nas doenças associadas a maiores custos de saúde, será fulcral para conseguir melhor adesão e, consequentemente, otimizar gastos.
COMENTÁRIO
A falta de adesão ocorre quando o comportamento do paciente não está de acordo com as recomendações do médico, não se referindo esta definição apenas a desvios na aplicação do regime terapêutico tal como foi prescrito, mas também ao facto de não seguir as indicações relativas a alterações nos hábitos de saúde e estilos de vida no sentido de adotar práticas saudáveis, bem como não comparecer a consultas médicas previamente marcadas ou não realizar exames complementares de diagnóstico.1
Segundo a Organização Mundial de Saúde, 50% da população residente nos países desenvolvidos não cumpre a prescrição médica até ao fim. Destes, 6 a 20% dos doentes não chegam sequer a levantar o receituário e 30 a 50% não respeitam o esquema de tratamento.2
Em relação a Portugal, um recente estudo1 demonstrou que o comportamento da população portuguesa perante a adesão à terapêutica atinge também níveis muito preocupantes, sendo que cerca de 50% dos portugueses refere o esquecimento como a principal causa de abandono de uma medicação. A falta de adesão terapêutica origina não só pesados prejuízos para a saúde e qualidade de vida do doente como também provoca o desperdício dos escassos recursos dos sistemas de saúde. As principais fontes de desperdício na saúde dizem respeito ao abandono da terapêutica e ao consumo incorreto de medicação.1 Este desinteresse por parte dos doentes tem como consequência o agravamento do seu quadro clínico e o aumento dos custos associados ao seu tratamento pela utilização de novos medicamentos mais dispendiosos, mais exames complementares, consultas e hospitalizações. Os custos diretos da falta de controlo da terapêutica de uma doença são três a quatro vezes superiores aos de um bom controlo. Os custos indiretos, como a diminuição da produtividade, reforma antecipada e morte, apresentam uma dimensão idêntica.3
Concluindo, e mantendo o enfoque quer no artigo alvo de discussão quer na literatura existente, existem alguns pontos a considerar:
• A adesão ao tratamento é o elo fundamental entre processo e resultados nos cuidados de saúde.4
• A fraca adesão persiste porque as intervenções relacionadas com a promoção da adesão não estão implementadas na prática de forma consistente. Clínicos referem falta de tempo, de conhecimento, de incentivos e de feedback enquanto barreiras ao desempenho; portanto, não se trata apenas de um problema atribuível ao doente.2
• O investimento em programas com vista a aumentar a adesão ao tratamento permitirá, a longo prazo, atenuar o crescimento dos custos em saúde e, consequentemente, melhorar os seus indicadores, contribuindo para uma melhor qualidade de vida e ganhos em saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Cabral MV, Silva PA. A adesão à terapêutica em Portugal: atitudes e comportamentos da população portuguesa perante as prescrições médicas. Lisboa: APIFARMA; 2010. [ Links ]
2. World Health Organization. Adherence to long-term therapies: evidence for action. Geneva: WHO; 2003. [ Links ] ISBN 9241545992
3. Bugalho A, Carneiro AV. Intervenções para aumentar a adesão terapêutica em patologias crónicas. Lisboa: Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência – Faculdade de Medicina de Lisboa; 2004. [ Links ]
4. Vermeire E, Hearnshaw H, Van Royen P, Denekens J. Patient adherence to treatment: three decades of research – A comprehensive review. J Clin Pharm Ther. 2001;26(5):331-42. [ Links ]
Conflitos de interesse
A autora declara não ter conflito de interesses.
Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.