Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
ISSN 2182-5173
CLUBE DE LEITURA
Aleitamento materno e progressão para diabetes mellitus tipo 2 após diabetes gestacional
Lactation and progression to type 2 diabetes mellitus after gestational diabetes mellitus
Rosário Mendonça e Moura*, Ana Correia de Oliveira*
*Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF São João do Porto
Gunderson EP, Hurston SR, Ning X, Lo JC, Crites Y, Walton D, et al. Lactation and progression to type 2 diabetes mellitus after gestational diabetes mellitus: a prospective cohort study. Ann Intern Med. 2015;163(12):889-98.
Introdução
A diabetes gestacional (DG) é um distúrbio da tolerância à glicose que afeta 5-9% das gravidezes nos Estados Unidos, aumentando sete vezes o risco de evolução para diabetes mellitus (DM) tipo 2.
O aleitamento materno é um comportamento modificável que melhora o metabolismo lipídico e da glicose, aumentando a sensibilidade à insulina e tendo múltiplos efeitos metabólicos benéficos que se mantêm mesmo após o desmame.
Apesar destes benefícios, a evidência que o aleitamento materno previne a DM tipo 2 mantém-se inconclusiva, particularmente na DG.
Métodos
Foi realizado um estudo de coorte, entre agosto de 2008 e dezembro de 2011 no norte da Califórnia. O estudo Study of women, infant feeding and type 2 diabetes after GDM pregnancy (SWIFT) foi diversificado racial e etnicamente.
Estabeleceram-se como critérios de elegibilidade o diagnóstico de DG, número de semanas de gestação na altura do parto igual ou superior a 35, idade materna entre os 20 e os 45 anos, sem história prévia de diabetes e ausência de doenças graves. Os investigadores classificaram a intensidade do aleitamento materno no início e a sua duração no follow-up de 1.035 mulheres com DG. A intensidade do aleitamento foi classificada como aleitamento materno exclusivo (só leite materno, sem fórmula, comida ou outros líquidos), maioritariamente aleitamento materno (inferior a 177ml de fórmula/24h), maioritariamente fórmula (superior a 500ml de fórmula/24h), misto (entre 177ml a 500ml de fórmula), padrão de amamentação inconsistente ou fórmula exclusiva desde nascimento (sem amamentação materna ou inferior a três semanas). Estas fizeram a prova tolerância oral à glicose no início do estudo e anualmente, durante dois anos. Foram ainda recolhidos dados antropométricos (peso, altura, perímetro abdominal) e feitos questionários validados sobre dieta, depressão, atividade física. Foram recolhidos dados sociodemográficos, médicos e reprodutivos e perinatais.
Resultados
A intensidade do aleitamento materno das seis às nove semanas no período pós-parto foi inversamente proporcional ao índice de massa corporal na gravidez e às admissões nas unidades de cuidados intensivos neonatais, mas não ao tratamento da DG, ganho ponderal durante a gravidez, gravidade da intolerância à glicose pré-natal ou história de síndroma de ovário poliquístico. A intensidade do aleitamento materno entre as seis e as nove semanas pós-parto esteve diretamente associada com a duração do aleitamento materno.
A maior intensidade do aleitamento materno foi associada a menores taxas de incidência de DM. A maior duração do aleitamento materno (>2 a 5 meses, 5-10 meses e >10 meses comparado com 0 a 2 meses) foi também associada, independentemente, com menores taxas de incidência de DM.
Discussão
Este estudo prospetivo avaliou tanto a duração como a intensidade do aleitamento materno e a avaliação anual de DM tipo 2 após DG, providenciando evidência robusta do papel do aleitamento materno na prevenção da DM em mulheres jovens.
Das 1.010 mulheres elegíveis, a mediana do follow-up foram 1,8 anos, tendo este sido considerado pelos autores como a maior limitação do estudo. Foi observada uma redução de 36% para 57% na incidência de DM tipo 2 em dois anos com a maior intensidade e duração do aleitamento materno, independentemente da obesidade, tolerância à glicose gestacional e outcomes perinatais que alteram a lactogénese.
A alteração do peso materno pós-parto apenas mediou ligeiramente a associação aleitamento-DM. Este estudo demonstrou que outros mecanismos para além da perda ponderal estão presentes. Verificou-se também uma associação inversa entre a intensidade do aleitamento e o perfil lipídico, glicídico e resistência à insulina.
Os investigadores demonstraram que a intensidade e duração do aleitamento materno foram protetores na incidência de DM independentemente dos fatores de risco (características sociodemográficas, status metabólico pré-natal, outcomes perinatais e estilo de vida), não sendo explicados pela perda ponderal pós-parto.
COMENTÁRIO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo durante os primeiros seis meses de vida, mantendo-se juntamente com a diversificação alimentar até aos dois anos.1 Já a American Academy of Pediatrics recomenda, nesse sentido, o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses; dos seis meses até um ano de idade deve-se manter o aleitamento materno, introduzindo sólidos e, a partir dessa idade, a continuação do mesmo se desejável para a mãe e para o bebé.2 As vantagens da mãe amamentar são inúmeras: proteção contra os cancros da mama e do ovário e contra a osteoporose, regressão do tamanho do útero, perda de peso, entre outras.3 Espera-se aumentar em, pelo menos, 50% a taxa de aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida até 2025.4
A DG define-se como uma intolerância aos hidratos de carbono, de grau variável, que é diagnosticada ou reconhecida pela primeira vez na gravidez.5 As mulheres com DG constituem um grupo de risco aumentado para o desenvolvimento de diabetes, nomeadamente DM tipo 2.5 A prevalência da DG em Portugal, no ano de 2014, foi de 6,7%, alertando para os riscos e implicações nestas mulheres.6 De acordo com os investigadores, as mulheres com DG têm sete vezes maior probabilidade de vir a desenvolver diabetes tipo 2.
Até à data, poucos foram os estudos que relacionaram o aleitamento materno e a evolução para DM tipo 2 nas mulheres com DG e os seus resultados têm sido inconclusivos. Sabe-se que o aleitamento materno pode ser dificultado em mulheres com DG, pois tanto a diabetes como a obesidade podem atrasar a lactogénese.7 No entanto, a produção de leite materno altera o metabolismo e aumenta o gasto energético em 15-25%, diminuindo a concentração de glicose no sangue e aumentando a lipólise.7
Neste estudo, os investigadores concluíram que quanto maior a intensidade do aleitamento materno maior a redução da incidência de diabetes nas mulheres ao fim de dois anos. Também quanto maior a duração do aleitamento materno, maior o declínio da incidência de diabetes nas mulheres.
Assim, tanto a intensidade como a duração do aleitamento materno estão associadas, independentemente, à diminuição da incidência de DM tipo 2 ao fim de dois anos após DG.
Segundo os autores, o seguimento deste estudo foi de apenas dois anos, sendo a maior das suas limitações. A perda ponderal pós-parto não teve um efeito significativo na associação da lactação com a DM.
Esta evidência recente mostra também a importância do aleitamento materno em mulheres com DG, apesar de este ser inerentemente mais difícil nestas mulheres. Mais estudos devem ser feitos principalmente com follow-up de maior duração de forma a determinar a duração do benefício nas mulheres.
Em suma, é necessário que os profissionais de saúde façam todos os esforços educando para a saúde e incentivando a amamentação como parte da prevenção da diabetes. Os benefícios para o bebé são amplamente divulgados, mas são também inúmeros os benefícios para a mãe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. World Health Organization. 10 Facts on breastfeeding (Internet). Geneva: WHO; 2015 (cited 2016 Jan 27). Available from: http://www.who.int/features/factfiles/breastfeeding/facts/en/ [ Links ]
2. National Institute of Child Health and Human Development. What are the recommendations for breastfeeding? (Internet)). National Institutes of Health; 2013 Dec 19 (cited 2016 Jan 27). Available from: https://www.nichd.nih.gov/health/topics/breastfeeding/conditioninfo/Pages/recommendations.aspx [ Links ]
3. Leite materno.org. Porquê amamentar? (Internet). Leite materno.org; 2005 (updated 2011 Nov 13; cited 2016 Jan 27). Available from: http://www.leitematerno.org/porque.htm [ Links ]
4. World Health Organization. Breastfeeding: the goal (Internet). Geneva: WHO (cited 2016 Jan 27). Available from: http://www.who.int/nutrition/global-target-2025/infographic_breastfeeding.pdf?ua=1 [ Links ]
5. Direção-Geral da Saúde. Diagnóstico e conduta da diabetes gestacional: circular normativa nº 007/2011, de 31/01/2011. Lisboa: DGS; 2011. [ Links ]
6. Observatório Nacional da Diabetes. Diabetes: factos e números (Relatório anual do Observatório Nacional da Diabetes). Lisboa: Ministério da Saúde; 2015. [ Links ]
7. Gunderson EP. Breastfeeding after gestational diabetes pregnancy: subsequent obesity and type 2 diabetes in women and their offspring. Diabetes Care. 2007;30 Suppl 2:S161-8. [ Links ]
Conflitos de interesse
As autoras declaram não ter conflito de interesses.
Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.