Introdução
O síndroma de Horner é um evento raro, habitualmente caracterizado por três sinais clássicos: anisocoria com miose, ptose palpebral e anidrose homolateral. Desconhecem-se relações com o sexo, idade ou raça do doente e existem duas formas de apresentação: a forma congénita (a mais rara) e a forma adquirida.1
A tríade de sinais clássicos ocorre devido à perda de inervação simpática na via oculosimpática, composta por uma cadeia de três neurónios com origem no hipotálamo e que apresenta um longo e tortuoso percurso até à inervação do globo ocular. Ao longo deste trajeto desde o tronco cerebral, esta via simpática percorre várias estruturas como a espinal medula, gânglios cervicais simpáticos, ramificações do quinto e sexto pares cranianos bem como a artéria carótida interna. 1-2
A longa via anatómica deste trajeto simpático torna-o vulnerável a vários processos patológicos, sendo os mais comuns a disseção da artéria carótida, tumores como o neuroblastoma ou o tumor de Pancoast, infeções, sequelas de cirurgias e/ou traumatismos de estruturas cervicais. As várias etiologias para este síndroma podem ser divididas de acordo com a localização anatómica da rutura das fibras da via oculosimpática (Tabela 1), podendo assim apresentar uma grande variedade de manifestações clínicas para além da tríade clássica, como a presença de disfagia, vertigem ou ataxia. 1,3-4
A localização exata da lesão é fundamental para o correto diagnóstico e terapêutica adequada. Para isso, é determinante uma história clínica detalhada e um exame físico exaustivo. 2,5
Quando o síndroma de Horner é causado pela disseção da artéria carótida normalmente está associada a cefaleia, dor facial ou cervicalgia, assim como podem estar presentes outros achados neurológicos. 6
Este caso clínico pretende relatar um síndroma de Horner desencadeado após exercício físico no ginásio. Tem como objetivo recordar os sinais de alerta muitas vezes subtis deste síndroma e reforçar a importância da articulação dos cuidados de saúde primários com as especialidades intra-hospitalares, uma vez que se trata de uma patologia potencialmente mortal e para a qual o médico de família deve estar sensibilizado.
Descrição do caso
Homem de 51 anos de idade, caucasiano, inserido numa família nuclear, classe II de Graffar e estadio VI do ciclo de vida de Duvall, apresenta como antecedentes pessoais paralisia facial periférica à esquerda em 2001, sem sequelas, ex-fumador de 0,25 unidade maço-ano e excesso de peso. O doente não apresenta antecedentes cirúrgicos. Como medicação habitual faz apenas omeprazol 20 mg.
Recorreu ao serviço de urgência após noção de encerramento palpebral do olho esquerdo e sensação de dor na hemiface homolateral, após a realização de exercícios de supino no ginásio, sem outra história de trauma. Não apresentava febre, cefaleia, défice de força nos membros ou alterações da sua sensibilidade, alteração da voz, sintomas respiratórios, gastrointestinais ou genito-urinários.
No exame objetivo destacavam-se as alterações no exame neurológico, onde foi possível objetivar pupilas anisocóricas, com miose à esquerda e ptose palpebral homolateral, com movimentos e sensibilidade dos andares superiores e inferiores da face preservados. Apresentava ainda movimentos oculomotores e campimetria preservados, sem diplopia ou nistagmo, protusão da língua na linha média, sem desvios da comissura labial. Não apresentava disfonia ou disartria. Força muscular preservada e simétrica nos quatro membros, grau 5, sem alterações da nomeação, repetição e compreensão. Apesar da algia facial, o doente não apresentava lesões cutâneas.
Tendo em conta o quadro clínico optou-se pela realização de um estudo analítico, assim como angio-tomografia cerebral e dos troncos supra-aórticos, para despiste da etiologia do síndroma de Horner. Foi também estabelecido um contacto com a especialidade de neurologia.
Dos exames complementares de diagnóstico solicitados salienta-se um estudo analítico com hemograma, função renal, ionograma, proteína c-reativa e estudo da coagulação sem alterações. Relativamente ao exame de imagem solicitado, este é relatado como sendo normal, nomeadamente sem alterações de caráter vascular. No entanto, perante a sintomatologia apresentada pelo doente e a forte suspeita de síndroma de Horner, pediu-se uma nova reavaliação das imagens, tendo-se constatado um afilamento da artéria carótida interna esquerda do segmento cervical sugestiva de disseção.
Iniciou-se terapêutica antiagregante e hipolipemiante e o utente ficou internado na unidade de acidente vascular cerebral (AVC) para continuação de cuidados e vigilância neurológica. Permaneceu nesta unidade durante 48 horas, tendo apresentado resolução de sintomas às 24 horas. Teve alta com indicação para gestão dos fatores de risco cardiovasculares.
Comentário
Este caso descreve uma apresentação de síndroma de Horner desencadeado após a prática de exercício físico num ginásio, que resultou na disseção da artéria carótida interna esquerda no seu segmento cervical. Existem vários estudos que relacionam o exercício físico com este evento, nomeadamente a prática de desportos aquáticos (mergulho ou natação), levantamento de pesos, desportos de combate, golfe, futebol, entre outros. 7-9 Neste caso clínico, o síndroma de Horner apresenta-se, assim, como uma consequência da prática de levantamento de pesos, devido à disrupção das fibras nervosas simpáticas em torno da artéria carótida interna.
Deste modo, os antecedentes do doente e o exame objetivo não sugeriram outra etiologia; contudo, história de trauma, infeção por herpes zoster, enxaqueca ou neoplasias são alguns exemplos que também podem estar implicados no desenvolvimento deste síndroma. 1-2,5
Uma vez que se trata de um doente que tem como fatores de risco cardiovascular o excesso de peso e antecedentes tabágicos, estas condições também podem ter contribuído para a disseção da artéria carótida interna e, posteriormente, para o AVC. 10
O papel do médico de família na educação para a saúde dos utentes é fundamental tanto para prevenção da doença, controlando os fatores de risco cardiovasculares modificáveis, como para o cumprimento da terapêutica farmacológica e não farmacológica.
Este caso permite alertar os médicos de família para o síndroma de Horner, nomeadamente para a sua tríade característica: anisocoria com miose, ptose palpebral e anidrose homolateral. Assim, perante a presença destes sinais de alarme, o médico de família deve orientar o doente para o serviço de urgência, dado que este síndroma está associado a outras patologias que podem ser potencialmente graves, ameaçadoras à vida e que são passíveis de tratamento quando diagnosticadas atempadamente.