INTRODUÇÃO
Recentemente, têm sido avaliadas diferentes tecnologias de produção de arroz em condições aeróbicas (e.g., rega por aspersão, alternância de secura/alagamento), de modo a evitar os sistemas tradicionais de produção de arroz, em solos alagados (condições anaeróbicas), que dependem de grandes quantidades de água (Sengupta et al., 2021). Esta pode ser uma estratégia muito importante para a produção de arroz em regiões semi-áridas, como no Mediterrâneo, que terão que lidar com problemas crescentes de escassez de água (Sánchez-Llerena et al., 2016).
Porém, os sistemas anaeróbios ou aeróbicos de gestão da água podem influenciar a concentração de metais e metaloides no arroz em sentidos opostos, com impacto direto na qualidade alimentar. De facto, a rega por aspersão tem sido introduzida com sucesso na produção de arroz, permitindo uma diminuição no uso da água e na concentração de As no grão, porém, com efeitos contrários na disponibilidade e acumulação de Cd (Moreno-Jiménez et al., 2014). Esta é uma temática importante, não apenas pela dependência mundial deste alimento, mas, também, pelos problemas de toxicidade em humanos provocados pelo As (Sengupta et al., 2021). Por esse facto, os regulamentos são muito rigorosos: a concentração máxima permitida de As-inorgânico no arroz é de 0,20 mg kg-1 (matéria fresca), ou 0,10 mg kg-1 em arroz branco polido, quando se destina a produzir alimentos para crianças (Comissão Europeia, 2006; 2015). Na mesma regulamentação, a concentração máxima permitida para Cd é fixada em 0,20 mg kg-1.
Como tal, é importante avaliar outras estratégias que possam ser combinadas para, simultaneamente, evitar a acumulação de As e de metais no arroz. Uma possibilidade é aplicar corretivos orgânicos ao solo. Sengupta et al. (2021) destacaram a importância dessa estratégia, permitindo a imobilização de As. Eles explicaram essa possibilidade através da formação de quelatos organo-As, reduzindo sua absorção pelas plantas. Pelo contrário, outros autores relataram uma maior mobilização de As, especialmente inorgânico, devido à aplicação de aditivos orgânicos nos solos (Hossain et al., 2021). É, por isso, muito importante avaliar o efeito do uso de corretivos orgânicos na cultura do arroz, com diferentes sistemas de rega, não apenas como estratégia para aumentar o sequestro de C orgânico do solo, mas, também, para imobilizar metais e metaloides. Preferencialmente, esses corretivos orgânicos devem permitir a valorização de resíduos, de fontes locais, de modo a aumentar a sustentabilidade económica e ambiental desta prática. A produção de azeite é uma agroindústria relevante em todo o sul do Mediterrâneo, produzindo elevadas quantidades de um resíduo sólido no processo de centrifugação de duas fases que pode ser estabilizado por compostagem com outros agro-resíduos (e.g., resíduos vegetais da limpeza do olival).
Neste contexto, o objetivo do estudo foi: avaliar os efeitos diretos e residuais da aplicação de composto de resíduos de produção de azeite na acumulação de As e Cd no arroz, produzido em diferentes regimes de rega e práticas agrícolas, num ensaio de campo de 3 anos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Uma experiência de campo foi instalada em “Las Vegas Bajas de Guadiana”, na região semiárida da Extremadura, Espanha (38°55'58,14'' N; 6°57'13,42'' W), num Antrossolo Hidrágrico (FAO, 2006), argiloso (20,8% argila, 28,9% limo e 50,3% areia), com reação ácida (pH=4,42±0,07), e teor médio de matéria orgânica (MO: 21,6±0,5 g kg-1) (Fernández-Rodríguez, 2020). Foram avaliados seis tratamentos diferentes, três sem composto (1-sementeira direta e rega por aspersão (DA); 2-sementeira tradicional e rega por aspersão (TA); e 3-sementeira tradicional e rega por inundação (TI)), e os mesmos três tratamentos, mas com uma aplicação inicial de composto (C, 80 t ha-1, abril de 2015, espalhado manualmente e incorporado a uma profundidade de 15-20 cm usando uma grade de discos). As parcelas foram estabelecidas em triplicado, 18 m x 10 m por parcela. Na rega por inundação, a água tinha uma entrada contínua, mantendo um nível de água de 10 cm acima do solo. A rega por aspersão utilizou entre 57 a 67% da água utilizada na rega por inundação durante os 3 anos do estudo. A variedade de arroz e densidade de sementeira (Oryza sativa L. var. Gladio, 180 kg ha-1), bem como outras práticas agrícolas, foram semelhantes entre os tratamentos, e repetidas durante os 3 anos do ensaio. Os efeitos das diferentes práticas agrícolas, e da aplicação de composto, na acumulação de As e Cd no solo e no arroz, foram avaliados em três anos agrícolas sucessivos (Alvarenga et al., 2022). Os fatores de bioacumulação (FB) foram calculados como a razão entre a concentração do elemento no arroz e a concentração total do mesmo elemento no solo. Sempre que as concentrações resultaram abaixo do limite de quantificação para esse elemento, no cálculo do FB foi assumida uma concentração igual ao limite de quantificação da técnica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As concentrações totais de As no solo durante os 3 anos do estudo variaram entre 0,94 e 2,92 mg kg-1 (Quadro 1). Estes valores de concentração podem ser considerados baixos, quando comparados com o teor médio para As-total, considerando diferentes tipos de solos, que é de 6,83 mg kg-1 (Kabata-Pendias, 2011), e não se verificou uma tendência óbvia na sua variação durante os 3 anos do estudo.
A concentração de As no arroz produzido nos sistemas de rega por aspersão foi menor, quando comparado com o valor obtido no arroz produzido nos sistemas de rega tradicionais, por inundação (Quadro 1), corroborando os resultados obtidos por outros autores (Moreno-Jiménez et al., 2014). Muito importante, essa redução foi mantida durante os três anos do estudo, atingindo concentrações de As mais de 5 vezes menores nos tratamentos aeróbios do que nas condições de rega por inundação, e sempre abaixo dos limites regulamentados.
No caso do As, os FB foram significativamente superiores nos sistemas de rega por inundação, quando comparados com os obtidos nos sistemas de rega por aspersão (Quadro 1). Porém, a aplicação de composto permitiu a diminuição desses valores de FB durante os 3 anos do estudo, de 0,43 para 0,19, permitindo uma diminuição do risco de acumulação de As no arroz, mesmo nos sistemas anaeróbios, embora sem diferenças significativas.
Ano | Trat. | Assolo (mg kg-1) | Asarroz (mg kg-1) | Asarroz /Assolo | ||||||||||||||||||||
1 | DA | 1,05 dC | 0,025 cA | 0,02 aA | DAC | 1,80 cB | 0,051 bcB | 0,03 aA | TA | 1,44 bC | 0,064 abcA | 0,04 aA | TAC | 2,26 aB | 0,055 bcB | 0,02 aA | TI | 1,66 cB | 0,403 abAB | 0,24 abA | TIC | 1,00 dC | 0,439 aAB | 0,43 bA |
2 | DA | 2,14 dB | 0,169 bA | 0,08 aA | DAC | 2,92 aA | 0,202 bA | 0,07 aA | TA | 2,88 abA | 0,206 bA | 0,07 aA | TAC | 2,57 cB | 0,144 bA | 0,06 aB | TI | 2,61 bcA | 0,669 aA | 0,26 bA | TIC | 2,04 dA | 0,751 aA | 0,37 bA |
3 | DA | 2,63 aA | 0,055 bA | 0,02 aA | DAC | 1,69 cB | 0,049 bB | 0,03 aA | TA | 2,22 bB | 0,052 bA | 0,02 aA | TAC | 2,90 aA | 0,049 bB | 0,02 aA | TI | 0,94 dC | 0,262 aB | 0,28 bA | ||||
TIC | 1,42 cA | 0,268 aB | 0,19 bA |
O intervalo típico de concentrações de Cd em solos argilosos não contaminados é de 0,2 a 0,8 mg kg-1 (Kabata-Pendias, 2011), dentro do qual estão compreendidos os valores encontrados nesta experiência (Tabela 2). Assim, apesar do aumento observado nas concentrações totais de Cd, em todos os tratamentos, durante os 3 anos de estudo, os valores permaneceram baixos. Uma possível explicação para o aumento de Cd no solo foi a aplicação de fertilizantes fosfatados, herbicidas e fungicidas, que são importantes fontes antrópicas de Cd para os sistemas agrícolas.
A aplicação de composto permitiu uma diminuição na concentração de Cd no arroz, em todos os tratamentos onde as concentrações foram quantificáveis, relativamente à concentração de Cd obtido nas mesmas práticas agrícolas, mas sem aplicação de composto (Quadro 2). Três anos após a aplicação do composto, o efeito residual na sementeira direta com rega por aspersão foi mesmo suficiente para baixar a concentração total de Cd no arroz para valores abaixo do limite de quantificação da técnica (<0,010 mg kg-1).
Apesar das diferenças encontradas não terem sido significativas entre tratamentos, em cada ano, ou para o mesmo tratamento em anos diferentes, essa tendência, a da diminuição na bioacumulação de Cd como consequência da aplicação de composto em tratamentos aeróbicos, foi evidente, sendo uma solução importante para lidar com o aumento verificado na concentração de Cd no arroz produzido em condições de rega por aspersão (Moreno-Jiménez et al., 2014).
Ano | Trat. | Cdsolo (mg kg-1) | Cdarroz (mg kg-1) | Cdarroz /Cdsolo | ||||||||||||||||||||
1 | DA | < 0,01 | 0,098 aA | 3,50 aA | DAC | < 0,01 | 0,020 aB | 2,00 aA | TA | < 0,01 | 0,063 aA | 3,50 aA | TAC | < 0,01 | 0,017 aA | 1,67 aA | TI | < 0,01 | < 0,010 | 1,00 aC | TIC | < 0,01 | < 0,010 | 1,00 aC |
2 | DA | 0,19 bB | 0,197 aA | 0,88 cA | DAC | 0,25 aA | 0,091 bA | 0,49 abA | TA | 0,24 aB | 0,169 aA | 0,65 bcA | TAC | 0,20 abB | 0,043 bA | 0,22 abA | TI | 0,23 abB | < 0,010 | 0,04 aB | TIC | 0,20 abB | < 0,010 | 0,05 aB |
3 | DA | 0,34 aA | 0,080 aA | 0,20 bA | DAC | 0,25 bA | < 0,010 | 0,04 aA | TA | 0,34 aA | 0,092 aA | 0,27 bA | TAC | 0,36 aA | < 0,010 | 0,09 aA | TI | 0,30 abA | < 0,010 | 0,03 aA | TIC | 0,34 aA | < 0,010 | 0,03 aA |
Os FB para Cd diminuíram do primeiro ao terceiro ano do estudo (Quadro 2). Mais importante, os FB para o Cd são menores nas parcelas tratadas com composto, nos sistemas de rega por aspersão, em relação às suas contrapartes não tratadas (DA e TA), enfatizando o efeito benéfico da aplicação de composto para diminuir a biodisponibilidade de Cd em sistemas aeróbios.