INTRODUÇÃO
As atividades mineiras são uma das causas antrópicas mais importantes de degradação e contaminação de solos a nível mundial (Protano e Nannoni, 2018). Esses solos apresentam diversas limitações físicas, químicas e biológicas, que proporcionam más condições nutricionais, altas concentrações de elementos potencialmente tóxicos (EPTs) e vegetação escassa (Alvarenga et al., 2019). Neste sentido, é de grande importância a recuperação destes solos, de modo a controlar os riscos e, eventualmente, repor a sua capacidade de uso, de uma forma equilibrada (Feng et al. 2019), com recurso a tecnologias de baixo custo, ambientalmente sustentáveis (Alvarenga et al., 2014).
Os resíduos produzidos na indústria da pasta de papel e papel (RIPPP) têm uma composição interessante para serem utilizados na remediação de solos potencialmente contaminados por atividades mineiras, em alternativa à sua deposição em aterros sanitários. As cinzas de biomassa (provenientes da combustão de resíduos florestais) podem ser utilizadas para fertilização dos solos, corrigindo algumas deficiências de nutrientes (K, P, Mg e Ca), e podem melhorar a capacidade tampão de solos ácidos, visto que são alcalinas (pH 12-13,5). Contudo, as cinzas são pobres em matéria orgânica (MO) e azoto (N). A correção dessa deficiência pode ser feita através da combinação das cinzas com lamas biológicas da estação de tratamento de efluentes dessa indústria (Alvarenga et al., 2019).
Este estudo teve como objetivo avaliar a capacidade de RIPPP para melhorar as propriedades de solos provenientes de três minas da Faixa Piritosa Ibérica (FPI): Aljustrel, Lousal e São Domingos.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi estabelecido um ensaio piloto na mina de São Domingos (Figura 1), com solos de três minas da FPI: Aljustrel (A), Lousal (L) e São Domingos (SD). O ensaio piloto incluiu a construção de 12 parcelas com 100 m2 cada, preparadas com solo de cada mina, o controlo (C); e com a adição de: (1) grânulos de cinzas de biomassa (GCB), estabilizados cerca de 6 meses ao ar livre; (2) GCB e lamas biológicas compostadas (GCB+LBC); e (3) uma mistura 1:3 (base volumétrica) de “materiais frescos”, cinzas de biomassa e lamas biológicas sem estabilização (CB+LB).
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Figura 1 Vista aérea do ensaio piloto desenvolvido na Mina de São Domingos: quatro talhões com os solos de cada uma das minas, e com os respetivos tratamentos (https://www.lifenowaste.pt/s/). As letras A, L e SD, corresponde os iniciais das minas, Aljustrel, Lousal e São Domingos e os números, 1, 2 e 3, os tipos de tratamentos (GCB, GCB+LBC e CB+LB), respetivamente. 0 - amostras de solos das minas utilizadas como controlo (sem tratamento).
Os solos foram amostrados em tempos distintos após a aplicação dos corretivos, avaliando-se: pH (1:2,5 p/v, em água desionizada), MO (Walkley-Black), N Kjeldahl e teor em P e K extraíveis (Egner-Rhiem).
A diminuição da fitotoxicidade do solo foi avaliada por testes de germinação e crescimento com agrião (Lepidium sativum), uma dicotiledónea, e com cevada (Hordeum vulgare), uma monocotiledónea, sendo calculada a sua germinação relativa (RSG, %); e através de testes de mortalidade com Eisenia fetida.
A ecotoxicidade dos extratos de água do solo compreendeu bioensaios com organismos representativos de diferentes níveis tróficos: inibição da luminescência de Vibrio fischeri; inibição do crescimento da microalga verde Pseudokirchneriella subcapitata; e mortalidade de Thamnocephalus platyurus e Daphnia magna.
Neste trabalho são apresentados os resultados para o solo de São Domingos, 1 mês (T1) e 25 meses (T4) após a aplicação dos materiais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Parâmetros físico-químicos
Verificaram-se melhorias significativas nas propriedades físico-químicas do solo SD. Destaca-se o aumento do pH, de valores ácidos (3,5-3,9) para valores na zona da neutralidade (7,2-7,7) e do teor de MO de 0,2-0,3% para 2,0-3,1%, com a aplicação de GCB+LBC e CB+LB, respetivamente (Figura 2).
Parâmetros ecotoxicológicos
Nos ensaios de germinação e de crescimento com L. sativum e H. vulgare, verificou-se uma boa resposta das plantas aos corretivos aplicados, com aumento da germinação relativa e crescimento nos solos tratados (Figura 3).
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Figura 3 Resultados dos ensaios de germinação e crescimento com L. sativum e H. vulgare (média±desvio padrão; n=3).
Verificou-se uma diminuição nas respostas tóxicas para a alga verde P. subcapitata, com diminuição da inibição de crescimento (Figura 4).
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Figura 4 Resultados dos ensaios de inibição de crescimento com P. subcapitata (média±desvio padrão; n=6).
Para os organismos D. magna e T. platyurus (Quadro 1), a resposta tóxica também diminuiu, verificando-se toxicidade apenas nos solos em que não foi aplicado qualquer um dos tratamentos. Para D. magna os valores de EC50 (concentração do extrato de solo que promove efeito tóxico em 50% dos organismos expostos; %, v/v) foram de 1,37 (T1) e 17,71% (T4). Para T. platyurus os valores de EC50 foram de 2,83 (T1) e 9,94% (T4) (Quadro 1).
Quadro 1 Resultados dos ensaios de mortalidade com D. magna e T. platyurus
Ensaio de mortalidade T. platyurus (EC 50 ; %) | |||
---|---|---|---|
T1 | T4 | ||
C | 2,83 [2,53; 3,15] | 9,94 [8,81; 11,0] | |
GCB | nt | nt | |
GCB+LBC | nt | nt | |
CB+LB | nt | nt | |
Ensaio de mortalidade D. magna (EC50; %) | |||
T1 | T4 | ||
C | 1,37 [0,77; 1,90] | 17,71 [14,85; 21,33] | |
GCB | nt | nt | |
GCB+LBC | nt | nt | |
CB+LB | nt | nt |
*EC50 (concentração do extrato de solo que promove efeito tóxico em 50% dos organismos expostos; %, v/v).
CONCLUSÕES
Os resultados apresentados indicam que os aditivos à base de RIPPP são adequados para serem usados como corretivos para solos degradados com atividades mineiras, destacando-se a aplicação de GCB+LBC e CB+LB. Um dos fatores essenciais para a diminuição da toxicidade pode estar correlacionado com a correção da acidez do solo, conseguida de forma eficaz por todos os corretivos avaliados, sendo que a neutralidade na reação dos solos se manteve durante os 25 meses de duração do ensaio.